agosto 29, 2014

POLÍTICA BRASILEIRA É UM IMBROGLIO







É quase impossível pensar racionalmente, quando se tenta entender a política brasileira. Principalmente quando entra em campo a decantada, amaldiçoada e mal entendida "governabilidade".

A Constituição de 1988 abriu a porteira das ideologias - verdadeiras ou falsas - represadas desde o golpe militar e permitiu que inúmeros partidos políticos fossem criados. Com isso, pulverizou-se a ideia de partido majoritário. Cada partido que "ganha" as eleições, com alianças antes e, principalmente, depois das eleições, precisa garantir a tal governabilidade com longas e desgastantes negociações, senão não consegue aprovar nada. O exemplo crucial dessa política foi o governo FHC, que atingiu o ápice da troca de favores com o Congresso para a aprovação de matérias de interesse do Executivo, ao comprar, à custa da quebra do Estado, a sua reeleição. O políticos descobriram a mina de ouro: dificultar para obter favores. Contados os votos, lambem-se as feridas e é o momento em que os vitoriosos buscam e os derrotados negociam apoios. Formam-se novas e improváveis alianças. Quem fica de fora do butim, torna-se oposição e os "situacionistas" cobram o preço, às vezes de forma brutal, quase sempre com cargos e ministérios.

Essa é a realidade. 

E esta é a constatação mais infeliz: não há mais ideologias nos partidos políticos. Resta alguma em nanicos, como o PC do B, ou o PSOL. Mesmo o PT, que tem um berço nobre, acolhe em suas fileiras muitos aproveitadores, políticos e líderes que só querem a legenda para melhorar de vida. Para obter contratos. E não é possível impedir a entrada dos aventureiros, porque não existe atestado de ideologia. É como o jogador de futebol contratado por milhões que, ao vestir a camisa do time, beija seu escudo e jura fidelidade... e o torcedor acredita! Porque não é possível não acreditar. E porque, na maioria dos casos, deseja-se muito acreditar.

Dito e compreendido isso, vamos às eleições de 2014. Desde já deixemos claro que Marina Silva só é a cotada da vez para vencer essas eleições catapultada que foi pela espetacularização da mídia em torno da morte prematura de Eduardo Campos, um político neófito tratado como chefe de estado e grande estadista. Uma nova viúva Porcina: foi sem nunca ter sido. E entendamos as razões de a mídia ter feito isso: como seu queridinho, Aécio Neves, estava mal nas pesquisas, resolveram incrementar a candidatura de Marina, com a esperança de que, dividida a esquerda, ela tirasse votos da Dilma Rousseff, cuja reeleição parecia quase impossível de ser evitada, para desespero da mídia, alinhada com a direita mais retrógrada desse País, como sempre. Só que a canalha deu um tiro no pé: Marina tirou votos, sim, de Dilma, mas tirou muito muitos mais do minerim das baladas cariocas, jogando-o para o desesperador buraco dos perdedores de primeiro turno. E agora?

Se é sustentável a situação de Marina Silva, só o tempo - pouco, a essa altura - poderá dizer. Mas tudo indica que, passada a comoção da morte do moço de olhos azuis, avaliado o estrago que sua candidatura ocasionou ao queridinho da mídia e da direita, não há dúvida de que a ex-seringueira odiada pelo agro business começará a perder forças e essa perda (e não, "perca") será terrivelmente impulsionada por uma tentativa de desconstrução de sua figura, a começar pelo caso do jatinho acidentado, que parece ter conteúdo suficiente para fazer a poderosa rede Globo tentar achar em seus destroços sinais de corrupção e troca de favores que respinguem fortes em Marina Silva e seus acólitos. E uma campanha difamatória sutil e impiedosa começará a tomar conta de todos os meios de comunicação, como tentativa desesperada de inflar de novo o balão murcho de Aécio Neves. Claro que petistas desesperados tentarão aliar-se a essa guerra suja, o que será uma lástima, tanto para Dilma quanto para o próprio histórico do partido.

Especulemos, no entanto: e se Marina Silva ganhar as eleições?

Há, na mídia, como uma espécie de esperança consoladora, a ideia de que Marina Silva poderia aliar-se aos depenados tucanos de FHC, a essa altura curtindo uma profunda síndrome de abstinência de poder. Ora, se essa senhora tiver a cara dura de passar-se, a essa altura de sua trajetória, para a direita, teremos de reconhecer que, em matéria de política, tudo é mesmo possível. Nada, no seu ideário político até agora expresso, indica que isso possa acontecer, mesmo que ela venha, durante a campanha, por motivos eleitorais e eleitoreiros, a acenar com algumas concessões à direita, como tentativa de acalmar certos ânimos e obter financiamento para a campanha. Então, não será, quase com certeza, com o PSDB que ela irá governar. Talvez também não, no início, com o PT. Restará, então, qual partido com que aliar-se no Congresso para tentar aprovar suas propostas? Sem dúvida nenhuma, o PMDB, o partido que não é partido, ou melhor, é tão partido, que alinha em suas fileiras gente de todas as cores, de todas as ideologias. Tem, sim, PMDB para a esquerda e para a direita, para o centro e para qualquer outra nuance ideológica que se apresente no poder. É só saber estalar os dedos. Porque, hoje, no Brasil, nenhum presidente da República logra sucesso, sem o PMDB, porque ele é o maior, o mais bem estruturado, com bancadas sólidas no Congresso e em quase todas as casas legislativas. Só lhe falta - e isso é fruto de suas múltiplas faces e de sua origem como frente ampla - um líder de apelo nacional, que o conduza à Presidência.

Além disso, não tenham dúvidas de que, não importa com qual PMDB ela se alie, Marina Silva tenderá sempre para a esquerda e poderá levar o País para um caminho que o PIG - o Partido da Imprensa Golpista - e a direita mais hidrófoba não irão, absolutamente, gostar: o caminho de um nacionalismo à Cristina Kirchner, talvez sem os desvarios da politicagem peronista que mantém os argentinos à beira de um ataque de nervos, mas com uma política econômica muito mais próxima da heterodoxia do que hoje se vem praticando com Lula e Dilma. E isso poderá trazer consequências desastrosas para o País. Não exatamente sua política, mas a oposição de cachorro louco que ela enfrentará depois de alguns meses de governo.


O que se quer dizer, ao fim e ao cabo, é: Marina Silva é mais esquerda que o PT, mais esquerda que Dilma e Lula juntos, se acreditarmos nas ideias que ela expôs até agora. E se acreditarmos na força que suas origem tem nas ideias que ela expressa. Isso, independentemente de seu evangelismo que, sendo outra vertente, de sua personalidade, se vier à tona, poderá trazer sérios atritos com a sociedade civil que luta por direitos importantes como o das mulheres (no caso, a regulamentação do aborto, e não sua penalização), como o dos grupos GLBT (no caso, a união civil entre pessoas do mesmo sexo), e muitas outras lutas e conquistas que a sociedade espera e deseja. Creio muito mais num certo vocacionismo místico meio sebastianista, resultante de sua concepções religiosas, do que a interferência dessas ideias nas políticas de seu pretenso futuro governo. Marina pode ser muita coisa do que dizem dela seus detratores, mas não é estúpida, nem amadora. Sabe o quer, e tem personalidade forte para impor sua vontade. Desde que faça as alianças certas, no Congresso. Se isso não acontecer, aí, sim, a tal "governabilidade" entrará em campo, para melar seu governo. E o desastre será inevitável.