setembro 30, 2012

O CORVO











E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".


(O Corvo, de Edgar Alan Poe, trad. de Fernando Pessoa)



A ave agourenta de Poe pousou no Supremo Tribunal Federal. Do alto de sua cadeira, com o dedo acusador de quem se reveste, não de Juiz, mas de vingador,  com sua toga negra a sugerir um Batman às avessas (embora a mídia de direita o tenha escolhido para paladino da Justina), Joaquim Barbosa é a própria imagem da desolação do sentido de Justiça por que anseiam todos os homens.

Não há sentido nesse julgamento de um fato que teve nos testemunhos de prejudicados e de desafetos a prova maior de sua existência. Diz-se que "o que não está nos autos não está no mundo", mas o que está no mundo não está nos autos do julgamento do chamado "mensalão": a versão dos acusados.

Tudo conspira para uma condenação puramente política, já a estão inextrincavelmente embaralhados os acusadores com acusados. Então, como "exemplo", no mais absurdo sentido de moral há muito proscrito nas leis de quase todas as nações, que se condenem os acusados a todos, indistintamente, para que nós, o público desse teatro grego de quinta categoria, purguemos o supremo pecado de uma ação que tem suas origens em fatos muito mais nebulosos do que sonham nossa imaginação.

Julgamento "exemplar" não é digno de uma corte que ostenta no nome o termo "Supremo", porque não é essa a sua função. Por tortuosidades políticas - criadas por políticos do passado, que desejavam a impunidade para si e para seus crimes - o Supremo Tribunal Federal aceitou julgar uma causa que devia ter seus trâmites regulares em cortes inferiores e que só deveria chegar ao Supremo, quando, esgotados todos os recursos, houvesse dúvidas jurídicas constitucionais, ou seja, relacionadas ao cumprimento da lei suprema da nação, a Constituição.

No entanto, como qualquer tribunal de primeira instância, lá estão os togados supremos a falar de detalhes incongruentes de um processo complexo, que lhes esgota a energia que devia ser gasta na defesa de ideais constitucionais. E o Corvo, juntamente com seus pares, encorpa-se à luz dos refletores da mídia, para apontar seu dedo justiceiro, que ameaça não apenas os réus, mas também aos pares que não concordam com sua metodologia ou com seus longos e complexos arrazoados.

Nunca mais, nunca mais - parece nos dizer a ave agourenta, do alto dos umbrais do Supremo - nunca mais essa corte será a mesma: contrariando sua vocação de guardiã da Legalidade e da Constitucionalidade, rasga sua história num julgamento infame e despropositado, para gáudio dos golpistas de plantão  que, enfileirados na mídia da direita conservadora e retrógrada, cerram e afiam os dentes para a retomada do poder, na senda aberta pela atual fornada de ministros do Supremo Tribunal Federal, apequenados diante da figura execrável do Corvo.

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