janeiro 20, 2010

REPENSANDO SÃO PAULO, NO MÊS DE SEU ANIVERSÁRIO


A urbanização é um fenômeno recente da história do homem. E as metrópoles são ainda mais recentes. Coisa do século XX, praticamente, quando se consolidam e realmente começam a se expandir as grandes cidades, com populações na casa dos milhões. E já se fala em megalópoles, grandes manchas populacionais urbanas que se estendem por quilômetros e quilômetros, unindo, por exemplo, Rio de Janeiro e São Paulo.

Essa experiência humana precisa, no entanto, ser repensada. Está certo que o homem é um ser sociável, gregário, mas tudo tem um limite. Não acredito que milhões de seres humanos convivendo num único espaço urbano seja o mais saudável.

Veja-se a cidade de São Paulo, por exemplo.

Está certo que o seu crescimento desordenado, por falta de políticas corretas de urbanização e de planejamento adequado, tem levado a seu esgotamento. Para isso, contribuíram administrações sem visão, ou com visão de engenharia, de obras, como se somente obras pudessem resolver os problemas decorrentes de seu rápido crescimento. Nenhuma administração dos últimos cinquenta ou sessenta anos de São Paulo está isenta de culpa pelos problemas que hoje se enfrentam, como poluição, enchentes, falta de transporte e de moradias, favelização etc. E o atual prefeito segue a mesma cartilha e a mesma lengalenga de sempre: quando o rio sobe, pensa em piscinões; quando a população reclama de atendimento médico, pensa em construir hospitais e assim segue o modelo que enche os bolsos das empreiteiras e esvazia a paciência dos paulistanos.

E a cidade, ou melhor, seus moradores continuam sofrendo os mesmos dramas, reclamando as mesmas atenções, pedindo as mesmas coisas de sempre: melhor condição de vida, mais transportes, mais asfalto, mais isso ou aquilo, também equivocadamente, por não saber direito o que pode realmente melhorar a convivência de onze milhões de pessoas com um ecossistema degradado exatamente por essas onze milhões de pessoas.

Uma pesquisa do Ibope, encomendada pelo Movimento Nossa São Paulo, revela que 57% dos entrevistados gostariam de sair de São Paulo, se pudessem. Ou seja, a cidade virou uma arapuca: é ruim morar nela, mas é pior sair dela.

E exatamente nessa intenção – sair de São Paulo – está a solução para os imensos problemas da grande metrópole. A cidade não só precisa parar de crescer, mas precisa diminuir!

Exatamente isto: diminuir!

Não exatamente expulsar seus moradores, muitos dos quais para aqui vieram por falta de outras possibilidades, por não encontrar alternativas para sua mais do que justa necessidade de melhoria de vida. E realmente, às vezes é melhor morar numa favela de São Paulo (com todos os problemas que isso implica) do que continuar no seu lugar de origem, onde o futuro é palavra desconhecida. Pelo menos, na favela, há uma tênue esperança de melhoria de vida.

E os mais desesperados ou desesperançados constroem seus barracos em qualquer lugar, e isso implica, por ignorância dessa população, interesses escusos de grileiros e aproveitadores e leniência do poder público, construir em margens inundáveis de rios, riachos e ribeirões, ou em encostas altamente perigosas em tempos de chuva, ou, ainda, às margens de represas de abastecimento de água, lugares que deviam ser preservados como reservas e razão de sobrevivência da própria cidade. Degradam-se a si mesmos, ao ambiente e à cidade que os recebe e não tem política e polícia para impedir que continuem sendo enganados e espoliados em seus direitos fundamentais de moradia decente, de infraestrutura e de condições de vida.

Enquanto isso, os governos do Estado e do Município se unem para mais obras: mais asfalto, mais pistas para automóveis, mais piscinões, mais canalizações de veios d’água, ou seja, mais obras.

Apesar de cara, controversa, mal planejada e mal executada, a única obra atualmente em andamento em São Paulo que vai realmente beneficiar a cidade é o chamado rodoanel, estrada ou via que irá impedir que milhares de caminhões passem por ela, principalmente os que vão em direção ao porto de Santos.

Qual a saída? Políticas de curto, médio e longo prazos que levem à diminuição populacional da cidade, que está exaurida em seus recursos naturais.

Em vez de o Governo do Estado investir em obras em São Paulo, pode começar essa política simplesmente mudando a sede do Governo para o interior. Além de levar uma boa parte da burocracia estadual que aqui vive, ainda vai sinalizar para os migrantes, com a mudança de lugar do poder, que já há outros polos de atração. Só não se pode repetir na nova sede os mesmos erros cometidos aqui, claro. Mas isso já é outra história...

Criar polos de atração por todo o Estado e, em acordos com o Governo Federal e até mesmo com outros Estados, propiciar que muitos dos que se dirigiriam a São Paulo e mesmo muitos paulistanos possam ter oportunidade e condição de fazer a vida nesses polos ou em regiões mais ou menos distantes da grande metrópole. Que ela já não é única solução para suas vidas.

Depois, definir com exatidão, de modo democrático, a verdadeira vocação da cidade que, estabilizada num número x de habitantes, compatível com suas condições, possa crescer não mais no sentido de ampliação de população ou de território, mas em melhoria de vida para os que aqui continuarem. E isso implica, por exemplo, em melhorar a mobilidade dos cidadãos, com um projeto de transporte público eficiente. E para ser eficiente, precisa ser tirado das mãos dos particulares que só visam ao lucro. Isto é: ressuscitar a empresa pública de transporte coletivo e, através dela, implantar uma política de financiamento, pela própria população, de um sistema de ônibus urbanos de boa qualidade e... gratuito!

Isso é possível? Claro que é. Basta vontade política para discutir com a população a possibilidade de cobrança de uma taxa mínima em contas de água ou de luz, de modo que todos contribuam com pouco, para a vantagem de muitos: com um sistema de ônibus urbanos integrados ao metrô e com linhas que cobrissem todas as necessidades dos paulistanos, sem pensar em lucro, a só a sua gratuidade poderia garantir que a maioria da população abandonaria o uso de transporte individual para trabalhar, melhorando as condições de tráfego e, principalmente, de poluição do ar, com vantagens para todos, em termos de melhoria de vida e de saúde.

Enfim, idéias é que não faltam. O que falta é vontade política, criatividade e vergonha na cara de nossos políticos e administradores para acabar com o loteamento da cidade por quadrilhas que tomam conta de certos setores e ali se aboletam para tirar vantagem das desgraças da população.

Com uma cidade com menos gente, com demandas resolvidas em setores específicos, apareceria dinheiro para investir em saúde, em educação, em qualidade de vida. Porque, definitivamente, não acredito que grandes, imensas cidades, sejam o lugar ideal para o convívio higiênico, isto é, harmônico, do homem consigo mesmo e com o meio-ambiente.
(Ilustração: vista aérea do centro de São Paulo - foto da internet, sem crédito)

janeiro 14, 2010

AI DE TI, HAITI!

O mundo “branco” – América do Norte e Europa – sempre olhou com desdém os países “negros” – África, principalmente.

Atrasados economicamente, por inúmeras razões, desde guerras tribais por terras artificialmente reunidas sob a mesma bandeira, pelos conquistadores europeus, até por motivos que historicamente fogem à nossa compreensão, os países africanos aos poucos emergem da pobreza crônica, embora estejam ainda muito longe do melhor dos mundos.

Mas, há, incrustado nas águas complicadas do Caribe, um país “negro” que tem uma história de luta e de superação. Surgido da revolta de escravos, foi o segundo a libertar-se do jugo europeu, no século XIX. Tinha tudo para ser exemplo.

Por que não deu certo?

Difícil responder. A História é complicada e os homens traçam caminhos ainda mais complexos, mesmo quando a lógica e a racionalidade estabelecem com precisão o que é necessário fazer.

O Haiti.

País “negro”. Inventado por ex-escravos. Seguiu a trajetória de seus irmãos africanos. Não conseguiu superar o atraso. Mergulhou, principalmente na segunda metade do século XIX nas promessas populistas e estapafúrdias de líderes enlouquecidos.

O que foi o Papa Doc – o papai doutor – senão um ensandecido líder de bichos papões –os tontons macoutes – a espezinhar e amedrontar a população? Sob as bênçãos de quem? Ou sob a indiferença de quais países?

Afinal, eles são negros. Que se entendam!

O mundo moderno, industrializado, mercadológico, globalizado, avançado, tecnológico e, sobretudo, anestesiado pelo consumismo e pelo orgulho de ser o que é, nunca teve paciência com os pobres irmãos negros da grande África.

Ia ter com o pequenino e perdido Haiti?

Agora, a catástrofe. Um terremoto de proporções impensáveis destrói o que dolorosamente começava a ser construído. E o Haiti, o pequenino e desprezado Haiti, é o centro das atenções.

Não importa quantos tenham morrido ou venham a morrer. É negra a pele da maioria absoluta das vítimas que se arrastam pelas ruas, que se rebelam em grupos desesperados de seres que veem sua última esperança ser destruída em segundos.

E, por ser negra sua pele, o mundo olha com olhos de espanto: eles existem! E são seres humanos!

Crianças, jovens, velhos, moços, homens e mulheres que sofrem não apenas a perda de sua capital, de seus bens, mas do pouco de dignidade que vinham tentando construir de forma tão dura, tão difícil, tão sozinhos.

Poucos os que se comoviam com sua tragédia surda.

Agora, o grande tremor acordou o mundo. Revelou sua existência. Chamou a atenção para a morte súbita de milhares, não a morte lenta de outros milhares nos becos da miséria e da violência.

Esses, o mundo nunca os viu.

Quem sabe, agora, os milhões antes prometidos e nunca enviados se transformem em milhões efetivamente usados para a sua recuperação?

Ai de ti, Haiti! Ai de ti!
(Ilustração: menino da Cité Soleil, em Ti Haiti - foto de Marcello Casal Jr.)

janeiro 09, 2010

DIREITOS HUMANOS: A HORA DO RESPEITO

Os cretinos de sempre protestaram. Porque sua função é protestar. Respeitemos também os cretinos, porque eles também são humanos e devem ser respeitados. O que não nos impede de criticá-los.

É sempre assim: primeiro, eles criticam. Depois, tentam medidas desesperadas. Ao final, vence o bem senso. Ou a Justiça, em última instância.

Foi mais ou menos assim com o caso do garoto que a Lei e a lógica mandavam entregar ao pai e que a avó materna queria manter (e isso é sequestro, é cativeiro!). E não eram apenas as leis brasileiras que dão o direito ao pai de criar o filho, na falta da mãe: eram acordos internacionais! Mas os cretinos tinham que protestar.

Agora, o Programa de Direitos Humanos, divulgado pelo Governo, após anos e anos de discussões.

Reclamam que é contra a liberdade de informação, quando as indicações prevêem apenas a proteção do cidadão contra o mau uso da informação. Lembram a Escola Base? Informação é uma coisa, julgamento pela mídia é outra. E é crime. E deve ser combatido, porque é contra o direito das pessoas de terem defesa e julgamento justo.

Reclamam contra a recomendação de buscar, primeiro, a negociação, em caso de conflitos agrários. Ninguém é a favor de invasão de propriedades privadas, é um direito constitucional. Mas atirar primeiro e perguntar depois não tem contribuído em nada para minimizar o problema. E essa tem sido a constante, com a lamentável perda inútil de vidas humanas.

Reclamam contra a abertura dos porões da ditadura, quando todos os países que passaram por períodos de repressão já lavaram a sua roupa suja. Porque uma coisa é a defesa do Estado, outra é o cidadão usar essa desculpa para torturar, para estuprar, para satisfazer seus instintos monstruosos. Tortura não é crime político, é crime de lesa-humanidade!

Reclamam contra a proibição de símbolos religiosos em espaços públicos, como repartições, tribunais etc., como se isso representasse perigo à crença religiosa. Ora, senhores religiosos, respeitem-se, por favor. O Estado é laico. Não pode privilegiar tal ou qual seita ou religião. Além do mais, ninguém é obrigado a ter religião. A crer no mesmo que vocês acreditam. Ninguém vai obrigar a demolir o Cristo Redentor por causa disso (embora eu preferisse ver sobre o Corcovado qualquer outra coisa que não aquela estátua horrorosa!)

E há, ainda, muitos itens no Plano de Direitos Humanos que os cretinos deverão contestar, como a questão dos quilombolas, dos homossexuais, da união civil, taxação das grandes fortunas... Há lobby para todos! Para todos que não querem que os direitos humanos sejam respeitados.

Enfim, reclamem, seus cretinos. E deixem-me ter o direito de chamá-los de cretinos, por reclamarem. Assim como sempre tiveram o direito – que agora começa a mudar – de impor suas convicções.

Viva a liberdade! De pensamento, de expressão, de tudo! Porque respeito é bom e todos merecem!