dezembro 24, 2009

O CASO DO MENINO SEAN, UM CASO LAMENTÁVEL

Dizia a minha mãe: - “Quando a cabeça não dá, o corpo é quem padece”. Sábias palavras, signifiquem elas o que quer que seja. De qualquer forma, quando a estupidez e os interesses mesquinhos (mesmo sob o manto do tal “amor”) prevalecem, há sempre muito sofrimento e dor.

Estou-me referindo ao caso do menino Sean, cuja mãe, brasileira, morreu no parto de outra filha, de outro casamento, aqui no Brasil e cujo pai, americano, devia ser, pela lógica, o responsável pela criação e educação do menino. No entanto, num ato de estupidez amorosa, o padrasto brasileiro pediu a guarda provisória do menino. E noutro ato de estupidez jurídica, algum juiz a concedeu. Afinal, o sobrenome ilustre do requerente deve ter pesado, e muito, nesta decisão. Lins e Silva, uma família de juristas!

Cinco anos de luta. Entre o verdadeiro pai e a família da mãe. Cinco anos em que não se pensou, nem por um minuto, primeiro, na lógica; segundo, na lei; terceiro, nas implicações internacionais e, quarto, na cabeça da própria criança, centro de uma disputa kafkiana, entre juristas de dois países.

Lógica: se o pai é vivo, e capaz, e contra ele não pesa nenhuma acusação de abandono ou maus tratos, não se pode simplesmente, por um ato discricionário de uma avó ou de quem quer que seja, abolir o seu direito paterno. Isso não cabe em nenhuma cabeça. Por maior que fosse o amor da nova família à criança. Um acordo, nesses casos, tornaria a transição menos dolorosa para todas as partes envolvidas, sem necessidade de transformar um caso familiar em incidente diplomático internacional.

E entramos, então, nos aspectos legais e internacionais. A legislação brasileira sempre esteve a favor do pai americano, e somente os recursos protelatórios, totalmente descabidos e absurdos, avalizados pelo sobrenome ilustre da família, é que conduziram o caso para o terreno do Direito Internacional, que tem tratados muito definidos quanto ao assunto. Tratados de que o Brasil é signatário, não podendo, portanto, deixar de cumprir. Porque isso se constituiria em sequestro, simplesmente, sequestro de menor, agravado pelo fato de se realizar em pleno estado de direito e contra todas as evidências legais.

E, finalmente, não se pensou na própria criança. Se a Lei estava a favor do pai, por que não se tentou, antes de qualquer medida, o mais simples: um acordo, um acordo amigável, entre as duas famílias? Em benefício da criança. Que poderia, muito bem, conviver tanto com o pai americano quanto com a família brasileira, para benefício do menino, que teria o privilégio de conviver com duas culturas, duas línguas, dois países.

Mas, não: preferiu-se o confronto. Com o risco de, ao final, saírem todos perdendo, e deixando sequelas difíceis de serem cicatrizadas. E o pior: mesmo sabendo a família brasileira, de ilustres juristas, que seria uma causa perdida. Ou alguém duvida de que eles sabiam das condições legais de sua demanda? Claro que sabiam que só remotamente ganhariam a causa, muito remotamente.

E nessa luta absurda, envolveram-se elementos que não podiam nem deviam ser envolvidos, principalmente de parte dos Estados Unidos, quando seu próprio presidente foi instado a pressionar o governo brasileiro por uma solução que era eminentemente jurídica, e não política. Até mesmo um senador americano boicotou a aprovação de tratado internacional que beneficiaria o Brasil, entre outros países, por causa do menino.

E, ao final do caso, o fato de o governo americano fretar um jatinho para levar para casa o pai e a criança deixou bem clara a mensagem de que não confiava na Justiça brasileira, na sua visão, pusilânime, demorada e sujeita a mudanças. E isso é totalmente lamentável, em termos internacionais!

E a família brasileira, por sua vez, veio a público, também pressionando o Presidente da República que interviesse no caso, como se um presidente, num estado de direito, pudesse transformar-se em juiz de um caso cuja legislação é clara, tanto em termos nacionais quanto internacionais.

Até os argumentos de que é “tradição” uma criança ser criada pela avó materna, na falta da mãe, são falaciosos e inventados para dar apelo emocional ao caso e, com isso, conquistar a simpatia da imprensa e da opinião pública. E mais: dizer que a criança foi “vendida” em troca da aprovação de um tratado, por alguns milhões de dólares, é só um ato de desespero, que não deve ser levado em conta.

Portanto, um caso simples de lógica, de respeito à lei, de compreensão da vida, quase se transforma em incidente internacional. Se estivéssemos em outras épocas, seria até o caso de desencadear-se uma guerra entre dois países amigos, por uma questão de caráter puramente familiar. Não estou exagerando, pois a História, desde a guerra de Tróia, está cheia de exemplos em que muitas vidas foram perdidas em lutas fratricidas por encontrarem as nações o pretexto para a guerra em fatos corriqueiros da vida particular, transformados em “honra nacional”.

Se eu fosse o pai dessa criança, moveria mundos e fundos, lá dos Estados Unidos, para processar por perdas e danos ao menino a família brasileira, como uma lição para que nunca mais, no mundo, acontecesse um fato lamentável como esse, de tentativa de burlar leis nacionais e internacionais, além da própria lógica da vida, por motivos sentimentais ou por quaisquer outros motivos.

Fique, pois, o caso do menino Sean como uma lição, para todos, de como um ato aparentemente de “amor” pode transformar-se num incidente de proporções incontroláveis, por ser, ao verdade, ao fim e ao cabo, um ato de insensatez humana.

“Quando a cabeça não dá...”

dezembro 18, 2009

AS VIÚVAS DE FHC





Há uma “fábula” rodando por aí:




Um belo dia o príncipe se olhou no espelho mágico e perguntou:

- Diga-me, espelho meu, existe alguém mais Presidente, mais Inteligente, mais Competente, mais Príncipe do que eu? 

Respondeu o espelho:

- Sim: o Sapo!

Pois, é: o Sapo não tem diploma (a não ser o de Presidente), não é bonito, não é elegante, não fala inglês e se atrapalha com o português, não tem charme, tem um dedo a menos numa das mãos, mas...

É o cara! Um dos homens, hoje, mais influentes do planeta Terra. Cortejado por todos os poderosos. Admirado mundo afora. E tem 80% (eu disse oitenta!) de aprovação do povo brasileiro.

Também, pudera: começou a construir, agora pra valer, o Brasil do futuro. Tirou trinta milhões de pessoas da linha absoluta da pobreza. Livrou-nos do FMI. Estabilizou de vez a economia. Domou a inflação. Criou 10 milhões de novos empregos. Enfim, fez exatamente o contrário do que fizera antes o Príncipe, com sua elegância, com seus diplomas, com seu inglês fluente, com sua fala melíflua e seus modos de gente que comia três refeições por dia e estudava na USP.

No entanto, as viúvas do Príncipe continuam por aí, a carpir, com saudade, as várias recessões econômicas promovidas por ele, com o consequente extermínio de empregos, os apagões, a venda do patrimônio público a preço de bananas, enfim, todo aquele corolário neoliberal que todos conhecemos e que deixou o País quebrado e sem esperanças.

As viúvas espalham-se por aí, embora não sejam muitas. Fazem, no entanto, um barulho infernal, com seus lamentos e sua choradeira. Tentam ressuscitar seu Príncipe em políticos que rezem pela mesma cartilha, principalmente o atual ocupante do Palácio dos Bandeirantes, que é o seu atual preferido para ser o próximo Príncipe.

Dizem que as viúvas têm um partido – o PIG (Partido da Imprensa Golpista) – porque se alojam, principalmente, em redações de jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão. Daí, a aparente (e eu acho, na verdade, que não é tão aparente assim, é real) força desse grupo. Mas eu acho que as viúvas formam, na verdade, um bloco carnavalesco, um bloco de sujos. Um bloco de sujos barulhento. Que fala e escreve bobagens por aí, no intuito de emplacar a candidatura do já eleito, na opinião deles, governador de São Paulo.

Essas carpideiras todas não são inocentes, não. São perigosas, porque têm força na mídia e um poder imenso de comunicação. Por isso, todo cuidado é pouco com essas viúvas – as mesmas que nos deram os governos militares (lembram como a mídia da época apoiou o golpe de 64? – eu não esqueço, não); depois nos impingiram um tal de caçador de marajás (lembram como a mídia da época fez até trapaça para eleger o cara? – eu não esqueço, não); e finalmente nos brindaram com o exterminador de empregos, o glorioso FHC, pelo qual elas, as viúvas, vivem ainda em lamento profundo, esquecidas de que ele já morreu há tempos, embora um fantasma seu siga por aí a falar e a escrever bobagens, consultando de vez em quando o seu espelho mágico que lhe repete sempre, num mantra para ele desesperador: o Sapo, o Sapo, o Sapo!

Ah, as viúvas do FHC! É preciso temê-las! É preciso exorcizá-las! É preciso isolá-las nos cemitérios em que trabalham, mas isso é quase impossível. Deixemo-las carpir e não lhes demos ouvidos, portanto!

dezembro 12, 2009

LULA E A MERDA













O povo que votou – duas vezes – em Lula para Presidente, o povo que lhe dá, hoje, mais de 80% de aprovação, esse povo conhece bem o jeito dele, a franqueza dele. Porque é assim que esse povo fala. Palavrão, para esse povo, é fome, é miséria, é doença, é falta de esgoto, é morar onde não mora ninguém, como dizia um velho samba. Para esse povo, que vivia – e muitos ainda vivem – na merda, essa palavra não é palavrão, é convivência diária, pelo pouco que têm, pela comida ruim, pela rua esburacada, pelo córrego que transborda e leva tudo, quando tudo é quase nada, pela falta de condução.

Para esse povo, merda é dia a dia. E não choca a esse povo que seu Presidente diga o que eles estão cansados de viver – na merda.

Já para os ouvidos sensíveis de certos colunistas de jornal, de certa mídia que frequenta restaurantes franceses onde só o vinho custa dois anos de salário do pobre, para essa gente, que come caviar – que vai também virar a mesma merda que o arroz com feijão do pobre – para essa gente, o Presidente é grosso, é inconveniente, por trazer à baila um assunto que sempre esteve debaixo do tapete dos políticos corruptos que eles apoiam: saneamento básico.

O Brasil tem quase seis mil municípios, quase seis mil prefeitos e um número incalculável de vereadores espalhados por suas quase seis mil casas legislativas. A maioria absoluta desses municípios são pequenos, pequenos mas orgulhosos. Não exatamente dos prefeitos que escolhe o seu povo, ou que é obrigado a escolher, pelo sistema partidário atual. Ser prefeito de cidade pequena é, em geral, o melhor emprego do mundo: ganha-se bem, não se faz nada e tem-se prestígio local. E aquele pequeno poder que enche a cabeça dos que não nada têm na cabeça, a não ser a vontade de enriquecer.

Vá a qualquer cidade pequena e, por mais miserável que seja, procure a casa do prefeito: é, quase sempre, a mais bonita da cidade. E, quase sempre, o prefeito é fazendeiro ou pertence à chamada elite local. Pergunte por saneamento básico, isto é, serviço de água e esgoto. Quase sempre, a resposta será a mesma: esgoto? Pode até ter. Mas... é tratado? Em 99% por cento dos casos, pode ter certeza: tratamento de esgoto é coisa que ninguém nem sabe o que é.

Vou dar um exemplo extremo, em todos os sentidos: na Grande São Paulo, há uma cidade chamada Guarulhos. É um dos mais populosos municípios de São Paulo, com mais de um milhão e duzentos mil habitantes. Vá ao site da Prefeitura de Guarulhos – há todo tipo de informação. Procure saneamento, ou saneamento básico. Nada. Por quê? Porque, simplesmente, a grande cidade de Guarulhos não trata um só litro de seu esgoto, que é todo lançado no rio Tietê!

Prefeito que é prefeito não se preocupa com isso. Fazer esgoto e tratar esgoto é enterrar votos, como sempre se diz.

Saneamento básico, tratamento de esgoto, isso é condição fundamental de qualidade de vida, de saúde. Mas, não: eles, os prefeitos, preferem asfaltar ruas, construir pontes e viadutos, fazer obras que dêem dinheiro às empreiteiras e comissão para eles, para seus secretários, para seus seguidores políticos. E comprar ambulância, que é a única preocupação que eles têm com a saúde de seus munícipes, porque basta colocar o doente na ambulância e levá-lo para a capital.

Contratar empréstimos com o BNDES – o Banco Nacional de Desenvolvimento Social – para saneamento básico, quase sempre a fundo quase perdido, para o que basta vontade política e um pouco de preocupação social e um pouco, muito pouco, de visão de futuro, isso não lhes passa nunca pela cabeça. O povo? Ah, o povo que viva na merda, como sempre viveu.

Agora que o Lula escancarou essa realidade, com uma simples palavra – merda – que os idiotinhas das redações de uma certa imprensa que só pensa em um novo governo liberal que escancare as burras dos governos para seus donos, as elites que comandam os impérios midiáticos do Brasil, pois esses idiotinhas dizem que Presidente falar palavrão é feio, é inconveniente, é sinal de que não tem preparo para governar o País, esquecidos todos eles, claro, da merda que seus preferidos políticos sempre fizeram no Brasil, em termos de administração pública e de safadeza com o povo.

Cagam – literalmente – esses idiotinhas as regras para um tipo de governo que não interessa ao povo, porque essa gente que aqui esteve antes do Lula, com seu linguajar empoado, com seu jeito empavonado, com seus diplomas emoldurados, nada fez para tirar o povo da merda, como Lula está fazendo.

Então, é preferível, sim, um Presidente que fale merda do que presidentes que sempre fizeram merda!

dezembro 08, 2009

"DESVIOS DE CONDUTA"







O título acima está entre aspas, porque não é meu: é de um articulista de O Estado de São Paulo, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), JOSÉ DE SOUZA MARTINS.

No domingo, 6 de dezembro deste ano de 2009, publicou ele no caderno “Aliás”, um artigo em que afirma, já no subtítulo da matéria, que “violência de bandidos e polícia escancara uma sociedade em que o desenvolvimento social ficou muito aquém do econômico”.

Só por aí já se pode ter alguma idéia do discurso do ilustre professor. Listando uma série de crimes, como a da “jovem vendedora, de 21 anos de idade, moradora no morro de São Carlos, no centro do Rio, (...) detida e sequestrada, roubada (...), objeto de tentativa de extorsão (...), ferida com um tiro na boca e jogada de penhasco na Floresta da Tijuca, por um cabo e um soldado da Polícia Militar”; passando pelo caso da favela Naval em São Paulo, em que “um sargento, dois cabos e seis soldados (...)” foram filmados “na prática de violência contra a população pobre e indefesa” até o crime do menor (na época) Champinha, que sequestrou, torturou e matou um jovem casal de classe média que acampava num sítio abandonado de Embu-Guaçu, grande São Paulo, José de Souza Martins conclui que “esses episódios nos falam do profundo estado de anomia da sociedade brasileira, de desencontro entre valores e condutas, pesada herança histórica de uma sociedade em que o desenvolvimento social ficou muito aquém do desenvolvimento econômico, a sociedade de uma modernidade fictícia, sustentada pelos arcaísmos de nosso atraso crônico”.

Belas palavras, à primeira vista: somos bárbaros porque somos pobres.

Será?

Ora, todos sabemos que a sociedade brasileira não é, em primeiro lugar, anômica, ou seja, desregulada, sem leis ou regulamentos sociais. Muito ao contrário, temos até leis demais. Apenas ou não são cumpridas, ou são muito complacentes em relação a alguns crimes, principalmente os que envolvem assassínios (essa história de progressão de pena para crimes de morte é um absurdo jurídico).

O problema está nos argumentos seguintes – desencontro de valores e condutas, herança histórica, desenvolvimento social aquém do econômico, modernidade fictícia, arcaísmos e atraso crônico.

Vejamos: se tomarmos um país de primeiro mundo, como os Estados Unidos, podemos listar uma série de crimes bárbaros, sendo que os piores e mais grotescos são, primeiro, os assassínios em série (serial killers) e as chacinas promovidas por jovens de classe média (nos padrões americanos, o que não é pouca coisa) que, de vez em quando, enlouquecidos por doutrinas esdrúxulas e armados até os dentes (por uma sociedade complacente quanto ao uso de armas) matam colegas e professores de uma tranquila escola de alguma mais do que tranquila cidade do interior. Em seguida, poderíamos citar a violência policial (também comum, principalmente contra negros, latinos e pobres), ou a barbárie dos soldados surpreendidos a torturar civis no Iraque.

Não podíamos usar exatamente as mesmas palavras de conclusão do ilustre professor?

Vamos à civilizada Europa. Podemos listar, também, uma série de crimes bárbaros, tais como o do holandês a manter em cárcere privado, por quase trinta anos, a filha a quem abusava e com quem teve vários filhos, ou o alemão que atraiu e comeu (literalmente, pela boca!) a outro conterrâneo, ou ainda a polícia inglesa (tão fria e tão profissional!) a assassinar barbaramente um rapaz (brasileiro!), no vagão de um metrô, por confundi-lo (ou supostamente confundi-lo) com um terrorista, sem lhe dar nenhuma oportunidade de explicar ou sem que ele esboçasse qualquer reação. E também poderíamos citar os hooligans ou a violência policial de quase todos os países europeus a espancar e expulsar os imigrantes, por preconceito ou por motivos econômicos.

Não podíamos usar exatamente as mesmas palavras de conclusão do ilustre professor?

Então, será que ser pobre é sinônimo de ser violento? Uma sociedade pobre é uma sociedade violenta?

A pobreza pode, sim, justificar revoltas, sublevações, protestos e tudo o que advém desse tipo de atitude de populações carentes, em confronto com forças policiais repressoras. “Violência” (colocada entre todas as aspas possíveis) de cunho social ou, às vezes, até de base política. Mas, nunca, em absoluto, nem mais nem menos crimes hediondos individualizados, isto é, cometidos por pessoas sem formação ética, poderiam ser atribuídos à condição social desses indivíduos, já que crimes bárbaros acontecem em todas as classes sociais, desde a jovem adolescente a permitir friamente a morte dos pais, até a clássica violência contra mulheres e crianças dentro de lares perfeitamente constituídos, tanto na favela quanto no condomínio de luxo.

Não somos uma sociedade violenta porque somos pobres ou porque nosso modelo de desenvolvimento privilegia o econômico e não o social. Aliás, esse modelo, senhor professor, é o que permaneceu vigindo desde os anos mil e quinhentos até hoje. E mais, senhor professor, é modelo importado de praticamente todos os demais países. Além disso, está sendo quebrado por políticas sociais que nunca aconteceram antes, mesmo que caiamos no bordão do atual presidente da República.

Temos uma sociedade violenta, senhor professor, por mil e uma causas. E, talvez, entre essas causas possamos até incluir a miserabilidade de nosso povo. Mas não com exclusividade. O pobre não é mais violento do que o rico, em termos de crimes individuais como os que o senhor citou. E se cairmos no problema do tráfico, iremos bater, necessariamente, à porta das classes consumidoras que, em absoluta maioria, localiza-se nos apartamentos elegantes e nas mansões de milhões de dólares de condomínios de luxo. Enquanto o rico consome a cocaína (felizmente batizada) em carreirinhas distribuídas em pratos de prata, separadas pelo acinte do chavão de um cartão de crédito internacional, os miseráveis se consomem com a cocaína vagabunda do crack que o vicia com poucas doses e mata em pouco tempo.

Portanto, senhor professor acadêmico da USP, não sei se os seus argumentos são ilógicos e escamoteadores da realidade por simplismo de análise ou porque há um viés político nas suas entrelinhas. De qualquer maneira, começo a pensar que há, sim, muitas pessoas que pensam certo, mas escrevem por linhas tortas, porque fazem parte da parcela de vinte por cento da população brasileira que não concorda em que temos um presidente, pela primeira vez na história, que não saiu dos quadros de suas pretensas elites – pensantes ou econômicas.

dezembro 03, 2009

PÉ EM DEUS E FÉ NA GRANA

Tenho, sim, ojeriza a tudo que é metafísico. A tudo que é relacionado a “espírito”, “fé”, “religião”. Não sou daqueles que pensam que religião é o ópio do povo: acho que religião é muito mais que isso, é uma das invenções humanas mais perversas e inúteis. Gasta-se um tempo imenso em tentar adular aos deuses (estejam eles no plural ou no singular, o sentido é o mesmo) e deixa-se de viver outro tanto. Graças à religião, graças ao culto aos deuses, a humanidade tem construído e pregado aberrações, como a exclusão de pessoas, tribos, grupos, nações inteiras, somente por não terem a mesma fé. Guerras e preconceitos, chacinas e ódios sempre foram estimulados sutilmente por todas as crenças deístas. Pregam o amor, mas instilam o ódio. Porque são excludentes, por princípio, já que o deus a quem devotam sua fé somente salvará os que o seguem.

Nem por isso, por meu ateísmo, vou defender a extinção pura e simples dos religiosos, como esses costumam tentar fazer uns com os outros, quando têm o poder para isso, como a igreja perseguiu judeus e bruxas durante a inquisição. E não só os perseguiu, mas torturou e matou a quantos se opunham a seus princípios. E hoje fazem o mesmo os seguidores do Corão, em relação aos demais povos. E continuarão fazendo, enquanto acreditarem que seu deus é o único e precisa de sangue humano para continuar a existir no imaginário da humanidade. Não, não vou defender nem mesmo a união de ateus contra o estigma e a estupidez da crença deísta. Porque não acho que se possa substituir uma barbárie pela outra, e é isso que sempre faz o homem quando de posse de um conhecimento ou de uma crença que ele julga absoluta. E o ateísmo não é nem pode ser considerado uma crença: ateísmo não é o contrário de crença; ateísmo é a ausência da crença em deus ou em deuses, por absoluta desnecessidade de cultuá-los. E os ateus não são bons nem maus, são apenas homens que não precisam de metafísicas.

Mas, não posso concordar, em nome de uma pretensa liberdade de culto, que as pessoas não paguem por sua fé. Dar isenção fiscal a igrejas, templos ou quaisquer outros lugares de culto, como sinal de liberdade, é aberração. Se as pessoas querem seguir um culto e pagar por ele, que o façam dentro da lei, como todos os demais: paguem também os impostos devidos!

A Constituição Brasileira deu isenção fiscal às igrejas e cultos, mas esse dispositivo entra em contradição e é absolutamente incongruente com o princípio da igualdade de todos perante a Lei.

E mais: ao dar isenção fiscal aos cultos, abriu a brecha para a existência de milhares de falcatruas, de falsos templos, de picaretas de todos os tipos, que se aproveitam do dispositivo constitucional para ludibriar a fé alheia, enriquecendo ou construindo verdadeiros impérios empresariais à custa de donativos e de dízimos cobrados dos pobres imbecis que buscam algum tipo de pretenso alívio de seus sofrimentos na pregação absurda de falsos pastores e bispos que só querem, mesmo, o seu próprio bem estar.

Repito: que haja liberdade de culto (e também liberdade para pessoas como eu que falam contra a idéia de deus), mas que os crentes registrem suas doações e as igrejas paguem todos os impostos devidos, como todos o fazem.

Conceder privilégios a quem quer que seja não é democrático, não é republicano, não é lógico. Mas, estamos todos atados pelo lobby da fé, que inseriu os dispositivos legais e os mantém.

Para ilustrar minhas palavras, reproduzo o texto abaixo, publicado na Folha de São Paulo em 2 de dezembro de 2009, com uma ressalva: esses picaretas não têm exatamente o “respaldo do governo” – têm o respaldo de qualquer governo, porque, enquanto não se mudar a Constituição, nada se pode fazer:


Piratas da fé

FERNANDO DE BARROS E SILVA


É muito fácil fundar uma igreja no Brasil. No último domingo, esta Folha publicou reportagem em que relatava como três de seus profissionais criaram a Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio, com custo de R$ 418.

Ninguém seja maluco de participar de igreja de jornalista, mas, ironias à parte, com a sua nova doutrina, Hélio Schwartsman e seus dois "bispos" puderam fazer operações financeiras isentas de IR e IOF.

Pela lei, como qualquer outra, a Igreja Heliocêntrica está dispensada de pagar IPTU (imóveis urbanos), ITR (imóveis rurais), IPVA (veículos) e ISS (serviços). A Constituição concedeu imunidade tributária às igrejas como forma de proteger a liberdade de culto. Na prática, esse princípio vem sendo sistematicamente desvirtuado.

Um dos efeitos históricos dessa distorção, para falar do que importa, foi a consolidação de um novo grupo de milionários da fé, basicamente composto por pastores-empresários e pastores-políticos. Eles se valem do dinheiro obtido por meio da religião (o dízimo, não tributado) para alavancar atividades mercantis que deveriam estar sujeitas ao recolhimento de impostos.Não há como decidir por princípio se uma igreja é "séria" ou "vigarista". Aos olhos do fiel, a sua igreja será sempre legítima. Para um ateu, todas têm o dom de iludir.

A questão aqui é outra: o pastor pode pregar para (ou enganar) seus fiéis à vontade; só não pode é usar a Bíblia para ludibriar a Constituição. Igrejas não podem ser biombo de práticas comerciais nem a fé pode ser pretexto para atos ilícitos.

Quando alguém extrai lucro de um estacionamento ao lado de um templo e não paga IPTU por isso, temos aí um pequeno delito. Quando o dinheiro dos fiéis está na origem de um conglomerado empresarial que tem como joia da coroa uma TV (concessão pública) avaliada em R$ 2 bilhões, então o problema é bem mais sério. E pior fica quando esses piratas do Senhor se tornam figuras respeitáveis da República com o respaldo do governo.

novembro 26, 2009

MOTOS E MOTOQUEIROS: ATÉ QUANDO?



Uma exemplar historinha antiga. Do tempo da ditadura.

Conta-se que, uma vez, em Belo Horizonte, saiu a toda de um quartel da PM uma ambulância. Sirene ligada. Velocidade máxima pelas ruas, assustando a todos, dispersando pedestres e motoristas.

Por azar, a tal ambulância bateu. E capotou. Foi aquela correria. Afinal, numa ambulância podia haver gente que precisava ser socorrida, gente que ia, talvez, ser levada urgentemente para um hospital. Já que os dois praças saíam da cabine, apenas um pouco tontos, abriram a porta traseira do veículo. Com grande apreensão, claro!

Surpresa! Dentro, só havia uma grande bagunça de latas de comida. Eram os restos do rancho do quartel, que iam ser levados para alimentar os porcos do coronel. Lavagem, apenas lavagem para porcos continha a ambulância que, com toda a pressa do mundo, arremetia pelas ruas de Belo Horizonte.

Corta. Ano 2009.

No Congresso, discute-se e começa-se a aprovar uma lei que impede que motocicletas trafeguem entre os automóveis, exceto com o trânsito parado. Na verdade, recupera-se um artigo do Código de Trânsito Brasileiro, vetado, em má hora, pelo presidente FHC. Foi quando se deu início à barbárie.

Com liberdade de andar a seu bel prazer no trânsito caótico das grandes cidades, como São Paulo, os motoqueiros e sua pressa infernal só têm provocado acidentes, nos quais eles mesmos são as maiores vítimas. Morrem na capital paulistana quarenta e cinco motociclistas por mês. E o gasto dos hospitais públicos com a recuperação de acidentados de motos chega aos milhões de reais por mês. Um custo social contabilizado em vidas e em capital que podia ser empregado em prol da população, tão carente de assistência médica.

O que tem a ver a história da ambulância com a violência da morte de motoqueiros, principalmente em São Paulo?

Aparentemente nada.

Mas, pense bem: os soldados da ambulância tinham urgência em entregar a tal lavagem na casa do coronel? Claro que não. No entanto, saíram a toda velocidade, com sirenes ligadas, dando o show que pode dar uma ambulância em situação de emergência. É a falsa pressa. Aquela ocasionada por irresponsabilidade ou por pressão, falsa pressão, de superiores, tanto um provável sargento que a recomendou, talvez aos berros, para impor autoridade ou para bajular o coronel, pois que os porcos tinham urgência de receber sua ração.

O mesmo acontece com o serviço de motoboy, o principal responsável pela correria desenfreada das motos pelas ruas da cidade de São Paulo: a falsa pressa.

Por pressão (repito: falsa) do mercado, ou seja, dos patrões e dos pretensos receptores das encomendas que eles transportam, cria-se a cultura da urgência, da entrega mais rápida que a do concorrente. Não tenho estatísticas que provem que o que eu vou dizer está certo, mas tenho quase a absoluta certeza de que a imensa maioria, talvez quase 100% das encomendas que esses motoboys entregam não têm a urgência que dizem ter. E não estou falando de entregadores de pizza, não!

Urgência, para mim, é quando a pressa envolve a salvação de uma vida. Concerne isso a bombeiros, policiais, paramédicos, enfim, socorristas. No mais, tudo é falsa pressa. Negócios não são perdidos porque um documento chegou quinze ou vinte minutos depois. E mesmo que fossem perdidos, são apenas negócios, não valem vidas humanas.

Desde a Revolução Industrial, centenas de milhares de profissões desapareceram ao longo do tempo, por inúteis ou por serem trocadas por outras mais importantes ou diferentes. A cota de obsolescência é sempre alta, em termos históricos, quando se trata de atividades humanas.

Se o tal serviço urgente urgentíssimo que os motoboys prestam à população, com o risco de suas vidas e de vidas alheias, desaparecesse hoje, é provável que alguns milhares de usuários se sentissem perdidos por uns dois ou três dias, uma semana, no máximo. Mas, ao fim e ao cabo, todos se adaptariam e criariam um novo sistema de entregas, menos desumano e, talvez, mais ágil, que um dia também se tornaria obsoleto.

Quanto aos que trabalham nessa insanidade que se chama rodar a velocidades absurdas, costurando o trânsito, arriscando a vida, em cima de duas rodas, num claro desafio a todas as leis da lógica e da física, esses, com certeza, também se adaptariam aos novos tempos e, em poucos dias ou poucos meses (cobertos pelo salário desemprego) já teriam uma nova ocupação e estariam, vivos, ganhado a vida de outra maneira.

outubro 28, 2009

DROGAS? QUE TAL LIBERAR JÁ?








Fiquei muitos dias pensando em como abordar o assunto. Sei que ele é cascudo. Sei, também, que há muito preconceito, muito desconhecimento sobre ele. Mas, há, sobretudo, muito sofrimento.

Por isso, desculpem-me se não conseguir aclarar como devia o meu pensamento. Mil desculpas.

Já o abordei algures e alhures, mas, agora, sob o impacto das notícias que abalaram o Rio de Janeiro, nos últimos dias, com a mídia batendo forte na violência da Cidade Maravilhosa, com repercussão internacional e tudo, a coisa se complica.

Quando se aborda o uso de drogas em algum meio de comunicação, há sempre alguém berrando: LIBERA JÁ! Ou seja, há um lobby pela liberação das drogas, um lobby irresponsável, eu acho, porque apenas solta a esmo slogans sem nenhum aprofundamento mais sério do tema.

Mesmo assim, fiquei pensando: sim, vamos liberar as drogas!

Então, surgiram dúvidas, perguntas, empecilhos, questionamentos. Mais uma vez, peço desculpas, se tenho tantas dúvidas. Talvez sejam apenas um meio de aprofundar o assunto, de buscar saídas, de até concordar com a liberação total das drogas. Não sei. Jogo as minhas dúvidas no ar. Se você, que por acaso me ler, tiver alguma resposta, por favor, escreva, para mim ou para as autoridades, para os meios de comunicação, para o Papa, se quiser, mas escreva, fale, grite sua opinião. Quem sabe, assim, a gente poderia começar a pensar seriamente no assunto?

Vamos a algumas de minhas dúvidas:

Liberam-se todas as drogas? Desde maconha até o crack? Desde o crack até a mais recente invenção de algum maluco, com misturas improváveis ou cruzamentos genéticos potencializadores?

Se liberadas, quem vai poder comercializá-las? Onde vão ser vendidas? Por exemplo: só os ex-traficantes ou também o comércio em geral? Vão ser vendidas em shopping centers? Em bancas de jornais? Ou em lugares específicos, controlados, escondidos?

Todo mundo vai poder comprar? Ou só com receita médica? A partir de quantos anos será liberada a compra?

Todo mundo que comprar vai ser obrigado a se declarar consumidor quando, por exemplo, disputar um cargo público ou um emprego no boteco da esquina?

O preço: será tabelado ou valerão as leis do mercado?

Haverá limites de compra pelos consumidores? Ou poderão comprar à vontade, em quaisquer quantidades?

Haverá linha de crédito nos bancos, para consumidores, com juros subsidiados ou com juros mais elevados, por causa do risco maior de que não honrem o compromisso?

Vou ser obrigado, por exemplo, a aceitar que um consumidor de drogas, declarado ou publicamente conhecido, me opere quando precisar ou que o piloto do avião enrole a língua ao nos desejar boa viagem, senão poderei ser acusado de preconceito?

Quando alguém morrer de overdose, quem pagará o enterro? A família ou o Estado que permite que ele se drogue até morrer?

As companhias de seguro poderão emitir apólices de seguro de vida para as famílias dos drogados? E qual vai ser o preço desse seguro?

Quando meu filho, ou meu irmão, ou meu pai chegarem drogados, quase mortos, em casa, completamente sem noção de nada, tenho o direito de chamar uma ambulância pública e interná-los sem seu consentimento? E quem pagará a internação? As empresas de saúde ou o SUS?

O imposto sobre as drogas (já que legalizadas, deverão pagar impostos, certo?) financiará o tratamento de quem deseja parar? Ou ajudará a fazer a felicidade de todos, financiando estradas, moradias, educação etc.?

As empresas serão obrigadas a destinar espaços especiais para os drogados – drogódromos (assim como havia os fumódromos) – para os seus empregados usarem drogas na hora do almoço?

Se o drogado se acidentar durante o trabalho, porque estava drogado, isso será computado como acidente de trabalho ou acidente de droga?

Haverá hospitais especiais para os drogados que desejarem “dar um tempo” ou se tratarem? E quem pagará a conta desses tratamentos? O SUS ou um seguro-droga qualquer a ser criado pela lei?

O fato de o indivíduo usar droga, isso será relevante ou irrelevante, se ele se candidatar a um cargo público?

Poderá haver partidos que aceitem em suas fileiras apenas consumidores de drogas? Ou isso será preconceito?

O estado alterado de consciência de um consumidor de drogas será considerado agravante ou não, quando houver crimes envolvendo tais indivíduos?

E os juízes, também poderão usar drogas? E eu serei obrigado a aceitar a sentença de uma corte onde a maioria de seus componentes de declara consumidora de drogas?

Será criado um termo especial para designar os usuários contumazes de drogas, assim como se diz de um gordo ou aleijado que ele “tem necessidades especiais”?

Enfim, nesse Paraíso que se transformará a Terra, com todo mundo se drogando, ou drogando uns aos outros e sendo drogado, haverá lugar para quem não queira se drogar ou esses terão que se mudar para Vênus ou Marte?




P.S.: Tenho falado do Rio de Janeiro, porque é, hoje, o centro do furacão aqui em Pindorama. Mas sei que há de tudo por aí, do Oiapoque ao Chuí, na terra de Obama ou nas cavernas do Osama...


outubro 22, 2009

RIO EM GUERRA: DE QUEM É A CULPA?








É claro que há questões complexas na guerra civil que parece tomar conta da futura sede das Olimpíadas. E há, também, exploração nacional e internacional dos fatos, principalmente diante da violência dos contendores.

Há uma longa série de equívocos históricos cometidos pelos governantes do Rio de Janeiro, dos quais não escapam de culpa prefeitos e governadores que estiveram à frente da política nesses últimos vinte ou trinta anos. Há também o problema do comércio ilegal de armas, cuja responsabilidade inclui autoridades do Brasil e dos países da América Latina que se prestam a entreposto desse tipo de comércio.

E há a questão das drogas.

São elas, as drogas, talvez o ponto nevrálgico de todo esse imbróglio que não será resolvido tão facilmente, ou seja, não bastam ações policiais e a matança desenfreada e também não bastam ações sociais nos morros e favelas. Porque, na minha opinião, a solução do problema, além de todas as ações que já se realizaram nos morros, tanto em termos sociais quanto repressivos, passa por uma população que não mora nos morros nem nas favelas.

Estou-me referindo, claro, à imensa população consumidora daquilo que o morro lhe traz: drogas.

Ou alguém acha que os traficantes que arrostam batalhões policiais com caríssimas armas importadas trabalham para obter a droga e vender aos favelados ou à classe média média que habita os morros?

O consumo da droga, comprada a preço de ouro pelos “bonitinhos” dos bairros elegantes de toda a cidade, é que, ao fim e ao cabo, financia toda essa baderna que parece não ter fim. E não terá. Enquanto houver consumidores, haverá traficantes. E enquanto houver traficantes, haverá repressão e luta armada entre os próprios traficantes ou entre eles e a polícia, quase sempre em desvantagem diante do poder de fogo dos bandidos.

Porque rola muita, muita grana.

Quem fuma seu cigarrinho de maconha ou ingere seja lá que droga for, nas festinhas de embalo, nos apartamentos bem mobiliados da classe média e alta, está, sim, consumindo o sangue dos que lutam nos morros, sejam eles traficantes, policiais que os combatem ou inocentes surpreendidos por balas perdidas.

Podemos desde já prever que, daqui a pouco, manifestações “pela paz”, em forma de discursos bem articulados ou de passeatas na Zona Sul, se erguerão contra os acontecimentos lamentáveis. Esquecem-se, no entanto, esses mesmos que protestam, que são cúmplices da guerra sanguinária, ou por consumir sua maconha “inocente” ou por tolerar e até mesmo proteger e financiar amigos, filhos e parentes que não deixam de usar as drogas que o morro vende.

Portanto, assisto com indignação, mas também com certo desdém desanimado, a tudo o que acontece na Cidade Maravilhosa, porque sei que há, por parte da maioria dos entes envolvidos (comunidades, sociedade, governos, polícias, mídia), uma grande, uma enorme hipocrisia na discussão e encaminhamento de soluções para um problema que não tem solução de curto prazo, ou talvez não tenha solução nunca.

Porque, quando a culpa é todos, ninguém se sente culpado.


outubro 19, 2009

EIA, SUS, HINO NACIONAL!




Está bombando na Internet o vídeo de uma senhorinha santista sobre o Hino Nacional. Muito simpática a Ana Arcanjo, do alto de seus mais de noventa anos (infelizmente soube que faleceu no início do ano). Também muito inteligente, ao revelar, num português escorreito, detalhes da introdução de nosso hino.

Sempre cismei com o Hino Nacional. Aliás, sempre impliquei com o Hino Nacional. Por sua letra incompreensível, parnasiana e fora de moda. Difícil de apreender até a mais simples frase que o introduz. Quantos já se interrogaram sobre o significado de “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas”? Uma frase simples que se torna complexa, porque o autor preferiu a ordem inversa, numa metáfora que já não é de fácil compreensão para os leigos: “as margens plácidas (calmas) ouviram...”, ou seja, presenciaram. Só nessas palavras, um professor de português queimaria pelo menos uma aula sobre linguagem figurada.

E não fica por aí, o nosso Hino: se os versos são sonoros, bem rimados e bem ritmados, há palavras completamente desconhecidas dos cidadãos comuns, como no exemplo acima, uma sintaxe rebuscada, típica da época em que foi escrito. Valorizou-se a forma e, hoje, perdeu-se o conteúdo.

Além disso, achava (olha o tempo verbal!) que a música é pomposa demais, marcial, numa batida imposta pelo decreto militar da época da ditadura, que impunha sua execução num formato solene, solene além da conta e do alcance do cidadão comum, leia-se: eu e você e todos os brasileiros, com raríssimas exceções (e acho que entre as exceções nem devem estar os presidentes militares).

No entanto, ao pesquisar um pouco mais e, principalmente, ao ouvir muitos hinos de outros países, principalmente os do Ocidente, deparei com algo que me incomodou muito mais: a maioria dos hinos nacionais são cantos de guerra, ou de exaltação extremada da valentia e do militarismo. Muitos caem no deísmo absurdo, invocando divindades como se o Estado não devesse ser laico e não entrar em discussões de fé. Não vou citar exemplos, porque isso é assunto delicado e pode ferir susceptibilidades. Claro, há hinos belíssimos, mas mesmo os mais belos, não deixam de exaltar, muitas vezes, a guerra, a força bruta.

Diante disso, o nosso hino é um primor de “politicamente correto”: enaltece a Pátria, sem praticamente falar de guerra, de conquistas, de belicosidade para com outros povos. Também não recorre a divindades, nem a entes abstratos e metafísicos. Só é complicado de entender.

E o complicado de entender era toda a minha implicância. E sua batida solene também me incomodava. Cantado, no entanto, em andamentos mais suaves, sua melodia é agradável, diria até, muito bonita.

Gostaria que sua letra fosse mais simples. Que uma comissão de ilustres escritores, linguistas e filólogos pudesse apresentar ao Congresso Nacional uma proposta de letra mais ao alcance de todos os brasileiros, eliminando as inversões e o linguajar erudito dos parnasianos do século XIX.

Sempre alentei tal ideia. Mas...

Depois que ouvi o discurso da senhorinha Ana Arcanjo, dizendo que o Hino tinha uma introdução cantada que era assim:


Espera o Brasil que todos cumprais o vosso dever

Eia, avante, brasileiros, sempre avante

Gravai o buril nos pátrios anais do vosso poder

Eia, avante, brasileiros, sempre avante

Servir o Brasil sem esmorecer

Com ânimo audaz

Cumprir o dever

Na guerra e na paz

À sombra da Lei, à brisa gentil

o lábaro erguei,

do nosso Brasil

Eia, sus, ó sus.

... fiquei pensando: era bem pior. Desculpe, Ana Arcanjo, eu sei que você teve boa intenção, que você pode até achar bonita essa introdução-exaltação de valores e de ânimo audaz e que há muita gente achando o máximo esse tipo de coisa, dizendo até que a ausência desses versos é sinônimo do famoso descaso que dizem e afirmam que o brasileiro tem por suas tradições, por sua história, por seus valores. Mas é muito ruim isso.

E podia ficar pior, se pensarmos que uma comissão de notáveis se arrogasse o direito de mexer na letra do Hino e deixasse que Deputados e Senadores aprovassem, com emendas, o seu trabalho: poderia sair pior, muito pior, a emenda do que o soneto (estou pensando na bancada evangélica tentando enfiar os seus conceitos deístas, a bancada ruralista tentando colocar o problema da propriedade, as bancadas de cada Estado tentando alguma referência ao seu torrão natal... íamos acabar com um verdadeiro mostrengo).

Então, fiquemos assim: nada de “eia, sus, ó sus” e também nada de mexer no Hino Nacional. Que tentemos aprendê-lo e cantá-lo assim mesmo como está. Que os professores de comunicação tentem fazer a interpretação da letra para seus alunos. Que os bons cantores (não a Vanusa, claro) o interpretem de acordo com sua sensibilidade, sem as amarras dos compassos marciais dos militares. Que nos emocionemos ao ouvi-lo em cerimônias de vitórias ou de derrotas, sem revanchismos militaristas, sem pensar em guerras com vizinhos ou com quem quer que seja. Que não entendamos ou critiquemos o gigante “deitado eternamente em berço esplêndido”, mas deixemo-lo (ao gigante) em paz, sempre em paz.

Pois nosso hino não fala de guerra nem se deixa levar por outros equívocos, mas canta, principalmente, a beleza de um País e sua vocação para a Liberdade. Mesmo que não entendamos muito bem suas palavras.




outubro 14, 2009

CHARLES DARWIN: MIRE E VEJA!

Cientistas que amamos amar: Galileu, Freud, Einstein, Newton... E muitos, muitos outros. Difícil escolher aquele que deu a maior contribuição à humanidade. Difícil dizer qual é o mais... mais o quê? Não sei. As ciências são tão várias, tão imenso é o poder do conhecimento, tão grandes as idéias que mudaram o mundo...

No entanto, se me fosse designado indicar (e eu o faço, mesmo não tendo esse poder, talvez até com um pouco de arrogância... mas, e daí?) o cientista que mais contribuiu para a evolução do pensamento humano, eu não hesitaria em gritar, bem alto: CHARLES DARWIN.

Certo, há teorias e descobertas que tiveram impacto imediato, ou quase, em nossas vidas. E nem é preciso citá-las, num mundo em que a toda a tecnologia existente (da luz elétrica à bomba de hidrogênio) nasceu de teorias de homens como os citados acima, além de muitos, muitos outros. E toda essa tecnologia bate em nossos sentidos a cada minuto, presente em cada passo ou gesto que faço, como o simples digitar desse texto numa tela de computador ou o ato de abrir a geladeira e tomar um iogurte. Ou de calçar os chinelos ou respirar o ar refrigerado do escritório.

Somos, no século XXI, o homem tecnológico.

No entanto, o cientista que abre as cortinas das trevas do pensamento humano, com a gentileza de um dândi, de forma um tanto indireta, mas precisa e cirúrgica, numa prosa de poeta da natureza, é Charles Darwin.

Por quê?

Porque desmistifica a criação, tira do altar todos os deuses, abre as portas do conhecimento da natureza e, dentro dela, do conhecimento do homem em estado puro, não contaminado pela metafísica, pelas teorias divinatórias que o condenam a ser um excremento de divindades inúteis.

No pensamento de Darwin, não há paraísos criados pela imaginação; não há pensamentos mágicos; não há explicações teológicas nem teogonias; não há nada além do movimento lento, aleatório, mas preciso das forças naturais que, ao longo de milhões de anos, chegaram àquilo que parecia o milagre de um ser misterioso, mas é só a vida. A vida e nada mais.

E no centro da vida, nem está o homem.

Para Charles Darwin, somos nós, os homens, apenas um momento desse grande relógio que, a cada segundo (que se conta em milhares de anos), se modifica, se transforma e segue para um destino que não sabemos aonde vai dar, mas que pode, a partir do momento em que começamos a dominar as demais forças da natureza, com a ajuda de milhares de outros cientistas, começar a ser controlado por nós.

Deu Charles Darwin ao homem o poder de decidir. Deu-lhe a chave da vida. Ao mesmo tempo, deu-lhe a humildade de pensar que é, apenas, parte de todo o mecanismo da vida, não o seu senhor nem sua criatura arrogantemente solitária, fruto da vontade de um deus.

Nenhum outro cientista conseguiu modificar forças tão poderosas quanto as que mantêm o homem na ignorância de sua origem e de seu destino. Por isso, ainda veem o velho navegador do Beagle com desconfiança, alguns; com ódio, outros; porque suas idéias, bem estudadas e bem compreendidas, transformam e redirecionam, para sempre, todo o pensamento do homem.

Assim, Charles Darwin não é apenas o cientista que descobriu que somos fruto da evolução das espécies, mas o exegeta supremo de toda a filosofia humana. Mas isso, só aos poucos, muito lentamente, iremos todos perceber. Porque ele, o dândi, o elegante Charles Darwin, apenas entreabriu a cortina e nos disse, como diria Guimarães Rosa: mire e veja!

outubro 09, 2009

ELES DEFENDEM O LIBERALISMO ELITISTA, MAS BAJULAM A CLASSE MÉDIA

Manchete de O GLOBO (9.10.2009): “GOVERNO PUNE CLASSE MÉDIA POR BAIXA ARRECADAÇÃO”. Já O ESTADO DE SÃO PAULO foi mais discreto, numa chamada de primeira página: “FAZENDA FAZ CAIXA COM RESTITUIÇÃO DE IR”.

Aparentemente, notícias de economia, para dizer que há um atraso, já reconhecido pelo Governo, na restituição do imposto de renda. E toda a famosa mídia golpista cai de pau no Governo, por causa disso. Como se fosse o maior crime que pudesse cometer.

As intenções são mais do que claras e são as de sempre: desgastar o Presidente, dizendo falsidades através de meias palavras. Não engolem que todos os índices macroeconômicos do País contradizem esse tipo de afirmação.

Senão vejamos: por que há baixa arrecadação?

Ninguém lembra que, diante da crise internacional, o País se saiu de forma brilhante, sem deixar que entrássemos em recessão. E fez o que todos os demais países do mundo fizeram: deu incentivos fiscais a vários setores e investiu pesado em obras e em infraestrutura. Ou seja, fez o chamado dever de casa, para justamente salvar os empregos da classe média.

Com isso, a diminuição da arrecadação é apenas uma das consequências plenamente justificáveis. E como o Governo não tira dinheiro das impressoras da Casa da Moeda (como acontecia no passado e levou o País à hiperinflação), agora é justo que a mesma classe média segure um pouco a sua ansiedade no recebimento da devolução do Imposto de Renda, como uma forma de contribuição pela manutenção de seus empregos.

Mas, se é isso que todos os jornalistas e comentaristas econômicos que tenham em funcionamento dez por cento de um dos neurônios sabem, não é isso o que dizem para o povo. É preciso meter o pau no Governo, desgastá-lo com a classe média. Essa mesma classe média para a qual eles estão cagando e andando, quando defendem os que querem a venda da Petrobrás, os que querem a imposição daquele antigo modelo neoliberal que quebrou o País várias vezes, para reeleger os seus queridinhos, os que não querem ver o povo em melhores condições de vida.

Então, é isso: não lhes basta mentir, vender o País, defender políticas ultrapassadas, manter o povo na miséria. É preciso ir fundo e comprometer até a lógica mais elementar, para defenderem os que se dizem tão sábios e tão inteligentes, que permitem que a Universidade de São Paulo deixe de ser uma das duzentas maiores instituições de ensino do mundo.

São esses os que a mídia quer para governar de novo o País, para entregá-lo a preço de banana (agora vendida a quilo) aos interesses do capital internacional, como fizeram com inúmeras empresas anteriormente.

São mesmo uma cambada de sacanas!

outubro 07, 2009

CHEGA DE LEIS COMPLACENTES

Nossas leis criminais são mal redigidas. Permitem mil artifícios de advogados matreiros, quando na defesa de criminosos ricos. Sejam eles de colarinho branco, assaltantes ou traficantes.

As leis definem claramente crimes hediondos, mas dão a seus praticantes os mesmos benefícios de crimes comuns. O praticante de um latrocínio com estupro, por exemplo, tem o mesmo tratamento do golpista do sistema financeiro ou do ladrão de galinha.

A tal “progressão da pena” é um aborto jurídico, quanto aplicado a praticantes de crimes de morte, a traficantes, a estupradores e a criminosos contumazes, com longas fichas na polícia. O indivíduo condenado a trinta anos sai em menos de dez, por “bom comportamento”, outro aborto jurídico.

Ora, bom comportamento é obrigação de qualquer condenado. Não deve ser critério para diminuição ou abrandamento de pena. Qualquer criminoso que seja malandro comporta-se bem na cadeia. Além do mais, o que é exatamente “bom comportamento” dentro de uma prisão?

Também é absurda a inexistência de prisão perpétua. Se o bandido não tem recuperação, pois cometeu crime hediondo, não há motivo para não deixá-lo na cadeia o resto da vida. É uma forma de proteção da sociedade. Esse conceito “cristão” de perdoar a quem se arrepende só tem trazido a desconfiança da impunidade. Que realmente acontece, na prática.

Mais uma vez se confunde criminoso irrecuperável (aquele que comete crime hediondo, muito bem definido na lei) com delinquentes que podem, através de penas abrandadas, pagar sua dívida para com a sociedade, como se diz no jargão comum. Esses, com trabalho e, às vezes, somente com penas pecuniárias ou penas alternativas, podem, sim, recuperar-se. E a sociedade tem o dever de reintegrá-los, mesmo que fique de olhos neles.

Mas, há crimes difíceis de penalizar: como o desses cinco cretinos que furtaram as provas do ENEM, com o objetivo de tentar ganhar algum dinheiro, com a denúncia do vazamento ou com a venda para algum órgão da imprensa. Deram com os burros n’água, como se diz, e prejudicaram milhões de estudantes, que ficaram sem um instrumento de avaliação que poderia ajudá-los a conquistar uma vaga na faculdade. Além do prejuízo financeiro, é claro, tanto para o Governo quanto para as empresas envolvidas na aplicação do exame.

Que pena merecem esses idiotas?

Difícil dizer, porque apenas cometeram um furto, e provavelmente não representem maiores perigos para a sociedade. Mas fizeram uma besteira de repercussão imponderável.

Como puni-los? Jogá-los na cadeia, por muito tempo, para que, lá dentro, se transformem nos criminosos que ainda não são? Perdoar-lhes a bobagem, aplicando-lhes penas alternativas que, neste caso, não levam a nada? Podia-se pensar em processos cíveis, em que a multa seria muito bem vinda, mas são uns pobres coitados que não têm nem onde cair mortos.

Para esse tipo de crime, a lei é extremamente branda, embora os prejuízos causados pelos cinco imbecis sejam imensos. Então, o que fazer?

Acredito que a lei devia facultar ao juiz algumas formas de pena que não envolvessem exatamente punição, mas uma forma de controle, pela sociedade, de indivíduos como esses. Ou seja: a obrigação de estarem sempre empregados e de comparecerem a cada seis meses diante do juiz, para dar satisfação de seus atos, durante muitos e muitos anos. Uma vigilância que pudesse envolver até mesmo o uso de pulseiras eletrônicas que monitorassem seus movimentos, como, aliás, devia ser obrigação de todos os indivíduos que saíssem da prisão sob o regime condicional.

Enfim, a cada um a punição justa. E que não haja mais nenhum tipo de perdão, de comutação ou diminuição de pena, a não ser que, em outro julgamento, seja provada a inocência do condenado. O que não se pode é a sociedade continuar convivendo com leis complacentes, que soltam criminosos notórios, apenas por cumprirem períodos curtos da pena e por “bom comportamento”. Isso, definitivamente, é um absurdo!

setembro 26, 2009

MARINA SILVA: GRANDE DAMA PARA UM PARTIDO SEM EIRA NEM BEIRA

Há já alguns anos, li algures uma entrevista de Marina Silva. Encantei-me com a história de vida da senadora; emocionei-me com suas palavras lúcidas e claras; impressionei-me com sua coerência. Enfim, fique fã de carteirinha de dona Marina Silva. Queria-a candidata à presidência (à época, Lula ainda não havia se lançado candidato, afinal vitorioso, no pleito seguinte).

Os anos passaram. Não fizeram diminuir minha admiração pela senadora e, depois, Ministra do governo Lula. Mesmo com altos e baixos no Ministério do Meio Ambiente, manteve sempre a postura de estadista, que ela é. Entrou no governo porque tinha competência para tal e saiu do governo porque quis, porque achou que se fechara um ciclo de vida, de trajetória. Coerente, muito coerente.

Bem, pensei muito antes de escrever o que se segue. Levei algum tempo matutando. Pensando na coerência de Marina Silva. Que ainda admiro. Mas...

Sair do Partido dos Trabalhadores, apesar de todo o destaque que a mídia deu, por motivos óbvios (afinal, tudo o que espicaça o PT é motivo de grandes manchetes) pode ainda ser considerado um sinal de coerência. Não saiu atirando, saiu porque viu diminuído seu espaço, talvez. Saiu porque precisava de novos ares políticos, de iniciar uma nova trajetória política. Todos têm o direito a mudar um pouco de ares. Isso não é incoerência. Mas...

Agora o Partido Verde, o PV. Não tenho antipatia pelos fundadores e participantes do Partido Verde. Até admiro sua coragem, seu denodo e... sua ingenuidade.

Porque aí é que está o nó da questão: o Partido Verde é uma agremiação ingênua, não no sentido político do termo, mas no sentido filosófico da idéia de um partido político de defesa do meio ambiente.

Explico: ser “verde”, ou seja, ser ecologista não é uma posição exatamente político-partidária. É, sim, uma posição política no sentido mais nobre do termo, de posicionamento na polis, hoje na República, na sociedade. E não depende da cor partidária de quem quer que seja. Há ecologistas, ou seja, defensores do meio-ambiente, da sustentabilidade, do progresso sem poluição, em todos os partidos. Basta procurá-los.

O movimento ecológico, principalmente diante da urgência da salvação do planeta, transcende cor partidária. Deve estar, e está, em muitos partidos que têm idéias políticas completamente divergentes na maioria dos assuntos de cidadania, mas que podem, e devem, acolher cidadãos com preocupação ambiental.

A existência de um partido verde, como a ser o único a erguer a bandeira ecológica, é, em minha opinião (modesta, muito modesta, aliás), um grande equívoco filosófico, portanto.

Já disse algures, e repito aqui: o cidadão pode ser nazista ou comunista e, ao mesmo tempo, ter preocupações ambientais. Salvar o planeta ou defender a natureza como condição de melhoria de vida para o homem pode ser (e deveria ser) a preocupação da maioria dos cidadãos, independentemente de sua cor partidária, filosófica, religiosa ou futebolística.

A ecologia precisa de um movimento sério. Apartidário. Acima de quaisquer querelas políticas. Só assim pode enfrentar os selvagens que destroem e matam a natureza em prol de seus lucros, apenas de seus lucros, numa visão imediatista e suicida. Contra eles é que deve lutar o movimento ecológico, e não se envolver em disputas político-ideológicas que não cabem (e não devem caber) na mente dos verdadeiros ambientalistas.

Por isso, dona Marina Silva, apesar de admirá-la tanto, de achar que a senhora tem uma postura acima de qualquer suspeita na defesa de interesses realmente fundamentais da raça humana, apesar de ser uma lutadora em termos de propostas para a melhoria de condições de vida do homem, acho que deixar o PT, buscar novos ares foi uma ação corajosa, mas filiar-se ao PV é de um equívoco lamentável.


Porque a senhora, dona Marina Silva, é muito, mas muito maior que o PV, um partido sem eira nem beira. Sem futuro. Ao contrário do movimento ecológico, de que a senhora, por sua trajetória de vida, por sua coerência, é um símbolo em nosso País.

setembro 23, 2009

A ABERTURA DO JOGO: É PRECISO MAIS RESPONSABILIDE!

Parece inevitável que o Congresso Nacional acabe por aprovar a abertura da jogatina no Brasil. A pressão é muito forte e há, além de argumentos, muitos interesses, de grupos muito poderosos, de gente que já está há muito tempo no negócio da exploração dos incautos.

Não sou totalmente contra a abertura de cassinos e a regulamentação dos jogos de azar. Há pontos positivos. E não adianta muito ficarmos com argumentos moralistas contra a compulsão humana de buscar um entretenimento tão estranho quanto o prazer dos indivíduos de arriscar todo o seu dinheiro em cartas, roletas, máquinas e não sei mais quantas outras formas de ilusão.

No entanto, há que se fazerem as coisas de forma a que não se transforme o País num imenso cassino. Porque, se há aqueles que apreciam, há também os que são “doentes compulsivos” pelos jogos de azar. E esses precisam de algum tipo de proteção do Estado. Mas, há mais: além dos compulsivos, há os milhares, talvez milhões, de cidadãos que, num momento de desespero, se iludem com o ganho fácil e se enterram definitivamente no canto da sereia de um possível ganho fácil e momentâneo, sem terem as mínimas condições para enfrentar um endividamento que pode levá-los e à família à falência total.

Por isso, mesmo não sendo um especialista na questão, mas um cidadão preocupado não só com a saúde emocional das pessoas e dos jovens que podem ser atraídos para a jogatina, mas também com a possibilidade de que nossas cidades se deteriorem com a abertura indiscriminada de casas de jogos (a distância de quinhentos metros de escolas nem sempre é bem fiscalizada, além de insuficiente), proponho a nossos Congressistas que lutem por uma idéia bastante simples, mas que pode ser eficaz:

Que somente municípios com mais de duzentos mil habitantes possam ter casas de jogos. E, principalmente, que só possam ser abertas tais casas fora dos limites urbanos dessas cidades, com o compromisso de que, se a cidade estender seus limites, as casas de jogos também se mudem sempre para mais longe.

Eu acredito que, com isso, não teríamos de conviver com a proximidade e a atratividade dessas casas de jogos. Não veríamos o ambiente urbano se degradar com a construção ou adaptação de grandes imóveis que atraem movimentação excessiva de pessoas e, consequentemente, provocam congestionamentos, barulho e poluição.

Enfim, além de todos os demais cuidados na regulamentação, que não deixem os nossos Congressistas, diante da inevitabilidade dos cassinos, que nossas cidades se degradem ainda mais, com a proliferação indiscriminada de casas de jogos.

setembro 11, 2009

UM CRIME CONTRA SÃO PAULO. MAIS UM!

A cidade de São Paulo sempre foi governada por cabeças de engenheiro, mesmo quando seus prefeitos não tivessem tal formação. Desde as primeiras décadas do século passado e, principalmente, nas gestões de Prestes Maia e Faria Lima, o primeiro projetando e o segundo, executando, que um plano de grandes obras transformou a cidade na megalópole que é hoje.

Os acertos foram muitos. Os erros, também.

E um dos principais equívocos e crimes urbanistas foi a retificação dos rios, principalmente o Tietê, que cruzava a ainda pequena São Paulo em meandros magníficos, no começo do século passado. As águas calmas passaram a correr mais apressadas, na velocidade do crescimento da cidade. E as chuvas, também apressadas, iniciaram um longo ciclo de enchentes que se agravaram ainda mais com a ocupação criminosa das margens do rio, ao se construírem as famosas avenidas marginais que o acompanham desde Guarulhos até o outro lado, já na Cidade Universitária. Ocupação criminosa porque várzeas são inundáveis, no movimento natural do rio que sobe e desce, conforme o ciclo da chuva se cumpre.

O segundo crime foi a projeção e construção das grandes avenidas de fundo de vale, onde outros rios, outros córregos e riachos corriam, sufocando as águas, transformando-as em filetes embutidos e revoltados debaixo do asfalto. Outras soluções, mais inteligentes e mais ecologicamente corretas podiam ter sido buscadas, tanto para as avenidas marginais quanto para as de fundo de vale, quando a cidade ainda era bem menor do que é agora.

O terceiro grande crime cometido contra as águas que corriam livres na Piratininga dos velhos tempos foi a total canalização de todos os córregos e riachos, exigência de ocupações desordenadas de suas margens por populações ansiosas por moradias e mal orientadas pelo poder público ou enganadas por grileiros irresponsáveis, muitos deles políticos ou grandes empresários da construção civil.

O quarto grande crime ambiental foi a pavimentação sem critério de toda e qualquer rua e avenida, sem a preocupação de deixar espaços de terra para a absorção da água da chuva. Exemplo seguido de forma cabal por quase todos os construtores de casas, prédios, galpões, fábricas etc. A cultura do cimento prevaleceu e ainda prevalece na mente de todo paulistano que constrói, compra ou aluga uma casa ou um apartamento: pouco espaço de terra, para absorção das águas pluviais.

O quinto grande crime foi o assassinato frio e permanente da cobertura vegetal. Árvore, durante muito tempo, foi sinônimo, em São Paulo, de inimigo que deve ser combatido. E as que sobraram se viram sufocadas com calçadas que não deixam sequer um centímetro de solo em torno de seus troncos. A poda e o corte de árvores, hoje, ainda continuam, mas esse crime já tem a oposição da sociedade que sempre reclama e esperneia contra os que o cometem. No entanto, basta caminhar por qualquer rua e observar as calçadas que ainda se percebe o descaso para com as grandes árvores que teimosamente subsistem apesar do cimento a comer-lhes as raízes e até o tronco.

O sexto grande crime foi o não investimento em coleta e tratamento de esgoto e de produtos e efluentes das grandes indústrias. Tudo vem sendo jogado nos rios, há tanto tempo, sem nenhum critério, transformando-os em esgotos a céu aberto, em águas mortas, que, agora, a despoluição dessas águas custará à sociedade um preço exorbitante. O Tietê e o Pinheiros, por exemplo, são rios mortos, quase sólidos, quando podiam ser motivo de orgulho e lazer para a população. E são objeto, também, de grandes obras de alargamento e aprofundamento de suas calhas, para obter maior vazão e tentar evitar as cheias, obras que gastam bilhões e geram receitas para empreiteiras e, mais uma vez, comissão para políticos.

Há muitos outros crimes que se cometeram contra a cidade, por prefeitos de cabeça gorda de engenheiros cuja única preocupação era construir grandes obras das quais obtivessem gordas comissões, para si e para seus apaniguados. O famoso elevado Costa e Silva, o minhocão, é um desses exemplos de obra condenada e absurda, por sufocar uma avenida e poluir a paisagem com seu cimento escuro como a consciência de quem o projetou e construiu.

Assim, cada prefeito que entra quer construir mais obras. E obras contra enchentes são as que mais recebem verbas e o aplauso dos cidadãos mal informados, porque parecem definitivas na resolução de um problema que não tem, atualmente, solução nenhuma de curto prazo. E inventam coisas tão absurdas como, mais recentemente, os piscinões que têm o objetivo de reter as águas da chuva e depois dar-lhes vazão, para evitar enchentes. Custam muito caros esses piscinões e, depois de prontos, resolvem, sim, por algum tempo o problema das enchentes localizadas. Mas trazem tantos outros problemas, como os de saúde pública, por se tornarem depósitos de lixo, de lama e viveiro de ratos e ratazanas, exalando mau cheiro e doenças, nas épocas das cheias. Além disso, as águas que o enchem durante as chuvas trazem também um grande volume de terra que decanta e se deposita no fundo, tornando sua limpeza e manutenção caríssimas. Mais ganhos para empreiteiras e políticos com suas comissões.

Agora, neste exato momento, mais um grande crime se comete contra a cidade, sob os auspícios do Governo do Estado, a complacência da Prefeitura e a inércia da população, do Ministério Público e dos órgãos de proteção ambiental: a transformação dos canteiros centrais das marginais do Tietê em novas pistas para trânsito de veículo.

Gastam-se um bilhão e tanto de reais numa obra absurda, que derruba milhares de árvores, que impermeabiliza o solo que serviria para minimizar as cheias, com a absorção da água das chuvas, para transformar em pista de engarrafamento de trânsito mais larga, mais gorda, porque não se resolverá o problema de congestionamentos, já que todo o trânsito das marginais desemboca em ruas de pequena vazão, o pouco que havia de verde nas marginais do rio morto pela poluição.

E não adianta o senhor governador vir a público, de forma irada, como sói acontecer sempre que é criticado, para falar de compensações ambientais: podem-se plantar milhões de árvores no lugar das que dali foram arrancadas, que o crime continua o mesmo e a natureza vai fazer o paulistano sofrer com mais enchentes nas famosas marginais, enchentes que provocarão ainda mais amplos congestionamentos, com mais gente tendo prejuízos, já que mais veículos estarão trafegando pelas marginais. E serão bilhões jogados fora. Dinheiro que poderia ser investido no que todos falam, mas ninguém resolve: no famigerado e primo pobre de todas as administrações, o transporte público.

Também o senhor prefeito não lhe traz nenhum mérito vir a público culpar administrações anteriores pelas enchentes, cada vez que uma chuva mais forte atormenta os paulistanos. Se há erros de praticamente cem anos, o senhor prefeito está dando sua forte contribuição para todos os desmandos que se fizeram e ainda se fazem nesta cidade, ao ignorar qualquer medida de bom senso que possa dar um pouco de esperança a essa gente que, se também tem culpa, por seu descaso para com a cidade, mas é quem, em última análise, paga a conta e ainda sofre.

Até quando veremos esse festival de gastos inúteis, de medidas absurdas, de obras faraônicas e sem propósito, que só servem ao bolso e à vaidade de governantes burros, inescrupulosos e manipuladores?

Pobre São Paulo. E tão rica!

agosto 11, 2009

POR QUE MORREMOS E POR QUE MATAMOS, NO TRÂNSITO?

Uma vez, dentro de um táxi, em São Paulo, conversava com o motorista a respeito do trânsito, dos acidentes, da irresponsabilidade. A certa altura, soltou ele esta pérola, a respeito de pedestres:

- Mas tem pedestre que é folgado, merece ser atropelado!

Respirei fundo e argumentei com ele que, por mais “folgado” ou errado que fosse o pedestre, ninguém tinha o direito de, por isso, jogar um veículo de aço de uma ou mais toneladas sobre ele, que tem, sei lá, sessenta ou oitenta quilos de carne e ossos.

A conversa morreu aí. Acho que o cara ficou com vergonha de continuar o papo.

Não é só esta a mentalidade de nossos motoristas. Quando, ao volante, as pessoas se transformam em seres superpoderosos, a desafiar a lei, as regras, a abusar da sorte, sem se preocupar com os demais motoristas ou com as demais pessoas que usam a via.

Regras de trânsito, para muitas pessoas, existem para serem desrespeitadas. Depois, quando têm acesso à mídia, reclamam da famosa “indústria de multas”.

No trânsito, provocam acidentes os que são irresponsáveis. Os que acham que estão sozinhos no mundo ou não têm respeito pela própria vida e pela vida das outras pessoas.

Se eu desrespeito uma sinalização de trânsito, estou assumindo, de forma consciente, que posso provocar danos. Que estou colocando em risco a vida de outras pessoas. Então, não é possível que aquele que mata no trânsito não receba punição exemplar.

O mínimo que se espera de quem assume o risco é que pague por ele. Mesmo que não seja a pena de prisão, que seja o banimento para sempre desse motorista de nossas ruas e que indenize de tal forma a vítima que nunca mais se esqueça do que fez.

O que não podemos é continuar com o comportamento complacente de que acidente de trânsito com vítima se pune com meia dúzia de cestas básicas. Porque isso é incentivar o desrespeito às leis e desafiar a nossa razão.