setembro 30, 2021

A CONSTRUÇÃO DE UMA MENTIRA: O COMUNISMO NO BRASIL

 


Sempre me incomodou essa estúpida ideia que o imbecil do atual presidente e seus seguidores divulgam com a boca cheia: de que ele livrou o Brasil do comunismo. E parece que o comunismo é o inimigo a ser combatido, como se estivessem os seguidores dessa ideologia política de armas em punho a aguardar atrás de cada árvore, de cada porta, de cada morro, para tomar de assalto o poder e matar todo mundo.

Fui em busca dos motivos por que se incutiu na mente das pessoas esse medo pânico de algo que não existe e nunca existiu. Uma pesquisa quase inglória, já que nem sabia bem por onde começar a procurar. Então, quase por acaso, encontrei o trabalho de dissertação de Felipe Menezes Pinto - O VERMELHO E O NEGRO: Intolerância, Construção da Identidade Nacional e Práticas Educativas durante o Estado Novo (1937 – 1945), de 2011, apresentado ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, tendo como orientadora a Professora Dra. Regina Helena Alves da Silva.

Nesse trabalho, o autor disseca a ideologia implantada por Getúlio Vargas nas escolas do País, tendo como principais eixos a educação moral e cívica, como o culto a valores e símbolos nacionais, principalmente o culto à bandeira nacional; a invisibilização da população negra, considerada como indesejável, num racismo sutil e deliberadamente construído para levar ao “embranquecimento” da nação e, por último, a intolerância aos vermelhos, considerados como inimigos do povo e do Brasil.

Percebe-se claramente um propósito nesses três eixos que eram desenvolvidos através dos livros e das instruções pedagógicas do Ministério da Educação: formar uma geração extremadamente nacionalista, anticomunista e racista. Não é necessário dizer que os objetivos foram obtidos com bastante sucesso: e somos nós os filhos, netos e bisnetos dessa geração. Fomos todos nós que aqui vivemos hoje criados de forma direta ou indireta por avós e pais nacionalistas (de um nacionalismo utópico e exacerbado, que acredita que o “gigante adormecido” precisa ser acordado, para a felicidade de todos – mote que aparece até hoje em manifestações fascistas – o que foi bastante explorado pela ditadura militar, a partir de 1964), racistas (de um racismo estrutural, cujos males ainda sentem na pele os negros e pardos, relegados quase sempre às favelas – as modernas senzalas - e à marginalização social, escolar e econômica) e anticomunistas.

O anticomunismo tem seu nascedouro nos anos 20 do século passado, após a revolução russa, cujo sentido e objetivos nunca foram bem compreendidos pelo Ocidente, principalmente quando a Rússia se transformou, sob o domínio de Stálin, de um país medieval em uma nação poderosa, embora à custa de muitas vidas e, infelizmente, também da atroz perseguição desse líder a seus opositores. A sombra de Stalin e, por extensão, do comunismo, assombrou a Europa e os Estados Unidos, por razões que não nos cabe discutir aqui, principalmente razões políticas e econômicas. A chamada “guerra fria”, estabelecida entre as duas potências que emergiram da segunda grande guerra – Estados Unidos e União Soviética – só fez agravar o medo ocidental do comunismo, visto como ameaça a todos, embora só ameace mesmo o capitalismo e os capitalistas, ciosos de seus negócios e temerosos de perder suas vastas propriedades.

No Brasil, criou-se o mito da “intentona” comunista, um golpe que parece sair das sombras de um poderio que os comunistas nunca tiveram. O interessante é que a Aliança Nacional Libertadora, fundada em 1935 por Luís Carlos Prestes, tinha por principal intenção refletir no Brasil o que acontecia na Europa, os embates violentos entre comunistas e fascistas, ou seja, tentar derrubar – sim, derrubar! – o governo fascista de Getúlio Vargas. Pretendiam, nessa empreitada, contar com o apoio dos operários, mas isolados em Natal e Recife, foram derrotados e isso serviu de pretexto para a decretação do Estado Novo, principalmente com a divulgação de um falso Plano Cohen e sua ambição de tornar o Brasil um país comunista.

Portanto, o anticomunismo brasileiro nasce de um imenso engano – a força dos comunistas –, de uma falsidade histórica (uma fake News) – o plano Cohen – e de uma verdade – a luta contra o fascismo. Se o fascismo getulista se revelou uma nuvem negra que passou e se foi, embalado por interesses políticos e econômicos e pela estratégia de atração dos Estados Unidos, ao afundar navios brasileiros na nossa costa e atribuir essa ação à Alemanha (um fato que não se comprovou totalmente, mas que faz parte do mística da adesão de Vargas às forças aliadas), o anticomunismo permaneceu, implantado desde os primeiros anos do governo de Getúlio, através de um processo educacional bastante eficiente.

Para se ter ideia do que foi esse processo de implantação da mentalidade anticomunista em nossos jovens, veja esse texto de uma obra publicada em 1938: “No Brasil, em qualquer recanto desta grande e hospitaleira terra, terá de predominar o nosso sangue; terá de imperar a nossa língua portuguesa-brasileira, ainda que, para isso, tenhamos que amordaçar algumas bocas; terá de prevalecer a nossa história, nem que tenhamos de fuzilar todos os bolchevistas do mundo [...]” (TABORDA, Radagasio. Crestomatia cívica: uma só pátria, uma só bandeira!. 1. ed. Porto Alegre: Globo, 1938. Acervo Memória Infantil da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa), conforme a tese do professor Felipe Menezes Pinto, citada acima.

E assim, todo material didático destinado às nossas escolas estava eivado de citações diretas ou indiretas que incentivavam o medo e o ódio ao comunismo. Isso durante todo o chamado “estado novo” e, com certeza, de forma mais sutil após esse período, mas sempre a pregação do anticomunismo permaneceu mesmo durante os breves períodos democráticos e foi incrementado às mentes das crianças e dos jovens a partir do golpe de 1964. Aliás, a desculpa, mais uma vez esfarrapada para a ditadura militar, foi o velho refrão do “perigo vermelho”, já que essa ideia estava implantada na cabeça de todos e devidamente cultivada pelas nossas instituições, como a igreja, as associações comerciais e agrícolas, a escola, a imprensa etc.

A palavra “intentona” tem o sentido de “tentativa tresloucada, projeto insensato”, além da própria sonoridade soturna, o que a tornou uma espécie de “bicho papão” para o populacho, que mal conhece o seu significado. Dado à insurreição comunista de 35, um movimento que teve repercussão a repercussão que interessava aos donos do poder, essa palavra serviu de mote para amedrontar a população e até hoje a maioria da população acha que o Brasil ou foi comunista em algum momento ou esteve à beira de sê-lo. Tornou-se, portanto, um meme, uma mentira repetida como se verdade fosse; um fantasma a assombrar as mentes dos idiotas bolsonaristas de hoje, a servir de pretexto para bobagens e falsidades históricas de quem não conhece os fatos e não se interessa por conhecê-los.

Portanto, repito: nunca houve ameaça comunista no Brasil nem qualquer possibilidade de que isso acontecesse. E mais: comunismo não é exatamente aquilo que as pessoas mal-informadas pensam que é: só quem tem medo de uma doutrina que prega o fim da desigualdade social, que deseja emprego e uma vida melhor para o povo são as oligarquias que não querem largar o osso da sua condição de senhores de escravos (todos nós que não fazemos parte das elites econômicas) e donos das riquezas do Brasil.

Somos, a nossa geração, filhos, netos e bisnetos de um engodo construído pelo chamado “estado novo” fascista de Getúlio Vargas, cujo governo tem contradições históricas de defesa do fascismo, num nacionalismo doentio e absurdo, e de aliado das forças estadunidenses na segunda grande guerra até ao alinhamento à política econômica dessa nação após a guerra. E esse alinhamento automático ao grande “irmão” do norte tem sido a tônica de nossos governos, com honrosas exceções, desde a década de 30 do século passado, transformado muitas vezes em total subserviência.

Esse nosso anticomunismo é, portanto, absurdo, estúpido, sem qualquer base histórica e, pior, profundamente injusto para com nós mesmos, um antolho em olhos de burros, já que nos impede de perceber a importância política de apoiarmos partidos de esquerda que possam levar nosso país a suplantar a desigualdade e a miséria, através de políticas sociais e educacionais libertadoras, partidos que tenham ideais patrióticos sadios e não uma política entreguista, como vêm pregando e estabelecendo com muita competência os falsos nacionalistas de hoje.