junho 30, 2009

ATOS INSANOS: MOTOS E MORTOS

Eu acho que montar um veículo motorizado, de não sei quantos cavalos de força, com duas rodas, chamado de motocicleta, é um ato insano. Por mais que digam que pode haver algumas medidas de segurança para o condutor, qualquer queda – e isso é mais do que provável de acontecer – coloca a pessoa em risco de ferimentos graves e de morrer.

Pilotar um desses instrumentos de morte pode ser acrescentado à lista desses atos insanos de opção individual, como tantos outros que os seres humanos adotam com certa tranquilidade, até mesmo com um ar blasé de desafio à morte. Afinal, cada um escolhe o jeito como quer viver ou morrer.

Mais insano ainda é quando, ao risco do condutor, se acrescenta o risco do carona, ou seja, o idiota (ou suicida) que se senta atrás de um desses veículos para ser conduzido, em ziguezague pelas ruas esburacadas, por entre carros, ônibus, caminhões e até pedestres, apenas para tentar chegar mais rápido a algum lugar. Tem, sim, a possibilidade de chegar mais rápido ao cemitério.

Milhares de prefeitos de cidades pelo Brasil afora permitem – já que não há lei regulamentando tal negócio – o chamado mototáxi, ou seja, fecham os olhos, criminosamente, a que uma frota, quase sempre sem fiscalização, de motocicletas funcione como táxi, conduzindo passageiros. Não se sabe se os condutores são devidamente treinados para isso. Não se sabe se os veículos, perigosos por si mesmos, que eles conduzem, estão em boas condições de conservação. Não se sabe quase nada e é muito difícil, quase impossível, fiscalizar tais veículos, por sua rápida proliferação.

Incautos, milhares e milhares de pessoas confiam suas vidas a esses veículos inseguros e a seus condutores mal preparados e, muitas vezes, irresponsáveis, por dirigirem de forma perigosa ou por não terem o preparo necessário ou por não terem em perfeitas condições de condutibilidade os seus veículos que, repito, já são perigosos por si mesmos.

Agora, o Congresso aprova lei que regulamenta – leia-se: permite – que todas as cidades adotem tal tipo de condução.

Em São Paulo, onde o trânsito de motocicletas atinge o clima de epidemia, morrem pelo menos quarenta – eu repito: quarenta – motoboys por mês, em acidentes de trânsito. Imaginem-se a quantidade de feridos, de inutilizados para o trabalho, e os gastos em hospitalização, remédios, horas e recursos médicos, os prejuízos dos engarrafamentos, da perda de tempo e de bens materiais. A conta é astronômica.

Aprovada a lei de permissão do mototáxi no Congresso, se alguma autoridade irresponsável – e as temos as borbotões, por aqui – da cidade de São Paulo adotar o tal sistema de economizar tempo e produzir defuntos, teremos um morticínio mais cruel que todos os ataques de vírus que a humanidade já sofreu.

Motocicleta não rima com nada além de, pura e simplesmente, morte. Devia-se chamar “mortocicleta”, como já chamamos, em São Paulo, os motoboys (entregadores de encomendas que utilizam motos e infernizam o trânsito) de “mortoboys”.

junho 26, 2009

DUNGA ESPANTA A ZEBRA

Copa das Confederações. Semifinal. Seleção Brasileira e Seleção Sul-Africana, os Bafana Banfana, incentivados pela torcida e pelas vuzuelas. Um barulho ensurdecedor. Jogo duro, até os trinta e cinco minutos do segundo tempo: nenhum gol e os brasileiros perdidos em campo.

A Zebra, no banco de reservas dos africanos, tira o agasalho e começa a aquecer-se.

Do alto de sua sabedoria, Dunga chama Daniel Alves, lateral direito, para entrar no jogo. A Zebra olha e rola de rir: Daniel Alves?

Dunga grita no ouvido de Daniel:

- Vai lá e bate a falta que o Ramires vai sofrer daqui a cinco minutos...

- O quê?

- Vai lá e bate a falta que o Ramires vai sofrer daqui a cinco minutos...

- Mas, professor, não é o Ramires quem vai sair?

Dunga parece perdido, com a pergunta. O quarto árbitro começa a montar a placa de substituição com o número do Ramires. Dunga grita a plenos pulmões para se fazer ouvir:

- Espere... espere!

Nesse momento, o André Santos, bem à sua frente, passa correndo, perdido, como todo o time.

- É esse que vai sair, não o Ramires...

- Mas, professor – protesta o Daniel – eu vou entrar na lateral esquerda?

- Não... não... você só vai entrar pra fazer o que eu disse... a falta... bater a falta, entendeu?

Daniel Alves balança a cabeça que sim, mas seu olhar de espanto indica que ele, na verdade, não entendeu nada.

O árbitro determina a substituição. Daniel Alves, perdido como todo o time, entra em campo. O jogo continua por mais alguns minutos, com os africanos cada vez mais animados a marcar um gol que os consagraria para sempre. De repente, num ataque fortuito, a falta, bem na linha da grande área, contra os africanos. Ramires fora derrubado.

A televisão mostra o rosto concentrado de Daniel Alves. Galvão Bueno tem mais um ataque e berra que aquela falta é meio gol, que Daniel Alves é especialista e outras coisas mais. Penso: cala a boca, Galvão, que você vai secar o menino... Desligo o som da televisão e...

Bem, o resto é história. A Zebra dá um sorrisinho amarelo, volta para o banco de reservas e promete aparecer com o uniforme dos Estados Unidos, no domingo, na grande final.

junho 24, 2009

INDIGNAÇÃO? PARA QUÊ?

Cidadãos indignados: um porre! Já se disseram cansados, já inventaram “impostômetros”, já tentaram panelaços, agora tentam o luto, uma tarja preta na janela. Tudo bobagem. Nada arranha a competência de nossos políticos em continuarem a cometer as falcatruas que sempre cometeram, porque os esquemas já estão armados desde há muito e não quem os desarme.

Por quê?

Porque constituem uma casta encastelada nos poderes da República, em todas as suas instâncias, pelo maldito instituto da reeleição. Perpetuam-se e a seus protegidos, nas Câmeras de vereadores de quase seis mil municípios, nas Câmaras estaduais e na federal, no Senado. São donos de currais eleitorais constituídos à custa de anos e anos de troca de favores, de embustes, de falsas promessas.

O que acontece com o Senado, hoje, essa vergonhosa lista de atos secretos a distribuir benesses com o dinheiro público, o nosso dinheiro, apenas comprova o que temos há muito denunciado como um dos males de nossa democracia, a possibilidade de reeleição sem limites.

É claro que a extinção do estatuto da reeleição não vai impedir a roubalheira ou sua continuação. No entanto, se se renovassem as lideranças políticas, muitos esquemas poderiam ser abortados, e a vigilância dos cidadãos e dos órgãos controladores e repressores ficaria facilitada, já que a renovação exigiria dos recém-eleitos maior malabarismo para burlar a lei.

Vejam os mortos-vivos que frequentam as listas de implicados no escândalo do Senado e poderão verificar que é gente que está lá há tanto tempo, que já nem prestávamos atenção às suas maracutaias, já que arrotam a todo instante falsas juras de probidade. Há, é claro, gente honesta, inteligente, preocupada com o povo, entre a camarilha e, é claro, também, que, com a proibição de serem reeleitos, nós os perderíamos. Mas acredito que o prejuízo é bem menor do que continuarmos a eleger sempre os mesmos, sempre os mesmos, por anos e anos, e até por décadas e décadas.

Assim, não adiantam a indignação e o protesto irado, se não tivermos o sangue frio de adotar uma campanha sistemática contra a reeleição, a ser vencida pelo convencimento de parcelas significativas da população, até que se tenha um número suficiente de pessoas para uma ação mais efetiva, como, por exemplo, uma emenda constitucional nascida da vontade do povo que acabe de uma vez por todas, senão com a reeleição, pelo menos com a reeleição reiterada. Quem sabe, apenas duas vezes, como já acontece com os membros do executivo, embora, sendo radical, eu pessoalmente preferiria que se acabasse com a reeleição para o mesmo cargo em todos os níveis.

Em vez de ficarmos chorando as pitangas ou o leite derramado, acredito que só um debate que envolva todos os cidadãos, através dos órgãos de comunicação social, poderia levar a uma democracia mais saudável, acabando com esse maldito sistema que institui uma classe política encastelada para sempre nos desvãos do poder, a se reeleger seguidamente, para armar as maracutaias que lhes permitem meter a mão no dinheiro público, no nosso rico dinheirinho.

Mas, isso, a nossa mídia, representada por empresas que também mamam nas tetas dos mesmos esquemas, através do subsídio indireto da propaganda comprada pelos governos, ou através da manutenção no poder de políticos que defendem os seus interesses, isso nossa mídia e nossos impolutos articulistas, repórteres, comentaristas e quejandos não se dispõem a fazer, atados que estão todos na mesma total e geral geléia de jogos de poder e corrupção.

Portanto, em vez de protestos e indignações inúteis, que tal começarmos a pensar seriamente numa reforma política à revelia dos políticos?

junho 16, 2009

O CASO DO MENINO S. E SUA VOLTA AOS ESTADOS UNIDOS

Tenho-me segurado para não dar meu pitaco nesse assunto. Mas, hoje, não resisti.

Primeiro, a Convenção de Genebra, do qual o Brasil é signatário. Diz, de forma clara, objetiva e transparente, que os casos de crianças levadas a outro país, sem o consentimento de um dos pais, devem ser julgados nos país de origem da criança.

Portanto, no caso do menino S., vindo para o Brasil em companhia da mãe, que morreu no parto, sua guarda não devia ser discutida pela justiça brasileira, mas sim, pela estadunidense.

Segundo, o aspecto mais importante: a sacanagem do padrasto brasileiro, de sobrenome ilustre na área do Direito (e, por isso mesmo, obteve a complacência de nossa justiça, que julga, sim, não só pelo mérito, mas por outras razões...). Quando a mãe faleceu, não podia o tal padastro, por uma questão de direito e de humanidade, ignorar o pai biológico do menino. Por mais que ele gostasse do garoto (e nem vou discutir esse mérito), era sua obrigação humanitária (e enfatizo esse termo) entrar em contato com o pai americano, para discutir a guarda do filho. Passar por cima do direito de um pai de decidir o destino de um filho menor, no caso de morte da mãe, não é apenas falta de humanidade, é sacanagem pura e simples, independente de quaisquer outras razões.

Se o pai biológico não tivesse condições, morais, intelectuais, financeiras ou seja lá o que se pudesse alegar, mesmo assim, sua primazia seria inconteste, e o caso teria que ser decidido em cortes estadunidenses, sempre tão ciosas no direito de filhos menores, muito mais do que os nossos juízes. Não raro, tiram dos pais legítimos o direito sobre os filhos, porque esses não têm condições de criá-los ou porque os pais biológicos estão prejudicando essa criança.

Então, não havia por que transformar essa encrenca em incidente internacional, pela teimosia, burrice e (independente de qualquer amor que o padrasto tenha para com o menino S.) falta de humanidade e de reconhecimento do direito do pai biológico.

Pura estupidez.

Para ficar com o garoto, o padrasto (de mais que acostumada com as lides judiciais e, portanto, sabedora de que a causa seria praticamente perdida, se o pai apelasse para a Convenção de Genebra) contou com a lerdeza de nossos juízes, sem se importar nem com a vontade da criança àquela altura nem com o prejuízo emocional que ela terá, quando a lei e o direito internacionais prevalecerem, e ela tiver que ir embora.

Quem pagará pelo seu sofrimento em deixar uma família, amigos e um ambiente a que foi obrigada, pelas circunstâncias, a acostumar-se e a aprender a amar? Mesmo que a transição seja cuidadosa (e terá de ser!), sempre haverá recalques e sequelas que ficarão em sua cabecinha ainda em formação.

junho 09, 2009

QUE DROGA!





Jamais usei drogas. Acho babaca o cara que precisa de drogas para qualquer coisa. A vida já um barato, sem precisar de maconha, cocaína, ecstay ou qualquer outra porcaria, para viver um barato. Aliás, em matéria de drogas, já botamos para dentro de nosso organismo muitas outras drogas, as legalizadas, as que estão no ar que respiramos, na comida envenenada por agrotóxicos que comemos, nos comprimidos contra dor de cabeça que consumimos. E ainda vamos querer drogas que, além dos efeitos colaterais que todos conhecemos, também nos alteram o estado de consciência! Acho estupidez. Mas, enfim, cada um sabe de si.

Quando o assunto é droga (aqui consideradas apenas as de efeito alucinógeno, portanto, as proibidas), a falta de conhecimento do assunto, o preconceito e as posições radicais predominam.

Falta de conhecimento do assunto. Não preciso, por exemplo, saber a história da maconha e de seu uso através dos tempos, ou, ainda, que a maconha pode ter tais e tais usos terapêuticos ou não, para defender o famoso tapa na pantera. O que a ciência sabe hoje sobre a cannabis é suficiente (assim como conhece todo o malefício do cigarro, esse uma droga permitida!), para nos provar que, embora menos terrível que outras, a marijuana tem efeitos nocivos, sim, no organismo que a usa. Assim como conhecemos, cientificamente, o desastre físico e psíquico provocado por todas as demais drogas alucinógenas.

Preconceito. Trata-se de pura e simplesmente estupidez ter preconceito contra o assunto drogas. Mas, pior é o preconceito contra o usuário. Está certo: acho que quem usa droga é estúpido, mas estúpido para si mesmo, por se destruir. Não adianta a sociedade encarar com preconceito o desajuste do drogado. A sociedade cria indivíduos desajustados e precisa acostumar-se a conviver com eles, e não persegui-los. Os seres humanos não são anjos nem demônios e imaginá-los divididos entre o bem o mal seja por qual motivo for não ajuda em nada a nos tornar melhores e mais civilizados.

Posições radicais. Há os que defendem com unhas e dentes a liberdade de se drogarem, como se a sociedade não tivesse nada com isso. E há os que desejam ver para sempre erradicados da sociedade tanto as drogas quanto os drogados. Tanto o individualismo exacerbado de um lado, quanto o fascismo disfarçado do outro poluem e impedem qualquer discussão mais séria sobre as drogas. E ficamos nos digladiando, sem achar algum tipo de solução do problema ou de convivência com ele.

No entanto, uma discussão séria, com conhecimento do assunto, sem preconceitos e sem posições radicais urge que ocorra em todo o mundo, para que possamos equacionar o problema do uso e abuso de drogas alucinógenas em nossa sociedade. Tanto a permissividade total quanto a proibição absoluta têm-se mostrado catastróficas. A busca de um meio termo, de um princípio mais humano e uma visão menos tacanha, que possa encontrar na prática uma forma de racionalismo tem sido dificultada por esses três elementos que citamos.

A sociedade tem de decidir: aceitação e formas de aceitação ou proibição total e formas de erradicação.

Se optarmos pela proibição total, como mais ou menos tem sido o modelo atual, temos de buscar formas científicas de erradicação total das plantações e das sementes de todas as drogas que se cultivam; temos de encontrar sistemas de controle das substâncias que permitem sintetização dessas mesmas drogas e a criação de outras ainda mais potentes; temos de desenvolver formas mais humanas de tratamento dos usuários; e, acima de tudo, realizar uma ampla e profunda conscientização das pessoas, através de campanhas publicitárias, de educação permanente de jovens e adultos, de forma a que todos tenham absoluto conhecimento e desprezo pelas drogas. E, acima de tudo, coibir o tráfico e manter um sistema de vigilância contínua e total em todos os pontos de cultivo, processamento e venda de drogas, sem um minuto sequer de distração, sem um átimo sequer de tolerância. Custo desse programa? Incalculável. Mas é um custo que todos, absolutamente, todos terão de pagar.

Se optarmos pela aceitação do consumo de drogas, em nome da liberdade individual, temos de solucionar o problema da produção e comercialização dos produtos; temos de estabelecer critérios de qualidade para essa produção e comercialização, bem como a adequação de lugares para consumo, sem que prejudiquem os que não usam; temos de estabelecer regulamentos claros para esse consumo; temos de discutir se o usuário terá ou não direito aos caríssimos sistemas de saúde, quando estiver debilitado pelas drogas, e quem pagará por isso; temos de discutir os limites entre o dever e o direito dos usuários, de tal modo que não interfiram nos direitos e deveres dos não usuários; e, principalmente, discutir se vale a pena a sociedade curvar-se definitivamente às demandas individuais e se vale a pena pagar esse preço, já que abrirá as portas para muitas outras exigências do indivíduo em relação ao grupo, de tal forma que assumamos claramente a ditadura do ego sobre o coletivo. Custo desse programa? Incalculável, em suas consequências muito menos econômicas do que de mudança total de paradigmas. Mas será um custo que todos, absolutamente todos, terão de pagar.

Enfim, abrir a discussão e buscar soluções para os inúmeros problemas que, apenas de relance e de forma rasa, abrimos nos parágrafos precedentes, numa visão maniqueísta, que é totalmente condenável, quando se trata de drogas e seu uso. O que não podemos tolerar é a absoluta indiferença e hipocrisia da sociedade, e seu envolvimento com aspectos preconceituosos, ligados a religiões e outras superstições, quando vem à tona o assunto drogas. Também não podemos tolerar a cara de pau dos que dizem ser inocente o uso de um cigarrinho de maconha, como se não houvesse por trás dessa fumacinha um tremendo esquema de tráfico que assalta, que assassina, que mantém a todos reféns de uma violência contra a qual os mesmos fumantes inocentes se revoltam, porque são também eles atingidos através de seus filhos, irmãos, pais e amigos por balas perdidas e outras atrocidades, por bandidos financiados por eles mesmos.

Essa hipocrisia, sim, tem de acabar. E já. Para que possamos discutir com paixão, talvez, mas não sem conhecimento, mas não com preconceitos, mas não com radicalismo, o problema das drogas.

E também sem poesia e sem ingenuidade, por favor. Porque não é pelo fato de eu nunca ter usado drogas e abominar o seu uso, que não poderei entender o buraco em que estamos metidos por causa delas.

(Escrito em 29.3.2007)


junho 08, 2009

AINDA O TRÁFICO, AINDA AS DROGAS, AINDA A HIPOCRISIA...




Consumo de drogas e tráfico. Problema cascudo. Que a sociedade não enfrenta do modo como devia: sem moralismos. Porque, ou discutimos isso como pessoas civilizadas ou estamos pondo em risco o próprio conceito de civilização.

Como jogar lenha nessa fogueira? Bem, o primeiro passo é deixarmos de ser hipócritas e reconhecermos que há, sim, quase total culpa pelo tráfico de uma certa classe média e média alta que consome toda e qualquer droga que se lhe apresentam como salvadora de suas neuroses. Não adianta combater o tráfico, se a sociedade não se conscientizar de que uma coisa não funciona sem a outra: o consumo é causa e o tráfico, efeito. Mas isso é apenas um lado do complexo prisma que envolve a discussão sobre drogas.

Primeiro, vou deixar clara minha opinião sobre o tema drogas: nunca consumi, não consumo e não consumirei jamais qualquer droga alucinógena, porque acredito que o ser humano não precisa disso. Não há provas de que cocaína ou maconha ou seja lá o que for aumentem em um átimo sequer a capacidade de entender a realidade ou de tornar alguém mais capaz do que é naquilo que faz. Nenhum artista (ou cientista ou quem quer que seja), e isto é mais do que provado, realizou qualquer obra-prima quando estava drogado, se não tivesse capacidade de criá-la sem o seu uso. Ou seja: a droga não aumenta a capacidade nem criativa nem intelectual de ninguém. Mas estão provadas cientificamente a dependência química e a deterioração física e mental dos usurários de drogas. Além dos problemas familiares, sociais, financeiros.

Dito isto, vamos a um argumento a favor da droga: a liberdade que tem o indivíduo de dispor de si como lhe aprouver. É um direito inalienável esse ou pode ser discutido? Pode, ou deve, o direito individual prevalecer sobre o social a despeito de quaisquer outras implicações? Acho que é esse um dos cernes da questão. Porque, na verdade, estaremos discutindo isto: que tipo de sociedade nós queremos?

Vamos, em tese, concordar com o argumento do direito individual. Que vantagens e desvantagens haveria na descriminalização das drogas? Com certeza, há muitas vantagens: eliminaríamos, em primeiro lugar, o tráfico, já que a droga seria comercializada de forma controlada, embora livre, com o pagamento de impostos e demais regulações legais. Só o fim do tráfico já seria um argumento poderoso a favor da legalização. Mas ainda há outros: o controle (pelo estado e, consequentemente, pela sociedade) impediria que menores usassem drogas e isso também pode ser um ponto altamente positivo. E mais: os drogados teriam assistência no uso, evitando-se as mortes por overdose; teriam locais certos de consumo, assistência médica e psicológica; tratamentos para desintoxicação quando resolvessem deixar o vício etc. etc. Há experiências dessa legalização em países europeus que comprovam que não há aumento significativo no uso de drogas, no início da liberalização, ocorrendo, inclusive, uma certa diminuição do número de usuários após algum tempo. Não sei se é verdade, mas parece lógico que isso ocorra. Portanto, teríamos uma sociedade mais justa, mais respeitosa dos direitos individuais, convivendo de forma pacífica com as diferenças. E isso parece bom. Há outras implicações? É lógico que sim, e esse pequeno artigo não pretende nem ir a fundo na questão nem levantar todos os problemas relacionados a tal decisão. Apenas dizer que, se pretendemos examinar sem moralismos o uso de drogas pela sociedade, devemos fazê-lo de forma desapaixonada e criteriosa, tendo sempre em mente a pergunta fundamental: que tipo de sociedade queremos?

E a descriminalização pode ser um caminho, porque o atual modelo repressivo tem-se revelado impotente para resolver o problema. Mas ela não é e não pode ser encarada como um modelo definitivo, tampouco como solução de todos os problemas, porque, a despeito da carga democrática e de aparente respeito humano que traz, ainda há questões mais profundas a serem discutidas, talvez mais adiante, talvez agora. Por exemplo: por que o homem precisa de drogas? Será que a necessidade de alienação está, de alguma forma, embutida na nossa herança genética ou terá sido criada em função das pressões do meio? Terá a ciência, algum dia, capacidade de anular os efeitos das drogas e libertar, para sempre, o homem desse tipo de dependência? Podemos entregar às drogas alguns indivíduos em nome da teórica salvação dos demais? Será que não estamos usando os drogados como bois de piranha de nossa própria incompetência como seres humanos? Vale a pena desperdiçar alguns cérebros para salvar outros? Não criaríamos uma nova casta de humanos, o que levaria à segregação e ao preconceito, futuramente? Não é perigoso demarcar, como gado, alguns indivíduos porque são diferentes e necessitam, para viver, de drogas e alucinógenos? Enfim, não será o melhor dos mundos um mundo em que se liberem as drogas, mas pode ser o início de uma discussão que leve à solução do problema. Ou vamos continuar sendo hipócritas na defesa do combate violento aos traficantes, esquecendo-nos de que eles são alimentados pelas mesmas pessoas, ou seus familiares, ou seus amigos, ou seus conhecidos, que vociferam nos meios de comunicação contra a violência do tráfico? Há aspectos emblemáticos nessa luta contra o tráfico: que outro empreendimento humano não se abalaria com prejuízos de milhões de dólares, ao serem apreendidas toneladas de drogas em todo o mundo, e continuaria suas atividades, como se nada tivesse acontecido? Não parece uma luta sem fim, sem qualquer perspectiva de vitória?

Acredito, e faço disso minha crença inabalável, que as drogas são perniciosas, sim, incluindo entre elas o álcool e o fumo, e que seu uso e abuso têm trazido mais, muito mais problemas que benefícios; e mais: acredito que o homem não precisa delas para se tornar melhor, ou pior, pois são apenas instrumentos de fuga da realidade, sinal, muitas vezes, de covardia diante do ato de viver, que é, sim, complexo e difícil, mas deve ser encarado como a experiência única e vital do ser humano. Também não estou me debandando assim facilmente para as fileiras dos que defendem de forma demagógica e irresponsável o uso indiscriminado de drogas e sua descriminalização. Não me iludo e nem devem se iludir as pessoas menos desavisadas com slogans e mecanismos de pressão de minorias. Mas, a discussão séria do problema e, até mesmo, a possibilidade de concordar com a liberalização do uso das drogas devem fazer parte da pauta de qualquer sociedade democrática e preocupada realmente com a relação entre seus membros e seus mecanismos de defesa, com seu funcionamento mais lógico e mais republicano, com seu futuro, enfim. Sem hipocrisias.



(Escrevi esse artigo em 11.4.2005 e republico-o, por continuar pensando o que pensava e porque leio no jornal a campanha da PUC/SP para impedir que seus alunos fumem maconha no campus da Universidade).


junho 05, 2009

O HOMEM E SUA CASA, A TERRA

A estupidez nos leva a julgar-nos únicos, na escala da vida. A estupidez nos leva a pensar que somos filhos de deuses. A estupidez nos leva a imaginar que podemos sobreviver.

Não. Não somos a escala final da evolução biológica, nem filhos de um deus maluco que nos pôs aqui para gozar as delícias do paraíso perdido, depois do pecado.

Somos parte de um mundo em equilíbrio. Dele dependemos. E ele, esse planeta sereno em comparação com milhares ou milhões que podem existir no Universo, não depende de nós.

Somos o vírus da Terra, como quase tudo o que aqui existe.

Espécies mais fortes e gigantes, como os dinossauros, surgiram e desapareceram.

E assim com tantas outras espécies, que surgiram e desapareceram.

E a Terra continuou seu giro no espaço. Serena.

Serena, sim, mesmo com todos os terremotos, maremotos, tempestades e mudanças climáticas. Que são eventos mínimos, em comparação com eventos muito mais terríveis de inúmeros outros planetas no Universo.

Somos, os seres humanos, apenas mais uma espécie sobre esse planeta sereno. E temos, como, talvez, único diferencial de outras espécies, a possibilidade da escolha entre sobreviver ou morrer.

Se a espécie humana desaparecer de sobre a Terra, ela continuará serena a girar em torno de seu Sol, por muitos bilhões de anos ainda.

Mas temos a escolha: basta que cuidemos desse planeta sereno. Que não o maltratemos ao ponto de deixarmos com ele a escolha entre a nossa sobrevivência e a dele.

Porque ele, o planeta sereno, já escolheu, e sua escolha não nos contempla.

O equilíbrio está prestes a romper-se: é o momento de decidirmos se teremos herdeiros. Queimar o mundo em que vivemos não é matá-lo, porque ele se recupera, depois que se livrar de nós.

Então, o que você, ser humano, decide? Salvar o planeta e a si mesmo, ou deixar que ele, o planeta sereno, continue a girar em torno do sol sem a espécie humana?