dezembro 18, 2015

XÔ, GOLPISTAS!











As decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o rito de processo de impeachment contra qualquer presidente da república deixaram claro, claríssimo, que qualquer açodamento que descumpra a Constituição e as leis do País é sinal de golpe.

O que a oposição tentou fazer com a presidenta Dilma Rousseff é golpe, não passa de uma suja e lamentável tentativa de golpe.

Porque, se eles têm razão para o afastamento da presidenta, que sigam a lei, que apresentem os fatos e os motivos de tal afastamento dentro do ritual legal, não com manobras e tentativas de burla do processo.

Além disso, as falas de vários juízes do STF deixaram também claro que o processo de afastamento de um presidente constitui um rito complexo, de grande impacto na vida pública do País. E mais: é um ato de caráter e natureza política, que deve ter regras claras e precisas, para que o trauma do impedimento de um chefe de Estado e de Governo não se transforme numa crise de tal proporção, que transtorne a normalidade jurídica tão duramente conquistada.

Ficou, repito, um recado claro: somos uma democracia em construção e, para que essa democracia se consolide, é necessário que as instituições funcionem de forma plena, com o cumprimento da Constituição e das leis, sem o açodamento e a selvageria golpista de aventureiros e ressentidos.

Enfim, mandou para o povo brasileiro um “xô, golpistas” que deve levar a oposição – se ela quiser prosseguir na aventura do impedimento – a respeitar as leis do País, a não concordar ou até a incentivar movimentos que pedem intervenção militar e outras asneiras que se ouviram pelas ruas. Que a oposição compreenda de uma vez por todas o que é democracia e como deve ser jogado o jogo da democracia.

Ou isso, ou estará condenada a ser oposição para sempre!

Porque o povo brasileiro vai compreender o recado que recebeu.



(P.S.: o fato é ainda mais relevante, se considerarmos a índole oposicionista de vários juízes da atual turma do STF!)

dezembro 13, 2015

ISTO É PAULO SKAF, ISTO É A FIESP!







Memória curta? Então relembre: o empresariado paulista, encastelado na FIESP, financiou a operação OBAN, que prendeu, torturou e matou dezenas e dezenas de “inimigos políticos”, isto é, cidadãos que discordavam da ditadura militar. E mais: esse mesmo empresariado, na época da ditadura, nomeou como diretores, presidentes etc. de suas empresas dezenas de militares, com a finalidade de, não só puxar o saco dos donos do poder, mas, principalmente, facilitar os trâmites burocráticos, ou seja, obter bons contratos com o governo dos milicos. Operação Lava Jato é fichinha perto da corrupção daquele tempo, em que tudo era feito sob os olhares complacentes da mídia, também ela comprometida com os mesmos mecanismos de financiamento público para empresas privadas.

Esse mesmo empresariado tem a boca bicuda de tanto mamar nas tetas do governo. Acostumada às benesses públicas, a indústria paulista parou no tempo: não se aproveitou dos bilhões e das facilidades, para se modernizar, para preparar-se para uma concorrência internacional e só sabe, hoje, reclamar de impostos. Para os empresários paulistas, a única solução para qualquer crise é pagar menos impostos, como se o mundo girasse em torno dos pobrezinhos que não produzem, não exportam, não se modernizam porque o governo toma deles tudo o que eles lucram. Coitados!

E então, há nesse empresariado chorão e despreparado para a abertura internacional, para os novos tempos, para a modernidade, para os conceitos modernos de administração just in time, para o aperfeiçoamento de seus métodos de produção, para a atualização permanente da mão de obra, para, enfim, a concorrência com mercados extremamente competitivos, o conceito de que tudo é culpa do governo, principalmente de governos democráticos não escolhidos por eles, que não seguem a cartilha de financiamento público, de protecionismo, de impostos baixos. Preferem a velha política do assistencialismo: eles querem continuar dando esmolas a comunidades, através do famigerado marketing social, a pagar corretamente impostos ou pagar salários decentes a seus funcionários. Fica mais barato, muito mais barato, financiar projetos sociais, que rendem fama e mantêm currais eleitorais, do que pagar o imposto justo.


E mais: há nesse empresariado o profundo sentimento de que são eles que devem deter o poder político da Nação. São eles que devem determinar os rumos sociais e políticos do povo. Por isso, há no DNA da FIESP, a entidade mais conservadora do que o próprio conservadorismo, profundamente entranhado no seu DNA, o sentimento de golpismo.

Assim como defenderam o golpe militar e o alimentaram até onde puderam, querem agora o mesmo golpe, através da destituição de um governo que não segue a linha política, econômica e social que eles defendem. Não admitem que o povo possa escolher livremente seus dirigentes e tudo fazem para influenciar essa escolha e, quando contrariados, vão para a mídia chorar as pitangas, numa clara campanha contra a democracia.

É o que tem feito o seu presidente, até agora, o senhor golpe Paulo Skaf. Em qualquer país, esse senhor já estaria processado e calado, por rasgar diariamente na televisão, nas campanhas políticas, nos jornais, a Constituição Federal e pregar abertamente o golpe. Sua canalhice já não tem meios termos. Está lá, no ESTADÃO de hoje, em palavras claras a sua defesa de uma saída não constitucional para uma crise deflagrada por eles mesmos, através da mobilização do empresariado para um boicote à reeleição da presidenta Dilma. Como não conseguiram evitar que o povo a escolhesse de novo, o corvo não se contenta com a carniça, quer o boi vivo e inteiro nas suas mãos, isto é, quer que se tire do poder um governo constitucionalmente eleito, para colocar “qualquer coisa” no seu lugar e essa “qualquer coisa” nós sabemos muito bem o que é: alguém que seja ou militar ou títere de uma política “liberal” protecionista dos interesses do empresariado paulista e, de reboque, dos demais seguidores da velha e carcomida “locomotiva”.

Vejam o que diz o senhor golpe Paulo Skaf, com todas as letras: “São dois caminhos: o governo resgata a sua credibilidade, o que acho impossível, ou haverá necessidade de mudança. Essa mudança pode ser por meio do impeachment, renúncia ou outra forma”. Ou seja: ameaça mais clara, mais objetiva não há. Os “dois caminhos” do canalha golpista se resumem num só: a presidenta tem que ser removida. Ou ela renuncia, ou se mata, ou nós a tiramos à força.


Onde está o Ministério Público Federal? Onde está o Supremo Federal? Onde estão as leis? Onde estão os defensores da democracia, da ordem, das leis? Isso é golpismo sujo! Isso é lacerdismo puro! O senhor  Skaf está cagando nas leis brasileiras, está dando uma banana para o povo brasileiro! Esse senhor nunca fez nada por ninguém, a não ser pela Federação que ele dirige. Um canalha desses devia estar preso! Não tem nenhuma serventia à Nação, é o cãozinho adestrado da FIESP a falar bobagem todo dia na televisão, como chefe da quadrilha que quer o golpe, como político encastelado nesse lixo falsamente democrático chamado PMDB, do qual ele é presidente estadual. Desculpem, disse cãozinho amestrado, mas não é bem assim: amestrado, sim, mas é na verdade um pitbull de dentes afiados, a latir grosso contra as leis, contra o governo constitucional, contra a Constituição. Urge dar-lhe o devido corretivo. Porque, quando ele parar de latir, é porque já teremos sido mordidos.



novembro 05, 2015

COMO A IMPRENSA MANIPULA SEUS LEITORES







Tenho abordado várias vezes as formas sutis que a imprensa usa para manipular a opinião de seus leitores. Hoje, dou mais um exemplo. Do Estadão, velho e direitista jornal que odeia o PT, odeia o povo, odeia a esquerda em geral. Jornalismo de black-tie.

Na sua edição de hoje, 5.11.2015, no caderno "Metrópole", na página A18, traz a manchete: "MORTES NO TRÂNSITO DE SP CAEM 20,3%, DIZ PREFEITURA". E, como caput da matéria: "Número é dos 8 primeiros meses do ano, em comparação com 2014; redução da velocidade pode aumentar desatenção, diz especialista".

Bem, vamos aos fatos: 1. a Prefeitura de São Paulo está nas mãos do Partido dos Trabalhadores (PT) e seu titular é Fernando Haddad; 2. o prefeito tem imposto um programa de redução da velocidade de todas as avenidas da cidade, para um limite máximo de 50 km por hora, o que tem irritado algumas camadas da sociedade  (camadas essas já meio irritadinhas com a implantação de ciclovias, também um programa que vem, pouco a pouco, civilizando a cidade, e com a abertura da Avenida Paulista para pedestres, aos domingos, também uma medida civilizadora, numa cidade de poucas opções de lazer); 3. o jornal O Estado de São Paulo tem visto com muita antipatia a administração do PT, como sempre.

Agora, as pegadinhas sacanas da manchete de hoje.

Primeiro, redução de mortes no trânsito de São Paulo devia ser muito comemorada, pois é um trânsito selvagem, que mata, mata muita gente: taxa de 9 pessoas mortas para 100 mil habitantes, quando a meta da Organização das Nações Unidas é que, em 2021, esse número caia para 6 mortos por 100 mil habitantes. Portanto, qualquer redução no índice de mortos devia ser manchete de primeira página do caderno, e não um título quase escondido no meio (a manchete é sobre as faltas dos senhores vereadores às sessões da Câmara).

Segundo, a informação deveria ser apenas "Mortes no trânsito caem em São Paulo". O rabicho - "diz a Prefeitura" - já predispõe o leitor, que sabe da desconfiança do jornal em relação ao senhor Prefeito, a compartilhar dessa desconfiança. Porque não são dados estatísticos apenas, são dados fornecidos pela Prefeitura, através da Companhia de Engenharia de Tráfego, o que pode não ser bem assim. Mas, como não há o que contestar, já que a CET é um órgão técnico, a reportagem só sugere de forma sutil a desconfiança.

Terceiro, logo abaixo da manchete, duas informações soltas: a primeira, neutra (comparação entre os meses deste anos com 2014); já a segunda é para detonar de vez com o Prefeito: a opinião de um "especialista", não nomeado, que diz que redução da velocidade pode aumentar desatenção, que sugere que esses números - o da redução de mortes - pode voltar a aumentar, pois as pessoas ficarão mais distraídas e cometerão mais inflações e provocarão mais acidentes, porque trafegarão com velocidade mais reduzida. O absurdo disso é que não foi bem isso o que disse o tal "especialista" (eles sempre convocam um especialista para dar uma opinião contrária). E aí vem o quarto e maior absurdo.

Quarto, a opinião do especialista é que, com a redução da velocidade, "o motorista sente que está relaxado e que pode usar o celular, o que é um erro comportamental como o excesso de velocidade". Ou seja, o que senhor Roberto Manzini (esse o nome do especialista, consultor de Pilotagem da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego) sugere é que há um outro comportamento de risco de maus motoristas: falar ao celular. Apenas isso, nada mais do que isso. Ah, sim, e ele acrescenta, lá no final da reportagem, que é possível dirigir em São Paulo com velocidade máxima de 50 km/h. Ou seja, a tal "desatenção" lá de cima é só uma forma de o jornal jogar com a opinião do leitor, fazê-lo ficar contra uma medida que tem sido discutida sim, mas tem obtido resultados surpreendentes. Porém, isso não importa: é preciso detonar o Prefeito, a qualquer custo. E, quem sabe, não o reeleger nas próximas eleições.

Mais um "detalhe": na minha opinião, além da falta de ética do jornal, ao querer manipular o eleitor, há um outro fato de grande risco nessa tentativa de interferir no processo eleitoral: até agora, o queridinho deles (qualquer candidato do PSDB, de preferência o senhor Andrea Matarazzo, e nem vou comentar o sobrenome do dito cujo, que justificam as fichas que o jornal coloca em seu nome) não aparece como preferencial do eleitor em nenhuma pesquisa. Corre-se o risco de se jogar a cidade de São Paulo nas mãos de um manipulador e demagogo, o tal do Roussomano, já anteriormente derrotado, ou nas mãos de um idiota como o Datena, apresentador de programas policiais na televisão, em que defende a máxima direitista de "bandido bom é bandido morto").


Se eu acreditasse em deus, terminaria esse artigo com "god save São Paulo"!

agosto 08, 2015

PAROU POR QUÊ? POR QUE PAROU?





Ao que parece, grandes órgãos da mídia - Globo e Veja - e empresas - Bradesco -, além de associações empresariais - FIERJ e FIESP - desistiram de patrocinar o pedido de impeachment da presidenta Dilma. Ou seja, estão a defender moderação e negociação, condenando o golpismo de setores do Congresso e da mídia.

Por que será que eles mudaram de opinião?

Bem, não é exatamente uma mudança de opinião. Creio que, se você leu o texto anterior, sobre Jânio e Collor, ficará mais fácil de entender esse imbroglio todo. Pelo menos, para mim, tudo fica muito claro com a perspectiva nada promissora para as forças da direita (estou me referindo à direita empresarial, endinheirada, que sabe o que quer) de que novas eleições (se o impeachment fosse aprovado ainda na primeira metade do mandato) poderiam levar o povo a escolher entre Aécio e Cunha.

A minha tese é de que a direita, nesses últimos setenta anos, só conseguiu eleger dois presidentes: Jânio e Collor. Os militares não foram eleitos e fizeram o jogo que eles queriam. Na fase pós-golpe, os presidentes não foram uma escolha da direita, exceto a aposta furada em Collor, que deu no que deu, embora tenham governado defendendo os seus interesses. Mesmo os governos petistas, com sua pauta mais avançada em termos sociais e de redistribuição de renda, não ofereceram perigo iminente aos empresários e a seus negócios, porque ficaram presos a uma agenda de conciliação e de resgate da miséria de uma boa parcela da sociedade, sabendo que só poderiam fazer isso, se não cometessem delírios econômicos. Portanto, apoiar gente como Aécio e Cunha pode ser um novo tiro no pé. Vejamos.

Aécio Neves. Não herdou do avô, Tancredo Neves, a capacidade política de articular, de se entender com os contrários e driblar as dificuldades. Tem-se mostrado intolerante, sem jogo de cintura, e até mesmo "um menino chorão" diante da derrota. Esconde um gênio irascível ou temerário, capaz de fazer um governo tipo Jânio ou Collor, de trágicas consequências para a direita, que deseja um presidente que estabilize o País, acomode as forças políticas e conduza uma política econômica ortodoxa, sem grandes surpresas. Se tivesse mantido a serenidade depois da derrota, buscando conduzir seu partido para águas menos revoltas do que o rancor pessoal, mais estilo Alckmin que, se não é um líder carismático, mas pelo menos tem demonstrado sensatez política e por isso tem sido o queridinho da elite paulista, poderia até obter um certo voto de confiança dos empresários. Mas, suas declarações e atitudes revelam um homem não confiável, e principalmente não muito inteligente quanto à condução da política, num momento de transição e de necessidade de serenidade e conciliação. Perdeu, pois, totalmente a confiança dos setores produtivos. E perdeu porque, se poderia até ser um mal menor, diante do outro possível candidato, tem demonstrado não ter fôlego para vencer uma disputa eleitoral com uma raposa como Eduardo Cunha.

Eduardo Cunha. Se Aécio não inspira confiança, Cunha inspira terror. É uma reencarnação de Jânio Quadros, com fortes tintas "colloridas", se me permitem o trocadilho. Como candidato, no atual momento, apoiado por forças retrógradas do fundamentalismo evangélico, poderia incendiar o eleitorado. E pleitear um lugar no panteão dos piores estilos messiânicos de salvador da pátria. Empoderado pelo fanatismo, se eleito poderá ser um vendaval, uma força incontrolável, capaz dos maiores desatinos, sejam políticos ou econômicos. Tem todas as características que o levariam a assumir um nacionalismo de direita que, absolutamente, não se coaduna com os interesses econômicos e liberais da classe empresarial, que não espera e não deseja nenhum tipo de governo destrambelhado e passível de aventuras que levem a um desastre semelhante aos governos de Jãnio ou Collor.


Esse o futuro possivelmente vislumbrado pelas classes empresariais, diante de um possível e agora improvável impeachment da presidenta. Se está ruim com a Dilma, devem pensar eles, pior será sem ela. Pelo menos, eles sabem e conhecem o tipo de política econômica que está sendo implementado, e até concordam com os princípios dessa economia. É preferível, portanto, esquecer as desavenças políticas e apoiar um plano sério e confiável que possa tirar o País do atoleiro que eles mesmos o colocaram. E se foram eles os maiores culpados pela atual situação, não vão querer agravar o quadro com aventuras políticas que não possam controlar depois e passar pelos mesmos vexames por que já passaram anteriormente. Assim, salvam-se as cabeças e as fortunas, salva-se a presidenta Dilma e aguarda-se que as eleições de 2018 possam lhes trazer ventos mais favoráveis. E se não trouxerem, afinal Lula já provou não ser nenhum louco, muito ao contrário: é mais confiável do que certos líderes da própria direita.

agosto 07, 2015

1960 - 2000: EM QUARENTA ANOS, DOIS PRESIDENTES DA DIREITA DEFENESTRADOS






Tomemos o período histórico recente entre 1960 e 2000. Quarenta anos. Durante esse tempo, três presidentes da República foram defenestrados. Um deles, João Goulart, era de esquerda e foi afastado do poder por um golpe militar da direita mais hidrófoba desse País. Os outros dois - Jânio e Collor - eram de direita e saíram por motivos diferentes, em situações diferentes, mas eram ambos muito parecidos, como vamos ver nesta tentativa de entender um pouco mais a política brasileira.

Jânio Quadros. Como político, "nasceu" da oligarquia paulista. Venceu as eleições presidenciais com o mote da vassoura, que ia varrer a corrupção e limpar o País. E venceu contra um candidato moderado, da centroesquerda, Marechal Lott. Nem sei se posso colocar o Marechal um pouco mais à esquerda do que no centro. Em todo caso, não era o homem do empresariado, dos que tinham dinheiro e pretendiam continuar fazendo a festa, depois do surto de desenvolvimento promovido por JK.

Por que Jânio renunciou, sete meses depois?

Bem, ele já morreu e nunca explicou direito o que o levou ao gesto estúpido. Por um motivo, para mim, muito simples: não podia explicar, sem comprometer muita gente graúda. Porque, na verdade, a renúncia foi uma tentativa de golpe. Pensava que voltaria nos braços do povo - que nunca foi bobo, e não compactuou com as idiotices que ele cometeu no seu breve governo - ou por obra e graça de militares apoiados pelo dinheiro do capital - coisa que ainda não estava madura, naquele momento. Ou seja, as Forças Armadas - que já possuíam um núcleo político de direita - ainda não tinham o necessário motivo e o necessário apoio político, institucional e financeiro para dar o golpe, e muito menos apoiar um civil. Os empresários que devem ter-se comprometido com Jãnio compreenderam bem isso, e devem tê-lo traído, uma traição com a promessa de recompensas futuras, principalmente financeiras. Porque, em termos políticos, Jânio teve apenas uma recompensa: a prefeitura de São Paulo, em 1985 (o que prova que a "elite" paulistana é mesmo muito burra). E há também um outro fator: os empresários comprometidos com Jânio eram ainda uma classe em formação, não tinham tanto poder político (o golpe de 64 foi gestado e financiado pelos fazendeiros e latifundiários e teve, claro, o apoio da classe empresarial, principalmente na manutenção dos militares por vinte anos, quando eles, os empresários se empoderaram, não só de dinheiro).

Por que Jânio perdeu a confiança da direita endinheirada?  Porque era louco. E, sendo louco, era inteligente. Fazia coisas de sua própria cabeça. Pensava um País à sua imagem e semelhança. Proibia rinhas de galo e biquínis, coisas absolutamente absurdas, na visão das velhas raposas. Mas que davam claros sinais de que seria ele, Jânio, indomável. E não confiável. Sua renúncia deve ter sido articulada com a promessa de uma escada que lhe foi retirada em seguida, deixando-o a ver navios. Como não podia falar nada, atribuiu-a a "forças ocultas", expressão que, na verdade, foi cunhada pela imprensa, ele usou "forças terríveis", para justificar seu gesto. Outra hipótese para a renúncia pode ter sido um delírio messiânico, depois de se recusar a dar o rumo ao governo que pretendiam as forças que o apoiaram. Suas políticas - principalmente a externa e a econômica - não vinham agradando aos setores conservadores. Enfim, Jânio tinha de ser descartado, mesmo com o risco Jango, risco esse amenizado pela ausência do vice-presidente, que estava na China e demorou para voltar, o que possibilitou articulações que, por um lado, permitiram sua posse, por outro tentou limitar seus poderes, com a adoção desastrada do parlamentarismo. O que veio a seguir todos sabem: os anos de chumbo, após a deposição de Jango, um governo de esquerda.

Fernando Collor de Mello foi a aposta da direita endinheirada, após o perído da restauração democrática, depois do fracasso das políticas econômicas de José Sarney, um vice que devia ter sido um vice de luxo de Tancredo Neves, morto antes da posse.

Seu governo durou mais do que o do Jânio. Embora também seja louco. E porque é louco, é inteligente. Por isso, também se recusou a fazer a "lição de casa", quando presidente. Adotou políticas econômicas heterodoxas e extremamente instáveis e impopulares. Tentou - e até obteve algum sucesso - uma segunda "abertura dos portos", provocando a ira do empresariado que se acostumara a uma economia fechada e a reservas de mercado para seus produtos. Tocou, então, numa velha ferida: a falta de competitividade da indústria nacional frente aos estrangeiros, uma marca do atraso e da burrice de nossas elites empresariais até então (e, em parte, até hoje). Além disso, tinha um projeto próprio de poder, o que levou ao governo um grupo paralelo de arrecadação, chefiado por seu irmão, num processo de corrupção e pagamento de propinas nunca antes tão escancarado. O ódio do povo - por causa de sua economia e da corrupção - e do empresariado, por sua traição aos princípios de abertura econômica lenta e gradual (como fora o processo de redemocratização), levaram-no à renúncia, para não sofrer impeachment pelo Congresso Nacional.

Jânio e Collor. Ambos tiveram por marca de suas campanhas políticas o combate à corrupção. Ambos eram tribunos enlouquecidos e conseguiam mobilizar multidões, com uma retórica conservadora e moralista. O primeiro não teve tempo para corromper-se, embora os sete meses de governo lhe tenham propiciado um botim considerável, provavelmente advindo dos empresários que o apoiaram e o traíram. O segundo já levava a corrupção em seu DNA. Ambos tiveram projetos políticos ousados, para dizer o mínimo. Ambos eram forças indomáveis, loucas e sem destino. Quase levaram o País ao desastre total. Ambos irritaram a direita com seus projetos e suas políticas. Ambos foram levados à renúncia. São os projetos frustrados da nossa velha e boa direita calhorda, nesses quarenta anos.


Todos os demais presidentes da república desse período, com exceção óbvia de João Goulart, incluindo os militares, executaram ou tentaram executar políticas econômicas de favorecimento das classes empresariais, sejam da indústria, do comércio ou do agronegócio. Foram coniventes com o status quo de país de pouca abertura econômica para o mundo, de proteção ao capital nacional, de incentivo a um crescimento econômico capitalista e selvagem, com pouca ou nenhuma preocupação social. O desenvolvimento era custeado por poucos e visava a poucos, principalmente durante o regime militar. As desigualdades sociais eram tratadas como algo contingencial e até necessário, para que o País crescesse e só depois o "bolo seria distribuído", o que nunca acontecia, porque os que ganhavam dinheiro com o crescimento não só embolsavam os lucros, como ainda queriam cada vez mais. Então, o processo de distribuição de rendas caía no velho e costumeiro círculo vicioso: só ganhava dinheiro quem tivesse dinheiro. E o povo que se virasse, com as poucas oportunidades que lhe eram atribuídas, como migalhas do banquete dos ricos, para usar a velha metáfora, tão velha quanto a desigualdade aprofundada por todos esses governos, desde 1960 até o ano 2000 e tendo mais dois anos, até 2002, como um rabicho desse tempo de desigualdades. Quando, a partir desse ano, tudo começou a mudar. Mas, aí é outra história.

julho 18, 2015

TODO JORNAL É FEITO PARA INTIMIDAR E DIFAMAR...






A resenha crítica de Luiz Zanin Oricchio, no Estadão de hoje, me inspirou escrever este artigo. Que será um tanto amargo, mas necessário. Pelo menos para eu colocar para fora tudo o que penso sobre a imprensa. A crônica versa sobre o livro de Umberto Ecco, Número Zero, recém-lançado no Brasil. Quero lê-lo, embora saiba que sua leitura só me trará mais sangue nos olhos. Pois o livro trata das falcatruas da imprensa contemporânea, dos truques e das sacanagens que armam os donos dos impérios jornalísticos para achacar e ganhar dinheiro e poder. Com poder, ganham mais dinheiro e assim roda a roda da fortuna, para desespero dos que amam a verdade e gostariam de vê-la estampada em manchetes de jornal. Pura ilusão: uma manchete de jornal representa o que há de mais cruel, mentiroso, insano e irresponsável que possa produzir o "gênio" humano para o mal.

A grande imprensa, como a conhecemos hoje, nasceu no século XIX. E não são, infelizmente, os historiadores os seus melhores cronistas. São os ficcionistas que, sem o compromisso das provas e das ideologias, escrevem melhor sobre o modo como surgiram esses "impérios de maldade", essas "fábricas de falsidades", que se chamam "jornais impressos", hoje, transportados também para a fala e para a imagem das rádios e das televisões. E quem melhor narrou a sujeira por trás de cada notícia foi o genial Balzac, no livro As Ilusões Perdidas. Ali está toda a miséria do jornalismo, a descoberta do poder da palavra impressa e o seu uso para sacanear (não acho termo melhor, perdoe-me algum eventual leitor mais sensível) quem eles, os jornalistas de então, achavam que lhes podia render algum dinheiro: publico ou não publico, depende do senhor. Ou publico como o senhor quiser. Ou como acha que deve ser publicado o meu dono e senhor, o senhor do jornal. E assim reputações eram criadas ou destruídas num piscar de olhos, ou melhor, numa penada só. Tornavam-se temidos os críticos pelos donos de teatro; tornavam-se temidos os articulistas pelos políticos da época e pelos capitalistas que podiam, de uma hora para outra, ver devassados seus impérios ou, pior, sua vida particular cheia de amantes e falcatruas. Ninguém, claro, era inocente.

E admiramos muitos desses "jornalistas". E elegemos como íntegros e dignos de confiança órgãos de imprensa que têm na sua trajetória fatos escabrosos e inúmeras sacanagens que jogariam seus perpetradores no pior dos círculos do inferno de Dante. E achamos que são pecadilhos. A máxima nunca dita por Maquiavel, de que os fins justificam os meios, é a menor das desculpas para que os inocentemos. Querem alguns exemplos? Pois, aí estão.

Assis Chateaubriand. E só um fato: alguém se lembra dos meios que ele usou para obter os recursos e as obras de arte necessários para fundar o MASP (o fim), o decantado Museu de Arte de São Paulo? Refresquemos a memória: com chantagem. Simplesmente assim: capitalistas e grandes empresários de grande poder e fortuna foram colocados contra a parede. Conheço tais e tais fatos de sua vida, de seus negócios. Quanto vale a informação? Talvez o Rembrandt que você tem na parede. Ou o Picasso. Ou uma contribuição em dinheiro para a construção do museu... E nós achamos que valeu a pena. Temos hoje um prédio maravilhoso na principal avenida de São Paulo, um museu com obras espetaculares e que realiza exposições fantásticas. Porque tudo vale a pena, diremos todos, se há um bem maior a ser construído, preservado e elevado à condição de obra prima. E nos calamos.

Outro exemplo. A Folha de São Paulo. Seus donos emprestavam viaturas do jornal para transporte de presos políticos que iam ser torturados ou tinham sido torturados para serem levados de um presídio a outro. Para despistar os outros órgãos de imprensa e a própria população. Portanto, não contentes de contribuir com dinheiro e apoio jornalístico, ainda emprestavam sua logística para os generais da ditadura imporem sua ideologia e sua força sobre a indefesa e totalmente enganada população. Enganada pelos órgãos de imprensa, em especial pela Folha de São Paulo. E achamos, hoje, que tudo isso é história, que tudo passou, que houve uma lei da anistia e, enfim, o tempo a tudo justifica. E nos calamos.

Quanto à resenha do jornal de hoje, (17.7.2017), sobre o livro do Ecco, o que podemos observar é a cara de pau do Estadão. O articulista é bem sincero: diz exatamente a que veio o livro do italiano, ao dizer que ele "revela-se um sarcástico anticompêndio jornalístico, descrevendo práticas que bem podem servir de carapuça para parte da imprensa contemporânea". Ou seja, tudo o que o autor diz sobre a imprensa, a grande imprensa, todas as falcatruas que ele descreve, todos os truques imundos para iludir, enganar, achacar, mentir, criar ou destruir reputações, divulgar ideias falsas ou transformar verdades em mentiras e mentiras em verdades, tudo isso serve a uma "parte" da imprensa de hoje. Mas nós não somos assim! É a frase que subjaz ao contexto do artigo. Ecco fala de uma cartilha jornalística cuja prática não é a nossa prática! Mas eu digo: ELES SÃO ASSIM, SIM. Basta ler com cuidado qualquer número de qualquer jornal de hoje - inclusive e principalmente o Estadão - que encontraremos todos os truques descritos por Ecco para mentir ou ocultar a verdade, para levar seus leitores a aceitar a ideologia que os donos dos jornais professam, para criar e alimentar crises, para destruir ou construir reputações, para bajular ou tentar eleger a quem lhes interessa, para influir na economia ou no voto do eleitor!

Enfim, não há bundas limpas no meio jornalístico. Porque, simplesmente, por mais bem lavadas que sejam, as bundas servem para isto: acolher e localizar o duto excretor do organismo. E a imprensa, a grande imprensa, nasceu como bunda, para acolher e localizar o duto excretor de gente que deseja o poder para ganhar dinheiro e, tendo dinheiro, acumula mais poder ainda, à custa do sacrifício da verdade e da ética. Ética que passa longe, muito longe, das folhas de qualquer jornal do mundo. Ou das falas de qualquer jornalista do rádio ou da televisão.


Ah, sim, o título da resenha do articulista do Estadão é: "Um jornal feito para intimidar e difamar". Uma ótima resenha, por sinal.

junho 29, 2015

ELES SEMPRE FORAM ASSIM, OU MELHOR, NÓS SEMPRE FOMOS ASSIM...



(Marcha da TFP, com o Plínio Correa à frente - Viaduto do Chá/SP)



Ouve-se, com frequência, que aumentou o grau de intolerância das pessoas. Que o mundo ficou pior, por causa disso. Que hoje tudo é motivo de xingamentos e protestos, de desrespeito e provocações.

Sim, é verdade. Ou parece ser verdade. Porque nem tudo o que parece, na verdade, acontece.

Vou começar o meu raciocínio com um exemplo dos anos sessenta, setenta. Naquela época, era comum encontrarmos pelas ruas do centro de São Paulo, passeatas bastante significativas de jovens vestidos de preto, com uma capa vermelha,  portando estandartes cristãos e entoando hinos e palavras de ordem, sob o comando de Plínio Correa de Oliveira, a famigerada TFP. Não havia celulares, nem internet, as comunicações eram precárias. Os jornalões vendiam papel, ou seja, as matérias publicadas deviam ser devidamente escolhidas e pautadas. Por isso, pouco saía na imprensa sobre essas passeatas. Mandar um repórter cobri-las ficava caro. Elas repercutiam entre as pessoas que as presenciavam. E só. Talvez, se houvesse um tumulto (durante qualquer tipo de manifestação), coisa mais ou menos rara, é que se pudesse noticiar alguma coisa

Hoje, ao contrário, qualquer grupelho que se disponha a fazer barulho - quinze ou vinte idiotas - chama a atenção da mídia. Basta alguém fotografar, filmar, postar nas redes sociais e logo um número impressionante de pessoas toma conhecimento. E como qualquer pneu pegando fogo na pista para o trânsito e provoca o caos na cidade, chamar a atenção por esse meio tornou-se relativamente fácil. Bastam os mesmos quinze ou vinte cretinos mal intencionados. E a repercussão é imediata.

Além disso, os meios de comunicação tornaram-se instantâneos e, portanto, baratos. Joga-se no ar uma notícia, principalmente na internet, e meia hora depois ela já está sepultada por milhares de comentários, desmentidos e outras notícias semelhantes. E mais: a ideologização desses meios de comunicação foi facilitada. É muita gente escrevendo. É muita gente dando palpite. É muito "formador de opinião“ a berrar nas redes de televisão suas bravatas e ideias obtusas e absurdas de forma inconsequente, em busca do melhor escândalo, do comentário mais esdrúxulo, da imagem mais chocante. Porque tudo isso passa, como um raio. E daqui a pouco tempo, já são outras as imagens e outros os motivos do berreiro. Com um fator importantíssimo: a interação com o público. Não somente nas redes sociais da internet, mas também nas redes de televisão: lá estão girando, ao pé da tela, as frases mal alinhavadas de dezenas de pessoas a dizer o que "pensam" ou, o que é mais comum, o que "acham" do que está acontecendo. E haja "achismo"!

O que eu quero dizer: no passado, antes dessa era de comunicação instantânea, difusa e ao alcance de qualquer um que saiba juntar um "a" com um "b", as pessoas também eram intolerantes, rancorosas, maldosas, estúpidas, dispostas a xingar qualquer um que se lhes opusesse, desagradáveis com vizinhos e parentes, com amigos e inimigos, preconceituosas, machistas, fundamentalistas em suas crenças religiosas, rancorosas em relação a seus adversários políticos. Porém, tudo isso era muito difícil de vir à tona, ou ficava no pequeno círculo de vivência de cada um. Podia-se reunir em associações, como a TFP do Plínio Correa, e assemelhadas, para buscar companheiros de ódio, mas isso era complicado: necessitava-se deslocar para uma sede, discutir e votar regulamentos e moções, aceitar regras etc. Então, só os fanáticos é que se aventuravam nessas empreitadas. E já eram bastantes, os fanáticos, para cobrar, quando necessário, a sociedade e as autoridades. Principalmente quando suas causas achavam as pessoas certas nas redações da grande imprensa. Haja vista a adesão popular ao golpe de 1964. Sem internet, "apenas" com o incentivo da imprensa, das milhares de paróquias e do precário telefone, as "marchas com deus pela família" reuniram milhões. Também o fato se repetiu, na campanha das diretas, no sentido inverso. E, um pouco mais tarde, no impeachment de Collor de Melo.

Esses fatos, no entanto, o golpe, as diretas e o impeachment, eram excepcionais. Ganharam repercussão e tiveram um grande poder agregador. Seu poder de mobilização extrapolava a força de qualquer mídia, de qualquer liderança, de qualquer outro movimento. Havia, sempre, por trás, uma ideologia a ser defendida, uma ideia poderosa, um elemento de fácil percepção e assimilação. Por isso, obtiveram sucesso.

Hoje, tudo é muito mais fácil. Uma palavra que ganhe as mentes, pelas redes sociais, mesmo saída de um grupelho, pode ser a centelha a incendiar a imaginação e a possibilidade de ação de milhares de pessoas, em poucas horas, em poucos dias. O poder de mobilização de grupos, por menores que sejam, se bem articulados e bem orientados quanto àquilo que a massa deseja (devidamente interpretadas as intenções, os gostos, as opiniões e os desejos dessa massa, através da leitura correta de dados de pesquisa) multiplica-se através de mecanismos robóticos e da ação de correligionários voluntários ou involuntários, num processo que, depois de desencadeado, tem mínimas possibilidades de ser interrompido. Vem à lembrança uma música - "tem bobo pra tudo". Pois, é: há ideias e sugestões e convites para todos os gostos.

Tudo aquilo que ficava reprimido ou comprimido em ambientes restritos, hoje - na era da "café solúvel" - ganha caracteres maiúsculos e fotos e filmes e desenhos e destaque em pouquíssimo tempo. E dá até mesmo àqueles que têm o poder da mídia - rádio, televisão, jornais, revistas... - o "direito" de também insultar e revidar e chutar o balde no momento mesmo em que ficam sabendo do que disse o outro sobre si ou sobre o que ele pensa. É o insulto ao alcance de todos. Instantâneo. Revidado na hora O ódio disseminado num estalar de dedos, e sem arrependimentos, já que em poucas horas de "curtidas" já ninguém se lembra disso, mesmo. Sem qualquer racionalização. Sem consequência. Às vezes, só os advogados e juízes, nos tribunais, vão se lembrar, mas depois de tanto tempo, quem se importa?

Afinal - pensa-se ainda de forma primitiva e conveniente - chumbo trocado não dói. E o chumbo fica a cada minuto, a cada hora, a cada dia mais grosso. De todos os lados. Porque a humanidade é formada de pessoas que sempre foram, são,  e infelizmente ainda continuarão sendo por muito tempo, intolerantes, rancorosas, maldosas, estúpidas, dispostas a xingar qualquer um que se lhes oponha, desagradáveis com vizinhos e parentes, com amigos e inimigos, preconceituosas, machistas, fundamentalistas em suas crenças religiosas, rancorosas em relação a seus adversários políticos etc., etc., etc...



E vivam as exceções, claro!

junho 20, 2015

MASSACRE EM CHARLESTON






Uma moradora entrevistada fala que o "suspeito" deve ter "problemas psicológicos".

E a reportagem apresenta um jovem branco, que ganhou uma arma do pai aos 21 anos, que usa roupas com bandeiras africanas - do tempo do apartheid! - e que odeia negros. Por isso, entrou numa igreja tradicional da cidade Charleston, nos Estados Unidos, e matou nove pessoas, todas negras.

Não, não é "problema de psicologia", é "problema de ideologia"!

Alguém que tenha distúrbios mentais - mesmo o "serial killer" - quando lhe vem a compulsão por matar, só o faz para atender a essa compulsão, individualizando o assassínio e só voltando a matar depois de algum tempo, como se esse ato lhe desse a satisfação de um remédio que se toma e espera o seu efeito passar para tomar outra dose.

Já o indivíduo que tem a compulsão da ideologia - seja ela de origem religiosa, política, social ou étnica - é frio e calculista no planejamento e compulsivo na "coragem" da realização do ato de extermínio de vítimas, o maior número possível, como um ato "heroico" cujos resultados podem ser sua própria morte ou condenação. Mas é sempre a heroicidade do ato que o move, alimentada pela ideologia.

Fico pensando, então, em certas atitudes de pessoas aqui mesmo no Brasil, tentando impor ideologias e plantando na mente de pessoas frágeis em termos de formação e de humanidade conceitos como o ódio a tudo que é diferente daquilo que ele professa, seja um culto africano, um "desvio da norma sexual", uma posição política liberal etc.

Plantar ideologias de fácil assimilação, como aconteceu com o nazifascismo hitlerista, significa colher, depois, tempestades incontroláveis de ódio e de tentativa de destruição do outro, apenas por ser o outro diferente.Alimentado o ódio pela ideologia.

Quando Cortez aportou com suas caravelas nas costas do México, ele e seus homens estavam imbuídos até a raiz do cabelo de uma profunda fé cristã. O encontro com o diferente - os astecas - fundiu sua cabeça e terminou em massacre. Como sempre, do mais fraco pelo mais forte. E a história está cheia desses exemplos. O encontro com o diferente - que é sempre o monstro extraterrestre de Hollywood (à exceção do famoso "ET" do Spielberg) provoca sempre o medo da abdução, a princípio; logo depois, o horror; em seguida, o ódio e a a vontade do extermínio. E a ideologia, seja ela cristã ou laica, cumpre o seu triste papel.

O garoto loiro dos Estados Unidos participou de um encontro de leitura da bíblia com os negros frequentadores da igreja, foi "conhecer o inimigo", para ter certeza de seu medo de abdução, para ter certeza de seu horror ao inimigo, para ter certeza de seu ódio. E depois partiu para extermínio. É o que recomendava a sua ideologia.


maio 26, 2015

O USO DO CACHIMBO







Aperto fiscal. Controle de contas. O Governo Federal aperta o cinto. Corta fundo, no orçamento. Aumenta impostos. Modifica benefícios sociais, para economizar. São medidas amargas, sim. Necessárias. É a parte que lhe cabe nesse latifúndio negro que se chama economia.

A chiadeira é geral. A oposição - que faria isso e muito mais, se tivesse vencido as eleições - faz a demagogia de sempre. Normal. A imprensa - que nada entende de nada - cumpre o seu papel de dar voz a qualquer idiota que esteja disposto a falar mal das medidas tomadas. Também isso é normal. Já os empresários... esses são um caso à parte. Alguns até chiam, por dever de ofício. E porque chiariam em qualquer situação. Nada está bom para eles. Outros o fazem meio timidamente, porque sabem muito bem que há mais mortadela neste sanduíche do que nós imaginamos. E mortadela que eles fabricaram!

Entendamos um pouco a cabeça do empresariado nacional.

O Brasil começou a se industrializar, timidamente, na década de quarenta. Teve um bom impulso na era JK, com a construção de Brasília. Juscelino fechou os olhos à roubalheira e abriu os cofres. Não tinha outra opção. Além do mais, os controles sociais, naqueles tempos, eram bastante frouxos e a possibilidade de que a roubalheira na construção de Brasília e de várias outras obras pudesse chegar ao público era mínima e praticamente nula de chegar ao Poder Judiciário. Mas o povo sentiu o cheiro do ralo. E votou no Jânio. Deu no que deu: a vassoura era de bruxa, e só serviu, mesmo, para preparar o terreno para o que viria a seguir: uma ditadura brava.

E foi aí que o empresariado nacional criou asas e encheu os cofres de dinheiro. Numa economia fechada para o mundo, sem concorrência externa, com dinheiro à vontade do Banco Nacional de Desenvolvimento, a juros subsidiados, de pai para filho, com a certeza de um mercado no cabresto, sem opção e sem poder reclamar, as empresas nacionais nadaram de braçada: nasceram, cresceram e deram lucros... para seus donos!

A "coisa" é simples assim: na teoria, uma empresa tem um compromisso social. Ela deve crescer, tendo lucro; criar empregos; pagar impostos; ter mais lucro e criar mais empregos e crescer... e crescer... e pagar mais impostos. Claro, seus donos e acionistas devem, sim, enriquecer. Devem, sim, ter a contrapartida de seu empreendedorismo. Que ninguém faz nada de graça. A roda do capitalismo fordista é claro: eu cresço e meus funcionários, também. Para comprarem o que eu produzo. Eles ficam bem, eu fico bem, a empresa fica bem e o governo fica melhor ainda. Felizes para sempre. Lá, nos Estados Unidos, a coisa funciona mais ou menos assim. As indústrias crescem, pagam impostos, pagam relativamente bons salários, pagam bons dividendos e... inovam! E buscam desenvolver-se, porque a competição é grande. Melhoram seus produtos, porque o mercado exige qualidade. E porque buscam também o mercado externo. E ganham mais. E há grandes fortunas. E por tudo isso, não havia grande pobreza. Eu disse "não havia"! Porque, bem, hoje as coisas andam meio desajustadas. Mas não é dos Estados Unidos que eu quero falar. Voltemos aos empresários tupiniquins: acostumados às benesses de financiamento barato, cresceram, sim; criaram empregos, sem dúvida; pagaram impostos... bem, mais ou menos, mas pagaram; deram a contrapartida de melhorar a vida dos brasileiros... aí, a coisa começa a emperrar um pouco: salários baixos ou os mais baixos possíveis sempre foi a política preferida, por aqui; afinal, trabalhador é baixa renda e deve ficar lá nos seus guetos. Novos investimentos? Sim, desde que novamente financiados a juros etc. etc. etc. Mas, e a inovação? Aí, a coisa sempre pegou. Com o mercado reservado, garantido, sem grandes exigências, fechado, a ânsia pela melhor qualidade a menor custo, o salto para o exterior, em busca de mercados, a pesquisa por novos produtos, o combate ao desperdício, a famosa produtividade, tudo isso ficou em segundo plano. Nossos empresários embotaram. Embotaram e passaram a investir em duas coisas: na fortuna pessoal e nas chamadas "contribuições sociais" ou "marketing social", mesmo depois de enterrada a ditadura, de que, aliás, eles sentem uma tremenda saudade.

Empresa mais ou menos e dono rico. Mais rico do que seria razoável. Vaidade. Pura vaidade. E burrice. Para compensar, o infame "marketing social". E tome escola para funcionário. E tome ação social na favela vizinha. E tome centro de cultura. E tome bolsa de estudos para filhos dos operários. A criatividade foi ao limite. Ora, pensem comigo: uma empresa cumpre sua função social crescendo, inovando, criando empregos, pagando bem a seus funcionários e pagando impostos. Ninguém quer madres teresas de calcutá à frente de um negócio: caridade se faz com a fortuna pessoal, não com o capital da empresa. E a estupidez - não só deles, mas principalmente de nossos legisladores - é tão imensa, que, ao fazerem o tal "marketing social", eles ainda ganham incentivo fiscal!

Em vez de clube social na praia, eu queria a minha parte em dinheiro. Ou em impostos, que revertam em hospitais, escolas, estradas etc. E não venham com a cantilena de que, no Brasil, se paga muito imposto para nada, que ninguém vê aonde vai o dinheiro... Se há governo corrupto, fomos nós que o elegemos. E a corrupção não é, absolutamente, o mal maior. O ralo do dinheiro público começa aqui, bem embaixo de nossos narizes, nas prefeituras. E mais: governo não faz obras. Sabia? Governo contrata empreiteiras - portanto, empresas - para fazer suas obras. E paga por isso. Com nosso dinheiro. E aí vem a segunda parte do meu desabafo contra o empresariado nacional.

Não contentes com todas as benesses recebidas e não devidamente devolvidas em termos de qualidade de produtos e serviços, de inovação, de salários e de impostos, as empresas - a maioria delas - depende de obras do governo. Tudo bem. São elas que têm de construir pontes, viadutos, usinas e tantas e tantas outras obras, grandes e pequenas. E têm de receber por isso, pelo seu trabalho, pelo seu produto. E têm de receber o preço justo. No entanto, não é bem isso o que acontece. Desde tempos imemoriais - pelo nosso padrão de desmemória, estou me referindo à década de quarenta -, as empresas estão acostumadas a dar o seu "jeitinho", para vencer as concorrências: jogam o preço lá para baixo, contando com os famosos aditamentos, que aumentam em duas, três, cinco vezes o valor da obra, obtendo lucros espantosos com falsos laudos de necessidades técnicas, de aumento de materiais etc. etc. etc.; ou, então, estabelecem "clubes cartelizados", em que a combinação de preços leva a um rodízio de obras entre as componentes do clube e, muitas vezes, à subcontratação das perdedoras, como terceirizadas (aliás, um dos motivos por que nossos empresários a-do-ram a lei de terceirização aprovada pelos deputados e que está parada no Senado); ou, então, em qualquer situação, com clube ou sem clube, partem para a mais desbragada lei dos mais espertos, com propina alta para políticos e executivos que estejam dispostos a se vender (e como os há, em todos os lugares, em todos os órgãos públicos e privados, em todos os partidos políticos!) por uma concorrência viciada ou devidamente combinada.

Empresários honestos? Sim, há empresários honestos. Vários. Estão todos eles na fila dos desempregados, dos mortos de fome, dos fracassados. Ou no inferno. Para que você não pense que estou exagerando, eu lhe proponho que, se possível, observe o gerente de compras de qualquer empresa: é apenas um empregado, claro, mas o foco não é exatamente ele, é o que o torna um exemplo do que estou tentando dizer. Se o gerente de compras for honestíssimo, ele fica bem de vida. Porque, mesmo fazendo as compras para sua empresa buscando sempre o melhor produto e o menor preço, com bom tino comercial, transparência e sensatez, ele vai receber, sempre, no final do ano, ou ao final de cada negociação, "presentes de agradecimento         " que nem sempre as normas da sua empresa conseguirão detectar ou impedir, porque provavelmente os receberá em sua residência, por baixo do pano, sem que ninguém fique sabendo. Ou seja, eles, os empresários pagam, porque estão acostumados a pagar; porque faz parte de sua cultura "comprar" as benesses e essa "compra", que você pode chamar de "presente de agradecimento" ou de propina, está embutido no preço do serviço ou do produto que ele vende. O "por fora", o "caixa dois", a propina, o "jeitinho" para driblar o fisco, a aplicação do dinheiro na ciranda financeira, o envio de capital para o exterior, para paraísos fiscais (sem declaração, claro), os negócios escusos com doleiros, tudo isso é capital desviado de impostos; tudo isso é dinheiro que poderia estar sendo aplicado na inovação, na melhoria de qualidade dos produtos, no desenvolvimento técnico e tecnológico da empresa, na pesquisa e na ciência necessárias ao aperfeiçoamento não só do seu negócio, mas do próprio País.

Mas, não, o uso desse maldito cachimbo tornou a boca podre de nosso empresariado ainda mais torta. Detêm o poder econômico e querem o poder político. Por isso, têm a força para paralisar a economia, e o fizeram, sem nenhum remorso, porque suas fortunas estão a salvo de crises. Que se lasque o País. Que vá pro diabo o povo. E que leve junto o governo que eles não querem, porque, embora lhes tenha permitido continuar ganhando dinheiro, é um governo que vem tirando o pobre da miséria e fazendo ascender uma nova classe operária, mais estudada, mais sábia, mais consciente de seus direitos. E uma classe operária assim é um perigo!

Eles sabem que o aperto fiscal do governo tem toda a razão de ser e está correto. E mais: eles sabem que a pisada no freio, no começo de 2014, na tentativa de evitar a reeleição da presidenta Dilma, foi a causa maior de todo o descontrole econômico que vivemos. Por isso, quando chiam, fazem-no muito mais pelo velho costume de reclamar de qualquer medida desse governo, do que realmente por acharem que isso não devia ser feito. No entanto, como não têm nenhuma dor na consciência por aquilo que causaram ao País, não me parece que estejam preocupados em dar a sua contribuição para a saída da crise. E, se continuarem nessa pasmaceira, só no aguardo do resultado das medidas do governo, além de estúpidos - por terem pisado no freio da economia -, eles se tornarão, na minha opinião, suicidas. Porque, se não voltarem a investir, se não demonstrarem vontade empresarial de tocar para a frente os negócios, pode-se ter a certeza de que estarão abrindo uma brecha - que, embora perigosa para o futuro do País - será certamente preenchida por outros. Quando os chacais abandonam a presa, os abutres se banqueteiam.



26.5.2015


abril 03, 2015

ENQUANTO RECLAMAM DE UM PIBINHO DE MERDA...









Volto ao PIB. Mas, desta vez, não para falar de sua decepcionante performance. Aliás, temo-lo tratado como um ser que devia ser robusto, frequentar academias, tomar isotônicos e outras drogas, para ficar com peitoral de nadador, barriga de tanquinho, coxas de Roberto Carlos (o jogador, não o cantor!). Mas, como ser tudo isso, se insistem em mantê-lo sob os grilhões da corrupção, chicoteado, pisoteado, miserável?

E quem o deixa assim? O governo?

Bem, uma certa culpa cabe, sim, ao governo. E quando falo "governo" quero dizer o conjunto de forças políticas que governa o País: os representantes do povo que estão nas prefeituras, nos governos estaduais, nas presidência da república e, claro, nas correspondentes casas legislativas. E talvez devêssemos incluir juízes, promotores e quejandos de todos os níveis judiciais, já que eles, de uma forma ou de outra, sempre acham um jeito de punir ou deixar de punir os corruptos e ladrões do dinheiro público, contribuindo também para que o nosso caro PIB fique mais forte ou mais fraco.

Mas, acho que os maiores responsáveis pelo PIB são mesmo as chamadas "forças produtivas", os empresários de todos os setores da economia. E já vimos, no artigo anterior (se não o leu, queira fazê-lo, por favor, para entender o que vamos escrever a partir de agora) que seus representantes não são flor que se cheire, em se tratando de jogo político. Açoitam e jogam no buraco o nosso PIB porque não querem esse ou aquele partido no poder, porque querem eleger os seus queridinhos, contrariando a vontade do povo. E sabem muito bem o que fazer para ferrar todos nós, em nome da sua (quase) soberana vontade.

Mas não é só isso o que eles fazem, os nossos caros e patriotas empresários de todos os setores da nossa economia: sua esperteza vai além de toda a nossa imaginação. Em nome de seus valores - mercado livre, sem intervenção do estado, mas a favor deles, porque adoram uma reserva de mercado para seus produtos - são capazes de coisas de que até o diabo duvida.

Primeiro, vamos refrescar a memória: apoiaram de forma descarada a ditadura, porque essa lhes prometeu, e cumpriu em parte, manter os princípios econômicos que os favoreciam. Todos sabem o que aconteceu. Nem vou perder mais tempo com isso.

Segundo, são sempre grandes e honestos empreendedores. Criam empregos, milhões de empregos, claro, e ainda posam de grandes beneméritos da sociedade, com obras sociais e apoio às artes. Bem, se você, leitor, percebeu alguma ironia no que acabei de escrever, pode tirar seu cavalinho da chuva, que não é ironia, não, é sarcasmo, mesmo. Explico: criar empregos é a primeira e a mais importante função social de uma empresa. A segunda função social é - e esse é um ponto fundamental do meu raciocínio - pagar bem a seus funcionários. Não é fazer benemerência nem apoiar as artes. É pagar salários dignos. É pagar bem. Porque benemerência rende dividendos muito mais para quem faz do que para quem recebe: porque é marketing, puro marketing! E apoio às artes é descontado no imposto de renda, sai a grana - ao fim e ao cabo - do bolso do contribuinte, do nosso bolso. Aliás, benemerência também, se você investigar bem. Tudo o que uma empresa gasta fora da linha de produção (construção e manutenção, compra de bens e serviços e de matéria prima, aumento do capital, folha salarial etc.) faz parte do plano de marketing ou tem incentivo fiscal. E ambos têm um único objetivo: aumentar o capital intangível da empresa, valorizar sua marca, ou reverter em lucro para seus cofres, ou ambas as coisas. Se nossos empresários tivessem um pouco do capitalismo do Ford - o empresário da grande fábrica de automóveis estadunidense - raciocinariam como ele: pagariam bem a seus funcionários, para que eles consumissem os produtos que fabricam. E o nosso capitalismo seria um pouco menos selvagem. Portanto, caros amigos, fecho esse parágrafo com a pérola capitalista, para você parar e pensar um pouco: não há almoço grátis!

Vamos, agora, ao terceiro e último ponto dessa breve - e meio tresloucada - análise de nossos empreendedores: pagamento de impostos. Como se incomodam nossos valorosos empresários com os impostos! Têm até mesmo uma das coisas mais idiotas e cretinas que existem - e que toda a mídia louva e endeusa e em que (quase) todo mundo acredita: uma bobagem chamada "impostômetro", aqui, em São Paulo, na fachada de uma de suas entidades representativas e defensoras de seus interesses. Esse "impostômetro" tem a pretensão de registrar o que todos pagamos de impostos para o governo. O interessante é que ele não discrimina se os valores registrados (que impressionam) são pagos ao governo federal ou se aos demais governos, estaduais e municipais, e fica parecendo que vão todos para o governo central. Segundo, que é uma falácia imaginar que todos, absolutamente todos, pagam impostos. E mais falacioso ainda o argumento de que todos pagam de forma justa. Porque nem todos pagam e nem todos pagam o que realmente deviam pagar. Você, meu caro leitor, que não deve ser um empresário (ou, se o for, espero que não esteja no rol dos que vão ser referidos a seguir), não paga o mesmo imposto que nossos empresários: proporcionalmente você ganha, você paga muito, muito mais! Primeiro, porque, como pessoa física (ou jurídica de pequeno porte), você não tem as manhas de conhecer com detalhes os meandros das leis e formas de se aproveitar delas para diminuir os valores a pagar, e mesmo que as conheça, não tem como se aproveitar disso, porque sua contabilidade é muito simples: você recebe "x", gasta "y" e lucra "z". Ao passo que as grandes empresas têm milhares de detalhes de recebimentos e despesas que estão sujeitas a tributações especiais de milhares de leis que permitem isso ou aquilo, que diminuem o imposto ou isentam-no, dependendo de dezenas de situações; e têm mais: conhecem como ninguém o caminho das pedras da sonegação! Duvida? Então, leia os jornais, aprofunde um pouco o conhecimento da atual operação da Polícia Federal chamada "Zelotes". Com um tantinho de desconfiômetro (que não precisa ter nem uma zilionésima parte do "impostômetro"), você perceberá que isso é um escândalo muito, muito, mas muito maior do que a da decantada operação "Lava jato" (que é, ao fim e ao cabo, uma quadrilha de empresários assaltando a Petrobrás, com a ajuda de funcionários e políticos corrompidos, já que eu acho que corrupto é quem corrompe e ganha com isso!). E com mais um outro tantinho de desconfiômetro, você vai chegar à mesma conclusão que eu: será que são somente esses que estão na lista que sonegaram ou ela é bem mais ampla, justificando a velha afirmativa do povo de que só ele é que paga impostos neste País? Ou, pelo menos, é só ele - o povo - que paga realmente o que deve?

Bem, milhões e milhões de reais desviados, sob a forma de propina, da maior estatal brasileira. Milhões e milhões de reais que voltam aos empresários em forma de subsídios. Milhões e milhões de reais que deviam ser pagos ao imposto de renda convertidos em propinas - mínimas - em julgamentos corrompidos. E eles ainda têm a cara de pau de, ao frear a economia para tentar interferir na vontade do povo, dizerem que querem pagar menos impostos! Assim, não há PIB que aguente: vai continuar fraquinho, até que tomem vergonha, não os políticos (que esses, por mais que roubassem, não teriam bala na agulha para interferir no PIB), mas os nossos impolutos empresários. Que precisam reclamar menos, investir mais, agir com mais honradez nas licitações públicas e pagar os impostos honestamente, como todo mundo.



"Todos os animais são iguais, mas alguns são" - mesmo - "mais iguais que os outros" (George Orwell).


março 30, 2015

UM PIBINHO DE MERDA, SIM. E VOCÊ SABE POR QUÊ?







Decepcionante o crescimento do Brasil em 2014. Um verdadeiro "pibinho" de merda. Com todas as condições para dar munição aos partidos oposicionistas e aos jornalistas e comentaristas econômicos que pululam no PIG - o Partido da Imprensa Golpista. Todos comemoram. E tome pau no governo. Principalmente na presidenta. Dá para explicar? É complicado, talvez até meio inexplicável, mas vamos lá.

Primeiro, devo dizer que não acredito em teorias conspiratórias. Mas acredito, sim, em conspirações. A História do Brasil tem várias. Até a Inconfidência Mineira foi uma conspiração. Deu errado, porque dedo-duro já havia naquela época. A Proclamação da República foi outra. Que deu mais ou menos certo. O século XX teve várias. Algumas deram errado, outras deram certo. E a que deu mais certo resultou no golpe de 1964 e mais de vinte anos de pau no lombo do povo, com os ditadores militares.

Muito já se escreveu sobre o golpe militar de 64. Muito ainda há por escrever e esclarecer. O meu palpite por que o golpe deu certo? Bem, é só um palpite, baseado em fiapos de fatos e boatos, mas com uma grande dose de lógica. O golpe de 64 foi gestado e financiado aqui mesmo, por gente muito poderosa: os latifundiários da época. Eles se borravam de medo das reformas preconizadas pelos sindicatos, pelos trabalhadores, e mais ou menos encampadas pelo governo de João Goulart. Tinham medo, principalmente, da reforma agrária, até hoje um nó na garganta dessa gente. Eles, os latifundiários, que não eram muitos, naqueles tempos, mas detinham uma alta porcentagem do PIB, engendraram o golpe. Melhor dizendo, abriram os cofres e financiaram  o golpe. Com duas ajudas poderosas: a imprensa golpista da época - praticamente os mesmos de hoje - e a Igreja Católica Apostólica Romana. A imprensa descia a lenha no governo e berrava contra a iminência de um governo comunista; os padres pregavam o anticomunismo e atiçavam seus fiéis contra a ameaça vermelha. A "marcha com deus pela família" foi o teste de convencimento de uma ala radical das Forças Armadas. Com a promessa de grana e apoio político, o general Mourão sublevou as tropas de Minas. O resto é história. Tenebrosa. Mas história. Feita de sangue e lágrimas do povo. Com a grana do que hoje chamamos de agronegócio e que naquela época era "apenas" um bando de fazendeiros endinheirados e donos de muitas, muitas terras. A adesão das demais forças econômicas e conservadoras, como a indústria (paulista e paulistana, principalmente) se deu de forma praticamente natural. E vejam que a conspiração não contava com os recursos de comunicação que temos hoje. Mas eles, os endinheirados conspiradores da época, já possuíam recursos infinitamente superiores de comunicação do que nas conspirações anteriores. O Brasil já entrava celeremente na era das comunicações - que eram ainda ruins, sim, mas possíveis.

Agora, em pleno século XXI, um fax distribuído, por exemplo, da sede da Federação Paulista das Indústrias, pode alcançar praticamente todas as cidades do País em poucas horas e de forma sigilosa. Eu disse fax? Nossa, que atraso! Já existem outras formas bem mais avançadas e mais rápidas e mais seguras. Nem preciso dizer quais são, não é mesmo? Então, uma ordem, uma convocação, uma discussão de qual a melhor forma de derrubar um governo pode ter a facilidade de teleconferências cifradas entre os poderosos da indústria, do comércio, do agronegócio e espalhar-se em pouquíssimo tempo.

Houve, então, uma conspiração?

Posso afirmar, com quase absoluta certeza, que sim, houve uma bem urdida conspiração. Só que os tempos são outros. As Forças Armadas não têm mais aquele viés político de cinco décadas atrás. Só os velhinhos do Clube Militar é que ainda sonham com golpe militar, entre um bocejo e outro de um jogo de gamão. Então, a melhor forma de derrubar um governo é pela velha e boa manipulação do povo, para que vote na oposição, num candidato previamente preparado e alinhado com o conservadorismo e com a política econômica mais cara aos poderosos, aquela que vigorou até o final do século XX, o capitalismo selvagem de lucros absurdos, aliada a uma classe trabalhadora manietada pela pobreza e distante de quaisquer conquistas que a tirassem da miséria e da pobreza.

Mas, para manipular o povo, hoje, mesmo com a força do PIG - o Partido da Imprensa Golpista - totalmente do seu lado, é preciso criar condições. E as condições, em 2013, um ano antes das eleições, eram totalmente desfavoráveis ao conservadorismo (que, aliás, nem se queixava muito, pois seu lucro e seus ganhos estavam sendo preservados pelo governo): o Brasil alcançara o posto de sétima economia do mundo; o PIB não lá grande coisa, mas havia um crescimento sustentado e constante; a economia recebia investimentos do exterior, e mantinha-se aquecida; o desemprego atingia baixíssimas taxas históricas, praticamente um regime de pleno emprego; havia uma nova classe trabalhadora emergente e forte o bastante para manter o consumo; a pobreza absoluta, um mal crônico, era paulatina e poderosamente reduzida, com os programas sociais do governo; o petróleo do pré-sal começava a ser explorado e atingíamos marcas cada vez maiores de produção; a inflação estava domada e não havia sinais iminentes de que ela voltaria; enfim, havia uma onda otimista no ar, e a presidenta alcançava índices bastante generosos de aprovação popular.

Estou mentindo? Então, pegue os jornais do ano, até mais ou menos dezembro de 2013. Você verá e lerá que estávamos no caminho de um País próspero e mais justo, em termos econômicos e sociais. Se havia problemas? Claro que havia inúmeros gargalos: na educação, na infraestrutura, por exemplo, mas nada que não pudesse, com o tempo, ser devidamente equacionado.

De repente, a partir de janeiro de 2014, o ano das eleições, as condições econômicas começaram a se deteriorar. O castelo parecia de cartas e um vento forte soprava de todos lados e espalhava a crise, o anúncio da crise, o prognóstico da crise e, pouco a pouco, à medida que o ano eleitoral segue, a crise se instala. Os investimentos despencam. A inflação ameaça. O governo demora a fazer a leitura da situação e solta medidas emergenciais, como se tudo aquilo fosse apenas um vento mais forte soprado do exterior, que uma desoneração aqui, um socorro acolá não resolvesse, já que a economia do País tinha - ainda tem - fundamentos sólidos. Só não contava que suas medidas cairiam no vazio da não colaboração - que o governo, um tanto ingenuamente, esperava - das forças econômicas, ou seja uma reação da indústria, do comércio e do agronegócio. Eles - os grandes industriais, os grandes produtores - tinham simplesmente enfiado o pé no freio dos investimentos e começavam até mesmo a demitir funcionários. Uma medida engendrada e muito bem orquestrada nos meandros de suas associações de classe e rapidamente colocada em execução, na surdina, sem que ninguém, nem o povo nem o governo pudessem desconfiar, já que contavam com o silêncio e a colaboração da grande mídia.

Foi ou não foi uma bela conspiração?

Que contou, ainda, com uma mãozinha do destino: o acidente que matou Eduardo Campos acabou inflando, por tortuosos caminhos, que todos mais ou menos conhecemos, a candidatura de Aécio Neves, que chegou ao segundo turno, com chances de vitória. Aí, o povo da grana, que havia apostado na frenagem da economia, que havia parado suas máquinas e perdido dinheiro com isso, entrou em parafuso e jogou pesado para garantir a vitória de seu candidato. Não deu certo. Por uma margem pequena, mas sólida, Dilma venceu as eleições. E o parafuso em que eles entraram continuou girando para um possível terceiro turno: a desestabilização do segundo mandato da presidenta, num movimento inominável de sacanagem, que culmina com uma campanha sórdida pelo impeachment, em que entram elementos de preconceito e de ódio ao partido da presidenta, jogando em suas costas toda a culpa por tudo de ruim que esteja acontecendo no País, desde as prisões por corrupção de altos executivos envolvidos na chamada Operação Lavajato, até o crescimento da inflação provocado pelo desaceleramento da economia, que eles patrocinaram no começo de 2014.

E há mais motivos que alimentaram o ódio "deles", dos poderosos que sempre mamaram nas tetas do governo: os controles estabelecidos pouco a pouco pela Receita Federal têm feito com que "eles" tenham de pagar os impostos devidos, coisa que nunca fizeram até hoje. Haja vista a operação Zelotes, da Polícia Federal, a envolver "peixes graúdos" da indústria, do comércio, do setor bancário etc. num escândalo - esse sim, sem precedentes - de evasão fiscal. Além, é claro, de uma guinada realista do próprio governo rumo ao rearranjo e reorientação da economia, o que, se der certo, propiciará, até o final do ano, fôlego à presidenta e, possivelmente, uma nova derrota das forças conservadoras daqui a quatro anos.

Então, já que a conspiração de 2014 não deu certo, tentam o golpe branco do impedimento da presidenta e a entrega do governo a uma pessoa um pouco mais confiável, no caso, o vice-presidente, do partido que hoje está na base do governo, mas que, diante de outras circunstâncias e diante de pressões econômicas feitas no momento e do jeito certo, pode mudar de lado.


"Yo no creo em las conspiraciones, pero que las hay, las hay".

 


PS: Ah, sim: se ouvir o PIG berrando que a PETROBRÁS está falida ou que a corrupção aumentou, NÃO ACREDITE, pois VOCÊ ESTÁ SENDO TERRIVELMENTE MANIPULADO com mentiras que se repetem, que se repetem, que se repetem, até que as pessoas pensem que são verdades.