março 28, 2014

NÃO VAI TER COPA?








As pessoas apreensivas quanto ao movimento "não vai ter copa" deviam atentar para alguns aspectos do evento, antes de pensarem que poderão ocorrer fatos constrangedores durante a realização do mundial de futebol no Brasil:

1. em quase todos os países onde houve a Copa, ocorreram manifestações contrárias ao evento, sempre de grupos minoritários, sem qualquer repercussão;
2. não se pode menosprezar o poder da FIFA, em todos os sentidos, não só econômico, mas também de mobilizar o mundo (tem mais associados do que a própria ONU): conta com parceiros (grupos econômicos e empresas) que têm interesses imensos na realização da Copa, em termos de negócios e marketing;

3. FIFA + EMPRESAS + GOVERNO (e acho, até, que se poderia colocar a palavra "governo" no plural, abarcando outros Países, e não só as três esferas de governo brasileiras, municipais, estaduais e federal) vão atuar de forma maciça em termos de propaganda e marketing nos poucos meses que faltam para a Copa, e isso vai ser quase como uma "lavagem cerebral";

4. à medida que se aproxima a data do primeiro jogo, os meios de comunicação começam a dar, a cada dia que passa, mais destaque ao evento. Agora, imaginem quando as seleções começarem a ser convocadas, principalmente a brasileira; quando as seleções começarem a treinar e, portanto, a desenhar seus sistemas de jogos e definir seus times; quando as seleções realizarem seus jogos amistosos e jogos-treino; quando as seleções começarem a chegar ao Brasil; quando, enfim, os times estiverem todos aqui... - a cobertura de todos esses eventos fará com que a mídia tenha quase que um único assunto, futebol; política, economia etc. etc. etc., tudo ficará em segundo plano, tanto em cobertura, quanto na preocupação do povo;

5. pensem ainda: com a propaganda maciça da Copa, com a cobertura total da mídia, com todos os olhos voltados para o evento, a mobilização popular dará o ar de sua graça, claro, com as ruas sendo enfeitadas, com as pessoas usando as cores do País, a camiseta da seleção, consumido os milhares de produtos que já começam a tomar conta do comércio, o espaço para protesto começará a diminuir;

6. e pensem mais, no que é fundamental: a quantidade de dinheiro que começará a circular (aliás, já começou há muito, em termos macro, com a obras relacionadas à Copa) desde hotéis, restaurantes, comércio em geral até os pequenos vendedores de cachorro-quente e as pessoas que vão alugar casas, apartamentos e quartos para visitantes, afetando direta ou indiretamente a vida de dezenas de milhares, talvez milhões, de pessoas;

Juntem tudo isso e mais: o interesse que a Copa desperta em termos financeiros e, através do marketing, em termos emocionais, mobilizando "corações e mentes", levando a que se respire Copa do Mundo vinte e quatro horas por dia, diariamente - e agora respondam: acham que os pobres-diabos do movimento "não vai ter copa" terão alguma chance?

Se os gatos-pingados desse movimento resistirem até os jogos e resolverem colocar suas manguinhas de fora, protestando em frente aos estádios, será que alguém, em sã consciência, imaginará que terão oportunidade de sequer se aproximarem dos locais dos eventos, com todo o policiamento na rua, e mais, com toda a população mobilizada e ávida por ver os jogos, as torcidas dos times (que não estarão presentes nos estádios, já que a venda de ingressos pulveriza os torcedores), orgulhosas com os seus estádios (patrimônio de seu clube do coração e, por um processo óbvio de assimilação, patrimônio do próprio torcedor) estarão atentas para que não se depredem e destruam os seus estádios longamente sonhados, como o do Corinthians, em Itaquera, bairro essencialmente popular, que receberá a abertura e terá, portanto, a atenção do mundo todo?


Ora, ora, senhores e senhoras, tenham um pouco de calma, que esse movimento - que já dá claros sinais de esgotamento, com as ridículas manifestações de ontem, 27 de março - vai-se recolher ao seu tamanho original de meia dúzia de loucos ou idiotas a enfrentar o mundo, por uma causa que nem é, assim, tão apaixonante, por falta de consistência ideológica e por se revelar absolutamente inútil, diante de tudo o que dissemos acima. 



março 19, 2014

DURA LEX, SED LEX








Em política, só as ditaduras são absolutas; tudo o mais é relativo, absolutamente relativo. Nossa democracia, por exemplo: há liberdade de expressão, de manifestação, mas há também leis que regulam e, até certo ponto, relativizam tal liberdade, além do fato de que há temas sobre os quais a manifestação de posição favorável pode dar até cadeia, como racismo. Também somos livres para criticar nossa democracia, mas não pode haver liberdade absoluta de expressão para quem queira suprimi-la. Numa democracia, não se pode ser anti-democrático. Logo, em alguns aspectos, o regime democrático torna-se ditatorial, por mais que essa palavra nos cause asco. A diferença dos aspectos ditatoriais (e notem que nem usei aspas) de um regime democrático para os mesmos aspectos num regime ditatorial é que, no regime absolutista, a oposição a ele é tratada de forma absoluta, com prisão, condenação, prisão e, muitas vezes, morte, quase sempre sem julgamento, ou com julgamentos de cartas previamente marcadas. Já o regime democrático trata os opositores de forma relativa, levando-os às barras dos tribunais, sob leis o mais justas possível, com o mais amplo direito de defesa. E não se pode, e isso já é uma opinião estritamente pessoal, tergiversar com a aplicação da lei, pois, como sempre se disse, dura lex, sed lex.

Todo esse arrazoado vem a propósito do temor - justificado - de alguns setores democráticos com relação à convocação por um grupo de extremistas da direita de uma nova "marcha da família, com deus, pela democracia", de cunho claramente golpista e favorável à volta dos militares e sua ditadura. Que haja saudosistas dos tempos ditatoriais, não nos causa estranheza: muitos foram os apoiadores efetivos, com recursos e prestígio, aos militares da ditadura. Que sonhem com sua volta, para continuarem tendo os privilégios que tiveram, também é um direito deles, e um direito democrático. Já o fato de pregarem abertamente tal proposta ponho em sérias dúvidas se um regime realmente democrático deva permitir uma campanha contra os seus princípios. E conspirar, então - e conspiração parece existir nessa campanha -, merece com certeza que seus inspiradores e líderes respondam por seus atos e palavras nas barras dos tribunais, democraticamente, com direito claro à defesa, mas com um julgamento que não deixe dúvidas de que não se pode - pelo bem da democracia - ser conivente ou calar diante de ameaças ao sistema democrático que adotamos.


Querem se manifestar? Que se manifestem. Querem marchar com deus ou com o diabo? Que o façam. Porém, respondam, depois, pelos seus atos e palavras. Porque a tolerância democrática tem o limite de sua relatividade: não pode permitir-se a omissão diante de quem, de forma absoluta e absolutista, queira impor, de novo, um regime contrário aos princípios básicos e axiomáticos de um sistema democrático. Que se manifestem, portanto, os representantes da lei, com a justa dureza e isenção que exige o caso.