A grande mídia, como a conhecemos
hoje, teve o seu ovo da serpente gestado no século XIX, quando surgiram os
primeiros grandes jornais e os primeiros jornalistas influentes. Sua história
nada tem de grandioso ou de nobre, como nos conta Balzac em seu formidável
“Ilusões perdidas”: o achaque de jornalistas fazia e desfazia reputações em
troca de favores ou por um bom cheque na conta bancária.
O século XX trouxe a tecnologia e
o desenvolvimento das mídias alternativas, muito além dos jornalões: primeiro,
as revistas; depois, o rádio; em seguida, a televisão e, finalmente, a
internet. Trouxe também o fortalecimento das grandes empresas de mídia,
concentradas, mundialmente, nas mãos de poucos, de muito poucos, gerando
fortunas, as fortunas gerando poder e as fortunas mais o poder gerando a grande
manipulação que hoje vivemos.
A mídia capitalista defende
valores capitalistas. E não há ninguém inocente nesse métier. O objetivo é um
só: seduzir as mentes, moldá-las, conduzi-las para um convencionalismo de
rebanho, num pensamento único de conservadorismo, de conformismo ao mundo de
injustiças que se ergue de forma absoluta em torno da humanidade, em todo o
mundo ocidental. Não há saída.
Somos todos criados e educados e
devidamente doutrinados desde o berço pela grande mídia. Desde os “inocentes”
desenhos animados e as “inocentes” revistinhas de Walt Disney, até as grandes
publicações voltadas até mesmo para a “intelectualidade”, se estão inseridas no
grande cadinho da mídia, se provêm dos mesmos donos, são todas publicações
destinadas a um só objetivo: moldar o nosso pensamento e conformá-lo aos
padrões vigentes. Poucas são as publicações que escapam desse esquema. E, se
são muitos os que escapam a essa dominação, ainda são, infelizmente, a minoria.
O grande reforço disso tudo veio com
o rádio, que ainda tem sua força, e com a televisão, a grande pá de cal na
possibilidade de qualquer gesto libertador por parte das massas, já que as
grandes redes televisivas estão nas mãos de grupos poderosos, graças a um
movimento esperto desses grupos, que viram e previram sua força. Além disso, a
televisão ainda é uma mídia dispendiosa, com tecnologia que depende de grandes
investimentos, o que praticamente inviabiliza seu alcance a grupos menos
preparados financeiramente, como sindicatos e associações operárias, que não
têm meios para manter, por exemplo, um canal de televisão, mesmo que restrito a
uma pequena cidade ou região.
Com todo esse poderio nas mãos, o
capitalismo selvagem sabe manipular seus meios para manter o populacho em suas
garras, como um grande polvo abraça com seus tentáculos as suas vítimas e as
devora. Nas redações, nada se publica ou vai ao ar que não seja de interesse
direto ou indireto do dono: a sua voz, a sua vontade, o seu pensamento é
refletido em cada linha escrita ou falada, de forma total e absoluta.
O processo é bastante simples e,
ao mesmo tempo, sofisticado. Vejamos alguns de seus procedimentos.
Tudo começa com a escolha do que
vai ser publicado. Imagine que chegam às redações milhares e milhares de
notícias. Claro que há aquelas notícias de repercussão mundial ou regional, de
que não se pode escapar, como grandes tragédias, crimes, eleições, declarações
bombásticas, notícias de celebridades etc. Mesmo essas grandes notícias, se
alguma ou algumas têm implicações políticas e ideológicas, é necessário todo o
cuidado para veiculá-las e elas receberão o tratamento devido. Por exemplo: um
terremoto no Japão terá um tratamento devidamente “neutro”, mas de
solidariedade às vítimas, com sutil ênfase à capacidade governamental de
enfrentar a tragédia. Tudo muito bem cuidado, para não virar propaganda, mas
devidamente embalado para levar o cidadão a sentir que o país haverá de superar
esse momento. Se, no entanto, o terremoto ocorre num país comunista, como China
ou Coreia do Norte, a cobertura também será de solidariedade às vítimas etc.,
mas com um sutil viés de crítica ao governo, através, por exemplo, da ênfase às
dificuldades das autoridades de chegarem aos lugares onde a tragédia ocorreu.
Tudo com bastante profissionalismo, claro, mas de forma a evidenciar sempre que
há diferenças entre um país “livre” e outro “comunista”. É evidente que há
sempre a mídia radical, que chuta o balde e faz duras e claras críticas a
qualquer momento, em quaisquer ocasiões, mas esses casos são a exceção e não constituem
a melhor forma, a forma ideal como a
grande mídia manipula.
Dissemos que a manipulação começa
na escolha do que vai ser publicado, dentre milhares de notícias. E aqui a
sutileza e a esperteza andam juntas. Por exemplo: nesta semana o Jornal
Nacional da poderosa Rede Globo, no meio de centenas de notícias, muitas delas
de grande interesse, como os passos do novo governo estadunidense e as prisões
da Lava Jato, dedicaram extensos cinco minutos à seca no rio Negro,
especialmente na região da Usina Belo Monte. Ora, seca no Nordeste atinge
milhões de pessoas, mata gente e gado, provoca fome e miséria. Seca no rio
Negro implica diminuição – pode até ser um pouco drástica – da vazão do rio, e
atinge milhares, não milhões, de pescadores e outras pessoas, mas não provoca a
mesma tragédia de sua congênere nordestina. Por que esse interesse todo da Rede
Globo? Deixarei que o leitor conclua por si mesmo: ao final da reportagem, de
forma sutil, indireta, no depoimento de uma ecologista, a emissora deixa nas
entrelinhas que a culpa da seca é a barragem da Usina Belo Monte. Que foi
construída no governo Dilma, que tem suas empreiteiras sob suspeita.... Enfim,
pode ser também um ataque como forma de defesa.
Dissemos que a escolha da notícia
ou das notícias a serem divulgadas, dentre as milhares que chegam às redações,
constitui um fator de manipulação de grande poder. Isso é fácil de constatar,
mesmo diante de tragédias que atingem outros países. No verão europeu do ano
passado, por exemplo, Portugal queimava: quase oitenta por cento de seu
território estava sob incêndios ou ameaça de incêndios, numa das maiores secas
de sua história. Disso não saiu uma só linha aqui, no Brasil. Estava toda a
mídia devidamente ocupada com outros assuntos de interesse imediato, como a
desconstrução do governo recém-eleito. E também aí, a escolha criteriosa do
fato passa por crivos rigorosos nas redações: se o número de assassinatos
aumenta no Estado de São Paulo, onde a mídia adora e protege o governador, a
notícia vem devidamente “amortecida” com dados estatísticos profusos que
informam que outras formas de criminalidade têm diminuído, graças, claro, à
ação da polícia etc. etc. Graças à mídia que, de forma sutil e competente,
soube contornar a seca por que passou o Estado e, principalmente, a cidade de São
Paulo, com matérias que, se não
ocultavam uma realidade impossível de ser ocultada, por outro lado mostravam
ações otimistas e declarações bombásticas das autoridades que, por
incompetência, haviam deixado a situação chegar aonde chegou, o senhor
governador e seu governo saíram ilesos, politicamente, do que se chamou “crise
hídrica” (um eufemismo para a incompetência).
Incensar os poderosos. Também
essa uma forma de manipulação da mídia, sempre esperta, sempre pronta a servir,
como forma de manter também o seu próprio poder. E os cães amestrados das
redações são obrigados, pelo simples fato de que foram amestrados, ou porque,
embora conscientes de seu papel, aceitam o fato de se tornarem capachos dos
patrões, por emprego, por prestígio, por uma pequena parcela de poder e grana, a
abanar o rabo para o patrão, o grande empresário que tudo controla e não perdoa
qualquer deslize nas orientações e no posicionamento de seu jornal, de sua
revista, de sua rede de televisão, cumprindo, assim, o papel de quinta coluna,
de guardiões do status quo, de defensores da “moral”, dos “bons costumes” e do grande capital que seduz, controla e
escraviza as mentes.
Ou você acha que o Brasil é um
país conservador por quê?
Finalizando, pode-se dizer,
talvez, que a salvação esteja nas mídias sociais, na internet. Talvez. E a minha
dúvida reside no fato de que há três grandes problemas com a socialização da
comunicação: primeiro, o lixo que ainda se publica é muito extenso, quase
impedindo que se consiga separar de forma clara e precisa o que presta do que
devia continuar no lixo; segundo, as mídias sociais são um território livre
para psicopatas, para fascistas e nazistas de toda espécie, para indivíduos que
não têm nenhum escrúpulo, por falta de formação ou por deformação de seu meio,
de sua educação e da sua mente manipulada, e eles têm tomado de assalto esse
meio, sufocando, muitas vezes, qualquer possibilidade de racionalidade;
terceiro, as pessoas realmente preparadas para enfrentar a irracionalidade e
com consciência para debater de forma coerente, com bons textos e reflexões profundas
os grandes problemas não são muitas e acabam, muitas vezes, sufocadas pelo
volume de asneiras que se publicam. Enfim, como tudo na vida depende de
maturação e depuração, espera-se que as redes sociais se tornem mais
republicanas, menos agressivas, menos raivosas; que aos poucos a racionalidade
predomine e que, enfim, as pessoas percebam que esse é um meio de libertação e
não de replicação das mesmas ideias, das mesmas ideologias, dos mesmos
processos de escravização da grande mídia. Isso, se a grande mídia não
conseguir fazer chegar seus tentáculos de polvo e dominar também esse meio de
comunicação.