junho 29, 2015

ELES SEMPRE FORAM ASSIM, OU MELHOR, NÓS SEMPRE FOMOS ASSIM...



(Marcha da TFP, com o Plínio Correa à frente - Viaduto do Chá/SP)



Ouve-se, com frequência, que aumentou o grau de intolerância das pessoas. Que o mundo ficou pior, por causa disso. Que hoje tudo é motivo de xingamentos e protestos, de desrespeito e provocações.

Sim, é verdade. Ou parece ser verdade. Porque nem tudo o que parece, na verdade, acontece.

Vou começar o meu raciocínio com um exemplo dos anos sessenta, setenta. Naquela época, era comum encontrarmos pelas ruas do centro de São Paulo, passeatas bastante significativas de jovens vestidos de preto, com uma capa vermelha,  portando estandartes cristãos e entoando hinos e palavras de ordem, sob o comando de Plínio Correa de Oliveira, a famigerada TFP. Não havia celulares, nem internet, as comunicações eram precárias. Os jornalões vendiam papel, ou seja, as matérias publicadas deviam ser devidamente escolhidas e pautadas. Por isso, pouco saía na imprensa sobre essas passeatas. Mandar um repórter cobri-las ficava caro. Elas repercutiam entre as pessoas que as presenciavam. E só. Talvez, se houvesse um tumulto (durante qualquer tipo de manifestação), coisa mais ou menos rara, é que se pudesse noticiar alguma coisa

Hoje, ao contrário, qualquer grupelho que se disponha a fazer barulho - quinze ou vinte idiotas - chama a atenção da mídia. Basta alguém fotografar, filmar, postar nas redes sociais e logo um número impressionante de pessoas toma conhecimento. E como qualquer pneu pegando fogo na pista para o trânsito e provoca o caos na cidade, chamar a atenção por esse meio tornou-se relativamente fácil. Bastam os mesmos quinze ou vinte cretinos mal intencionados. E a repercussão é imediata.

Além disso, os meios de comunicação tornaram-se instantâneos e, portanto, baratos. Joga-se no ar uma notícia, principalmente na internet, e meia hora depois ela já está sepultada por milhares de comentários, desmentidos e outras notícias semelhantes. E mais: a ideologização desses meios de comunicação foi facilitada. É muita gente escrevendo. É muita gente dando palpite. É muito "formador de opinião“ a berrar nas redes de televisão suas bravatas e ideias obtusas e absurdas de forma inconsequente, em busca do melhor escândalo, do comentário mais esdrúxulo, da imagem mais chocante. Porque tudo isso passa, como um raio. E daqui a pouco tempo, já são outras as imagens e outros os motivos do berreiro. Com um fator importantíssimo: a interação com o público. Não somente nas redes sociais da internet, mas também nas redes de televisão: lá estão girando, ao pé da tela, as frases mal alinhavadas de dezenas de pessoas a dizer o que "pensam" ou, o que é mais comum, o que "acham" do que está acontecendo. E haja "achismo"!

O que eu quero dizer: no passado, antes dessa era de comunicação instantânea, difusa e ao alcance de qualquer um que saiba juntar um "a" com um "b", as pessoas também eram intolerantes, rancorosas, maldosas, estúpidas, dispostas a xingar qualquer um que se lhes opusesse, desagradáveis com vizinhos e parentes, com amigos e inimigos, preconceituosas, machistas, fundamentalistas em suas crenças religiosas, rancorosas em relação a seus adversários políticos. Porém, tudo isso era muito difícil de vir à tona, ou ficava no pequeno círculo de vivência de cada um. Podia-se reunir em associações, como a TFP do Plínio Correa, e assemelhadas, para buscar companheiros de ódio, mas isso era complicado: necessitava-se deslocar para uma sede, discutir e votar regulamentos e moções, aceitar regras etc. Então, só os fanáticos é que se aventuravam nessas empreitadas. E já eram bastantes, os fanáticos, para cobrar, quando necessário, a sociedade e as autoridades. Principalmente quando suas causas achavam as pessoas certas nas redações da grande imprensa. Haja vista a adesão popular ao golpe de 1964. Sem internet, "apenas" com o incentivo da imprensa, das milhares de paróquias e do precário telefone, as "marchas com deus pela família" reuniram milhões. Também o fato se repetiu, na campanha das diretas, no sentido inverso. E, um pouco mais tarde, no impeachment de Collor de Melo.

Esses fatos, no entanto, o golpe, as diretas e o impeachment, eram excepcionais. Ganharam repercussão e tiveram um grande poder agregador. Seu poder de mobilização extrapolava a força de qualquer mídia, de qualquer liderança, de qualquer outro movimento. Havia, sempre, por trás, uma ideologia a ser defendida, uma ideia poderosa, um elemento de fácil percepção e assimilação. Por isso, obtiveram sucesso.

Hoje, tudo é muito mais fácil. Uma palavra que ganhe as mentes, pelas redes sociais, mesmo saída de um grupelho, pode ser a centelha a incendiar a imaginação e a possibilidade de ação de milhares de pessoas, em poucas horas, em poucos dias. O poder de mobilização de grupos, por menores que sejam, se bem articulados e bem orientados quanto àquilo que a massa deseja (devidamente interpretadas as intenções, os gostos, as opiniões e os desejos dessa massa, através da leitura correta de dados de pesquisa) multiplica-se através de mecanismos robóticos e da ação de correligionários voluntários ou involuntários, num processo que, depois de desencadeado, tem mínimas possibilidades de ser interrompido. Vem à lembrança uma música - "tem bobo pra tudo". Pois, é: há ideias e sugestões e convites para todos os gostos.

Tudo aquilo que ficava reprimido ou comprimido em ambientes restritos, hoje - na era da "café solúvel" - ganha caracteres maiúsculos e fotos e filmes e desenhos e destaque em pouquíssimo tempo. E dá até mesmo àqueles que têm o poder da mídia - rádio, televisão, jornais, revistas... - o "direito" de também insultar e revidar e chutar o balde no momento mesmo em que ficam sabendo do que disse o outro sobre si ou sobre o que ele pensa. É o insulto ao alcance de todos. Instantâneo. Revidado na hora O ódio disseminado num estalar de dedos, e sem arrependimentos, já que em poucas horas de "curtidas" já ninguém se lembra disso, mesmo. Sem qualquer racionalização. Sem consequência. Às vezes, só os advogados e juízes, nos tribunais, vão se lembrar, mas depois de tanto tempo, quem se importa?

Afinal - pensa-se ainda de forma primitiva e conveniente - chumbo trocado não dói. E o chumbo fica a cada minuto, a cada hora, a cada dia mais grosso. De todos os lados. Porque a humanidade é formada de pessoas que sempre foram, são,  e infelizmente ainda continuarão sendo por muito tempo, intolerantes, rancorosas, maldosas, estúpidas, dispostas a xingar qualquer um que se lhes oponha, desagradáveis com vizinhos e parentes, com amigos e inimigos, preconceituosas, machistas, fundamentalistas em suas crenças religiosas, rancorosas em relação a seus adversários políticos etc., etc., etc...



E vivam as exceções, claro!

junho 20, 2015

MASSACRE EM CHARLESTON






Uma moradora entrevistada fala que o "suspeito" deve ter "problemas psicológicos".

E a reportagem apresenta um jovem branco, que ganhou uma arma do pai aos 21 anos, que usa roupas com bandeiras africanas - do tempo do apartheid! - e que odeia negros. Por isso, entrou numa igreja tradicional da cidade Charleston, nos Estados Unidos, e matou nove pessoas, todas negras.

Não, não é "problema de psicologia", é "problema de ideologia"!

Alguém que tenha distúrbios mentais - mesmo o "serial killer" - quando lhe vem a compulsão por matar, só o faz para atender a essa compulsão, individualizando o assassínio e só voltando a matar depois de algum tempo, como se esse ato lhe desse a satisfação de um remédio que se toma e espera o seu efeito passar para tomar outra dose.

Já o indivíduo que tem a compulsão da ideologia - seja ela de origem religiosa, política, social ou étnica - é frio e calculista no planejamento e compulsivo na "coragem" da realização do ato de extermínio de vítimas, o maior número possível, como um ato "heroico" cujos resultados podem ser sua própria morte ou condenação. Mas é sempre a heroicidade do ato que o move, alimentada pela ideologia.

Fico pensando, então, em certas atitudes de pessoas aqui mesmo no Brasil, tentando impor ideologias e plantando na mente de pessoas frágeis em termos de formação e de humanidade conceitos como o ódio a tudo que é diferente daquilo que ele professa, seja um culto africano, um "desvio da norma sexual", uma posição política liberal etc.

Plantar ideologias de fácil assimilação, como aconteceu com o nazifascismo hitlerista, significa colher, depois, tempestades incontroláveis de ódio e de tentativa de destruição do outro, apenas por ser o outro diferente.Alimentado o ódio pela ideologia.

Quando Cortez aportou com suas caravelas nas costas do México, ele e seus homens estavam imbuídos até a raiz do cabelo de uma profunda fé cristã. O encontro com o diferente - os astecas - fundiu sua cabeça e terminou em massacre. Como sempre, do mais fraco pelo mais forte. E a história está cheia desses exemplos. O encontro com o diferente - que é sempre o monstro extraterrestre de Hollywood (à exceção do famoso "ET" do Spielberg) provoca sempre o medo da abdução, a princípio; logo depois, o horror; em seguida, o ódio e a a vontade do extermínio. E a ideologia, seja ela cristã ou laica, cumpre o seu triste papel.

O garoto loiro dos Estados Unidos participou de um encontro de leitura da bíblia com os negros frequentadores da igreja, foi "conhecer o inimigo", para ter certeza de seu medo de abdução, para ter certeza de seu horror ao inimigo, para ter certeza de seu ódio. E depois partiu para extermínio. É o que recomendava a sua ideologia.