janeiro 14, 2010

AI DE TI, HAITI!

O mundo “branco” – América do Norte e Europa – sempre olhou com desdém os países “negros” – África, principalmente.

Atrasados economicamente, por inúmeras razões, desde guerras tribais por terras artificialmente reunidas sob a mesma bandeira, pelos conquistadores europeus, até por motivos que historicamente fogem à nossa compreensão, os países africanos aos poucos emergem da pobreza crônica, embora estejam ainda muito longe do melhor dos mundos.

Mas, há, incrustado nas águas complicadas do Caribe, um país “negro” que tem uma história de luta e de superação. Surgido da revolta de escravos, foi o segundo a libertar-se do jugo europeu, no século XIX. Tinha tudo para ser exemplo.

Por que não deu certo?

Difícil responder. A História é complicada e os homens traçam caminhos ainda mais complexos, mesmo quando a lógica e a racionalidade estabelecem com precisão o que é necessário fazer.

O Haiti.

País “negro”. Inventado por ex-escravos. Seguiu a trajetória de seus irmãos africanos. Não conseguiu superar o atraso. Mergulhou, principalmente na segunda metade do século XIX nas promessas populistas e estapafúrdias de líderes enlouquecidos.

O que foi o Papa Doc – o papai doutor – senão um ensandecido líder de bichos papões –os tontons macoutes – a espezinhar e amedrontar a população? Sob as bênçãos de quem? Ou sob a indiferença de quais países?

Afinal, eles são negros. Que se entendam!

O mundo moderno, industrializado, mercadológico, globalizado, avançado, tecnológico e, sobretudo, anestesiado pelo consumismo e pelo orgulho de ser o que é, nunca teve paciência com os pobres irmãos negros da grande África.

Ia ter com o pequenino e perdido Haiti?

Agora, a catástrofe. Um terremoto de proporções impensáveis destrói o que dolorosamente começava a ser construído. E o Haiti, o pequenino e desprezado Haiti, é o centro das atenções.

Não importa quantos tenham morrido ou venham a morrer. É negra a pele da maioria absoluta das vítimas que se arrastam pelas ruas, que se rebelam em grupos desesperados de seres que veem sua última esperança ser destruída em segundos.

E, por ser negra sua pele, o mundo olha com olhos de espanto: eles existem! E são seres humanos!

Crianças, jovens, velhos, moços, homens e mulheres que sofrem não apenas a perda de sua capital, de seus bens, mas do pouco de dignidade que vinham tentando construir de forma tão dura, tão difícil, tão sozinhos.

Poucos os que se comoviam com sua tragédia surda.

Agora, o grande tremor acordou o mundo. Revelou sua existência. Chamou a atenção para a morte súbita de milhares, não a morte lenta de outros milhares nos becos da miséria e da violência.

Esses, o mundo nunca os viu.

Quem sabe, agora, os milhões antes prometidos e nunca enviados se transformem em milhões efetivamente usados para a sua recuperação?

Ai de ti, Haiti! Ai de ti!
(Ilustração: menino da Cité Soleil, em Ti Haiti - foto de Marcello Casal Jr.)

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