E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu,
"mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".
(O Corvo, de Edgar Alan Poe, trad. de Fernando Pessoa)
A ave agourenta de Poe pousou no Supremo Tribunal Federal.
Do alto de sua cadeira, com o dedo acusador de quem se reveste, não de Juiz,
mas de vingador, com sua toga negra a
sugerir um Batman às avessas (embora a mídia de direita o tenha escolhido para
paladino da Justina), Joaquim Barbosa é a própria imagem da desolação do
sentido de Justiça por que anseiam todos os homens.
Não há sentido nesse julgamento de um fato que teve nos
testemunhos de prejudicados e de desafetos a prova maior de sua existência.
Diz-se que "o que não está nos autos não está no mundo", mas o que
está no mundo não está nos autos do julgamento do chamado "mensalão":
a versão dos acusados.
Tudo conspira para uma condenação puramente política, já
a estão inextrincavelmente embaralhados os acusadores com acusados. Então, como
"exemplo", no mais absurdo sentido de moral há muito proscrito nas
leis de quase todas as nações, que se condenem os acusados a todos, indistintamente,
para que nós, o público desse teatro grego de quinta categoria, purguemos o
supremo pecado de uma ação que tem suas origens em fatos muito mais nebulosos
do que sonham nossa imaginação.
Julgamento "exemplar" não é digno de uma corte
que ostenta no nome o termo "Supremo", porque não é essa a sua
função. Por tortuosidades políticas - criadas por políticos do passado, que
desejavam a impunidade para si e para seus crimes - o Supremo Tribunal Federal
aceitou julgar uma causa que devia ter seus trâmites regulares em cortes
inferiores e que só deveria chegar ao Supremo, quando, esgotados todos os
recursos, houvesse dúvidas jurídicas constitucionais, ou seja, relacionadas ao
cumprimento da lei suprema da nação, a Constituição.
No entanto, como qualquer tribunal de primeira
instância, lá estão os togados supremos a falar de detalhes incongruentes de um
processo complexo, que lhes esgota a energia que devia ser gasta na defesa de ideais
constitucionais. E o Corvo, juntamente com seus pares, encorpa-se à luz dos
refletores da mídia, para apontar seu dedo justiceiro, que ameaça não apenas os
réus, mas também aos pares que não concordam com sua metodologia ou com seus
longos e complexos arrazoados.
Nunca mais, nunca mais - parece nos dizer a ave
agourenta, do alto dos umbrais do Supremo - nunca mais essa corte será a mesma:
contrariando sua vocação de guardiã da Legalidade e da Constitucionalidade,
rasga sua história num julgamento infame e despropositado, para gáudio dos
golpistas de plantão que, enfileirados
na mídia da direita conservadora e retrógrada, cerram e afiam os dentes para a
retomada do poder, na senda aberta pela atual fornada de ministros do Supremo
Tribunal Federal, apequenados diante da figura execrável do Corvo.