dezembro 31, 2010

A DÉCADA DE DILMA ROUSSEFF




Em termos de política brasileira, a primeira década do século XXI foi a década de Lula, o presidente operário que colocou o País no rumo do futuro. Mesmo com a ferrenha torcida contra da imprensa golpista e de uma oposição raivosa.

A imprensa golpista continua aí, num dilema de dar dó: teme os marcos regulatórios do próximo governo, por um lado e, por outro, morre de medo da entrada do capital estrangeiro que poderia aniquilar seus impérios. Como sempre, não sabe encontrar o meio termo. Discute tudo em caixa-alta, aos brados, como se o mundo fosse acabar, como se fosse o final dos tempos o fato de a sociedade brasileira ganhar um pouco mais de voz, através de mecanismos legais e legítimos de direito de resposta, de contestação de sua voz única, de maior vigilância àquilo que, muitas vezes, de forma irresponsável, ela publica como verdade absoluta e que é apenas boato ou fato não comprovado. Isto é republicano e democrático: dar um basta à era do julgamento e condenação peremptórios e sistemáticos. Mas também é preciso que se protejam nossos canais de comunicação da sanha do capital internacional.

Quanto à oposição, depois da surra nas urnas, está desarvorada e mergulhada nos seus próprios erros, sem propostas, sem rumo, sem lideranças. Isso é ruim para a democracia. Não se espera uma oposição canalha, como a que tem sido a tônica até agora – e foi essa posição de radicalismo extremo um dos motivos de sua derrota - , mas também não se pode ter um governo democrático sem uma oposição bem estruturada, para evitar exageros e tentações totalitárias. Que encontrem um rumo e sejam responsáveis no seu papel, é o que se espera daqui daqui para a frente.

À grande mídia também também jogo a responsabilidade de tentar criar verdades repetindo mentiras. O governo Lula não foi continuação do governo FHC, porque se assim o fosse, teríamos mergulhado num abismo e numa crise sem precedentes, que é o que apontava para o País a continuação dos desmandos políticos, administrativos e econômicos do governo anterior. Se a inflação ainda não saíra de controle, é porque o monetarismo não deixava, mas o entreguismo e o desemprego – marcas da política neoliberal de FHC – logo iriam levar o Brasil a uma situação caótica, por causa da destruição do mercado interno. E Lula fez exatamente isto: fortaleceu o mercado interno, ao resgatar da pobreza milhões de pessoas e recuperar o poder de compra da classe média, o que o levou a surfar sobre a crise internacional de 2008. Exatamente o contrário das políticas do governo anterior.

E por falar em governo anterior, FHC está morto e enterrado. Só sobrevive nas idiotices de comentaristas que insistem em comparar o pior governo de todos os tempos com o melhor, ou seja, o falso embate entre Lula e FHC só existe na imaginação daqueles que insistem em manter vivo politicamente o ex-presidente.

E Lula – já também quase um ex-presidente – sai do governo com 87% de aprovação popular. Um recorde mundial! Números superiores ao mito Mandela. Ou seja, Lula também se transforma numa espécie de mito, embora condene – por ser antidemocrático – todo e qualquer culto personalista. Respeitemos o líder, aplaudamos sua capacidade, reverenciemos sua popularidade, mas não o mitifiquemos, por favor.

Lula teve a sua década. Agora é a vez de Dilma Rousseff.

Lula não criou Dilma Rousseff. Apenas a descobriu. Sua capacidade gerencial, mais do que comprovada durante os anos de Ministra Chefe da Casa Civil, e sua inteligência compensarão sua pouca experiência política. Talvez não alcance o brilho de seu antecessor, em termos de liderança, mas tem tudo para fazer um grande governo, já que não há herança maldita a ser tirada de debaixo dos tapetes e de dentro dos escaninhos do Palácio da Alvorada. Ela sabe, e muito bem, que o País ainda tem grandes desafios a vencer; que os oito anos de Lula não podiam contemplar de maneira uniforme a todos os setores carentes de nossa economia e de nossa população; que o trabalho de erguer um País e devolver-lhe a autoestima não depende do esforço e da capacidade de um só governante, mas também de todo o povo; que, enfim, há ainda muito a ser feito e que, pela primeira vez na história, há a possibilidade de uma continuidade administrativa responsável, dentro de uma situação política, econômica e social de absoluta normalidade, e que os avanços – necessários e fundamentais – não implicam rupturas.

A década que amanhã se inicia, portanto, deverá – e torcemos todos para isso – ser a década de Dilma Rousseff. A primeira mulher a governar de fato o País tem tudo para continuar uma obra notável, mas, principalmente, tem tudo para construir outra obra notável, o que permitirá fazer do Brasil a quinta economia do mundo ao final do seu mandato.

dezembro 16, 2010

NÃO, NÃO ME BELISQUEM: QUERO CONTINUAR SONHANDO!






Há oito anos, quando Lula foi eleito presidente, numa campanha histórica – ainda hoje me emociono – fui para a Avenida Paulista para participar da festa. Um misto de alegria imensa e temor, muito temor, batia forte em minha mente.

E se Lula não der certo?

É claro que o prazer de ver e ouvir, naquele palanque improvisado, o operário Lula discursar e levar ao delírio milhares de brasileiros, fazia com que a esperança realmente derrotasse todos os meus temores.

Fora uma campanha difícil, com toda a mídia – como sempre – ao lado dos opositores. E agora, como um cachorro que late para os automóveis e, quando eles param, não sabe o que fazer, eu me sentia desnorteado com a vitória.

E os tempos não foram fáceis. Porque, primeiro, o PT não é um partido fácil, dividido em várias correntes, com muita gente despreparada para o exercício do poder. E realmente, muitos “companheiros” deram trabalho, por estupidez, por radicalismo ou mesmo por improbidade. Segundo, não tinha o presidente maioria no Congresso. E as alianças com quem estava disponível nem sempre funcionaram ou o fizeram precariamente. Havia (como ainda há) muito fisiologismo e pouco espírito público. Terceiro, a imprensa nunca deu folga. Numa união ainda hoje espúria com a oposição, fez campanha sistemática contra o governo Lula, de forma declarada, muitas vezes, e outras tantas de forma sutil e subliminar, o que é a maneira mais cruel e deselegante de se fazer oposição.

E havia ainda o fator maior: a famosa “herança maldita” do governo anterior, que deixara um País em situação de quase inadimplência frente aos organismos internacionais, principalmente o FMI que, aqui, mandava e desmandava; uma política de total dependência dos Estados Unidos; um povo sem ânimo, um verdadeiro “complexo de vira-latas” a corroer as entranhas da Nação; um mercado interno em frangalhos, embora a inflação estivesse controlada; índices avassaladores de desemprego e de miséria. Enfim, um País sem rumo.

E Lula não apenas resistiu a todas as intempéries, mas ainda realizou sua obra com denodo. Inexperiente em termos administrativos, teve que lutar contra uma máquina pública emperrada e preguiçosa, para tocar seus projetos. Cometeu erros, sem dúvida, mas consegui superá-los.

E houve o episódio que ficou conhecido como “mensalão”. Naquele momento, todos os meus temores retornaram. Meses e meses de uma campanha sistemática e desalentadora da mídia. Sem tréguas. O lema era: atirar primeiro, perguntar depois. Ou seja, qualquer boato, qualquer detalhe escabroso, qualquer denúncia sem comprovação viravam manchetes e tornavam-se fatos verdadeiros e comprovados. Ministros caíram, o governo realmente balançou e eu pensei: o golpe está em curso, nada conseguirá impedir que, mais cedo ou mais tarde, consigam defenestrar do Governo o operário que eles – a mídia, as elites, as oposições e todos os que estão tendo interesses contrariados – não suportam ver no comando da Nação.

Mas Lula resistiu. E não só resistiu: venceu e convenceu.

Ganhou um segundo mandato, em mais uma campanha dura, contra a mídia, que preferia ver na Presidência um político sem carisma, sem realizações, como Geraldo Alckmin, cujo apelido (maldoso, claro) já indica sua condição de ser o queridinho apenas de uma pequena, mas forte em termos midiáticos, elite paulistana, mas o “picolé de chuchu” não resistiu ao segundo turno.

Com o homem forte do governo, José Dirceu, fora de combate, abatido na “guerra do mensalão”, a oposição e a grande mídia arrefeceram um pouco – só um pouco – o seu ímpeto golpista. Afinal, o próximo presidente já estava eleito: José Serra. Não conseguiria Lula transferir facilmente sua popularidade crescente, em virtude de um governo que teimava em acertar e colocar o Brasil rumo ao primeiro mundo, para algum outro político com condições de competir.

Mas Lula revelou sua outra face: a de estrategista político. Sacou do Ministério de Minas e Energia uma técnica competente e colocou-a na linha de frente do governo, na Casa Civil, dando-lhe pouco a pouco a visibilidade necessária a seus planos. E assim surgiu Dilma Rousseff.

A oposição subiu no salto alto, com José Serra. Por isso, a campanha da eleição de Dilma foi dura, com muitos golpes baixos, com toda – absolutamente toda – a grande mídia fazendo campanha para a oposição. Ao cúmulo de um grande e tradicional jornal – O Estado de São Paulo – publicar editorial inédito declarando apoio a Serra, terminando por dizer que Dilma era “o mal a ser evitado”!

Lula termina seus oito anos de governo com aprovação de 80% da população. Seu índice de popularidade bate nos 87%, um recorde histórico e difícil de ser alcançado. O sonho que, oito anos atrás, balançava entre esperança e temores, inacreditavelmente chega a 2010 mais renovado do que nunca. Lula fez a travessia de seu governo como o maior de todos os presidentes que já houve.

Sua presença, seu nome, seu carisma e sua competência deixaram para trás o jeito bonachão e, às vezes, meio grosso de elaborar metáforas futebolísticas para melhor expressar seu pensamento. O operário tornou-se figura internacional, respeitado em todo o mundo, por todos os demais governantes.

Lula, orgulho do Brasil. Hoje, oito anos depois.

Não. Não me belisquem: quero continuar sonhando. Com um País melhor, com um País mais justo e menos “vira-lata”, que a administração do presidente-operário soube, de forma exemplar, começar a construir.

dezembro 06, 2010

A GUERRA DO RIO OU UM RIO DE GUERRAS?







Há coisas que me irritam. Frases feitas. Ou, pior: conceitos feitos. De encomenda.

Um deles: o “crime organizado” começou com a instrução dos presos políticos de conceitos de guerrilhas aos presos comuns, na época da ditadura.

Será?

Será que uns poucos intelectuais conseguiriam influenciar tanto assim a bandidagem? Bandido,que eu saiba, não tem ideologia. E guerra de guerrilha tem: se não os vietcongs não teriam derrotado o império estadunidense, com seus túneis, com seu conhecimento do território, com suas surpresas e emboscadas...

Bandido pensa em lucro imediato, não em conquistas posteriores. Portanto, essa história de “organização” só existe, entre a bandidagem, em termos de quadrilha: um grupo se une em torno de um “líder” (o mais esperto) e quem não seguir as regras – toscas e imediatistas – do grupo e, principalmente, do chefe, morre.

Além disso, a “organização” é mais fruto da sofisticação de meios que o mundo modernizado e globalizado oferece: tem que haver gente que entenda esse mundo especializado e cada vez mais especializado. O comércio de drogas, por exemplo, exige conhecimentos de línguas, de comércio exterior, de armamentos (cada dia mais sofisticados), de geografia, de informática etc. Então, as quadrilhas também se sofisticam, dentro de suas possibilidades. E se organizam.

E aí entra a minha segunda coisa que me irrita: “crime organizado”. Não existe. É invenção de quem tem o pensamento raso, imediatista e de comunicação instantânea. Nem a famigerada máfia é organizada. Suas quadrilhas ou “famílias”, sim. Organizam-se em torno de um “chefe” ou “babo” (para usar uma expressão em uso), ou “capo” ou “padrinho”, com leis próprias e regras de conduta: quem não as segue, é punido, ou melhor, morre. Não há segunda chance.

“Crime organizado” é ficção. De noticiário rasteiro. O que há são quadrilhas mais ou menos organizadas em torno de um líder. Com lutas internas e externas. O mais esperto mata o que “deu bobeira” e toma o “poder”, que é restrito a uma comunidade relativamente pequena: só se expande pelo terror, pela ameaça, por ter a arma mais poderosa ou ser aquele que mata mais os inimigos ou intimida mais a comunidade.

Mas seus chefes, ou líderes, cometem o erro da ganância ou do orgulho: arrotam seu poder (que é relativamente pequeno) como verdadeiros monarcas – julgam, condenam e matam ou absolvem com a mesma idiota pretensão de reis medievais que se julgavam “representantes de deus” na terra. Acabam, quase sempre, mortos: ou pela polícia ou por um de seus “súditos” (em “golpes de estado”) ou pelos inimigos que estão de olho em seu “território” ou “reino”, outro conceito que absorvem e tentam estabelecer. Na verdade, o “território” é ilusório e seus “súditos”, traidores ou descontentes, já que sabem que estão sob um jugo absolutista, capaz tanto de recompensá-los quanto de eliminá-los por motivos incompreensíveis.

Como as quadrilhas têm um inimigo comum – a polícia –, parece que se unem para combater esse inimigo comum. Na verdade, apenas parecem que se unem, porque, quando a situação aperta, é cada um por si. A união é falsa, ou só ocorre em momentos de crise, quando, então, as decisões tomadas são eivadas de motivação imediatista e, quase sempre, equivocadas, ou seja, sem visão de futuro.


As quadrilhas dos morros cariocas formam-se quase sempre em torno de um elemento comum: o tráfico. E as drogas só são um poderoso ponto de interesse porque têm mercado certo: a classe média, média alta e alta dos bairros da Zona Sul. Ou seja, o mercado determina a criação, organização e existência das quadrilhas. Se não houvesse mercado – e um mercado consumidor de alta capacidade – não haveria tantas quadrilhas e tantas lutas para conquistar e manter territórios que, na verdade, só são conquistados e mantidos por bandidos estúpidos, que querem usar a droga como poder não apenas econômico, mas também político ou territorial. Os verdadeiros criminosos ou “importadores” estão nos gabinetes simples e refrigerados de escritórios discretos e levam a vida de nababos sem chamar a atenção de ninguém. Sabem que seu poder só subsiste se se mantiverem à sombra, com os idiotas indo para a linha de frente do enfrentamento, lutando por poderes limitados de território, totalmente inúteis e sem sentido, se pensarmos em termos econômicos. O “tráfico do morro” é o boi de piranha de interesses muito mais altos e espertos, no mundo da alta bandidagem.

A grana que as quadrilhas de morro ganham transformam-se em motivo de ostentação fútil – casas com mil e um equipamentos, mulheres, muitas mulheres e ouro, muito outro, inutilmente pendurados nos corpos, como forma de atração sexual. Não saem, portanto, do morro, porque, se saírem, sabem que são presa fácil da polícia. Daí, a noção de território: é o território, ou seja, o entorno amedrontado e humilhado pelo poder das armas, a segurança do bandido de morro.

Armas! Outro ponto nevrálgico das quadrilhas: pretendem-se, todas elas, armar-se o mais possível, e nisso gastam boa parte do que ganham com a droga. Elas são essenciais para a intimidação não só dos moradores do “território ocupado”, mas também da polícia. Mas, com certeza, serão poucos os que sabem usar realmente o armamento mais sofisticado, que exige perícia e treinamento. O problema é como chegam ao morro: seu comércio, feito através das extensas fronteiras terrestres e marítimas do País, é um caso complicado de se resolver. Por mais apreensões que a Polícia Federal faça, ainda assim vale a pena, para o tráfico, porque o dinheiro é fácil, tentar contrabandear armamento pesado e sofisticado. Assim, acredito que os traficantes devam comprar uma quantidade bem maior de armas e contar com a sorte – já que uma boa parte é apreendida – para que elas cheguem até eles.

E a sociedade que se escandaliza com o armamento pesado dos bandidos tem, sim, o seu quinhão de contribuição para as armas do tráfico: quando, há alguns anos, debateu-se o desarmamento civil, essa mesma sociedade que hoje se sente ameaçada não concordou com a tese de proibição de fabricação e distribuição de armas no País. Armas que aqui são fabricadas passam a fronteira dos países vizinhos e voltam em forma de contrabando, para as mãos dos traficantes, enriquecendo e desenvolvendo, assim, uma indústria que emprega uma quantidade bem menor de pessoas do que apregoou anos atrás o seu poderoso lobby.

Assim como as armas são uma espécie de fetiche – manipulado pela propaganda da indústria armamentista que, tal qual a do cigarro, também enriquece e ganha milhões a custa da desgraça alheira – as drogas “inocentemente” consumidas pelas classes mais abastadas em suas festinhas de embalo são também um ponto intocável na questão da guerra ao tráfico.

Assim como todos aplaudem – muitos falsamente – o combate sistemático às quadrilhas dos morros e das favelas por esses brasis afora, deviam também exigir que se aplicassem pesados recursos na identificação, tratamento e cura dos milhares e milhares de usuários de drogas que as famílias desesperadas mantêm sob o manto da hipocrisia, sem terem coragem de assumir que financiam, sim, o tráfico de drogas e contribuem para o banho de sangue de bandidos e inocentes, nessa “guerra” sem inimigos declarados que a própria sociedade exige que se faça.

Portanto, tenhamos coragem de assumir que não há apenas uma guerra no Rio, mas rios de combates que acontecem em todos os lugares, em todos os lares onde haja viciados – inocentes ou não – mas principalmente indivíduos que fumam, injetam, consomem não somente drogas – maconha, cocaína, crack, anfetaminas, heroína, ecstasy etc. – mas também sangue e vida de milhares de vítimas – homens, mulheres e crianças dos morros e de suas próprias famílias – das quadrilhas de traficantes que infestam a sociedade e que só estão “organizadas” na mídia: são só um bando de indivíduos sem qualificação a querer se aproveitar de uma situação que nós mesmos, e aí, sim, a chamada “sociedade organizada” temos criado, com nossa hipocrisia no trato da dependência química.

novembro 19, 2010

CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEMPO, O TEMPO DA DOR

(Bruegel - os cegos)



Talvez seja o tempo a matéria de instigação filosófica mais complexa, para o homem. Só o que podemos afirmar sobre ele, o tempo, é que o futuro vem, inexoravelmente. E, por ainda não existir, podemos moldá-lo conforme nossas ações ou nossos desejos. Se ele vai confirmar nossas ações ou nossos desejos já é uma outra história.

O presente, não sabemos exatamente o que é e não o dominamos, por ser fluido como as letras que vou encadeando neste artigo: só estão no presentes no exato momento em que se materializam diante de meus olhos, para no instante seguinte, tornar-se passado. E quando se tornam passado, eu posso voltar e modificá-las. Como, aliás, fazemos com o passado.

O passado é o tempo que dominamos. Porque podemos mudá-lo à vontade, de acordo com a nossa percepção. E cada um tem do mesmo fato passado a sua visão particular. Portanto, não existe um passado, mas inúmeros passados para um mesmo acontecimento. Ou o que muitos chamam de versões, não importa.

Por que, mesmo, estou falando do tempo? E especialmente do passado? Porque quero falar do passado de Dilma Rousseff, presidente eleita do Brasil.

Sabe-se que lutou contra a ditadura, foi presa e torturada. São três fatos que podem ter, cada um deles, a versão que quisermos dar, conforme os interesses atuais de quem quer que os rememore, os reconte ou os interprete. Podem, portanto, constituir-se em algo nobre ou maléfico. Se sou de direita e apoiei a ditadura, são fatos tremendamente desabonadores. Se, pelo contrário, fui forte opositor ao regime, isso a torna uma heroína, aos meus olhos.

Onde está a verdade?

Poder-se-ia argumentar que a verdade estaria, como, no budismo, no caminho do meio, na zona cinzenta entre a traição à pátria e o heroísmo. Que a presidente eleita não é nem santa nem demônio.

Mesmo aí, nessa pretensa e quase impossível ortodoxia do politicamente correto, não teríamos qualquer certeza, diante das inúmeras possibilidades dessa zona cinzenta: são inúmeras as versões, são inúmeros os detalhes, assim como as circunstâncias em que os fatos ocorreram têm inúmeros atores, cada um com sua versão, e infinitos detalhes que podem ou não ter influenciado cada instante, cada ato, cada palavra.

E por que tudo isso, agora?

Às vésperas da eleição de Dilma Rousseff, algo estava para acontecer, como uma espada de Dâmocles suspensa sobre a Democracia brasileira: o jornal A Folha de São Paulo tinha entrado no Supremo com um pedido de liminar para ter acesso às informações da ficha da candidata nos arquivos da ditadura.

Que interesse teria o jornal em publicar o que está escrito em documentos produzidos pelos militares que prenderam e torturaram a então candidata? A versão deles é a versão de quem a considerava “elemento perigoso”, “inimiga do regime”, “terrorista” .
E todos que lutaram, com ou sem armas, contra a ditadura foram perseguidos como inimigos, muitos foram presos, torturados, mortos e enterrados, sem que tivessem a mínima possibilidade de contar com a Justiça ou com um julgamento justo.

Naquele momento crucial da eleição, publicar a palavra dos ditadores, dos militares que estavam no comando, dos torturadores enfim, teria por único objetivo conturbar o ambiente eleitoral e tentar intervir no resultado das urnas, de forma unilateral e desesperada, como foram unilateral e desesperadamente anti-democráticas todas as ações dos militares durante o período ditatorial. Ou seja, queria o jornal A Folha de São Paulo abalizar, como já o fez no passado, quando apoiou e até contribuiu para o regime militar, as versões unilaterais de carniceiros torturadores que seriam, em qualquer país civilizado do mundo, presos e julgados por crimes imprescritíveis, que são os crimes de tortura.

É essa a democracia que deseja e defende A Folha de São Paulo?

E agora que, passadas as eleições, eles – os donos e jornalistas de A Folha de São Paulo – obtiveram o acesso a esses dados da ditadura, o que pretendem fazer? Vão ter a hombridade de publicar todas as versões, inclusive a da presidente eleita e de todos os envolvidos? E mesmo que o façam, com que finalidade? De provocar comoção e vender mais jornais? Saberão as cabeças quentes pela derrota de seu preferido manter uma certa idoneidade, para trabalhar com rigor histórico os dados que lhes oferecerem os registros dos torturadores?

O passado da presidente eleita, como tudo aquilo que é passado, tem inúmeras versões e pode ser reconstruído de acordo com infinitas possibilidades, em função de interesses atuais, em função da cabeça de quem o manipula ou interpreta e até em função da ignorância de alguns ou de todos os fatos, porque, afinal, ninguém, absolutamente ninguém, conseguirá reproduzir o passado tal como de fato aconteceu.

Então, eu pergunto: qual o passado que a Folha de São Paulo pretende resgatar? O da sua verdade, eivada de preconceito, como têm demonstrado todas as suas “reportagens” políticas atuais ou o passado de apoio e ajuda aos mesmos elementos que prenderam e torturam a jovem Dilma, naqueles idos e terrivelmente vividos dias de dor e confronto?

Alguém, em sã consciência, acredita em alguma boa intenção desse jornal?

outubro 19, 2010

EU TENHO O PRIVILÉGIO!




Já disse uma vez, e repito, agora: quando Lula foi eleito Presidente, eu tive uma das maiores emoções da minha vida, como cidadão brasileiro. Houvera apenas dois outros momentos tão fortes, em termos cívicos: o comício de um milhão de pessoas no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, pelas diretas e, depois, o processo de democratização que culminou com a morte de Tancredo Neves e a posse de Sarney.

Mas, a posse de Lula trazia preocupações terríveis. Terminará o mandado? Ou melhor, deixarão que ele termine o mandato? O cheiro de golpe sempre pairou no ar, durante os primeiros anos de Lula. Como a esquerda (bem moderada, aliás) defenestrara o Collor, o ungido da Globo e de uma certa imprensa que hoje denominamos PIG (Partido da Imprensa Golpista), acreditava que buscariam pretexto para também afastá-lo da Presidência.

Foram anos difíceis. Inventaram mil histórias. Que atingiram até mesmo o homem forte de Lula, José Dirceu, no episódio marqueteado do chamado “mensalão”. Os odiados (por essa mesma mídia) companheiros do PT de Lula souberam, muitas vezes, sacrificar-se pelo líder maior, porque sabiam que era mais importante o projeto de governo, o desenvolvimento do País. Porque o Brasil precisava, sim, de um homem como Lula, para afastá-lo da beira do abismo em que o deixara o queridinho da direita, o scholar e “preparado” Fernando Henrique Cardoso.

E Lula, como bom marinheiro, tocou o barco devagar, no meio daquela fumaça toda, que o PIG articulava e martelava diariamente na cabeça das pessoas. O objetivo era claro: tirar o operário da Presidência, ou por um processo de impeachment, ou pelas urnas, nas próximas eleições. Deram dois tiros no pé: o primeiro, ao não acreditar na capacidade administrativa de Lula, no seu governo realmente voltado para melhorar as condições de vida do povo; o segundo, quando brigas internas da direita demotucana colocaram como adversário de Lula, nas eleições, um homem sem carisma, um quase nada político, chamado Geraldo Alkmim. Assim mesmo, o PIG levou as eleições para segundo turno, para ter a surpresa de ver minguarem os votos do seu queridinho.

E os quatro anos seguintes do mandato de Lula foram de consolidação de um novo modelo de gestão, de governo voltado para os reais interesses do País, num clima de democracia tal, que o PIG ainda tentou e tentou inúmeras vezes desmoralizar o Presidente. Tudo inútil. Como se cantava na época das diretas, o povo não é bobo. E a popularidade de Lula alcança píncaros jamais sonhados ou imaginados pela mídia adversa, pelas cassandras que escondem seus signos fascistas sob o manto de democratas e frequentam redações de jornais e revistas ou comandam jornais televisivos.

Então, eu devo confessar que, do alto meus muitos anos de vida, tenho o privilégio ter vivido durante os oito anos de Presidência de um homem probo, inteligente, carismático, que fez o melhor governo de toda a história da República, sem sombra de dúvida. Acima, até, de Juscelino Kubstcheck, talvez o mais democrata de todos, mas que não teve a possibilidade de consolidar o seu governo, porque não havia reeleição. Lula está de fato tirando o País do estigma de “gigante adormecido” e colocando-o como o país das grandes oportunidades do presente.

Lula, o metalúrgico, aquele cujo primeiro diploma foi o da presidência da República, como ele mesmo o disse na primeira posse, agora é doutor, doutor em política, doutor honoris causa do povo brasileiro. Sairá da Presidência aclamado e não pelas portas dos fundos, nem com a popularidade em queda, mas como talvez um dos grandes estadistas deste século que está mal começando.

Por isso, repito, tenho, sim, o privilégio de ter vivido esse tempo. O tempo de Luiz Inácio Lula da Silva, o metalúrgico que reinventou uma nação.

outubro 15, 2010

ÁGUAS QUE CORREM

(Rio Tietê, em São Paulo, em 1905)



Sempre fui fascinado pelas águas que correm. Menino ainda, na velha cidade mineira de Lavras, encantava-me a enxurrada que levava o barquinho de papel. Para onde? Ficava o mistério. Depois, a descoberta do córrego bem lá no fundo do quintal, onde havia um barranco com areias coloridas, moldado pelas cheias, pelas águas. Mais tarde, o riacho longe, aonde íamos em bando tomar banho de cachoeira, no poço redondo, de pedras e areia. E havia, ainda, muito mais longe, o Rio Grande, que passava perto da minha cidade e inundava a pequena Ribeirão Vermelho, de tempos em tempos. E depois, já adolescente, o Rio Verde de Três Corações, onde minha irmã morava. Rio bravo, cortando a cidade e lambendo a Escola de Sargentos das Armas, a ESA. Rio que comia gente. Não era raro juntar povo na ponte, para ver o resgate de um corpo que descia a correnteza, depois de três dias sumido o jovem recruta que se aventurara em suas águas.

Memórias. Memórias de águas que correm, de rios de minha infância.

Se tivesse que escolher a mais bela frase de todos os tempos, acho que escolheria a do historiador grego, Heródoto: o Egito é um presente do Nilo. Não conheço o Rio Nilo, a não ser de fotos ou filmes, mas deve ser um rio fantástico, como tantos outros no mundo. Das velhas lições de geografia: a Mesopotâmia, região entre rios, o Tigre e o Eufrates. O Tamisa, na Inglaterra. E o Danúbio? Para inspirar uma valsa tão famosa, só pode ser um rio de encantos mil!

A imaginação sempre correu frouxa, quando penso em rios, riachos, córregos, águas que correm. Águas que produzem cachoeiras, corredeiras, margens de bosques ou apenas limam as pedras até torná-las redondas. Águas que correm, que sobem com as chuvas e se estreitam com a seca. Acho que são, todas as terras, presentes das águas que correm. Sem elas, o mundo seria estéril, não existiriam animais, florestas, frutos: não existiria o homem. Só a bíblia vê as águas como ameaça: o dilúvio, o mar que Moisés abre com seu bastão. Mesmo quando usa as águas para batismo, elas são não a ligação do homem com a vida, com a terra, mas a religação com um deus furibundo e mal humorado. Mas isso já é implicância minha...

Águas que correm. Que provocam enchentes. Que levam os bens que os homens, teimosamente, amontoam em suas margens.

Águas que correm. Águas que deviam ser limpas, cristalinas, livres, soltas, com imensas margens a serem fertilizadas (como no Egito de Heródoto). Que deviam, em todos os pontos do mundo, trazer vida, saúde, prazer. E penso: será que ainda estão azuis as águas do Danúbio? Não estão ensanguentadas as águas do Tigre e do Eufrates? Não estão barrentas as águas do Velho Chico? Ah: e o nosso Tietê, o rio que corre para dentro, para o coração do estado, quando nasce tão perto do mar! São Paulo, a cidade e o estado, são, em grande parte, um presente do Tietê, com seus inúmeros afluentes a inundar, cada vez que chove, a metrópole que o matou...

Tietê, Tietê, o rio assassinado, que só ressurge impávido colosso só muitos quilômetros abaixo: orgulhoso, na sua resistência, que, nós, os paulistanos, não sabemos admirar, só reclamar, como se fosse possível haver obras contra enchentes, contra as cheias que são a natureza dos rios, dos riachos, dos córregos, das águas que correm.

E as águas que correm pela cidade de São Paulo levam o meu barquinho de sonho para o mistério das profundezas da terra, porque foram elas todas aprisionadas, enterradas, afundadas, emporcalhadas e desprezadas. Só aparecem, a cada ano, durante o verão. Às vezes, um pouco antes.

outubro 06, 2010

COM QUANTAS MENTIRAS DE FAZ UMA VERDADE?



A Folha de São Paulo, jornal de direita e financiado pelo Governo do Estado de São Paulo, voltou a veicular publicidade na televisão, usando a figura do Hitler para dizer que uma mentira muitas vezes repetida se torna uma verdade.

Uma publicidade que veicula exatamente o tipo de política de difamação a que a Folha tem-se dedicado desde os tempos da ditadura militar.

Um jornal que tem o rabo preso, por apoiar escandalosamente a Operação Bandeirante, permitindo que seus veículos transportassem presos políticos para os porões do DOI-CODI, de sinistra memória, nos idos dos anos 60 e 70, agora quer-se arvorar em paladino da verdade publicando e republicando mentiras, repetindo e repetindo inverdades e difamações.

A intenção é clara: desconstruir a trajetória do PT e, principalmente, de sua candidata à Presidência da República, Dilma Rousseff.

Porque a Folha de São Paulo, assim como a chamada grande imprensa, que está nas mãos de poucas famílias, nunca soube e não saberá jamais o que é ética jornalista: esconde-se sob a rubrica de “imparcial”, para publicar barbaridades.

Sua tática é simples: quando há uma notícia contra o seu candidato, o senhor José Serra, ou contra o PSDB, ela publica, sim, mas só aquela notícia que fará mínima cócega no “prestígio” do partido ou do seu queridinho. Ou seja, ela finge que ataca, mas na verdade está escondendo ou omitindo a verdade, dourando a pílula, enganando o seu leitor.

Notícias desfavoráveis ao PSDB são cuidadosamente escolhidas e publicadas, para dar a falsa impressão de neutralidade.

Já qualquer vestígio ou boato ou disse-me-disse envolvendo o PT e sua candidata não precisam ser verificadas ou confirmadas quanto à sua veracidade: ganham manchete e, se não for verdade, o desmentido vem nas páginas internas ou na palavra de seu ombudsman, num singelo “erramos” perdido entre as demais mentiras e aleivosias que ela publica diariamente.

Jornalismo desse naipe não tem correspondência em nenhum lugar do mundo: mesmo tomando posição a favor desse ou daquele partido político, a imprensa internacional tem procurado adotar certa postura ética.

Mas os jornalistas da Folha de São Paulo parecem desconhecer completamente qualquer senso de responsabilidade ou do que seja correção, compromisso com a verdade, ética, enfim.

Tem, pois, razão a Folha de São Paulo, ao erigir como garoto propaganda de sua canalhice a figura de Hitler, já que ela pratica um jornalismo de cores nitidamente fascistoides, de baixo nível e de permanente desrespeito a seus próprios leitores.

Contra esse tipo de imprensa é que todos nós, verdadeiros democratas, nos insurgimos. Mas o fazemos com a força de nosso protesto, e não com o uso de leis de exceção, como o fizeram quase todas as “famílias” que mandam no jornalismo brasileiro, durante o regime militar.

Não precisamos de leis que controlem a imprensa, mas queremos ter voz para protestar, sim, de todas as formas, contra as mentiras mil vezes repetidas na imprensa com a clara intenção de se tornarem verdades!

outubro 04, 2010

O VOTO PAULISTA: TIRIRICA E OUTRAS TRANQUEIRAS





O palhaço Tiririca obteve uma das mais expressivas votações para Deputado Federal, da história deste País.

Em São Paulo.

O Estado mais politizado, mais rico e poderoso, na hora de votar, escolhe mal seus representantes.

Tiririca tem, sim, o direito de se candidatar. E pode, sim, ser eleito, como todo cidadão que vota e pode ser votado. Afinal, representação popular é isto: até os palhaços podem ser políticos. E dos bons. Já que há tantos políticos que são palhaços... dos ruins!

O problema não está na eleição do palhaço. O problema está na quantidade de votos que ele obteve. E mais: na quantidade de votos que outros piores do que ele também obtiveram.

Até o Paulo Maluf – suspenso pela Justiça Eleitoral até que se julgue se ele pode ou não se candidatar, de acordo com a famosa “Lei da Ficha Limpa” – obteve quase quinhentos mil votos!

Os eleitores paulistas abusam de escolher mal seus representantes. Basta uma olhada na lista dos eleitos, para identificarmos muitas tranqueiras ideológicas, muitos falsos políticos, muitos aproveitadores de fama instantânea,de uma profissão pública ou da fé do povo ou da proximidade a ídolos ou falsos ídolos, de todos os matizes.

Não vou nem citar nomes, mas há tranqueiras ideológicas em todas as classes sociais, e não apenas dentre aqueles que buscam o voto de brincadeira ou o voto das pessoas menos despolitizadas.

Então, um eleitorado que vota assim tão mal merece, sim, que seja eleito governador um homem como Geraldo Alkmin, cuja maior “qualidade” é não ter qualidade nenhuma, ser um zero à esquerda em termos de administrador, mas que milita no conservadorismo tão caro aos paulistas.

Afinal, qual a maior palhaçada? Tiririca no Congresso ou Alkmin no Palácio dos Bandeirantes?

setembro 26, 2010

CIDADÃO SÃO PAULO





O veneno desta cobra, hoje, se adoça, vira mel. E enche-se de saudade de um tempo em que São Paulo, já metrópole, ainda se curvava ao talento de um homem simples, sempre de terno e gravata “brabuleta”, que cantava o Bairro do Bixiga, as ruas da cidade, as personagens comuns, que viviam, trabalhavam, cantavam ou morriam em seus becos.

Estamos falando do Charutinho.

Estamos falando de Adoniran. Aquele palhaço que transformava tragédia em samba. Que ignorava o falar elegante dos salões, para criar letras em legítimo dialeto popular, italianado, para falar de gente como ele.

Assisti, mais uma vez (quantas?), a um vídeo que qualquer um pode ver na internet, em que ele, Adoniran, encontra-se com Elis Regina num bar do Bexiga. Um bar simples, pé-sujo, onde almoçam, trocam confidências, cantam e, principalmente, dão muitas risadas.

A simplicidade da grande dama da canção ao lado do gênio de sambas inesquecíveis, seu inequívoco prazer em estar ao lado daquele homem alegre e de fala popular, a atmosfera de bar, os músicos concentrados no acompanhamento de uma letra que fala em tragédia – Iracema, meu grande amor foi você – a declamação séria e ao mesmo tempo irônica de Adoniran – você atravessou a rua São João, veio um carro te pincha no chão, o chofer num teve curpa, paciência, paciência – tudo isso torna o vídeo um momento de grande emoção, para quem admira a obra de ambos – Elis e Charutinho, o Adoniran Barbosa, cidadão São Paulo, símbolo da mixórdia étnica da grande metrópole.

E depois, eles saem pelo bairro, pelas ladeiras e escadarias do Bixiga, conversam com pessoas simples, interrompem por alguns segundos o jogo de bola da molecada, espiam por sobre os muros os terrenos abandonados, as casas decadentes dos mestres artesãos italianos do início do século, atravessam ruas cheias de kombis velhas e automóveis antigos, até a porta do teatro, onde se despedem. Cúmplices da beleza antiga e decadente da cidade que os acolheu e que os aplaudiu, talvez menos do que merecessem.

Realmente um momento antológico de saudade, de beleza, de emoção. Fica em nossa boca o sabor da culinária italiana, da carne de panela e da macarronada, e não deixa de surgir, no canto de nossos olhos, uma lágrima, uma lágrima por aqueles que cantaram uma São Paulo que ainda existe, sim, na nossa imaginação, na emoção do riso cristalino de Elis e no jeito bonachão de Adoniran.

Esse encontro ocorreu ontem mesmo, no ano de 1978.

Inesquecível Elis, com sua gargalhada, com sua bossa.

Inesquecível cidadão São Paulo, símbolo dessa terra, o velho Charutinho.

setembro 25, 2010

UMA CERTA ELITE CAIPIRA

(Henry Tuke - sous le soleil)




São ricos, muito ricos. Ricos e mal afamados. Ricos e inconsequentes. Ricos e bagunceiros.

Não têm o menor respeito à vida, alheia e própria. Não têm o menor respeito às pessoas. Não têm o menor respeito às mulheres. Tratam-nas como objeto, e ponto. Que devem estar disponíveis, sempre, mesmo que à força – da grana ou do muque.

Porque são moleques fortes, acostumados à vida rural, às vezes até mesmo a montar touros bravos em rodeios regados a uísque importado, animados por duplas sertanejas famosas e com muitas, muitas mulheres, algumas até famosas, modelos de revistas ou figurinhas carimbadas da televisão.

Constituem, com seus pais, familiares e agregados, a elite caipira do interior de São Paulo. E são a lata de conserva do que há de mais tradicional, antiquado e moralista jeito de viver das cidades médias e grandes do interior do Estado mais rico do País.

Copiam dos Estados Unidos da América aquilo que eles têm de mais conservador e fascistoide: desde as roupas estilo country, com chapéus, camisas listradas, jeans, botas e esporas, até o jeito de andar e falar, como os machões do velho oeste.

Em vez de cavalos, montam caríssimas vans e jipes de mais de cem mil dólares, com vidros escuros e aparelhagem de som de dar inveja a qualquer show de rock, para tocar em volumes ensurdecedores o último hit de uma dupla sertaneja qualquer ou de uma cantora cobiçada e admirada mais por suas pernas e seios do que pelas qualidades vocais.

Nos rodeios, gastam o dinheiro dos pais para verem e serem vistos, na ostentação barata de um poder provindo daquilo que move a economia não só do Estado mas também do País: o agronegócio.

Influenciam, com seu jeito rude de quem fez alguma faculdade apenas para colocar na parede o diploma inútil (isso quando terminam a faculdade) as milhares de pessoas que lucram de forma direta ou indireta com os negócios de seus pais, tios, primos etc., porque assim como os pais, tios e demais familiares, também eles serão, passados os arroubos da juventude, os líderes políticos regionais e até mesmo, aqueles mais espertos e menos broncos, de renome estadual ou nacional.

Suas idéias políticas, no entanto, não ultrapassam os muros do conservadorismo mais comum e mesquinho, com conceitos como família, trabalho, honra etc. É claro que a família é a deles, sempre; o trabalho, o dos empregados mal pagos e mal tratados de seus canaviais e fazendas e a honra, bem, a honra é aquela do “prenda suas cabritas que meu bode está solto”.

Catalisadores desse conservadorismo, são os novos coronéis de negócios milionários que implicam exportar milhões dólares de etanol, laranja, café, carne etc. e importar carrões, ideias e preconceitos estadunidenses, para manter cativo um extenso e bem nutrido eleitorado, espalhado pelas outrora afamadas terras roxas do Estado de São Paulo.

E como dinheiro traz poder e dinheiro e poder juntos arrebatam e arrebanham, eles, os jovens (e também os velhos) donos do agronegócio paulistano mandam e desmandam no Estado, inclusive sob os auspícios de uma certa mídia que lhes abana o rabo, sedenta ela também das migalhas desse poder e dessa grana toda.

É essa elite – enlatada e conservada em agro dólares – que vota e leva todos os seus agregados a votar em gente como Geraldo Alkmim – o arrogante primaz da Opus Dei – para manter o maior Estado do País nos trilhos seguros do conservadorismo demotucano aqui profundamente arraigado.

setembro 09, 2010

ATÉ ONDE VAI A ESTUPIDEZ HUMANA

(Bosch - pássaro)




Muito difícil abordar esse assunto, sem se indignar profundamente. Porque a estupidez humana, neste mundo globalizado, parece não conhecer limites.

Vamos aos fatos: um obscuríssimo pastor americano, cuja igreja é frequentada por não mais do que duzentos fiéis, ameaça pòr fogo no Corão, como forma de protesto contra os atentados de onze de setembro. Isso não passaria de uma grande bobagem, se, primeiro, não tivesse tido repercussão internacional e, segundo, não houvessem as lideranças islâmicas feito protestos veementes e até ameaças, o que deixou o mundo inteiro à beira de um ataque de nervos.

Ora, é estúpido queimar livros. Quaisquer que sejam. Mesmo como ato simbólico ou de protesto. Também é uma estupidez dar tanto valor a um mero objeto, considerado “sagrado”, por quem quer seja.

Nada é sagrado.

Em nome do sagrado, milhões de pessoas têm morrido diariamente. Em nome do sagrado, os homens têm-se engalfinhado e se matado ao longo da longa trajetória do deísmo absurdo e inútil, em nome de deuses carniceiros que esbravejam suas ameaças em páginas de livros considerados sagrados pelas religiões estúpidas que se espalham como praga pelo mundo afora.

Absurdos são todos os deuses e todos os seus profetas. E estúpidos são todos os homens que neles crêem, principalmente, quando essa crença se transforma em razão não de viver, mas de morrer em seu nome ou em nome de seus princípios.

Por isso, um pastorzinho fanático e medíocre, líder louco e megalomaníaco de uma mais que obscura igrejola do interior dos Estados Unidos, ameaça a paz mundial (o que é uma total exagero, claro), ao fazer ameaças idiotas em nome do seu deus, porque considera que todos os que não seguem esse seu deus são demoníacos. Aliás, como todos os demais que seguem outras religiões também consideram todos os demais filhos do demônio.

Cultivam deuses e demônios como cultivam couve em suas hortas esses imbecis. E em nome de seus deuses e de seus demônios, ameaçam centenas, milhares, talvez milhões de vidas em todo o mundo.

A estupidez humana, regada a deísmo e fanatismo, não tem mesmo nenhum limite.

agosto 18, 2010

O PRAGMATISMO DAS CAMPANHAS POLÍTICAS



A campanha política está no ar. Começa, pouco a pouco, a ganhar as esquinas, as conversas, as mentes das pessoas.

Será um embate duro entre duas forças que só aparentemente se parecem: PSDB E PT.

Porque a campanha tende a nivelar a todos os candidatos por uma régua de poucos recursos: ou o que o candidato fez (seu currículo, suas realizações) ou, agora uma novidade, o que ele não fez (sua ficha limpa, ou seja, o fato de não ter problemas com a justiça).

O fato de ter ficha limpa é fundamental, claro. Mas vamos falar disso em outra ocasião. Fiquemos, por enquanto, na reflexão sobre aquilo que os analistas políticos, os entrevistadores e o próprio programa eleitoral obrigam que o candidato diga e propague e enalteça: suas realizações.

É como se o povo só soubesse votar por este diapasão: o que ele fez para mim ou para minha comunidade? Ou seja, cai-se sempre no voto pragmático, no voto simplista, no voto da vantagem pessoal ou social.

Depois, vêm a público os mesmos analistas políticos para dizer que os partidos no Brasil não têm ideologia, não se distinguem uns dos outros. E que todos os políticos prometem sempre as mesmas coisas.

Ora, se eles são obrigados a repetir como mantras malditos o que vão fazer, o que vão realizar, caso contrário a mídia vai deixar bem claro que fulano não tem experiência ou que sicrano nunca exerceu cargos públicos em detrimento daqueles que, às vezes às custas de muita maracutaia, realizaram obras e mais obras inúteis quase sempre, eleitoreiras sempre.

Bem, esse paradigma idiota do “rouba, mas faz” parece permear definitivamente a campanha política. E estão aí vários políticos absolutamente podres a confirmar minhas palavras.

No entanto, há uma parcela da população (dentre a qual eu me incluo) que que está se lixando para os “fazedores” de obras, e sim muito mais preocupados com a ideologia dos candidatos.

Sim, caro amigo ou amiga que me lê: a ideologia.

Há coisas que todos têm de fazer: administrar e melhorar as condições de vida dos cidadãos. Há, no entanto, “n” maneiras de se fazer isso. E aí é que entra a tal da ideologia.

Um exemplo bem simples, até mesmo fora do escopo da atual campanha, para que, pelo menos neste artigo, não revelemos preferência por tal ou qual partido: dois candidatos podem prometer tirar os mendigos da rua. O eleito da ideologia “x” cumprirá sua promessa expulsando todos os mendigos da cidade, exportando-os para outros lugares, impedindo que permaneçam nas ruas, intimidando-os com a arcaica lei da vagabundagem etc. O eleito da ideologia “y” cumprirá sua promessa construindo albergues, ou dando aos mendigos algum tipo de trabalho comunitário, como coleta de lixo ou jardinagem nas áreas públicas, procurando saber os motivos de sua vida na rua e tentando dar-lhes algum apoio para mudar, enfim, através de alguma ação social.

Ambos cumpriram sua promessa ao final de algum tempo. O custo social, no entanto, é obviamente muito diverso.

É isso o que eu chamo de ideologia.

E essa ideologia é que deve pautar o meu voto e o voto de muita gente. Não o utilitarismo de quem fez mais estrada ou mais viaduto. Porque obra é fácil fazer. O difícil é fazer a obra certa, no lugar certo, da forma certa, para beneficiar as pessoas certas e não apenas aos empresários ou construtores.

Por isso, eu disse no começo: será um embate duro entre duas forças parecidas. Porque, na verdade, PT e PSDB são forças absolutamente opostas na ideologia, no modo como as coisas vão ser feitas ou continuarão a ser feitas.

E caberá a nós, eleitores, escolher o que queremos para o nosso País. Com base na ideologia, não no pragmatismo.

julho 17, 2010

CHUTANDO O BALDE





O balde da imprensa brasileira. Está cheio. De merda. E vou chutá-lo com toda a força que eu puder, porque a coisa está cheirando muito mal.

É tanta a merda desse balde, que é difícil até mesmo achar um ponto por onde começar a chutar no ventilador toda a sujeira que há nesse balde.

Mas, vamos lá.

Leio no Estadão, manchete de primeira página, hoje, 17 de julho de 2010: “Gasto do Planalto em 2010 com publicidade supera o limite legal”. Muito bem: leio a reportagem, cheia de gráficos e comentários e análises, que concluem que o Governo Federal gastou 13% a mais do que deveria ter gastado, com publicidade e comunicação. Só não ficamos sabendo que publicidade foi, porque entram nesta conta, campanhas institucionais e absolutamente necessárias, como vacinação, dengue etc. Aí, para mostrar que eles, os repórteres do Estadão, são isentos e maravilhosos e que não têm nenhuma segunda intenção, embaixo, sem nenhum destaque, outra matéria me informa que: “Governo de São Paulo aumenta gastos em em 26,8%”. O título não diz que esse aumento – o dobro do aumento do Governo Federal – foi com publicidade, coisa que só ficamos sabendo, se lemos a reportagem!

Dois pesos, duas medidas. Claro! Preciso comentar?

No mesmo jornal, o presidente da SIP – Sociedade Interamericana de Imprensa – ganha destaque porque disse que Lula não é democrata. Quem conhece o presidente da SIP? Quem é o presidente da SIP? Que credenciais tem esse merdinha – funcionário de um jornaleco estadunidense – para, como presidente dessa organização pelega, dizer quem é e quem e não é democrata na América Latina, atacando não só o presidente do Brasil, mas todos os demais presidentes que não rezam pela cartilha de Washington, como Cristinha Kirchner, Hugo Chávez, Evo Morales, Daniel Ortega, Porfirio Lobo, ou seja, todos eleitos democraticamente?

Prossegue o balde cheio de merda do Estadão (só vou falar do Estadão, porque seria demais para meu estômago comentar a Folha, o Globo e que tais): tudo o que possa ser, de forma sutil, contra o Lula ganha título de matéria:

“Lula ataca procuradora no comício de Dilma” – quem é essa “procuradora”? E vejam a sutileza do verbo “ataca”, como se o Presidente fosse uma fera enjaulada ou um animal que precisasse ser “domado”, que sai por aí “atacando” a tudo e a todos. Ah, e tem que ser no “comício da Dilma”, para deixar bem claro o objeto do desdém, da maledicência sutil;

“Lula acusa governo de SP de travar obra federal” – novamente o termo forte “acusa” e, claro, ao lado, em letras em negrito, a “defesa” do governo paulista, acusando o Ibama, ou seja, a matéria tem todo um viés habilmente tendencioso, que a torna impossível de ser declarada claramente tendenciosa e sacana;

“Lula e FHC são mais parecidos do que parece” – e o título, no alto da página, vem entre parênteses, como se os parênteses justificassem o “não temos nada com isso, foi o Serra quem disse”, ou seja, tudo o que o Serra diz contra o governo, por maior bobagem que seja, como esta, ganha manchete no alto da página!

E eles ainda posam de isentos, de jornalismo sério, como se a gente fosse idiota e não percebesse o jogo sujo por trás de cada reportagem, de cada comentário. Para eles – e aí está incluída praticamente quase toda a imprensa brasileira, o famoso PIG (Partido da Imprensa Golpista) – o candidato Serra tem que ganhar a qualquer custo. Eles não percebem que, assim como a Rede Globo manipulou o seu noticiário na famigerada eleição daquele facínora chamado Collor, eles agora também manipulam, mentem, escamoteiam informações, deformam até mesmo a lógica, para encher a bola do seu candidato.

É, sim, um balde cheio de merda que a tal imprensa livre brasileira derrama sobre nossas cabeças todos os dias, todos os momentos! Tornam-se órgãos oficiais – declarados, como aquela revistinha safada chamada Veja – ou disfarçados, como a maioria covarde que se esconde nas redações de quase todos os jornais, de um partido da direita que mantenha os seus privilégios e os privilégios das classes que eles defendem, ignorando a opinião de mais de oitenta por cento da população brasileira, que apoia o Governo que os tirou da miséria em que esse mesmo partido apoiado por esse bando de idiotas que se dizem jornalistas os manteve durante quinhentos anos!

Por isso, chuto, sim, esse balde cheio de merda! Chuto para bem longe, para que toda essa merda derrame na cabeça dessa gente que só tem merda na cabeça e que não se incomodará com mais um balde cheio dela!

junho 03, 2010

POR QUE NÃO VOTO NO SERRA


Não fosse apenas por coerência política – sempre votei nos candidatos do PT, na legenda do PT, mesmo não sendo exatamente um petista, porque nunca me filiei ao partido, nunca fui a um comício do partido, nunca participei da vida partidária – teria razões de sobra para não votar no ex-governador paulista, senhor José Serra.

E não é porque não simpatizo com sua figura pouco carismática, com seu jeito de fazer política. Até mesmo respeito sua história, seu “esquerdismo” do passado, sua luta contra a ditadura. Há outras razões, mais profundas, ligadas à minha própria experiência de vida e também ligadas à minha ideia de política, no sentido mais amplo do termo.

Razões políticas. Digo e repito: o PSDB, embora surgido de uma dissidência do PMDB, uma dissidência elitista em termos intelectuais, o que lhe traz algum desabono, a despeito de toda a mídia paulista, deveria ser um partido à direita do PT, mas à esquerda, bem à esquerda de toda aquela canalha que governara o País durante a ditadura. Aqueles que representaram sempre a direita mais tradicional, mais raivosa e assassina, aqueles que defenderam os milicos que prenderam, torturaram e fizeram desaparecer centenas de brasileiros que ousaram contrariar suas ordens ou, simplesmente, emitiram qualquer tipo de opinião contrária àquela gente de farda que se dizia representante do Exército brasileiro, mas que era apenas sua facção mais estúpida e sanguinária. No entanto, o PSDB aliou-se, sem nenhum pudor, à ARENA, ou melhor, aos herdeiros da ARENA, hoje reunidos sob a ridícula e inapropriada sigla DEM, como se o fato de se chamarem de democratas enganaria (e até tem enganado a alguns) aos trouxas que os considerariam realmente democratas (deveria haver uma lei impedindo que o termo democracia fosse assim tão achincalhado). Que fizessem alianças com qualquer outro partido – mesmo com os mais fisiológicos –, menos com essa direita que come pelas bordas e sempre soube impor aos governos tucanos um viés liberal de triste memória, com programas privatistas que diminuíram o poder do Estado e não resolveram o problema de distribuição de renda, porque sua economia é voltada para o mercado do mais forte e a favor do capital internacional sabidamente predador.

Razões mais do que pessoais. Primeira, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o cacique-mor da tucanada, o homem que, mesmo longe do poder, ainda deseja dar as cartas e o consegue, com a arrogância que caracteriza seu caráter. Como presidente, FHC governou o País durante apenas dois anos e nesses dois anos, sua obra mais meritória foi a compra da reeleição, mesmo enterrando a economia brasileira, mesmo quebrando o Brasil e colocando-o de joelhos frente ao capital internacional, com a venda de estatais e com a subserviência ao FMI. Nos seis anos seguintes, para tentar consertar as bobagens dos dois primeiros anos, manteve o País na pior recessão que se podia desejar, com o empobrecimento e quase desaparecimento das classes médias e sua inserção nas fronteiras da miserabilidade. Para os miseráveis, então, a condenação a uma situação sem saída, com o desemprego chegando às raias do loucura.

E com o desemprego, chego à segunda de minhas razões pessoais: meus filhos. Entravam eles exatamente neste período na idade de começar a trabalhar. Mas, onde achar empregos decentes, onde os caminhos para a realização pessoal que eu, mesmo vivendo no período mais negro da ditadura, encontrei nos anos sessenta e setenta? Nem a estupidez econômica dos milicos conseguiram impor ao País tal situação de desespero. Porque, sem uma economia saudável, não há empregos e sem empregos, não há futuro. FHC foi o nosso mais bem acabado “exterminador do futuro”. Acho que não preciso dizer mais nada sobre o desespero de um pai – e eu sou apenas um entre os milhões de desesperados – que vê seus filhos sem perspectiva de vida.

E o José Serra com isso? Bem, nada indica, nas ideias expressas pelo ex-governador, que ele seja diferente de tudo isso que eu disse acima, pois seu partido continua pregando as mesmas políticas da desastrada era FHC, e suas alianças continuam fundadas nos mesmos pilares podres do DEM, essa excrescência de políticos e empresários nazifascistas que insiste em permanecer em nossa política, agora devidamente travestidos de democratas – os lobos na pele de cordeiro, para usar a gasta metáfora.

Por isso, não posso, não devo e não vou, de forma alguma, nem que seja ele o último político sobre a face da Terra, votar em José Serra para presidente. E ficarei muito, muitíssimo insatisfeito, depressivo mesmo, se ele ganhar as eleições, para inaugurar mais uma era de políticas liberais e entreguistas nesse País. E, quiçá, com mais desemprego e mais miséria.

maio 08, 2010

AS ESTRATÉGIAS MAIS DO QUE GOLPISTAS DO PIG



Vou buscar no futebol um exemplo claro do que eu quero dizer. Santos e Santo André fizeram as finais do Campeonato Paulista. Santos era considerado pela mídia e pelos entendidos o grande favorito. Mas, bastava ter visto os últimos jogos do Santo André para chegar à conclusão de que não era bem assim a história: com um time muito bem armado e também jogando ofensivamente, não seria apenas um sparring, mas um adversário de respeito, de muito respeito. No segundo jogo, no entanto, quis ganhar o jogo no grito, na intimidação, quando tinha time para ganhar na bola, como de fato venceu, embora o placar precisasse ser maior. Ganhou, mas não levou.

O mesmo acontece mais ou menos com o PIG – o Partido da Imprensa Golpista. Defendem com unhas e dentes o seu candidato, o ex-governador José Serra. Até aí, todos sabemos que as viúvas das derrotas anteriores do PSDB sairiam agora à toda para tentar ganhar no grito, na intimidação, usando de todas as formas possíveis de artimanhas para defenestrar o governo Lula e seus apoiadores.

O que eles não percebem é que têm, sim, oportunidade de ganhar as eleições. Sem precisar usar de tais artimanhas, de tanta (perdoem-me o vocábulo chulo) sacanagem.

Explico-me. Nunca gostei e continuo não gostando de certos partidos que constituem a tal base aliada do Governo. E, principalmente, sempre abominei e continuo abominando certas figuras que hoje fazem parte dessa base.

Refiro-me, no momento, entre outros, ao senador Tuma e seu filho. Foi esse senhor uma criação do PIG, aqui em São Paulo, em termos políticos. Era o queridinho da mídia, na disputa ao senado e, de fato, foi eleito. Prestigiado pela direita, adorado pelo PIG, o senhor Tuma, no entanto, por circunstâncias político-partidárias que não vou analisar agora, acabou nos braços do governo. E seu filho ganhou um cargo na administração federal. Coisas dessa nossa democracia maluca, que não permite que o vencedor governe sem fazer alianças, às vezes espúrias, às vezes claramente necessárias à governabilidade do País.

Muito bem. A família Tuma nunca foi e nunca será flor que se cheire, em termos ideológicos. E agora, também em termos éticos. O filhinho secretário de justiça foi surpreendido por manter ligações suspeitíssimas com um conhecido (e devidamente engaiolado) cidadão de origem chinesa, useiro e vezeiro em importar bugigangas eletrônicas por baixo do pano. Ou seja, um claro contrabandista.

Ora, nessa nossa hipócrita sociedade, em que todos sabemos que jogos de influências mudam o rumo de investigações, inocentam bandidos e aliviam todo tipo de falcatruas, nada nos diz que o Tuma júnior seja inocente. E se for realmente culpado, que a justiça se faça e ele pague por seus delitos. E mais: isso deve, sim, ser noticiado, informado e todos os cidadãos temos direito de saber exatamente o que acontece.

Mas... e aí é que está o busílis da questão: o senhor Tuma júnior só tem o nome do pai e não o seu prestígio. Como político e protegido, é só mais um, na imensa malha da administração pública. As notícias de suas façanhas policialescas merecem, no máximo, meia página interna de jornal, já que não tem nem prestígio nem a força corruptora de um Arruda, por exemplo.

No entanto, o PIG – principalmente o de São Paulo, representado pelo Estadão – tem trazido todos os dias manchetes e mais manchetes de primeira página (deixando, inclusive, em segundo plano, a crise na Europa, o derramamento de óleo no Golfo do México e outras notícias muito mais importantes) sobre o tal Tuma júnior e suas relações perigosas.

O que isso quer dizer? O óbvio, na minha opinião: retaliação, vingança, de um lado, por ter a família Tuma embarcado no governo Lula e, por outro lado, claro, o motivo maior: é preciso que toda e qualquer denúncia, por mínima que seja, contra o governo federal ganhe ares de grande escândalo, para que o idiota do senador Álvaro Dias venha a público falar sempre a mesma coisa e para que, indiretamente, se fortaleça a candidatura tucana.

É o caso do futebol: podem ganhar limpo, mas preferem o jogo sujo, a intimidação, a mentira deslavada, as denúncias sem fundamento ou a ampliação de pequenos escândalos de funcionários públicos, com o objetivo claro de favorecer seus candidatos preferidos. O Santo André ganhou o jogo, mas não levou o campeonato, mas o PIG, com suas táticas antidemocráticas e nitidamente golpistas pode nem ganhar o jogo.


Porque o povo não é, assim, tão bobo quanto eles pensam.
(Ilustração: foto antiga, s/crédito - le tambour de la comune, pregoeiro das vilas e cidades do século XIX e início do século XX)

abril 24, 2010

O CRISTIANISMO E A PEDOFILIA






Mesmo com todas as denúncias e, até mesmo, uma pequena revolta da chamada opinião pública ou a cobertura indignada de algumas mídias, ainda se está sendo muito condescendente com o papa pedófilo que mora naquele palácio imenso, na Itália, cercado de todas as mordomias possíveis, num lugar chamado Vaticano.

O cristianismo e seu maior representante – a igreja católica apostólica romana – acumularam crimes contra a humanidade desde os tempos de Paulo, o seu verdadeiro fundador. Porque o cristianismo não era nada, antes dele. Apenas uma seita de fanáticos que se vangloriavam de servir de comida aos leões nas arenas romanas, em nome de uma fé absurda em princípios religiosos judaicos, reformulados por um profeta que, segundo se diz, morreu crucificado entre dois ladrões. O cristianismo tomou forma graças a Paulo, de Tarso chamado, um soldado romano convertido e pervertido, pois odiava todas as mulheres.

Daí em diante, a história do cristianismo católico é só uma sucessão de crimes, de genocídios, de guerras, de torturas. Contra todos os que se opuseram aos seus princípios. A famosa inquisição, por incrível que pareça, é olhada hoje como um mero fato histórico, como se todas as barbaridades praticadas pelos sacerdotes católicos contra judeus, contra heréticos de toda espécie e, especialmente, contra as mulheres fossem página virada de um falso folhetim.

Assassinaram mais de cem mil mulheres, durante a famosa inquisição, apenas porque as mulheres eram, primeiro, alvo fácil de sua sanha odiosa contra aquela que é considerada a culpada pela queda do homem e, segundo, porque a violência contra a mulher tem requintes de perversão sexual. Com certeza, muitos padres e bispos deviam se masturbar sob as amplas vestes sacerdotais enquanto assistiam à queima na fogueira das bruxas que eles torturaram sadicamente nos calabouços das igrejas e condenaram à morte, por luxúria, por pacto com o diabo ou por qualquer motivo.

Se Paulo odiava as mulheres, procurou disfarçar esse ódio com a repulsa ao sexo. E a igreja católica romana cresceu e se organizou como uma instituição exclusivamente masculina e, pior, como um ideário de condenação total ao ato sexual como fonte de prazer e como algo da natureza humana. Sexo só para procriação. Ou seja, a seguir a cartilha católica, os praticantes deviam fazer sexo apenas no período fértil da mulher, com a única finalidade de engravidá-la. E mate-se o desejo! E reprimam-se todas as forças naturais da sexualidade humana!

Assim, a mais que imbecil regra de celibato dos sacerdotes católicos, muito além de evitar que divisões testamentárias fragmentassem o patrimônio da igreja, tem por objetivo deixar bem claro a todos a repulsa ao sexo que emana do Vaticano.

No entanto, homens são homens. E têm desejos. E poucos, muito poucos, conseguirão realmente sublimar esse desejo. Fechados em longos anos de internamento em seminários anti-naturais, não é preciso muita imaginação para chegar à conclusão do que ocorre por trás de seus muros, quando os hormônios adolescentes emergem nas longas madrugadas de solidão. E também não é preciso pensar muito para imaginar os confessores, os diretores, os professores, todos padres, a se esbaldarem na carne jovem de seus pupilos.

E o uso do cachimbo faz a boca torta.

Portanto, não é um problema de homossexualismo, possivelmente quase normal entre os sacerdotes católicos, que os leva à pedofilia e ao abuso de jovens leigos em quase todas as paróquias. Porque, até agora, que eu saiba, nenhum padre, nenhum bispo ou cardeal fizeram qualquer denúncia de abuso sexual, durante seus anos de reclusão nos seminários do mundo todo. O abuso de jovens leigos é uma consequência natural de um hábito arraigado, que dificilmente será abolido por qualquer medida que o papa – também ele, com certeza, envolvido na mesma teia – venha a tomar. Suas lágrimas e seus pedidos de perdão são lágrimas de jacaré, são apenas um meio de comover e, mais uma vez, chantagear a opinião pública, sempre pronta a esquecer os crimes que a igreja comete, como já quase se esqueceram da inquisição e do mal que ela fez à humanidade.

Não dá, portanto, para ser condescendente com os pedófilos religiosos – agora, na berlinda, os sacerdotes da igreja católica, mas não se pode deixar de pensar que deus é fiel não apenas aos papistas mas a todas as outras seitas que se dizem cristãs. Que a opinião pública se escandalize e não poupe aqueles que abusam de crianças, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. E que, feito o pedido de perdão, pode ser mais crime a ser esquecido.

O perdão é só mais uma invenção cristã, para fugir ao pagamento da pena, que é relevada ou deixada para ser cumprida nos quintos dos infernos, pelos pecadores mais renitentes, já que os que pedem perdão são sempre perdoados. E vão para o céu.

Assim, não nos iludamos: nada de deixar com deus a obrigação de punir os pedófilos. Queremos, nós mesmos, como sociedade que não admite que crianças sejam abusadas, mandar para a cadeia todos, absolutamente todos, os pedófilos, sejam da igreja católica ou de suas subsidiárias!
(Ilustração: Clovis Trouille - l'enfer de Sade)

abril 04, 2010

O LIXÃO D’O ESTADÃO



Há muitos anos, quando surgiu o JORNAL DA TARDE, da empresa jornalística dos Mesquitas, um amigo meu decretou: é o lixão do Estadão. É onde eles publicam tudo o que não têm coragem de publicar no O ESTADO DE S. PAULO. Um pouco de exagero, claro. Mas...

Agora, os editores do tradicional e autodenominado quatrocentão da “família paulistana de quatrocentos costados”, repaginaram o vetusto jornal, para adaptá-lo aos novos tempos e à ameaça de total obsolescência ante as novas mídias, principalmente a Internet.

Até aí, tudo bem. Sempre se lamenta quando um órgão tradicional da velha imprensa se vê obrigado a encerrar suas atividades. Torço para que as cassandras do fim do jornalismo impresso estejam erradas e que, assim como o rádio sobreviveu à televisão, o jornalão também sobreviva a esses tempos eletrônicos.

Porém, ah, porém, como quase abertamente declarado participante do PIG – o PARTIDO DA IMPRENSA GOLPISTA (aquela que é contra o atual governo constitucional do País e desejou desde o primeiro dia a deposição do Lula) – hoje, 4 de abril de 2010, o ESTADÃO brinda seus leitores com o lixo do lixo da imprensa golpista: uma foto de página inteira do caderno “Aliás” do ex-presidente FHC, além de uma longa entrevista com o dito cujo, como se fosse ele o ideólogo-mor, o grande filósofo, o avatar das grande política brasileira.

Têm os Mesquitas o direito de publicar o que quiserem. Só não me neguem o direito de chamá-los de idiotas do conservadorismo, de golpistas e ressuscitadores de velhas ideias e mais velhos ainda ideais.

FHC está morto, enterrado!

Deixem-no em paz em seu túmulo. Que ele já fez mal demais a esse País, com seu governo – ou seria desgoverno – de oito anos de atraso, de roubalheira não investigada, de venda do patrimônio público, de demolição do Estado, de desemprego desenfreado – que o coloca entre os piores presidentes que o Brasil já teve em todos os tempos, incluindo aí até mesmo o período ou os períodos de ditadura. Porque – o que mais grave – estávamos numa época de liberdade e democracia, e mesmo assim o senhor FHC, com a conivência dessa mesma imprensa que ainda o endeusa, teve uma administração de total calamidade para o povo brasileiro, atrasando em oito anos o desenvolvimento sustentável desse País.

Mesmo que digam o contrário, não há nada mais diferente do que a administração Lula do governo desse senhor. Se os princípios macroeconômicos são os mesmos, é porque são princípios que, contrariados, dão no que já tivemos a oportunidade de ver durante as péssimas administrações do Sarney e do Collor, com seus planos mirabolantes de tentativa de contenção da inflação.

Lula conduziu e ainda está conduzindo o País para um estado de excelência que nunca antes na história desse povo se obteve. Lula é o primeiro grande passo para a emancipação total do Brasil de seu estado de letargia, de pobreza e de complexo de vira-latas em relação aos países desenvolvidos, principalmente com o desalinhamento de sua política externa – tanto diplomática quanto econômica – do “grande irmão” do Norte que, de irmão, nunca teve nada, a não ser o interesse de manter sob sua batuta os países da América do Sul, aos quais sempre olhou com desdém.

Então, senhores editores de O Estado de S. Paulo, poupem minhas diatribes: deixem em paz o morto, que ressuscitá-lo, como os senhores teimam em fazer, a cada edição vergonhosa como esta, só presta mesmo para atiçar os ânimos da tucanada invejosa e animar ainda mais os neoliberais de plantão, dispostos a tomar de novo o poder, sob as vistas mais do que grossas do PIG!

abril 01, 2010

O PAPA E A PEDOFILIA



A noção precisa de que a criança é um ser em formação e, portanto, especial, que depende de uma série de cuidados para se tornar um ser humano íntegro e integral, é muito recente. Talvez coisa de depois de Freud ou dos estudos mais avançados de educação, psicologia, sociologia etc.

A noção primitiva da criança era de um adulto pequeno e que podia, portanto, ser tratada como tal. Assim, justificavam-se todas as perversões e todos os maus tratos praticados contra elas, as crianças, desde o comércio escravo até o seu uso como grumetes nos navios que percorriam os mares. E grumete, na maioria dos casos, era só um eufemismo para a prática da pedofilia pelos marinheiros que ficavam muito tempo em alto mar.

Desde Grécia e Roma, adolescentes eram devidamente educados para práticas homoeróticas de seus amos ou de seus preceptores. Não há nada de novo, portanto, na recente onda de denúncia de pedofilia por parte da Igreja Católica Romana.

O que assusta, na verdade, é hipocrisia do prelado católico no trato da questão. Eles sempre souberam e praticaram a pedofilia e o homossexualismo. Essa era a regra. E são poucas a s exceções.

Nos confinamentos dos seminários, é impossível que um grupo de jovens na idade do afloramento de todos os hormônios consiga impedir o livre curso da natureza com rezas e admoestações. Principalmente porque todo pecado, se confessado, termina com o perdão, depois da devida penitência. Então, entre si, nada incomum que seminaristas jovens se dedicassem ou à masturbação ou a práticas sexuais mais avançadas. Nada demais até aí.

A coisa começa a complicar quando os preceptores adultos entram em cena, para abusar desses jovens, quando eles declaram seus “pecados” no segredo da confissão. Muito fácil, para esses pedófilos – e aí, não se pode dar outro nome: criminosos e tarados – se aproveitarem da situação para o abuso. Se todos ou quase todos praticam, o mais certo é que todos tenham conhecimento dos fatos. Impossível ignorá-los.


Portanto, não se pode tratar a pedofilia eclesiástica como exceção. O papa foi seminarista e ascendeu a todas as posições da igreja. Dizer que ignora o que acontecia e acontece sob os cobertores dos seminários e dos conventos é, simplesmente, hipocrisia. Ou então ele é burro demais para não ter percebido o que se passava sob seu nariz.

Solução? Não há, pelo menos não no curto prazo. Porque a extirpação de práticas sociais arraigadas – neste caso, a pedofilia – demanda tempo e conscientização. Mesmo que a igreja decretasse o fim desse absurdo que é o celibato clerical, isso não seria ainda garantia de que a pedofilia seria nesse mesmo momento totalmente extirpada. Porque há ainda uma outra prática absurda - o confinamento de adolescentes por longos períodos em seminários, colégios internos e conventos – a favorecer todo tipo de práticas que, embora condenadas em público, são impossíveis de serem impedidas no particular.

Além disso, precisaria a igreja católica e todas as demais religiões deixarem de demonizar o sexo. E isso é, sim, um dos conceitos mais arraigados nessas instituições e, por isso, de mais difícil extirpação. Porque vem de tradição muito mais antiga, decorrente dos mitos de criação e de formas de dominação de grandes grupos por parte dos líderes, ou seja, ao criar o medo do inferno pela prática do sexo fora do consentimento desses líderes, torna-se muito mais fácil controlar o rebanho e dele obter as benesses que estão acostumados a receber, como poder, dinheiro, condição social e outras coisas mais.

Conclusão: o papa, a igreja e todas as demais religiões têm culpa, sim, no cartório, com relação ao crime de pedofilia. E esse crime só poderá ser amenizado e extirpado quando se conscientizarem de que sexo é uma força da natureza, fonte tanto de prazer quanto de continuidade da raça humana e não tem nada de pecaminoso ou demoníaco.

E isso vai levar tempo...


(Ilustração: papa bento xvi - desenho de Bapstitão, segundo meu amigo Toni d'Agostinho, a quem agradeço)

março 17, 2010

NÃO CHORAREI EM TEU VELÓRIO, FERNANDO HENRIQUE





Quando morreste – e sei que morrerás – não chorei em teu velório nem chorarei lágrimas de crocodilo, Fernando Henrique Cardoso.

Manterei a fleuma que tu, quando tentavas nos governar, mantinhas diante de descalabros, de compras de votos, de vendas assustadoras do patrimônio que nós, eu inclusive, claro, mantivemos por tanto tempo.

Não posso negar-te, no entanto, Fernando Henrique Cardoso, a confissão de alguns pecadilhos que cometi em relação àquilo que prometias ser. Não, não te assustes, em tua urna a haver, senhor: não votei em ti. Nunca.

Mas, quando assumiste o Governo, senti por dentro, sim, humilde me confesso, senti por dentro um pouco de orgulho do que eras, do que representavas. Afinal, um homem declaradamente de esquerda, culto, intelectual, viajado, fluente em várias línguas, professor emérito, ex-exilado político, risonho, franco, assumia a cadeira presidencial.

Mesmo que pensasse no sapo barbudo, no metalúrgico tosco e quase analfabeto em quem votara, deixei por algum tempo a viuvez e outros sentimentos menos nobres, para olhar com um olho otimista tua ascensão, tua posse, teus primeiros tempos de governo.

Afinal, pensei: ele tem tudo para dar certo. Mesmo que a sombra do metalúrgico me assombrasse, dei-te meu voto de confiança.

Ah, dias de dúvida! Ah, esperanças desfolhadas! Ah, tempos inúteis!

Tu, Fernando Henrique Cardoso, tiveste olhos para a Nação por exatos dois anos. E então, a mosca azul da soberba picou-te inexoravelmente.

Vendeste teu passado, vendeste tua capacidade, vendeste teus sonhos e, com isso, vendeste todos os meus ainda incipientes anelos, que não era teu correligionário (se o fosse, choraria ainda mais!), para comprar por míseros vales e linhas telefônicas a tua perpetuidade no poder.

Quiseste ser apolo, quiseste ser hércules, quiseste ser deus, Fernando Henrique Cardoso!

E teus seis anos seguintes de poder se arrastaram para o fundo, levando meus sonhos, levando a Nação, levando o orgulho que tínhamos de ter um intelectual na Presidência. Foram-se as esperanças como no poema de Vicente de Carvalho – A Flor e a Fonte: “Dizia a flor a chorar / Eu fui nascida no monte / Não me leves, não me leves para o mar”.

Não! Não fomos para o mar, onde podíamos, ainda, tentar navegar. Fomos para o brejo, de chifre e tudo, como a velha vaca.

E só saímos do brejo, Fernando Henrique Cardoso, porque aquele metalúrgico tosco, barbudo, quase analfabeto, sem um dedo na mão, a tua antítese, Fernando Henrique, nos tirou do atoleiro em que tuas práticas políticas e teu desgoverno nos colocaram.

Por isso, senhor, se ainda te guardo algum respeito, é o respeito que temos pelos mortos, ou por aqueles que ainda não morreram, mas que deviam agir como tal. Enquanto estiveres quedo e belo em tua tumba, pensarei em ti como aquele que podia ter sido mas não foi.

Entretanto, Fernando Henrique Cardoso, se te moves em tua campa, se lá das trevas de onde nenhum mortal voltou (tu reconheces aí uma pontinha de Shakespeare, não é? – coisa que o metalúrgico nem sonha, não é?) ainda tentas comunicar a outros natimortos tuas decepções e frustrações, ah!, não, senhor, não posso pensar em outra coisa senão em jogar-te em cima uma bela porção de água-benta e fincar-te no peito a velha estaca de matar vampiro!

Então, por isso, Fernando Henrique, não choro agora por ti, em teu futuro jazigo, que estás há muito morto, desde aquele início do segundo ano do teu mandato, quando te transformaste no chupa-sangue de nosso povo, em prol de uma imortalidade que, infelizmente, senhor, tu alcançaste apenas pelo cargo que ocupaste, não pela obra que deixaste.

Não, não chorarei por ti, desde há muito tempo, agora e nunca.
(Ilustração: Caravaggio - Narciso)

março 15, 2010

POLITICAMENTE CORRETO: QUE SACO!





Quando eu era professor, há muitos anos, num colégio de Belo Horizonte, deparei com um caso simples e ilustrativo de uma certa paranoia que anda por aí. Reparei que um dos meus aluninhos da quinta série decorava seus cadernos com desenhos de armas. Imbuído do politicamente correto, preocupei-me. Pensei: vou informar à direção do colégio. Que chamem psicólogos, educadores, sei lá, gente especializada para tratar do moleque! Que pode estar revelando uma personalidade psicótica...

Antes, porém, resolvi abordá-lo. “Por que esses desenhos”? E o moleque, na maior tranquilidade, explicou-me: “Meu pai é um colecionador de armas e eu também gosto de armas... “

Desarmado fiquei eu, a ouvir o menino me mostrar, encantado com meu interesse, os diversos tipos de armas que seu pai tinha e ele desenhava, como prova, não de que pudesse se tornar um perigoso assassino, mas de amor filial, de orgulho do pai.

Outra historinha: eu e meus quatro filhos, desde muito pequenos, gostávamos de assistir a filmes de terror. Quanto mais “melecado”, melhor. Divertíamos com os freddy kruger, com as sextas-feiras treze, com as serras elétricas e com muitos outros monstros do cinemão. Depois, eles foram crescendo e descurtindo esse tipo de filme. Ainda damos muita risada,quando nos lembramos deles. E todos os meus quatro filhos são hoje cidadãos e cidadãs que abominam a violência e vivem suas vidas absolutamente normais.

Histórias infantis: todas, absolutamente todas elas contam histórias de arrepiar. Falam de bruxas más que assam criancinhas, de lobos que comem vovozinhas ou destroem a casa dos pobres porquinhos, para comê-los, claro, e muitas, muitas maldades. Fomos criados, eu e muitas gerações antes de mim, ouvindo esses “horrores”.

Nas velhas brincadeiras de rodas, quase todas as canções que cantávamos falavam de morte, de traição, de maldades: nem vou lembrar o cravo e a rosa, atirei o pau no gato etc. etc. etc.

Quando moleque, cansei de matar “índios” e “cowboys” inimigos, em lutas que duravam horas, pelas ruas, pelas praças, inspirados pelos gibis que tinham por heróis pistoleiros sanguinários como Rock Lane, Flecha Ligeira e tantos outros. Nem Pato Donald e os demais personagens da Disney escapam de malvadezas ou de histórias bastante violentas. Também não preciso lembrar os super-heróis e seus arquiinimigos, os simpáticos vilões que infernizam suas vidas, tentando ou conquistar ou destruir o planeta.

Nem por isso, fui ou sou uma pessoa violenta. Muito pelo contrário: abomino armas e exércitos e guerras e militares e terroristas em geral e não acredito que o homem supere a barbárie enquanto cultivar a violência. Aliás, a maioria absoluta das pessoas não é adepta da violência, principalmente por conta de leituras da infância, de cantigas de rodas ou de contos da carochinha de nossos avós.

Então, leio que “pedagogos” e “tias” das atuais crianças estão mudando as histórias clássicas, para torná-las “politicamente corretas”, ou seja, em vez de o lobo comer a vovozinha... o que mesmo ele vai fazer? Ou mudando a famosa canção para uma bobagem como “não atire o pau no gato”!

Ora, ora, ora: deixem as crianças “atirar o pau no gato” e morrer de medo do lobo mau que come a vovozinha e quer fazer churrasquinho da Chapeuzinho Vermelho, porque isso é da natureza dos lobos de histórias infantis. São peças catárticas, que criam no imaginário da criança não exatamente a vontade de serem violentas, mas a repulsa aos atos violentos. Ninguém, absolutamente ninguém, até hoje, se tornou assassino em série porque leu um livro violento ou assistiu a um filme de terror. Não há absolutamente nenhuma prova de que literatura, gibis, cinema ou qualquer outra forma de arte possam contaminar mentes e torná-las perigosas para a sociedade. Porque a criança distingue de alguma forma o que é ficção e o que é realidade, a partir de um determinado momento.

As mentes psicopatas serão psicopatas mesmo que criadas num convento, mesmo que nunca tenham lido ou ouvido falar de guerras e morticínios. Não são, absolutamente, influenciadas pela ficção. Podem, sim, ser influenciadas pela realidade, pelo convívio com pessoas violentas, pelo exemplo de pais, amigos ou pelo ambiente em que vivem, se tiverem já o instinto para aquilo que denominamos “o mal”.

Porque é da natureza humana haver pessoas “boas” e pessoas “más” – caberá ao educador, sejam pais ou mestres, cuidar para que essas pessoas se tornem melhores, claro, mas não podem impedir que aquele garotinho ou aquela garotinha tão sensíveis e delicados se tornem, de repente, o pior dos pesadelos de uma sociedade.

O mundo, a vida, a convivência em sociedade não são passíveis de serem colocados em bolhas higiênicas, politicamente corretas, como forma de prevenir a violência, a barbárie. Há um longo caminho para que o homem supere tudo isso, mas esse caminho não passa, absolutamente, por conceitos como o “politicamente correto” aplicados dessa forma ingênua ou, mesmo, idiota.

Princípios éticos – que podem ser extraídos até do lobo mau – são muito mais importantes do que ensinar as criancinhas a cantar essa bobagem de “não atire o pau no gato”. E um moleque de quinta série, ao desenhar armas em seu caderno de deveres, pode estar apenas exprimindo orgulho ou amor filial. Sem nenhum outro componente psicótico. Que pode estar em nossas cabeças...