abril 28, 2023

ELES TÊM DEUS NO CORAÇÃO: O ASSASSINATO DO GAROTO LUCAS TERRA

 




“Eles violentaram, espancaram e depois queimaram vivo meu filho porque ele flagrou Fernando e Joel mantendo relações sexuais.” Essa é a declaração do pai do adolescente Lucas Terra, em 2001. Após sete meses de minuciosa investigação, a polícia baiana concluiu o inquérito que indiciou o indivíduo Sílvio Galiza como autor do homicídio, tendo como coautores Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda. Detalhe: o primeiro é um pastor e os outros dois são religiosos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), que possui atualmente um dos maiores templos religiosos do Brasil, na cidade de Salvador, um mostrengo arquitetônico visível de quase todos os pontos do município.

Acrescenta ainda o pai do garoto, com toda a justificável revolta: “Meu filho foi amarrado e amordaçado para não gritar e colocado dentro de uma caixa de madeirit. Carbonizaram seu corpo para encobrir os vestígios de pedofilia.”

O caso vem se arrastando na justiça desde 2001 e só agora, mais de vinte anos passados, saiu a notícia de que os assassinos estão sendo finalmente julgados e condenados à prisão.

Mas, não é sobre o processo judicial brasileiro, lento e falível, que eu quero falar neste pequeno artigo de protesto, e sim da hipocrisia que reina (sem trocadilho) entre os pastores e seguidores da IURD, essa pústula apostólica que corrói mentes e corações do povo, para surrupiar-lhe da forma mais nojenta possível os poucos caraminguás que tiverem em suas pobre carteiras, fruto, muitas vezes, de árduo trabalho, em troca desse reino de deus prometido por essa camarilha de estelionatários que são os pastores dessa seita maldita.

O caso Lucas Terra é emblemático, por se tratar de um crime bárbaro, mas muitos outros crimes podem ter sido e são acobertados por esse bando de criminosos travestidos de porta-vozes de deus. Porque adquiriram poder econômico e, atualmente, poder político, julgam-se acima da lei humana. Qualquer denúncia ou pronunciamento mais contundente contra essa camarilha são considerados como “perseguição religiosa”. Eles têm deus em seu coração; portanto, para os seus seguidores fanáticos, que estabelecem uma verdadeira cortina de proteção em torno de qualquer deslize por eles cometidos, eles são incapazes de cometer quaisquer crimes.

E os crimes dessa gente quase nunca chegam ao conhecimento público. Os poucos casos de que se tem notícia são considerados apenas como desvios individuais, e sobre eles, pastores compungidos logo tecem uma centena de explicações que nada explicam ou, quando muito, um pedido de perdão em nome de seu deus, que a tudo perdoa, quando a grana é boa (não resisti à rima).

Liberdade de culto é um princípio constitucional. Sob essa cláusula, no entanto, não se podem cometer crimes. E mais: denunciar as falcatruas dessas falsas igrejas coletoras de dízimo para enriquecimento ilícito de pastores não é perseguição religiosa.

Perseguição religiosa é que o fazem os seguidores dessas igrejas evangélicas quando seus pastores afirmam ser satânicas as crenças umbandistas ou do candomblé, incentivando a violência contra casas e templos de culto dessas religiões afrodescendentes, em casos claros de intolerância e racismo.

Portanto, só para finalizar: são, sim, criminosos os cultos que louvam a deus em templos salomônicos, erguidos com a espoliação do povo e enriquecem seus pastores, que vivem em mansões também salomônicas, viajando em jatinhos particulares, e passando férias nababescas em paraísos terrestres, enquanto seus iludidos seguidores oram compungidos e sacrificam até o dinheiro das suas necessidades diárias para pagar o dízimo que financia tudo isso, em troca da salvação em paraísos celestiais.

E dizem que têm deus no coração!

abril 27, 2023

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E O MAL QUE PODE CAUSAR AOS SERES HUMANOS

(Adrien Vernet)

O que mais me encantava na ficção de Isaac Asimov, quando ele escrevia sobre os robôs do futuro, era o aspecto ético incutido na memória profunda das máquinas do que hoje chamamos de inteligência artificial (IA), com as três leis da robótica:

· Um robô não pode causar dano a um ser humano nem, por omissão, permitir que um ser humano sofra.

· Um robô deve obedecer às ordens dadas por seres humanos, exceto quando essas ordens entrarem em conflito com a primeira lei.

· Um robô deve proteger sua própria existência, desde que essa proteção não se choque com a primeira e a segunda lei.

A preocupação do autor se concentra na segurança dos seres humanos, já que seus robôs são cada vez mais “humanizados”, a tal ponto que conseguem até mesmo filosofar sobre sua própria existência e a sua relação com seus criadores, num dos contos belíssimos de “Eu, Robô”. Se ele, o robô, é mais inteligente e mais capaz do que qualquer ser humano, como pode ser uma criatura e não ele mesmo o criador? Mas, as três leis da robótica não permitem que ele transforme em revolta o que a sua lógica parece levar, ou seja, a uma espécie de domínio da máquina sobre o ser humano.

Essa era uma preocupação que parecia ser suficiente na ficção, para que nos preparássemos para a “inteligência” robótica. Estávamos seguros. Mas, a realidade atropela a ficção e hoje a segurança humana está localizada em aspectos impensáveis na época de Asimov, que não está tão longe assim.

Para não nos alongarmos muito, já que o assunto é complexo, lanço a pergunta que não quer calar: em que aspectos da vida humana a IA nos ameaça?

Antes de responder, quero dizer que sou fã diletante da IA no que ela pode nos trazer de benefícios em inúmeros aspectos da vida cotidiana, na resolução de problemas complexos e até mesmo na administração de muitas situações em que temos tido imensas dificuldades, como, por exemplo, o trânsito, principalmente das grandes cidades, com seus congestionamentos, acidentes e atropelamentos. Diz Yuval Harari, em um de seus livros, que, num futuro não muito distante, os humanos serão proibidos de dirigir máquinas, como os automóveis, resolvendo-se, assim, problemas como atropelamentos, falta de espaço para garagens, poluição etc.

Mas, voltemos àquilo que eu creio ser a maior ameaça da IA aos seres humanos: a criatividade.

A capacidade de criar obras de arte, sejam de que tipo for, desde uma escultura até um romance ou poemas, talvez seja um dos aspectos mais complexos da evolução humana. Somos capazes de imaginar e de sonhar. Mas, acima de tudo, somos capazes de transformar a imaginação e o sonho em obras que encantam e, principalmente, tornam mais humanos e mais civilizados os seres humanos que somos. Ou seja: a arte humaniza o ser humano. Mais do que qualquer outro aspecto civilizatório, contemplar uma obra de arte, ler um romance ou um poema, assistir a uma peça de teatro, aplaudir um espetáculo de dança, ouvir música etc., tudo isso tem para nós o valor inestimável de um acervo que eleva a nossa mente a um tal grau de satisfação e de orgulho de sermos humanos, que nenhuma outra obra tem capacidade de realizar. A necessidade da existência da arte e dos artistas reside precisamente nisso.

Assim, quando os algoritmos da IA ganham capacidade de realizar obras de arte, a partir de um incalculável e inimaginável banco de dados, e até mesmo nos convencer de que o que ela realizou é uma obra de arte, ela está ameaçando o ser humano em seu cerne, em seu aspecto mais profundo de humanidade. Porque, por mais que seja passível de ser julgada como obra de arte um quadro ou um romance ou um poema ou uma música etc. que a IA produza, não passa de um pastiche, ou seja, a reorganização em outros padrões aparentemente criativos de obras pré-existentes. Mesmo que um músico, por exemplo, julgue de “qualidade” uma valsa ou uma música pop ou um rock criados pela IA, ele está sendo enganado por uma falsa percepção de originalidade, já que as notas musicais ali produzidas apenas compilam centenas de milhares de outras composições, num arranjo “inteligente”. Um romance ou um poema escritos pela IA, mesmo que pareçam originais, não passam de um rearranjo de frases e situações de seu imenso banco de dados. Há, portanto, a ilusão de originalidade, mas é uma pseudo originalidade, um pastiche apenas. O pior disso tudo é que há muita gente se enganando sobre isso. Achando que IA é realmente uma saída para a sua própria falta de originalidade e, num desvio ético tenebroso, publicando livros e outras obras “criadas” pela IA como se fossem de sua autoria e driblando a boa fé dos consumidores de arte.

Eu acredito que está nas nossas mãos, na capacidade de criar e de imaginar dos seres humanos, a responsabilidade de discutir seriamente até onde pode interferir em nossas vidas essa imensa capacidade tecnológica da IA. Assim como Isaac Asimov criou as três leis da robótica, para a segurança dos humanos, devíamos começar a pensar seriamente em leis de ética para impedir mesmo que a IA invada a criatividade humana com sua pseudo criatividade e chegue ao ponto de tornar ainda mais bárbaro o ser humano, ao tomar dele a capacidade de sonhar e criar. Um basta vigoroso a isso, antes que, com o tempo, normalizemos a “arte” da máquina em detrimento da arte criada por humanos. Porque, quando isso acontecer, aí sim teremos sido dominados completamente pelos robôs, sem que eles precisem se revoltar contra seus criadores.

abril 24, 2023

MAIS UMA INSANIDADE: A CPMI DO GOLPE


A lógica parlamentar é clara: uma CPI (ou CPMI) é um instrumento de fiscalização do governo, usado pelas oposições para investigar desmandos do poder público ou algo de grande interesse popular que o governo não tem provido de forma correta. Ou seja, é UM INSTRUMENTO TIPICAMENTE DE OPOSIÇÃO.


No entanto, a oposição ao governo Lula quer uma CPMI para investigar os atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro de 2023, quando o governo mal havia começado a governar de fato; quando ainda havia muitos ministros e secretários e servidores a serem nomeados e quando os nomeados mal haviam tomado pé da situação dos órgãos a que começaram a comandar. Tudo era ainda um mistério, diante do descalabro administrativo deixado de herança pelo governo anterior. E não vou, aqui, falar desse governo, porque todos sabem o que ele fez.

Dia 8 de janeiro: uma marcha de manifestantes, comboiada pela polícia militar do Distrito Federal, sai do acampamento do exército e vai até à praça dos Três Poderes, aonde não poderiam ir, por ser espaço interdito a tais manifestações, principalmente num domingo, sem que as autoridades competentes tomassem conhecimento, para enviar efetivos militares de proteção, o que é, constitucionalmente, obrigação do governo do Distrito
Federal.

Todos viram as imagens da televisão e dos circuitos internos dos palácios invadidos e depredados pelos vândalos golpistas, todos bolsonaristas enrolados em suas bandeiras ou vestidos de verde-amarelo, a marca dessa famigerada legião de fanáticos: um espetáculo de golpismo e de estupidez humana raramente registrados na história.

Agora, não se sabe como, ou melhor, sempre desconfiamos da origem, surgiu a ideia entre as hostes bolsonaristas de culpar o governo atual por aquilo que todos viram e as imagens documentaram. Culpar a vítima pelo estupro da democracia perpetrado por hostes bolsonaristas, com a desculpa de que havia infiltrados entre os manifestantes e que foram esses infiltrados que incentivaram os atos de vandalismo e depredação.

Entortar a lógica, modificar fotos e vídeos, deturpar a palavra alheia, construir um mundo paralelo de culto a uma figura asquerosa como Bolsonaro sempre foi um dos pilares da doutrina – se é que podemos chamar de “doutrina” – desses indivíduos cooptados pela mais estúpida das facções políticas do século XX, o nazifascismo. Mas, imputar à vítima – no caso, o governo atual – a culpa pelos atos de terror e vandalismo perpetrados por essa horda de canalhas golpistas já é um pouco demais. É brincar com a lógica dos fatos e levar ao extremo a ideia nazifascista de que uma mentira mil vezes repetida se torna verdade e de que a realidade dos fatos – o passado recente fartamente documentado – possa ser modificado e adaptado a seus interesses espúrios e antidemocráticos.

Até aí concordamos que a falta de lógica tem seu campo devidamente fertilizado pela estupidez e pelo delírio. Mas há um limite para a estupidez e para a falta de lógica e esse limite está sendo claramente ultrapassado, numa evidência de que, para os bolsonaristas, a estupidez alcança índices astronômicos: CONVOCAR UMA CPMI PARA INVESTIGAR OS ATOS ANTIDEMOCRÁTICOS DE 8 DE JANEIRO.

Vão, claro, tentar fazer dessa CPMI um show de horrores, de que, tenho a mais absoluta certeza, vão sair todos devidamente queimados – e espero que para sempre - diante de fatos contra os quais não há argumentos.


Quem viver verá!

abril 14, 2023

SÃO PAULO: UMA SOLUÇÃO PARA OS MILHARES DE MORADORES DE RUA?



O governador de São Paulo e o prefeito da capital estão elaborando um projeto que pretende levar para o campo milhares de moradores de rua, para se empregarem em propriedades de agricultura familiar. Dizem que são 187 mil fazendeiros com possibilidade de dar emprego a essas pessoas, com o compromisso, por parte do Estado, de adquirir parte da produção agrícola, coisa que é mais ou menos de lei, mas que não se cumpre.

O plano, em teoria, é bom. Mas, como disse Millôr Fernandes, “a nobreza de uma ideia não tem nada a ver com o canalha que a exprime”, minhas desconfianças começam com as verdadeiras intenções dos autores: o Zé Carioca e o Barbicha, respectivamente governador e prefeito.

Nenhum dos dois é confiável, em termos de ideologia, já que podem estar se escondendo num modelo higienista, simplesmente. Por isso, para que esse plano que, repito, pode ser interessante, não se tranforme em apenas jogar no mato uma população desesperada por emprego, por moradia, por uma vida digna, é necessário que fiquemos de olho em alguns pontos, dada a sua complexidade de aplicação:

1. que somente participe da remoção (que é, ao cabo, o que se pretende fazer) somente as pessoas que realmente queiram ir embora de São Paulo (a confiar nas pesquisas, dizem que até 30% das pessoas que aqui moram têm vontade de sair, de ir para outros lugares ou voltar para suas regiões de origem, e acredito que entre a população de rua esse número pode até ser bem maior);

2. que as pessoas que anuírem ao plano tenham, de início, algum tipo de preparação para o tipo de trabalho que vão realizar, seja em termos de treinamento para o trabalho no campo, seja em termos de comportamento e adaptação ao novo ambiente;

3. que tenham, pelo menos por um bom tempo (um ou dois anos) acompanhamento de sua situação no novo ambiente, para que não se transformem em mão de obra explorada ou até mesmo escravizada (com as novas tecnologias de comunicação, isso não é muito difícil de ser feito);
4. que famílias não sejam separadas e que haja condições para que todos tenham vida digna, com casa, condução (quando for o caso) e escola para as crianças (quando houver) e ocupação também para o cônjuge.

Essas são apenas algumas das preocupações que esse plano de remoção e transferência do povo de rua de São Paulo para o trabalho em estabelecimentos agrícolas no interior. Muitos outros detalhes devem ser devidamente levantados, estudados e discutidos por especialistas. Não se pode confiar totalmente nas intenções desses nossos governantes, porque seu histórico ideológico não nos permite bater palmas para planos mirabolantes - que podem dar certo - mas que precisam de uma execução humanitária e não simplesmente higienista.