janeiro 24, 2009

UM MUNDO MAIS RACIONAL

Há muito, cheguei à conclusão de que a metafísica é uma das maiores fraudes do pensamento humano. Nela enfiados até o pescoço, não temos tido oportunidade de trilhar caminhos mais reais, caminhos menos penosos e menos enganadores.

Buscamos, por exemplo, a felicidade. E o que é a felicidade, senão mais um conceito metafísico, um ente inexistente, impossível de ser alcançado?

Temos, sim, momentos de satisfação, de alegria, de prazer. Que podem durar uma vida ou ser fugazes como uma chuva de verão. Alternados com momentos de desconforto, de dor, de insatisfação. Que também podem durar uma vida ou ser fugazes como o vôo da andorinha. E mais: entre esses extremos, vivemos. Porque a vida é assim, cheia de som e fúria, mas também um lago sereno.

Não precisamos perseguir uma categoria inexistente da metafísica, a tal da felicidade, para vivermos bem. Acho até que é o contrário: quanto menos nos preocuparmos com essa senhora improvável e impossível, mais temos o conforto da vida em toda a sua plenitude.

Nascemos para viver, não para sermos felizes ou para qualquer outra coisa. E a vida é o bem mais precioso do homem, por ser única. Não há nenhuma razão que me leve a acreditar que sobrevivamos à vida, que existe um paraíso, ou entes além-túmulo que nos protegem ou nos encaminham para uma outra existência. Acreditar nisso é enganar-se, pelo menos na minha opinião. Mas isso é problema de cada um, pois é um princípio de fé, e não de realidade.

A metafísica cria entidades abstratas.

E outra abstração a que nos dedicamos com imensa sofreguidão é o ente chamado humanidade. O que é humanidade? O conjunto de todas as características humanas, em oposição a todos os demais seres vivos? Bobagem. Quais são essas características humanas? A suprema, a que todos acham que define o homem, a inteligência, não é privilégio do ser humano. Todo ser vivo é provido de inteligência. A nossa pode ser, teoricamente, mais desenvolvida, mas dominamos a Terra não por causa única da inteligência, mas principalmente porque desenvolvemos a capacidade de nos adaptarmos e, assim, sobrevivemos a catástrofes e às adversidades.

Nem a racionalidade nos distingue. Porque não sabemos bem o que é ser racional. Cometemos tantos atos insanos, tantas loucuras, como assassínios, tortura, guerras, genocídios e muitos outros horrores, que duvido seriamente de que todos os homens sejam seres racionais. Os animais agem com muito mais pragmatismo do que o homem: reagem à ameaça ou à fome. Assim, não se tornam assassinos. Só algumas espécies mais “avançadas” de símios (nossos irmãos, portanto) atentam contra a vida por outros motivos que não esses.

Rejeito todas as metafísicas. Rejeito todas as utopias.

Não posso admitir outra forma de convivência que não seja aquela baseada no respeito. Respeito ao consenso. Respeito à maioria. Sem fanatismos. Sem imposições.

Não quero a cabeça dos déspotas espetadas no alto de fogueiras, nem enforcados em patíbulos públicos. Mas não os quero por perto, também. Longe deles, somos mais humanos. Ou tornamo-nos mais humanos.

Rejeito a imposição pura e simples de formas de governo alienígenas e defendo o direito de cada povo decidir seu destino, sem deuses, sem altares, sem perseguições. O homem só é lobo do homem, quando defende ideologias. Abaixo, portanto, todas as ideologias, estejam elas de que lado estiverem do espectro político.

O socialismo laico pode ser um bom sistema. Desde que sem burocracias e imposições. O Estado não pode ser ditador nem omisso. Há que se justo e ter o tamanho certo para atender as necessidades de seus cidadãos e mantenedores. Nenhum homem tem o direito de apontar para o horizonte e dizer que o caminho certo é este ou aquele. Só a vontade soberana das pessoas, sem a manipulação dos poderosos, pode decidir os destinos de um povo.

Mas que em cada constituição, de cada país, esteja escrita e declarada e devidamente aceita como cláusula pétrea a política de não agressão, o compromisso com a paz. Nenhum povo tem o direito de declarar guerra ao outro nem de provocá-lo à guerra. O respeito entre as nações é a base mais sólida para um mundo melhor. E isso não é utopia. É necessidade.

Os recursos que se desperdiçam com ao aparato militar, com exércitos, armas, mobilizações, campanhas e lutas inúteis seriam e serão aqueles que devem ajudar a estabilizar a economia mundial e tirar da miséria absoluta milhões e milhões de seres humanos. E isso também não é utopia, é sobrevivência.

A Terra é um planeta de recursos finitos. O ser humano não pode continuar a transformar-se no vírus que a destruirá e destruirá a vida. É necessário um controle rigoroso da população em relação com os recursos disponíveis. E isso não é utopia, é não matar o planeta em que vivemos e nos matar, também.

A democracia tem inúmeras facetas, muitas variáveis, dezenas de aplicações, mas é o único sistema que garante uma tentativa em direção a uma igualdade entre os homens e mulheres. Nada, absolutamente nada, pode atentar contra os regimes democráticos. O que não quer dizer que se possa impor a democracia pela força a qualquer outro povo. O efeito testemunho é sempre a melhor forma de disseminar a democracia.

Desejar e trabalhar para que os homens entendam que o respeito entre si, o respeito entre os povos é o único caminho para alcançar a estabilidade e salvar o planeta, o único caminho para garantir a sobrevivência do próprio homem, isto não é utopia: é, sim, e inelutável e única possibilidade que temos de afirmar perante nós mesmos de que somos capazes de construir um mundo mais racional.

janeiro 21, 2009

NEM TUDO QUE RELUZ É OURO

Essas seitas pentecostais que grassam pelo Brasil e pelo mundo crescem e prosperam à custa de muito embuste, muita enganação, muita saliva para cima de seus fiéis seguidores. A maioria tem por dirigentes verdadeiros picaretas, que enriquecem graças ao dízimo de pessoas que acreditam poder comprar um lugar no paraíso dando dinheiro para pastores desavergonhados e impudicos que têm fazendas imensas, haras de plantéis caríssimos, mansões no Brasil e no exterior, redes de televisão e muito mais coisas do que possa sonhar nossa imaginação.

Não pagam impostos, ou sonegam vergonhosamente a parte que a tributação cobra. Tornam-se poderosos. E temidos. Não se pode falar deles, que arrotam o argumento de perseguição religiosa. A imprensa os teme; os órgãos públicos são coalhados de fiéis seguidores dispostos a dar qualquer tipo de jeitinho para impedir que processos avancem, que denúncias cheguem aos órgãos competentes ou a instâncias superiores. Colocam-se acima da lei e da justiça. Em nome de deus, de Jesus, de seus credos, encastelados em receitas prontas de fanatização de um público não apenas fiel, mas rebanho cego, surdo e burro.

Quando acontecem acidentes, como o que matou nove pessoas ao desabar o teto do templo da famigerada Renascer em Cristo, no bairro do Cambuci, em São Paulo, deixam no ar os seus dirigentes mentirosos e mal informados a idéia de que, afinal, acidentes acontecem por obra e graça de Deus e que os fiéis mortos tiveram a sua graça para alcançar o paraíso, numa desfaçatez que nenhum órgão de imprensa denuncia.

Igreja é negócio. E como negócio dos mais lucrativos, não tem essa de não pagar impostos. Se o fiel quer ser enganado e espoliado de seus bens, de seu salário, para enfiar na garganta dos falsos milagres de pastores que fingem tirar demônios do corpo de pessoas que se prestam à palhaçada por uma graninha a mais no bolso ou são sugestionadas pelo clima de terror que eles criam em seus cultos, brandindo a bíblia e usando e abusando do discurso apocalíptico, que esses fiéis doem seus bens, mas que a igreja, os pastores e dirigentes paguem impostos como todos os demais cidadãos desse País.

Que seus templos sejam devidamente vistoriados e muito bem vistoriados pelos bombeiros e pelos fiscais da Prefeitura; que sejam construídos de acordo com as normas de segurança do Município; que tenham proteção acústica contra a gritaria para um deus surdo que atormenta vizinhos como se fosse um estádio de futebol, com o agravante de que ocorre a qualquer hora do dia e da noite; que não se permitam templos a torto e a direito, em qualquer salão improvisado, sem nenhuma segurança, onde os tais fiéis são recebidos como gado num matadouro.

Isso não é perseguição religiosa, não. Isso é preocupação com a segurança dos próprios seguidores desses cultos, é respeito às leis e aos demais cidadãos. Se eu tenho preconceito contra esses cultos, por achar que são apenas igrejas caça-níqueis, eu tenho todo o direito de me manifestar, sim. Sou cidadão, vivo num País livre e tenho liberdade de criticar a quem quiser: nenhuma autoridade está acima do meu direito de protestar, de criticar, de exigir que as leis sejam cumpridas.

Perseguição religiosa é o que fazem esses cultos pentecostais uns contra os outros ou contra seitas que seguem princípios diferentes dos seus, como os cultos afros, que são discriminados e considerados cultos ao demônio, como se cultuar o demônio ou qualquer outro ser ou deus fosse proibido. A inquisição católica terminou no século XVIII, mas muitos desses fanáticos pastores bem gostariam de revivê-la, de reacender as tochas para alimentar fogueiras e queimar vivos os seus críticos, como bruxos e bruxas de antanho. Felizmente outros são os tempos, mas a forma como se defendem, atacando seus pretensos inimigos ou críticos nos faz temer que, afrouxada a lei, coisas muito ruins podem advir dessa gente.

Seus templos fulgurantes escondem mazelas e armadilhas aos incautos, como verdadeiros mangues ou areias movediças. Nem tudo o que lá parece tão belo, tão puro, tão iluminado, é realmente aquilo que aparenta. A voracidade dos tais pastores e bispos e bispas e não sei mais que falsos títulos eles se atribuem leva a que os seus fiéis sejam explorados ao limite de seus bens, de suas forças. Há pessoas que gostam, porque acham que recebem graças, ou que receberão benesses no outro mundo. Pobres diabos. Deles temos dó, por eles alertamos contra as armadilhas desses templos, embora saibamos ser inúteis quaisquer admoestações, cegos que ficam todos eles pelas falácias e pelas falsas promessas.

Enfim, que não se venha com argumentos de perseguição religiosa para a punição dos irresponsáveis que tratam o seu povo, o povo que lhes dá a riqueza em que eles chafurdam, como os porcos que são mais iguais do que os outros da fábula de George Orwell, como idiotas que merecem morrer, porque são os tais justos que irão herdar o reino dos céus. Já que é impossível acabar com essa exploração, que pelo menos os tais irresponsáveis sejam punidos, exemplarmente punidos, pelas leis humanas, como forma de se evitarem tragédias que ainda poderão ocorrer por esse País afora, em nome da ganância de poucos na exploração de muitos.

janeiro 07, 2009

NOVA IDADE

Anoiteço. Ainda não o lusco-fusco do fim do dia, mas a curva descendente para a noite. Aquele tempo em que não se comemora mais um ano, e sim, lamenta-se menos um ano. Deprimente? Talvez. Mas assim a vida é, assim somos nós, pobres mortais.

Viver é morrer um pouco a cada ano, a cada mês, a cada dia, a cada minuto, a cada segundo. A areia que cai da clépsidra não retorna, mesmo que invertamos o fluxo. E viver é também contar os que ficaram nos obstáculos da vida, desde os mais simples, como a escolha de parar de viver (eu disse simples? – que idiota!) até os mais complexos, como o definhar-se em longos leitos brancos de casas que não são as nossas. Eles, os que ficaram pelos caminhos, estão lá, inúteis e belos no seu momento. E nós, aqui, envelhecendo com suas lembranças. Melhor deixá-los.

Olho-me no espelho. Não sou eu, claro, aquele velho gordo e grisalho que me olha, desconfiado. Sorrio. E reconheço o sorriso, mesmo disfarçado pelo grotesco do tempo. Consolo-me: ainda sorrio como soía. Mas dói. Esta a imagem clássica: o velho que procura o jovem nos traços obtusos do espelho. Caio na armadilha. Sabendo, embora, que, literariamente, e só literariamente, esse truque funciona. Lembra-me Dorian Gray e almejo um espelho que fosse a verdade e um jovem que fosse mentira. Ah, a literatura!

Se a juventude soubesse, se a velhice pudesse. Não sei mais agora do que sabia antes, não pude antes mais do que posso agora. Jogo com as palavras, buscando consolo ou isso é a mais pura verdade? Não sei. Apenas sei que não me acho o velho sábio que um dia disseram que eu seria, e já não tenho o frescor de quando consolavam minha ignorância. Mais um truque de quem não se conforma com o que vê?

Ah! gostaria de não me conformar. Realmente, gostaria. Pintar os cabelos, arrepiá-los como vejo os dos jovens de hoje (e rio-me das tantas toucas para amansar os rebeldes cabelos de criança!); vestir uma daquelas bermudas largonas de não sei quantos bolsos; comprar o tênis mais caro da loja mais chique; orgulhar-me da camiseta de banda, com uma caveira brilhante; e muitos, muitos piercings, no nariz, na orelha, no umbigo... e nem me importar que fosse tudo isso muito, muito ridículo para a minha idade, principalmente ao limitar o vocabulário a meio dúzia de tá ligado, é isso aí!

Não, isso é bobagem. São delírios dessa merda que chamam de terceira idade, para nos domesticar, para nos colocar no nosso mundo, no nosso tempo, como se nós, os jovens de mais de sessenta pudéssemos ser todos empalhados e colocados à visitação publica numa estante envidraçada de um museu de história natural.

Mesmo que tempo faça em todos os homens e em todas as mulheres os mesmos estragos (que nem silicone e cirurgia resolvem, depois da algum tempo), é sábio o suficiente o tempo para passar de modo diferente para cada um. Carrego comigo, como indivíduo único, alegrias, tristezas, experiências e caminhos que nenhum outro ser humano pode compartilhar. Por isso, não me importa que o velho gordo e grisalho ria de mim no espelho: dou-lhe uma banana (que ele retribui) e solto uma gargalhada, que ele não sabe como imitar.

E vou em frente, nessa nova idade. Ou novidade.