novembro 05, 2015

COMO A IMPRENSA MANIPULA SEUS LEITORES







Tenho abordado várias vezes as formas sutis que a imprensa usa para manipular a opinião de seus leitores. Hoje, dou mais um exemplo. Do Estadão, velho e direitista jornal que odeia o PT, odeia o povo, odeia a esquerda em geral. Jornalismo de black-tie.

Na sua edição de hoje, 5.11.2015, no caderno "Metrópole", na página A18, traz a manchete: "MORTES NO TRÂNSITO DE SP CAEM 20,3%, DIZ PREFEITURA". E, como caput da matéria: "Número é dos 8 primeiros meses do ano, em comparação com 2014; redução da velocidade pode aumentar desatenção, diz especialista".

Bem, vamos aos fatos: 1. a Prefeitura de São Paulo está nas mãos do Partido dos Trabalhadores (PT) e seu titular é Fernando Haddad; 2. o prefeito tem imposto um programa de redução da velocidade de todas as avenidas da cidade, para um limite máximo de 50 km por hora, o que tem irritado algumas camadas da sociedade  (camadas essas já meio irritadinhas com a implantação de ciclovias, também um programa que vem, pouco a pouco, civilizando a cidade, e com a abertura da Avenida Paulista para pedestres, aos domingos, também uma medida civilizadora, numa cidade de poucas opções de lazer); 3. o jornal O Estado de São Paulo tem visto com muita antipatia a administração do PT, como sempre.

Agora, as pegadinhas sacanas da manchete de hoje.

Primeiro, redução de mortes no trânsito de São Paulo devia ser muito comemorada, pois é um trânsito selvagem, que mata, mata muita gente: taxa de 9 pessoas mortas para 100 mil habitantes, quando a meta da Organização das Nações Unidas é que, em 2021, esse número caia para 6 mortos por 100 mil habitantes. Portanto, qualquer redução no índice de mortos devia ser manchete de primeira página do caderno, e não um título quase escondido no meio (a manchete é sobre as faltas dos senhores vereadores às sessões da Câmara).

Segundo, a informação deveria ser apenas "Mortes no trânsito caem em São Paulo". O rabicho - "diz a Prefeitura" - já predispõe o leitor, que sabe da desconfiança do jornal em relação ao senhor Prefeito, a compartilhar dessa desconfiança. Porque não são dados estatísticos apenas, são dados fornecidos pela Prefeitura, através da Companhia de Engenharia de Tráfego, o que pode não ser bem assim. Mas, como não há o que contestar, já que a CET é um órgão técnico, a reportagem só sugere de forma sutil a desconfiança.

Terceiro, logo abaixo da manchete, duas informações soltas: a primeira, neutra (comparação entre os meses deste anos com 2014); já a segunda é para detonar de vez com o Prefeito: a opinião de um "especialista", não nomeado, que diz que redução da velocidade pode aumentar desatenção, que sugere que esses números - o da redução de mortes - pode voltar a aumentar, pois as pessoas ficarão mais distraídas e cometerão mais inflações e provocarão mais acidentes, porque trafegarão com velocidade mais reduzida. O absurdo disso é que não foi bem isso o que disse o tal "especialista" (eles sempre convocam um especialista para dar uma opinião contrária). E aí vem o quarto e maior absurdo.

Quarto, a opinião do especialista é que, com a redução da velocidade, "o motorista sente que está relaxado e que pode usar o celular, o que é um erro comportamental como o excesso de velocidade". Ou seja, o que senhor Roberto Manzini (esse o nome do especialista, consultor de Pilotagem da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego) sugere é que há um outro comportamento de risco de maus motoristas: falar ao celular. Apenas isso, nada mais do que isso. Ah, sim, e ele acrescenta, lá no final da reportagem, que é possível dirigir em São Paulo com velocidade máxima de 50 km/h. Ou seja, a tal "desatenção" lá de cima é só uma forma de o jornal jogar com a opinião do leitor, fazê-lo ficar contra uma medida que tem sido discutida sim, mas tem obtido resultados surpreendentes. Porém, isso não importa: é preciso detonar o Prefeito, a qualquer custo. E, quem sabe, não o reeleger nas próximas eleições.

Mais um "detalhe": na minha opinião, além da falta de ética do jornal, ao querer manipular o eleitor, há um outro fato de grande risco nessa tentativa de interferir no processo eleitoral: até agora, o queridinho deles (qualquer candidato do PSDB, de preferência o senhor Andrea Matarazzo, e nem vou comentar o sobrenome do dito cujo, que justificam as fichas que o jornal coloca em seu nome) não aparece como preferencial do eleitor em nenhuma pesquisa. Corre-se o risco de se jogar a cidade de São Paulo nas mãos de um manipulador e demagogo, o tal do Roussomano, já anteriormente derrotado, ou nas mãos de um idiota como o Datena, apresentador de programas policiais na televisão, em que defende a máxima direitista de "bandido bom é bandido morto").


Se eu acreditasse em deus, terminaria esse artigo com "god save São Paulo"!