abril 18, 2024

DELENDA EST CAPITALISMO

 



Não há outra saída para a humanidade, a não ser destruir o capitalismo e jogá-lo para sempre na lixeira das maiores insanidades já criadas pelo ser humano. O capitalismo é indefensável. E somente uma imensa e terrível máquina de coerção e convencimento posta em movimento pelos capitalistas do mundo pode ainda manter obnubilada a mente das pessoas que o defendem, mesmo sendo suas principais vítimas.

Por que é preciso destruir o capitalismo?

Não é necessário consultar filósofos, sociólogos, historiadores, cientistas ou os maiores pensadores e luminares para se chegar a essa conclusão óbvia: delenda est capitalismo, é preciso destruir o capitalismo. Basta abrir os olhos e olhar ao redor. O que se pode ver?

Primeiro, a desigualdade, mãe da miséria, da fome, do desalento, responsável pelo sofrimento e morte de milhares ou milhões de seres humanos. Enquanto alguns poucos – porcentagem mínima da humanidade – gozam de todo o conforto e de todo o desperdício de recursos de que possam ser capazes, esses milhares e milhões não têm nem mesmo o que comer no seu dia a dia. Ou vivem no limite entre a miserabilidade e a escravidão a empregos e subempregos que não lhes fornecem o mínimo necessário para sobreviverem. Desempregados, outros tantos, morrem pelos guetos a que são condenados, silenciosamente, vítimas dessa absurda desigualdade. Poderia ficar aqui a relacionar centenas de ocasiões em que essa desigualdade leva ao desespero, à fome, à morte, mas não creio ser necessário: basta abrir os olhos, basta ouvir um noticiário de rádio ou televisão, basta ler um jornal ou uma revista, basta andar pelas ruas de qualquer cidade, basta caminhar um pouco por aí...

Segundo, a ganância, mãe da desigualdade e até mesmo da própria destruição ambiental. As grandes corporações multinacionais consomem não só as demais empresas e às vezes até a si mesmas, num processo autofágico, como consomem as reservas da Terra, esgotam os recursos naturais, poluem e propagam doença e morte, em nome de lucros cada dia mais exorbitantes, num ciclo vicioso e venenoso de destruição da vida e da própria Terra, cegos que são, porque acabarão por destruir a si mesmos, quando inviabilizarem a vida humana neste planeta de recursos finitos e de ambição capitalista infinita.

Terceiro, a guerra, a mãe de seios fartos e férteis que alimenta a fúria capitalista por destruição, através da indústria armamentista, através da conquista de melhores condições comerciais com o uso da força e da destruição de regiões e países inteiros que não se vergam a seus interesses. A guerra serve ao capitalismo como os escravos servem a seus donos: engordam-no e fortalecem-no, enquanto os escravos – os povos que guerreiam sob seus interesses – mínguam e morrem. Não há guerra que não sirva a qualquer interesse de alguma ou algumas corporações capitalistas.

Quarto, a ideologia. Por um sistema que envolve não apenas o domínio dos meios de comunicação, o domínio do sistema de ensino, o domínio de quase todos os governos, o capitalismo criou ao longo dos séculos de sua formação e imposição um sistema ideológico perverso, que inclui, além dos sistemas todos citados, o maior de todos os embustes criados por um ser humano para dominar a mente de outro ser humano: a religião. A crença deísta serve-se do capitalismo porque serve ao capitalismo como o colchão que ameniza todo o sofrimento, com a falsa promessa de dias melhores sob a graça de deus ou de deuses, mantendo as multidões sob controle, porque esse deus ou esses deuses prometem que, no seu reino, só entrarão os pobres e desvalidos, jamais os ricos e poderosos. E são os ricos e poderosos os donos de todos os reinos aqui mesmo na Terra, nem um pouco preocupados com a salvação de suas almas.

Tudo isso faz que a humanidade seja escrava do capitalismo, não consiga enxergar que sua defesa ou a simples aceitação de seu poder já são uma forma de escravização. Poucos são os indivíduos – uma porcentagem mínima da humanidade – que conseguem perceber que a desigualdade, a miséria, a pobreza, a fome, a morte, a guerra, o desalento de viver são o fruto amargo do capitalismo com que convivem no dia a dia, massacrados que são pela ideologia vigente, que alimenta as grandes corporações, que se alimentam de seu trabalho ou de sua miséria, de sua fome ou de salário magro, num círculo vicioso e venenoso que está provocando o aquecimento global, que está destruindo a humanidade, que está tirando dos seres humanos a possibilidade de sobrevivência neste planeta.

Quando vejo, leio, ouço alguns desses indivíduos, mais ou menos “bem de vida”, pertencentes a uma subelite metida a besta, a babar de inveja da elite dona de nossos destinos e até memo a defende-la como a que lhe dá condições de sobrevivência, eu tenho certeza de que não posso e não devo defender qualquer tipo de capitalismo, mesmo o capitalismo travestido de boas intenções chamado “socialismo cristão” ou coisa que o valha. E afirmo que a humanidade só sairá do buraco da fome, da desigualdade, da guerra, da escravidão quando o último milionário for enforcado nas tripas do último ignorante defensor do capitalismo. (A frase é plágio, eu sei. Mas é o que eu penso).

abril 01, 2024

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DO BELO E O RACISMO

  

(Escultura de Leocares - séc. IV a.c.: Apolo Belvedere - foto de Pio Clementino)

(Escultura de Hans Bellmer: the doll, c.1936)


O belo é um conceito criado pela metafísica platônica, em que há entes absolutos para além da matéria. Portanto, se rejeitamos a metafísica, como causa de todas as estupidezes produzidas pela mente humana, como a ideia de eternidade da alma, devemos também rejeitar a busca de um conceito do que seja o belo, porque cairíamos na ideia absurda de que há um princípio original de todas as coisas, uma espécie de matriz transcendente que molda tudo quanto existe, num limbo imaterial e inacessível, a não ser através da palavra, da ideia, do pensamento, da imaginação, enfim.

Mas, a ideia do que seja belo, ou seja, a materialização do belo, ou do que se considera belo, tem origem, como quase todo o pensamento ocidental, nas concepções gregas baseadas na moral, na retidão, no que é bom (outro conceito metafísico), no retilíneo e harmônico, em termos matemáticos. Os templos gregos são o exemplo da ideia de perfeição (esta, mais um conceito metafísico), porque obedeciam a princípios arquitetônicos matemáticos, passíveis de serem medidos e suas medidas, relacionadas à geometria. Portanto, eram belos.

As estátuas gregas, representando deuses e heróis, seguem o mesmo padrão: linhas harmônicas, geometrizadas, passíveis de serem medidas e relacionadas à matemática, ou a fórmulas matemáticas. Portanto, eram belas.

Assim, o mundo grego que nos chegou através da arte, da literatura, do teatro etc. é todo ele moldado pela ideia da beleza absoluta, base do pensamento de seus filósofos, que buscavam a perfeição, ou tentavam traduzir em palavras e conceitos o ideal, o absoluto, o transcendente, enquanto seus artistas buscavam representar tudo isso em suas obras.

E foi esse modelo o que formatou a mentalidade ocidental e fixou na mente dos seres humanos deste lado do mundo a ideia de que o belo é passível de ser parametrizado, medido, entendido como oposto ao feio – um conceito metafísico oposto ao belo – determinado por nossos olhares e nossos paradigmas.

Assim, dizemos que é belo um dia de sol e é feio um dia de chuva; que é bela a rosa e é feio o espinho, misturando moral com beleza, estabelecendo novas categorias metafísicas absurdas, como o bem e o mal. Assim, dizemos que é belo o colear de um tigre e achamos feia a cara de um orangotango, sem nenhum critério que não seja a ideia de harmonização estabelecida e fixada em nossa mente pelos conceitos gregos de geometrização.

O barroquismo de uma floresta de cipós retorcidos, num dia de chuva, causa-nos arrepios de horror, porque ali não vemos a harmonia pré-concebida e também associamos essa liberdade de formas confusas como algo que pode conter o mal e, portanto, não é belo, mais uma vez misturando conceitos metafísicos em que o belo é bom (e o que é bom deve ser belo) e o que feio é mau (e o que é mau deve ser feio).

Esse olhar contaminado e formatado por uma metafísica da estética que nos diz o que é belo e o que é feio, baseada em padrões idealizados, permaneceu por meio milênio na mente do europeu cristão, que teve pouquíssimas oportunidades de contato civilizacional com outros povos, mesmo assim, quase que somente com povos orientais. O estranhamento entre os europeus e os orientais, por exemplo, tem raízes profundas não só na visão de corpos diferentes, mas também nas visões de mundo de origem cultural e, principalmente, religiosa. Não preciso, aqui, lembrar as guerras provocadas pelas cruzadas nem pela ocupação árabe da península ibérica. E esse estranhamento ocidente-oriente permanece até hoje.

Agora, imaginemos o estranhamento em relação aos povos das Américas recém-descobertas, no século XVI, e começamos a entender por que uma civilização – a europeia – destruiu ou tentou destruir outra civilização – a dos povos originários. E vamos ao exemplo máximo: o estranhamento do europeu em relação às etnias negras da África!

Vamos estacionar nosso pensamento por aqui, para fazermos um exercício de imaginação e de inversão de papéis. Imaginemos que a Grécia antiga, com todo o seu arcabouço filosófico, metafísico, artístico-literário etc. tivesse ocorrido não na Europa branca, mas no centro, bem no centro da África negra. Que Platão, Aristóteles e todos os demais filósofos, poetas, escultores, pintores, heróis e, principalmente, deuses (sim, deuses!) fossem pretos! Que a Vênus de Milo, por exemplo, tivesse nariz achatado, lábios grossos, cabelos encaracolados, bunda e peitos avantajados etc. Imaginou? Bem, não vou sugerir como seriam os trajos, os templos e tudo o mais. Deixo à imaginação de quem teve o beneplácito de chegar até aqui, na leitura dessas mal traçadas linhas.

Qual seria, hoje, o nosso ideal de beleza? O que seria belo, para nós, agora pensando não só genericamente, em elementos da natureza ou da capacidade humana de criação e de arte, mas em termos humanos?

Bem, não vou fazer comparações, nem levar o leitor a pensar em fulano ou fulana, em homens e mulheres que julgamos belos, porque cairíamos no tal racismo estrutural, se é que você me entende.

Quero terminar essa já longa reflexão, com esta ideia básica: nossos olhos acham feio tudo o que é diferente do que normalmente vemos, o que é uma grande, enorme, estupidez. Porque é essa a base de todo o nosso absurdo, pavoroso, ilógico e cruel – para todos – racismo estrutural. Infelizmente, isso é humano, demasiadamente humano e, como tal, fruto de uma mentalidade que, embora construída ao longo de muitos séculos, pode – e deve, sim – ser modificada, mesmo que isso leve tempo, muito tempo.

Mas, enquanto o tempo não se encarrega de mudar essa mentalidade, tenhamos, pelo menos e por enquanto, um pouquinho de lógica e de racionalidade: abramos nossos olhos e nossas mentes para todos os seres humanos e não procuremos neles o belo com o olhar preconceituoso, porque, na verdade são todos, sim, belos, belos sob outros padrões, outras perspectivas, outras visões de mundo e culturas. Procuremos no outro apenas o ser humano. Sempre. Que, temos certeza, o mundo será um pouco melhor.