janeiro 31, 2019

A TOTAL IRRELEVÂNCIA DO ENSINO DOMICILIAR







Ao contrário do ensino a distância (EAD) que, implantado e regulamentado, beneficia ou pode beneficiar milhões de pessoas que não têm acesso à escola física, por vários motivos, num país continental (um lugar comum inevitável) como o Brasil, o ensino domiciliar é absolutamente irrelevante. 

Primeiro, vamos observar que ele existe há bastante tempo nos Estados Unidos, em todos os estados, devidamente regulamentado. Provavelmente tenha sido criado para beneficiar pequenas comunidades religiosas e isoladas, que não concordam com o tipo de ensino ministrado nas escolas tradicionais. Hoje, está bem mais difundido, tendo alguma relevância, embora ainda muito pequena, dentro do sistema educacional estadunidense, adotado por famílias de classe média alta que teme o bullying e a violência nas escolas tradicionais, principalmente diante das várias chacinas que têm atormentado a sociedade, ou ainda para filhos considerados especiais, cuja adaptação à escola seja difícil... Enfim, é um direito. Mas, lá, é ainda algo que está dentro do terreno da exceção e, com regras que variam de estado para estado, não está ao alcance de qualquer família, já que requer tempo e, muitas vezes, situação privilegiada em termos financeiros, dos pais que o adotam. 

Pode ser implantado no Brasil? Pode. Sem dúvida. Mas... 

A situação do ensino brasileiro passa por uma crise. Não uma crise de métodos ou de metodologias. Uma crise de preparação e valorização do principal elemento de um sistema de ensino: o professor. Com salários de fome, sem valorização profissional e social, o professor brasileiro carrega nas costas uma responsabilidade que está muito além de suas forças. E aí temos nós, além do problema salarial, uma espécie de círculo vicioso: os professores são formados por outros professores, estes também mal pagos e, consequentemente, também desmotivados quase sempre, formados em escolas que não os preparam adequadamente, com exceções, felizmente, mas na maioria escolas mal geridas de cujas salas saem profissionais que não terão condições de preparar adequadamente seus alunos e o círculo se fecha, de forma viciosa e sem que as gestões públicas consigam resolver o problema. 

Falta dinheiro para a educação? Provavelmente, não. O que falta é gestão pública adequada, formação de bons gestores em todos os níveis, valorização dos educadores, retomada de valores metodológicos adequados às diferentes realidades, com um mínimo de bom senso e de universalização de conteúdos e, finalmente, a melhoria das próprias condições das escolas, com investimento nos espaços escolares, em bibliotecas, material escolar etc. 

Portanto, há um trabalho imenso a ser feito, no terreno da educação, para recuperar um tempo perdido, para recuperar o desleixo de muitos e muitos anos de má gestão, de descalabro e falta de políticas realmente efetivas. 

O projeto de educação familiar, ora proposto pelo atual governo, pode até ser bom, se não tiver sido elaborado de afogadilho e mal feito, como sói acontecer com projetos nascidos de promessas absurdas de campanha e quase sempre jogados à aprovação do Congresso, sem que a sociedade se manifeste, sem um debate mais aprofundado, muitas vezes eivado de erros grosseiros tanto de redação quanto de compreensão da própria realidade. 

Se devidamente regulamentada, a educação domiciliar pode propiciar o conforto de algumas famílias abastadas, de pais evidentemente preparados para a tarefa, que deverá ser de alguma forma ser acompanhada por algum ente público e fiscalizada, para evitar distorções. O que, naturalmente, deixará de fora de tal “direito” (vamos tratar como tal) a imensa maioria do povo brasileiro. 

Então, pergunta-se: que importância terá, para o sistema de ensino brasileiro, a adoção da educação familiar? A resposta parece óbvia: nenhuma. Nenhuma relevância. Não afetará o sistema, pois não vai contribuir para melhorar o ensino, nem trará qualquer benefício ao povo, apenas para uma ínfima parcela da população. E, assim mesmo, nem se pode falar exatamente em benefício, mas apenas um direito que as famílias – repito: algumas famílias abastadas e devidamente preparadas para tal – poderão lançar mão, para, por algum motivo só lá delas, não enviar para a uma escola tradicional os seus pimpolhos. 

Conclusão: mera demagogia. O mero desejo de fazer algo, desde que esse algo seja o que se faz lá, no país que se tornou modelo de tudo, para esse infeliz (des)governo que, não tendo nada a apresentar ao povo, inventa esse tipo de coisa, para dizer que está governando. 

Repito: um projeto absolutamente irrelevante.





janeiro 04, 2019

UM CAPITÃO DE BREVE CURSO







Vasco Moscoso de Aragão, personagem de Os Velhos Marinheiros, de Jorge Amado é um capitão de longo curso de araque, com diploma de comandante arranjado por seus amigos, diante de seu sonho – nunca realizado – de singrar os sete mares e mais, diante das histórias mirabolantes que ele sempre contou aos amigos, sobre suas aventuras pelos oceanos do mundo. Um dia, em Salvador, o comandante de um grande navio de cabotagem morre de repente e Vasco é convocado para substituí-lo, num comando de fachada, apenas para cumprir a lei. Era a realização do sonho do capitão. A viagem transcorre tranquila até Belém, onde o navio deverá atracar. O imediato, para cumprir uma tradição e também por troça, pergunta ao capitão com quantas amarras deverá o navio ser atracado ao porto. Com todas, responde o orgulhoso e totalmente ignorante capitão de longo curso. E assim foi feito, para gáudio e chacotas de toda a zona portuária. Desgostoso e humilhado, refugia-se em algum obscuro hotel. Mas o destino lhe prega uma peça: uma tempestade devasta o porto e somente o navio atracado com todas as amarras pelo capitão se salva sem avarias. Torna-se herói. 

Lembrei-me dessa história, para fazer um breve paralelo com o capitão que ascendeu à presidência da república do Brasil, graças à mentira de uma facada e às mentiras de notícias espalhadas pelas redes sociais, as famigeradas fake news. Assim como o de Vasco Moscoso de Aragão, seu diploma de capitão de longo curso é falso como devem ser falsos os seios de sua mulher. Sua viagem como comandante seguirá até um determinado porto, onde, em algum momento, a fragilidade de seu comando será exposta, diante dos graves problemas do país e não apenas, como no caso do personagem de Jorge Amado, uma questão de amarras de atracação. Quando isso acontecer, o navio Brasil poderá estar adernando e a tripulação, perdida pela estupidez das ordens de seu comandante, estará correndo sério risco de ir a pique, no meio de uma tempestade sem precedentes. É claro que países não são navios e, portanto, geralmente não naufragam como um Titanic, mas o desastre é absolutamente semelhante, quando o comandante de longo curso, com suas mentiras e galhofas, mostrar-se como realmente é: um capitão de breve, brevíssimo curso, sem nada para oferecer senão suas mentiras e suas ameaças, devidamente cumpridas ao longo da viagem que, diante da iminência de desastre, esperamos seja breve. 

E o nosso real capitão de breve curso não terá, como Vasco Moscoso de Aragão, o beneplácito e a simpatia do romancista, para preparar-lhe um final apoteótico, em que sua mentira afinal serviu para alguma coisa. O navio Brasil não estará atracado com todas as suas amarras, já que a incompetência de nosso capitão não permitirá que a realidade imite a ficção.