maio 26, 2015

O USO DO CACHIMBO







Aperto fiscal. Controle de contas. O Governo Federal aperta o cinto. Corta fundo, no orçamento. Aumenta impostos. Modifica benefícios sociais, para economizar. São medidas amargas, sim. Necessárias. É a parte que lhe cabe nesse latifúndio negro que se chama economia.

A chiadeira é geral. A oposição - que faria isso e muito mais, se tivesse vencido as eleições - faz a demagogia de sempre. Normal. A imprensa - que nada entende de nada - cumpre o seu papel de dar voz a qualquer idiota que esteja disposto a falar mal das medidas tomadas. Também isso é normal. Já os empresários... esses são um caso à parte. Alguns até chiam, por dever de ofício. E porque chiariam em qualquer situação. Nada está bom para eles. Outros o fazem meio timidamente, porque sabem muito bem que há mais mortadela neste sanduíche do que nós imaginamos. E mortadela que eles fabricaram!

Entendamos um pouco a cabeça do empresariado nacional.

O Brasil começou a se industrializar, timidamente, na década de quarenta. Teve um bom impulso na era JK, com a construção de Brasília. Juscelino fechou os olhos à roubalheira e abriu os cofres. Não tinha outra opção. Além do mais, os controles sociais, naqueles tempos, eram bastante frouxos e a possibilidade de que a roubalheira na construção de Brasília e de várias outras obras pudesse chegar ao público era mínima e praticamente nula de chegar ao Poder Judiciário. Mas o povo sentiu o cheiro do ralo. E votou no Jânio. Deu no que deu: a vassoura era de bruxa, e só serviu, mesmo, para preparar o terreno para o que viria a seguir: uma ditadura brava.

E foi aí que o empresariado nacional criou asas e encheu os cofres de dinheiro. Numa economia fechada para o mundo, sem concorrência externa, com dinheiro à vontade do Banco Nacional de Desenvolvimento, a juros subsidiados, de pai para filho, com a certeza de um mercado no cabresto, sem opção e sem poder reclamar, as empresas nacionais nadaram de braçada: nasceram, cresceram e deram lucros... para seus donos!

A "coisa" é simples assim: na teoria, uma empresa tem um compromisso social. Ela deve crescer, tendo lucro; criar empregos; pagar impostos; ter mais lucro e criar mais empregos e crescer... e crescer... e pagar mais impostos. Claro, seus donos e acionistas devem, sim, enriquecer. Devem, sim, ter a contrapartida de seu empreendedorismo. Que ninguém faz nada de graça. A roda do capitalismo fordista é claro: eu cresço e meus funcionários, também. Para comprarem o que eu produzo. Eles ficam bem, eu fico bem, a empresa fica bem e o governo fica melhor ainda. Felizes para sempre. Lá, nos Estados Unidos, a coisa funciona mais ou menos assim. As indústrias crescem, pagam impostos, pagam relativamente bons salários, pagam bons dividendos e... inovam! E buscam desenvolver-se, porque a competição é grande. Melhoram seus produtos, porque o mercado exige qualidade. E porque buscam também o mercado externo. E ganham mais. E há grandes fortunas. E por tudo isso, não havia grande pobreza. Eu disse "não havia"! Porque, bem, hoje as coisas andam meio desajustadas. Mas não é dos Estados Unidos que eu quero falar. Voltemos aos empresários tupiniquins: acostumados às benesses de financiamento barato, cresceram, sim; criaram empregos, sem dúvida; pagaram impostos... bem, mais ou menos, mas pagaram; deram a contrapartida de melhorar a vida dos brasileiros... aí, a coisa começa a emperrar um pouco: salários baixos ou os mais baixos possíveis sempre foi a política preferida, por aqui; afinal, trabalhador é baixa renda e deve ficar lá nos seus guetos. Novos investimentos? Sim, desde que novamente financiados a juros etc. etc. etc. Mas, e a inovação? Aí, a coisa sempre pegou. Com o mercado reservado, garantido, sem grandes exigências, fechado, a ânsia pela melhor qualidade a menor custo, o salto para o exterior, em busca de mercados, a pesquisa por novos produtos, o combate ao desperdício, a famosa produtividade, tudo isso ficou em segundo plano. Nossos empresários embotaram. Embotaram e passaram a investir em duas coisas: na fortuna pessoal e nas chamadas "contribuições sociais" ou "marketing social", mesmo depois de enterrada a ditadura, de que, aliás, eles sentem uma tremenda saudade.

Empresa mais ou menos e dono rico. Mais rico do que seria razoável. Vaidade. Pura vaidade. E burrice. Para compensar, o infame "marketing social". E tome escola para funcionário. E tome ação social na favela vizinha. E tome centro de cultura. E tome bolsa de estudos para filhos dos operários. A criatividade foi ao limite. Ora, pensem comigo: uma empresa cumpre sua função social crescendo, inovando, criando empregos, pagando bem a seus funcionários e pagando impostos. Ninguém quer madres teresas de calcutá à frente de um negócio: caridade se faz com a fortuna pessoal, não com o capital da empresa. E a estupidez - não só deles, mas principalmente de nossos legisladores - é tão imensa, que, ao fazerem o tal "marketing social", eles ainda ganham incentivo fiscal!

Em vez de clube social na praia, eu queria a minha parte em dinheiro. Ou em impostos, que revertam em hospitais, escolas, estradas etc. E não venham com a cantilena de que, no Brasil, se paga muito imposto para nada, que ninguém vê aonde vai o dinheiro... Se há governo corrupto, fomos nós que o elegemos. E a corrupção não é, absolutamente, o mal maior. O ralo do dinheiro público começa aqui, bem embaixo de nossos narizes, nas prefeituras. E mais: governo não faz obras. Sabia? Governo contrata empreiteiras - portanto, empresas - para fazer suas obras. E paga por isso. Com nosso dinheiro. E aí vem a segunda parte do meu desabafo contra o empresariado nacional.

Não contentes com todas as benesses recebidas e não devidamente devolvidas em termos de qualidade de produtos e serviços, de inovação, de salários e de impostos, as empresas - a maioria delas - depende de obras do governo. Tudo bem. São elas que têm de construir pontes, viadutos, usinas e tantas e tantas outras obras, grandes e pequenas. E têm de receber por isso, pelo seu trabalho, pelo seu produto. E têm de receber o preço justo. No entanto, não é bem isso o que acontece. Desde tempos imemoriais - pelo nosso padrão de desmemória, estou me referindo à década de quarenta -, as empresas estão acostumadas a dar o seu "jeitinho", para vencer as concorrências: jogam o preço lá para baixo, contando com os famosos aditamentos, que aumentam em duas, três, cinco vezes o valor da obra, obtendo lucros espantosos com falsos laudos de necessidades técnicas, de aumento de materiais etc. etc. etc.; ou, então, estabelecem "clubes cartelizados", em que a combinação de preços leva a um rodízio de obras entre as componentes do clube e, muitas vezes, à subcontratação das perdedoras, como terceirizadas (aliás, um dos motivos por que nossos empresários a-do-ram a lei de terceirização aprovada pelos deputados e que está parada no Senado); ou, então, em qualquer situação, com clube ou sem clube, partem para a mais desbragada lei dos mais espertos, com propina alta para políticos e executivos que estejam dispostos a se vender (e como os há, em todos os lugares, em todos os órgãos públicos e privados, em todos os partidos políticos!) por uma concorrência viciada ou devidamente combinada.

Empresários honestos? Sim, há empresários honestos. Vários. Estão todos eles na fila dos desempregados, dos mortos de fome, dos fracassados. Ou no inferno. Para que você não pense que estou exagerando, eu lhe proponho que, se possível, observe o gerente de compras de qualquer empresa: é apenas um empregado, claro, mas o foco não é exatamente ele, é o que o torna um exemplo do que estou tentando dizer. Se o gerente de compras for honestíssimo, ele fica bem de vida. Porque, mesmo fazendo as compras para sua empresa buscando sempre o melhor produto e o menor preço, com bom tino comercial, transparência e sensatez, ele vai receber, sempre, no final do ano, ou ao final de cada negociação, "presentes de agradecimento         " que nem sempre as normas da sua empresa conseguirão detectar ou impedir, porque provavelmente os receberá em sua residência, por baixo do pano, sem que ninguém fique sabendo. Ou seja, eles, os empresários pagam, porque estão acostumados a pagar; porque faz parte de sua cultura "comprar" as benesses e essa "compra", que você pode chamar de "presente de agradecimento" ou de propina, está embutido no preço do serviço ou do produto que ele vende. O "por fora", o "caixa dois", a propina, o "jeitinho" para driblar o fisco, a aplicação do dinheiro na ciranda financeira, o envio de capital para o exterior, para paraísos fiscais (sem declaração, claro), os negócios escusos com doleiros, tudo isso é capital desviado de impostos; tudo isso é dinheiro que poderia estar sendo aplicado na inovação, na melhoria de qualidade dos produtos, no desenvolvimento técnico e tecnológico da empresa, na pesquisa e na ciência necessárias ao aperfeiçoamento não só do seu negócio, mas do próprio País.

Mas, não, o uso desse maldito cachimbo tornou a boca podre de nosso empresariado ainda mais torta. Detêm o poder econômico e querem o poder político. Por isso, têm a força para paralisar a economia, e o fizeram, sem nenhum remorso, porque suas fortunas estão a salvo de crises. Que se lasque o País. Que vá pro diabo o povo. E que leve junto o governo que eles não querem, porque, embora lhes tenha permitido continuar ganhando dinheiro, é um governo que vem tirando o pobre da miséria e fazendo ascender uma nova classe operária, mais estudada, mais sábia, mais consciente de seus direitos. E uma classe operária assim é um perigo!

Eles sabem que o aperto fiscal do governo tem toda a razão de ser e está correto. E mais: eles sabem que a pisada no freio, no começo de 2014, na tentativa de evitar a reeleição da presidenta Dilma, foi a causa maior de todo o descontrole econômico que vivemos. Por isso, quando chiam, fazem-no muito mais pelo velho costume de reclamar de qualquer medida desse governo, do que realmente por acharem que isso não devia ser feito. No entanto, como não têm nenhuma dor na consciência por aquilo que causaram ao País, não me parece que estejam preocupados em dar a sua contribuição para a saída da crise. E, se continuarem nessa pasmaceira, só no aguardo do resultado das medidas do governo, além de estúpidos - por terem pisado no freio da economia -, eles se tornarão, na minha opinião, suicidas. Porque, se não voltarem a investir, se não demonstrarem vontade empresarial de tocar para a frente os negócios, pode-se ter a certeza de que estarão abrindo uma brecha - que, embora perigosa para o futuro do País - será certamente preenchida por outros. Quando os chacais abandonam a presa, os abutres se banqueteiam.



26.5.2015