dezembro 31, 2010

A DÉCADA DE DILMA ROUSSEFF




Em termos de política brasileira, a primeira década do século XXI foi a década de Lula, o presidente operário que colocou o País no rumo do futuro. Mesmo com a ferrenha torcida contra da imprensa golpista e de uma oposição raivosa.

A imprensa golpista continua aí, num dilema de dar dó: teme os marcos regulatórios do próximo governo, por um lado e, por outro, morre de medo da entrada do capital estrangeiro que poderia aniquilar seus impérios. Como sempre, não sabe encontrar o meio termo. Discute tudo em caixa-alta, aos brados, como se o mundo fosse acabar, como se fosse o final dos tempos o fato de a sociedade brasileira ganhar um pouco mais de voz, através de mecanismos legais e legítimos de direito de resposta, de contestação de sua voz única, de maior vigilância àquilo que, muitas vezes, de forma irresponsável, ela publica como verdade absoluta e que é apenas boato ou fato não comprovado. Isto é republicano e democrático: dar um basta à era do julgamento e condenação peremptórios e sistemáticos. Mas também é preciso que se protejam nossos canais de comunicação da sanha do capital internacional.

Quanto à oposição, depois da surra nas urnas, está desarvorada e mergulhada nos seus próprios erros, sem propostas, sem rumo, sem lideranças. Isso é ruim para a democracia. Não se espera uma oposição canalha, como a que tem sido a tônica até agora – e foi essa posição de radicalismo extremo um dos motivos de sua derrota - , mas também não se pode ter um governo democrático sem uma oposição bem estruturada, para evitar exageros e tentações totalitárias. Que encontrem um rumo e sejam responsáveis no seu papel, é o que se espera daqui daqui para a frente.

À grande mídia também também jogo a responsabilidade de tentar criar verdades repetindo mentiras. O governo Lula não foi continuação do governo FHC, porque se assim o fosse, teríamos mergulhado num abismo e numa crise sem precedentes, que é o que apontava para o País a continuação dos desmandos políticos, administrativos e econômicos do governo anterior. Se a inflação ainda não saíra de controle, é porque o monetarismo não deixava, mas o entreguismo e o desemprego – marcas da política neoliberal de FHC – logo iriam levar o Brasil a uma situação caótica, por causa da destruição do mercado interno. E Lula fez exatamente isto: fortaleceu o mercado interno, ao resgatar da pobreza milhões de pessoas e recuperar o poder de compra da classe média, o que o levou a surfar sobre a crise internacional de 2008. Exatamente o contrário das políticas do governo anterior.

E por falar em governo anterior, FHC está morto e enterrado. Só sobrevive nas idiotices de comentaristas que insistem em comparar o pior governo de todos os tempos com o melhor, ou seja, o falso embate entre Lula e FHC só existe na imaginação daqueles que insistem em manter vivo politicamente o ex-presidente.

E Lula – já também quase um ex-presidente – sai do governo com 87% de aprovação popular. Um recorde mundial! Números superiores ao mito Mandela. Ou seja, Lula também se transforma numa espécie de mito, embora condene – por ser antidemocrático – todo e qualquer culto personalista. Respeitemos o líder, aplaudamos sua capacidade, reverenciemos sua popularidade, mas não o mitifiquemos, por favor.

Lula teve a sua década. Agora é a vez de Dilma Rousseff.

Lula não criou Dilma Rousseff. Apenas a descobriu. Sua capacidade gerencial, mais do que comprovada durante os anos de Ministra Chefe da Casa Civil, e sua inteligência compensarão sua pouca experiência política. Talvez não alcance o brilho de seu antecessor, em termos de liderança, mas tem tudo para fazer um grande governo, já que não há herança maldita a ser tirada de debaixo dos tapetes e de dentro dos escaninhos do Palácio da Alvorada. Ela sabe, e muito bem, que o País ainda tem grandes desafios a vencer; que os oito anos de Lula não podiam contemplar de maneira uniforme a todos os setores carentes de nossa economia e de nossa população; que o trabalho de erguer um País e devolver-lhe a autoestima não depende do esforço e da capacidade de um só governante, mas também de todo o povo; que, enfim, há ainda muito a ser feito e que, pela primeira vez na história, há a possibilidade de uma continuidade administrativa responsável, dentro de uma situação política, econômica e social de absoluta normalidade, e que os avanços – necessários e fundamentais – não implicam rupturas.

A década que amanhã se inicia, portanto, deverá – e torcemos todos para isso – ser a década de Dilma Rousseff. A primeira mulher a governar de fato o País tem tudo para continuar uma obra notável, mas, principalmente, tem tudo para construir outra obra notável, o que permitirá fazer do Brasil a quinta economia do mundo ao final do seu mandato.

dezembro 16, 2010

NÃO, NÃO ME BELISQUEM: QUERO CONTINUAR SONHANDO!






Há oito anos, quando Lula foi eleito presidente, numa campanha histórica – ainda hoje me emociono – fui para a Avenida Paulista para participar da festa. Um misto de alegria imensa e temor, muito temor, batia forte em minha mente.

E se Lula não der certo?

É claro que o prazer de ver e ouvir, naquele palanque improvisado, o operário Lula discursar e levar ao delírio milhares de brasileiros, fazia com que a esperança realmente derrotasse todos os meus temores.

Fora uma campanha difícil, com toda a mídia – como sempre – ao lado dos opositores. E agora, como um cachorro que late para os automóveis e, quando eles param, não sabe o que fazer, eu me sentia desnorteado com a vitória.

E os tempos não foram fáceis. Porque, primeiro, o PT não é um partido fácil, dividido em várias correntes, com muita gente despreparada para o exercício do poder. E realmente, muitos “companheiros” deram trabalho, por estupidez, por radicalismo ou mesmo por improbidade. Segundo, não tinha o presidente maioria no Congresso. E as alianças com quem estava disponível nem sempre funcionaram ou o fizeram precariamente. Havia (como ainda há) muito fisiologismo e pouco espírito público. Terceiro, a imprensa nunca deu folga. Numa união ainda hoje espúria com a oposição, fez campanha sistemática contra o governo Lula, de forma declarada, muitas vezes, e outras tantas de forma sutil e subliminar, o que é a maneira mais cruel e deselegante de se fazer oposição.

E havia ainda o fator maior: a famosa “herança maldita” do governo anterior, que deixara um País em situação de quase inadimplência frente aos organismos internacionais, principalmente o FMI que, aqui, mandava e desmandava; uma política de total dependência dos Estados Unidos; um povo sem ânimo, um verdadeiro “complexo de vira-latas” a corroer as entranhas da Nação; um mercado interno em frangalhos, embora a inflação estivesse controlada; índices avassaladores de desemprego e de miséria. Enfim, um País sem rumo.

E Lula não apenas resistiu a todas as intempéries, mas ainda realizou sua obra com denodo. Inexperiente em termos administrativos, teve que lutar contra uma máquina pública emperrada e preguiçosa, para tocar seus projetos. Cometeu erros, sem dúvida, mas consegui superá-los.

E houve o episódio que ficou conhecido como “mensalão”. Naquele momento, todos os meus temores retornaram. Meses e meses de uma campanha sistemática e desalentadora da mídia. Sem tréguas. O lema era: atirar primeiro, perguntar depois. Ou seja, qualquer boato, qualquer detalhe escabroso, qualquer denúncia sem comprovação viravam manchetes e tornavam-se fatos verdadeiros e comprovados. Ministros caíram, o governo realmente balançou e eu pensei: o golpe está em curso, nada conseguirá impedir que, mais cedo ou mais tarde, consigam defenestrar do Governo o operário que eles – a mídia, as elites, as oposições e todos os que estão tendo interesses contrariados – não suportam ver no comando da Nação.

Mas Lula resistiu. E não só resistiu: venceu e convenceu.

Ganhou um segundo mandato, em mais uma campanha dura, contra a mídia, que preferia ver na Presidência um político sem carisma, sem realizações, como Geraldo Alckmin, cujo apelido (maldoso, claro) já indica sua condição de ser o queridinho apenas de uma pequena, mas forte em termos midiáticos, elite paulistana, mas o “picolé de chuchu” não resistiu ao segundo turno.

Com o homem forte do governo, José Dirceu, fora de combate, abatido na “guerra do mensalão”, a oposição e a grande mídia arrefeceram um pouco – só um pouco – o seu ímpeto golpista. Afinal, o próximo presidente já estava eleito: José Serra. Não conseguiria Lula transferir facilmente sua popularidade crescente, em virtude de um governo que teimava em acertar e colocar o Brasil rumo ao primeiro mundo, para algum outro político com condições de competir.

Mas Lula revelou sua outra face: a de estrategista político. Sacou do Ministério de Minas e Energia uma técnica competente e colocou-a na linha de frente do governo, na Casa Civil, dando-lhe pouco a pouco a visibilidade necessária a seus planos. E assim surgiu Dilma Rousseff.

A oposição subiu no salto alto, com José Serra. Por isso, a campanha da eleição de Dilma foi dura, com muitos golpes baixos, com toda – absolutamente toda – a grande mídia fazendo campanha para a oposição. Ao cúmulo de um grande e tradicional jornal – O Estado de São Paulo – publicar editorial inédito declarando apoio a Serra, terminando por dizer que Dilma era “o mal a ser evitado”!

Lula termina seus oito anos de governo com aprovação de 80% da população. Seu índice de popularidade bate nos 87%, um recorde histórico e difícil de ser alcançado. O sonho que, oito anos atrás, balançava entre esperança e temores, inacreditavelmente chega a 2010 mais renovado do que nunca. Lula fez a travessia de seu governo como o maior de todos os presidentes que já houve.

Sua presença, seu nome, seu carisma e sua competência deixaram para trás o jeito bonachão e, às vezes, meio grosso de elaborar metáforas futebolísticas para melhor expressar seu pensamento. O operário tornou-se figura internacional, respeitado em todo o mundo, por todos os demais governantes.

Lula, orgulho do Brasil. Hoje, oito anos depois.

Não. Não me belisquem: quero continuar sonhando. Com um País melhor, com um País mais justo e menos “vira-lata”, que a administração do presidente-operário soube, de forma exemplar, começar a construir.

dezembro 06, 2010

A GUERRA DO RIO OU UM RIO DE GUERRAS?







Há coisas que me irritam. Frases feitas. Ou, pior: conceitos feitos. De encomenda.

Um deles: o “crime organizado” começou com a instrução dos presos políticos de conceitos de guerrilhas aos presos comuns, na época da ditadura.

Será?

Será que uns poucos intelectuais conseguiriam influenciar tanto assim a bandidagem? Bandido,que eu saiba, não tem ideologia. E guerra de guerrilha tem: se não os vietcongs não teriam derrotado o império estadunidense, com seus túneis, com seu conhecimento do território, com suas surpresas e emboscadas...

Bandido pensa em lucro imediato, não em conquistas posteriores. Portanto, essa história de “organização” só existe, entre a bandidagem, em termos de quadrilha: um grupo se une em torno de um “líder” (o mais esperto) e quem não seguir as regras – toscas e imediatistas – do grupo e, principalmente, do chefe, morre.

Além disso, a “organização” é mais fruto da sofisticação de meios que o mundo modernizado e globalizado oferece: tem que haver gente que entenda esse mundo especializado e cada vez mais especializado. O comércio de drogas, por exemplo, exige conhecimentos de línguas, de comércio exterior, de armamentos (cada dia mais sofisticados), de geografia, de informática etc. Então, as quadrilhas também se sofisticam, dentro de suas possibilidades. E se organizam.

E aí entra a minha segunda coisa que me irrita: “crime organizado”. Não existe. É invenção de quem tem o pensamento raso, imediatista e de comunicação instantânea. Nem a famigerada máfia é organizada. Suas quadrilhas ou “famílias”, sim. Organizam-se em torno de um “chefe” ou “babo” (para usar uma expressão em uso), ou “capo” ou “padrinho”, com leis próprias e regras de conduta: quem não as segue, é punido, ou melhor, morre. Não há segunda chance.

“Crime organizado” é ficção. De noticiário rasteiro. O que há são quadrilhas mais ou menos organizadas em torno de um líder. Com lutas internas e externas. O mais esperto mata o que “deu bobeira” e toma o “poder”, que é restrito a uma comunidade relativamente pequena: só se expande pelo terror, pela ameaça, por ter a arma mais poderosa ou ser aquele que mata mais os inimigos ou intimida mais a comunidade.

Mas seus chefes, ou líderes, cometem o erro da ganância ou do orgulho: arrotam seu poder (que é relativamente pequeno) como verdadeiros monarcas – julgam, condenam e matam ou absolvem com a mesma idiota pretensão de reis medievais que se julgavam “representantes de deus” na terra. Acabam, quase sempre, mortos: ou pela polícia ou por um de seus “súditos” (em “golpes de estado”) ou pelos inimigos que estão de olho em seu “território” ou “reino”, outro conceito que absorvem e tentam estabelecer. Na verdade, o “território” é ilusório e seus “súditos”, traidores ou descontentes, já que sabem que estão sob um jugo absolutista, capaz tanto de recompensá-los quanto de eliminá-los por motivos incompreensíveis.

Como as quadrilhas têm um inimigo comum – a polícia –, parece que se unem para combater esse inimigo comum. Na verdade, apenas parecem que se unem, porque, quando a situação aperta, é cada um por si. A união é falsa, ou só ocorre em momentos de crise, quando, então, as decisões tomadas são eivadas de motivação imediatista e, quase sempre, equivocadas, ou seja, sem visão de futuro.


As quadrilhas dos morros cariocas formam-se quase sempre em torno de um elemento comum: o tráfico. E as drogas só são um poderoso ponto de interesse porque têm mercado certo: a classe média, média alta e alta dos bairros da Zona Sul. Ou seja, o mercado determina a criação, organização e existência das quadrilhas. Se não houvesse mercado – e um mercado consumidor de alta capacidade – não haveria tantas quadrilhas e tantas lutas para conquistar e manter territórios que, na verdade, só são conquistados e mantidos por bandidos estúpidos, que querem usar a droga como poder não apenas econômico, mas também político ou territorial. Os verdadeiros criminosos ou “importadores” estão nos gabinetes simples e refrigerados de escritórios discretos e levam a vida de nababos sem chamar a atenção de ninguém. Sabem que seu poder só subsiste se se mantiverem à sombra, com os idiotas indo para a linha de frente do enfrentamento, lutando por poderes limitados de território, totalmente inúteis e sem sentido, se pensarmos em termos econômicos. O “tráfico do morro” é o boi de piranha de interesses muito mais altos e espertos, no mundo da alta bandidagem.

A grana que as quadrilhas de morro ganham transformam-se em motivo de ostentação fútil – casas com mil e um equipamentos, mulheres, muitas mulheres e ouro, muito outro, inutilmente pendurados nos corpos, como forma de atração sexual. Não saem, portanto, do morro, porque, se saírem, sabem que são presa fácil da polícia. Daí, a noção de território: é o território, ou seja, o entorno amedrontado e humilhado pelo poder das armas, a segurança do bandido de morro.

Armas! Outro ponto nevrálgico das quadrilhas: pretendem-se, todas elas, armar-se o mais possível, e nisso gastam boa parte do que ganham com a droga. Elas são essenciais para a intimidação não só dos moradores do “território ocupado”, mas também da polícia. Mas, com certeza, serão poucos os que sabem usar realmente o armamento mais sofisticado, que exige perícia e treinamento. O problema é como chegam ao morro: seu comércio, feito através das extensas fronteiras terrestres e marítimas do País, é um caso complicado de se resolver. Por mais apreensões que a Polícia Federal faça, ainda assim vale a pena, para o tráfico, porque o dinheiro é fácil, tentar contrabandear armamento pesado e sofisticado. Assim, acredito que os traficantes devam comprar uma quantidade bem maior de armas e contar com a sorte – já que uma boa parte é apreendida – para que elas cheguem até eles.

E a sociedade que se escandaliza com o armamento pesado dos bandidos tem, sim, o seu quinhão de contribuição para as armas do tráfico: quando, há alguns anos, debateu-se o desarmamento civil, essa mesma sociedade que hoje se sente ameaçada não concordou com a tese de proibição de fabricação e distribuição de armas no País. Armas que aqui são fabricadas passam a fronteira dos países vizinhos e voltam em forma de contrabando, para as mãos dos traficantes, enriquecendo e desenvolvendo, assim, uma indústria que emprega uma quantidade bem menor de pessoas do que apregoou anos atrás o seu poderoso lobby.

Assim como as armas são uma espécie de fetiche – manipulado pela propaganda da indústria armamentista que, tal qual a do cigarro, também enriquece e ganha milhões a custa da desgraça alheira – as drogas “inocentemente” consumidas pelas classes mais abastadas em suas festinhas de embalo são também um ponto intocável na questão da guerra ao tráfico.

Assim como todos aplaudem – muitos falsamente – o combate sistemático às quadrilhas dos morros e das favelas por esses brasis afora, deviam também exigir que se aplicassem pesados recursos na identificação, tratamento e cura dos milhares e milhares de usuários de drogas que as famílias desesperadas mantêm sob o manto da hipocrisia, sem terem coragem de assumir que financiam, sim, o tráfico de drogas e contribuem para o banho de sangue de bandidos e inocentes, nessa “guerra” sem inimigos declarados que a própria sociedade exige que se faça.

Portanto, tenhamos coragem de assumir que não há apenas uma guerra no Rio, mas rios de combates que acontecem em todos os lugares, em todos os lares onde haja viciados – inocentes ou não – mas principalmente indivíduos que fumam, injetam, consomem não somente drogas – maconha, cocaína, crack, anfetaminas, heroína, ecstasy etc. – mas também sangue e vida de milhares de vítimas – homens, mulheres e crianças dos morros e de suas próprias famílias – das quadrilhas de traficantes que infestam a sociedade e que só estão “organizadas” na mídia: são só um bando de indivíduos sem qualificação a querer se aproveitar de uma situação que nós mesmos, e aí, sim, a chamada “sociedade organizada” temos criado, com nossa hipocrisia no trato da dependência química.