(Foto de Aurélio Becherini - São Paulo antiga)
São Paulo completou ontem, dia 25/1/2014, quatrocentos
e sessenta anos. Sem muito a comemorar. Embora seja um dos polos de
desenvolvimento e de cultura do País, a mega cidade tem problemas crônicos que
todo morador sabe de cor. Todos clamam por solução e protestam contra as
condições de vida a que são submetidos, mas poucos oferecem sugestões de como
serão resolvidas suas imensas carências.
"Tudo aqui é insuficiente.
Quanto mais metrô se faz, mais insuficiente o metrô fica. Quanto mais hospitais
se constroem e se instalam, mais hospitais são necessários. Quanto mais escolas
se tem, mais escolas se precisa e menos ensino se consegue. Estamos no reinado
de Alice do outro lado do espelho: quanto mais andava, mas distante ficava.
Chegamos, finalmente, à lógica dos avessos. Nem o povo é inocente nessa
história. Uma cidade que reclama da falta de transportes e queima ônibus todos
os dias é uma cidade louca. É melhor chamar o Alienista, de Machado de
Assis." Assim escreveu o sociólogo José de Souza Martins, num artigo
publicado hoje no Estado de São Paulo.
Neste parágrafo está, para mim, a
chave da compreensão da cidade de São Paulo: o crescimento desordenado da vila
do século XIX para a mega cidade do século XXI, sem planejamento, sem respeito
ao meio ambiente, sem pensar no futuro, ou seja, só tivemos governos municipais
(e estaduais, que também se metem no planejamento da cidade) voltados para
obras, para o imediato, para o aqui e agora.
Sim, colhemos o fruto - amargo -
de décadas de mau planejamento. Isso todo mundo sabe. Isso todo mundo diz.
Mas... e daí? Como sair dessa? Tem solução a cidade de São Paulo?
A doença é crônica e corrói não
só São Paulo mas todas as mega cidades do mundo: chama-se explosão demográfica.
Gente demais querendo viver num espaço exíguo. E gente quer casa, quer escola,
quer água e esgoto, quer transporte, quer qualidade de vida. No entanto, é
impossível prover tudo isso para uma população que explodiu de pouco mais de
4 milhões para 12 milhões em apenas quarenta anos. Mesmo que haja recursos - e,
em parte, eles existem - tudo o que é necessário para tornar a vida melhor
demora para ser feito. Não se fazem milhares de casas de um dia para o outro.
Um quilômetro de linha de metrô demora meses para ficar pronto. Obras rápidas só
no jogo de faz de conta de promessas políticas, ou na construção de pontes e
viadutos que não resolvem absolutamente nada.
Digo e repito, por mais estranha
que algumas pessoas possam achar a ideia: São Paulo precisa, primeiro, parar de
crescer; segundo, começar a diminuir. Sim, diminuir. Somente um plano racional
de esvaziamento da cidade pode garantir seu futuro. É estupidez nos orgulharmos
de sermos tão grandes. Se, num barco furado, entram duzentos litros de água por
hora e só temos capacidade de tirar cinquenta, quanto tempo levará para que
esse barco afunde?
São Paulo está afundando em seus
problemas porque há gente demais exigindo recursos demais, recursos que não são
possíveis de serem colocados à disposição das pessoas em curto prazo. Recursos
que se tornam obsoletos no momento mesmo em que são disponibilizados. É como
enxugar gelo.
Então, o que fazer para diminuir
a população de São Paulo?
Não, não pense que eu estou
propondo expulsar a quem quer seja da cidade. Isso é higienismo e fascismo. A
cidade precisa de sua população e de sua diversidade. O que não pode é abrigar
um número exagerado de pessoas a demandar recursos de que não dispõe.
Há duas formas básicas de fazer
com que a população diminua ao longo de duas ou três décadas.
A primeira é transferir a capital
do Estado para o interior, para o centro do Estado, com toda a sua
infraestrutura burocrática. Liberar a cidade do peso de ser a capital e abrigar
centenas de órgãos públicos e toda a burocracia que os envolve, tornando-a, ao
mesmo tempo, livre de atração de dezenas de pessoas que buscam a capital para a
solução de seus problemas ou de realização pessoal. Creio que não é necessário
fundar e construir uma nova Brasília para isso: há, por exemplo, São Carlos,
bem no centro geográfico de São Paulo, que pode muito bem receber a honra de
tornar-se capital (e esse é só um exemplo!).
A segunda forma é alocar recursos
municipais, estaduais e federais para realizar um plano que permita a muitos
cidadãos paulistanos morar fora de São Paulo e, ao mesmo tempo, aqui manter seu
emprego, seu lazer, sua vida. Polos de atração a até 200 quilômetros da cidade
- outras pequenas cidades, vilas, condomínios etc. - integrados à cidade por
trens de alta velocidade (trem bala). Provavelmente o tempo de deslocamento
entre esses polos e o centro será bem menor do que hoje se leva para ir de um
bairro a outro vizinho, em horário de pico.
Prevejo, com essas medidas, uma
redução de até um terço da população atual. E, com cerca de 8 milhões de
habitantes fixos, até mesmo a atual infraestrutura já seria suficiente. Mas, o
governo municipal teria ainda como melhorar a qualidade de vida de seus
habitantes com medidas mais efetivas de despoluição de rios e do ar; de saneamento
básico; de arejamento da cidade com o aumento de áreas verdes, parques, praças etc.;
de mobilidade urbana; de permeabilização do solo, que diminuam os tormentos das
enchentes; de recuperação das margens de rios e riachos, após o desenterramento
de muitos deles; de ensino de qualidade; de mais lazer etc. etc. etc.
Enfim, teríamos uma cidade mais
civilizada e menos violenta. Porque creio que a violência não é fruto de
pobreza ou de imigrantes ou de outra coisa que não seja a excessiva aglomeração
de pessoas. E São Paulo, repito, tem gente demais. E gente demais é sinônimo de
conflito, de crise, por causa de demandas não atendidas e impossíveis de
atender, porque, como disse o articulista citado, "quanto mais se anda,
mas distante se fica" e, então, nem o Alienista pode dar jeito.