março 16, 2022

EXPLICANDO O QUASE INEXPLICÁVEL: BOLSONARO

 



Não sendo historiador ou pesquisador de qualquer natureza, mas um mero curioso e, mais do isso, um “poeta pensador” ou um “pensador poeta”, posso levantar hipóteses e citar de memórias possíveis fontes, sem que as comprometa ou me comprometa com a verdade ou com qualquer outro princípio que não seja o meu raciocínio, o meu pensamento.

Dito isso, vou tentar desvendar o “mistério” Bolsonaro.

Por que um indivíduo estúpido, sem cultura, preconceituoso, homofóbico, racista, misógino e, possivelmente, envolvido em crimes, conseguiu atrair milhões de eleitores e ser eleito presidente da república.

Claro que há uma explicação mais imediatista: uma intensa veiculação de notícias falsas pelas mídias sociais e a atração de um eleitorado anestesiado, no qual, durante meses, foi inoculado um ódio absurdo ao Partido dos Trabalhadores, principalmente causado pelas condenações ainda mais absurdas, de seu líder, Luís Ignácio Lula da Silva, aplicadas pelos juízes golpistas da chamada “operação lava jato”, montada especificamente para destruir o PT, financiada pelos Estados Unidos e pela direita hidrófoba brasileira.

Mas, há uma explicação mais profunda e mais complexa, que remonta a alguns conceitos da chamada corrente da “nova história”, desenvolvida desde 1929 pelos historiadores franceses da revista dos Annales, a chamada “escola dos Annales”, principalmente os conceitos da “história das mentalidades”.

Sempre acreditei que o longo período histórico que denominamos “idade média” foi a época em que o cristianismo católico tomou de assalto, de forma avassaladora, as mentes humanas, tornando-se a religião não só predominante no Ocidente, mas a única, espalhando seus tentáculos em todos os aspectos da vida humana, desde os atos mais comezinhos até a interferência nos governos de reis, príncipes e ministros de toda a Europa. Assimilou crenças pagãs antigas, imiscuiu-se nas mentes, comandou exércitos, sagrou reis, fortaleceu o papado e sua hierarquia interna; estabeleceu leis, criou ritos, impôs seus mandamentos e aterrorizou as mentes com seus credos e implantou definitivamente o monoteísmo, o cristianismo e todas as suas crenças e crendices e aprisionou definitivamente os seres humanos numa teia de regras e mandamentos, sob a ameaça de um juízo final e da danação no fogo eterno do inferno das almas que não lhe obedecessem. Sem dúvida, diria um filósofo da atualidade, tornou-se o mais poderoso meme da história da humanidade, não tendo concorrência nem mesmo nas religiões orientais.

O império da Igreja Católica Apostólica Romana, a ICAR, com seus papas e sua hierarquia militar, com suas hordas de anjos, santos e profetas, somente teve seu império abalado pelo cisma de Lutero, Calvino e seus seguidores, no século XVI. Essa reforma, entretanto, não abalou os alicerces do cristianismo. Ao contrário, serviu para fortalecê-lo ainda mais, agora sob novas diretrizes, abrindo caminho para o que hoje chamamos fundamentalismo. As igrejas protestantes divergiram de Roma no tocante a poucos aspectos da doutrina, principalmente os aspectos mercantilistas, continuando, entretanto, a perseverar nos elementos fundamentais do cristianismo. Um cristianismo até mais profundamente deísta, de ligação direta de seus seguidores com um deus ainda furibundo e vingativo, mas agora mais próximo dos crentes e mais disposto a ouvi-los. Os milagres não precisavam mais de intermediários, os santos, mas podiam ser pedidos diretamente a esse deus.

É preciso notar que essa “pureza doutrinária” marcou durante quatro séculos as igrejas dissidentes de Roma e abriu caminho para a aceitação de princípios renegados pela ICAR, como a usura, o capitalismo, a crença na luta por uma vida melhor aqui na terra, mas uma vida de ascetismo espiritual, algo meio paradoxal, já que os seus seguidores são obrigados a sacrifícios e à quase pobreza, no limite da dignidade provida por deus, em prol de uma pequena mas aguerrida “elite” formada por pastores, aqueles que têm a responsabilidade de levar “a palavra do senhor”. Somente no final do século XX, esses “pastores” perderam totalmente a vergonha e passaram a usar de seu poder de convencimento para amealhar fortunas à custa da escravização mental de seus seguidores. Voltaremos a esse assunto mais adiante.

Quando dissemos que o cristianismo se tornou o mais poderoso meme do planeta, ressaltamos sua origem na idade média, para afirmar, com convicção, que esse período da história, com suas crenças e crendices, não terminou: todo o desenvolvimento social, tecnológico e político que ocorreu a partir do século XVI até nossos dias não apagou da mente dos humanos nem o deísmo arraigado nem as crenças, ritos e rituais dele decorrente. Somos medievais modernos. Somos medievais tecnológicos. Mas somos ainda seres humanos da idade média.

A maioria avassaladora da humanidade acredita em deus, esse ser criador absurdamente onipotente e onipresente. Muitos dos que hoje duvidam dessa crença, dizem-se “agnósticos”, que é o mesmo que dizer: não acredito nem deixo de acreditar. Nós, os ateus convictos, aqueles que afirmamos sem pestanejar que deus não existe, somos poucos, muito poucos. E mesmo nós, os ateus convictos, se nos distraímos, somos surpreendidos por nós mesmos, diante de algum acontecimento extraordinário, dizendo ou pensando algo como “graças a deus, ninguém morreu”, ou algo semelhante. É a força do meme. E esse é um mínimo exemplo da força do deísmo medieval e de suas crenças e ritos em nossa vida: poderíamos encher páginas e páginas de aspectos de nossa vida, de nossa visão de mundo, de nossa maneira de encarar a realidade, de nosso dia a dia com exemplos de atos, atitudes, pensamentos e ideologias tipicamente medievais, ou nascidas, desenvolvidas e praticadas na idade média.

Quando, no século XVI, o jovem rei de Portugal, Dom Sebastião I, numa excursão militar à África, desapareceu na batalha de Alcácer Quibir, em 1578, surgiu, na terra lusitana mergulhada na crise que a levou ao domínio espanhol, a crença de que o rei não morrera e que ele voltaria à pátria numa manhã de nevoeiro, para salvar Portugal e torná-lo de novo a nação poderosa das grandes navegações. Surgia o mito do “sebastianismo”, a crença num ser que seria a salvação de um povo, de uma nação; um ser que não subiu aos céus, como Cristo, mas nascido e desenvolvido entre os humanos, portanto mais palpável do que o profeta. E esse “sebastianismo”, essa crença salvacionista, que tem no rei de Portugal o seu epígono, espalhou-se como erva daninha entre os cristãos, nascendo e renascendo em vários lugares, até mesmo no Nordeste brasileiro, entre os seguidores do Padre Cícero ou entre cangaceiros e místicos que proliferaram naquela região castigada pela seca, até a primeira metade do século XX, na crença de que “o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão”, ou seja, os sertanejos esperam o milagre de um ser salvador que os tire da seca, da miséria, da fome.

O historiador francês Marc Bloch chama de “reis taumaturgos” os imperadores do século XVI e XVII que tinham “o poder de curar as escrófulas de quem eles tocassem”, uma crendice que se espalhou por toda a Europa. Dizia Bloch que “mais do que um milagre, as pessoas precisavam acreditar que um milagre tinha de acontecer”, ou seja, a crendice ultrapassava a própria crença no milagre, o que fazia que os doentes insistissem em ser tocados, mesmo sabendo que não seriam curados. Um processo mental e psicológico de total entrega a uma esperança que perpassa, desde os primórdios do cristianismo, a mente dos seguidores da doutrina codificada por Paulo de Tarso, como outro poderoso meme salvacionista. E isso chegou a nossos dias: o santuário de Fátima, em Portugal, a fé em nossa senhora Aparecida, no Brasil, o aparecimento pontual e seguido de taumaturgos e profetas milagreiros em vários lugares do mundo e, claro, também do Brasil atestam a permanência desse meme, dessa necessidade dos humanos de acreditar num milagre, num salvador, numa água milagrosa, numa palavra de um “santo”, num “passe espiritual”, enfim, em alguém ou algo que os livre de uma doença, que os tire da vida miserável ou que os abençoe para uma pretensa caminhada rumo ao céu. O “salvacionismo sebastianista” está em plena vigência até hoje, mais fortalecido ainda pelas igrejas pentecostais cujos pastores erguem templos modestos ou faraônicos com o dízimo de seus seguidores, na pregação mais descarada de que deus proverá todas as suas necessidades na medida de sua contribuição para com os cofres da igreja, para o bolso do pastor.

Esses pastores desenvolveram técnicas de comunicação de massa para iludir, com seus discursos e falsos milagres, o populacho sedento de uma palavra salvadora, de um milagre. Com isso, amealham fortunas, compram canais de televisão e conseguem atingir milhões e milhões de seguidores, apresentando, na maior desfaçatez, sua riqueza e seu poder como exemplo do poder da crença na “palavra”. Deus vira mercadoria de troca: se você lhe der parte de seu salário ou seu salário todo, ele vai recompensá-lo com fortunas incalculáveis. E o povo acredita muito mais na necessidade de que um milagre precisa acontecer, do que, às vezes, no próprio milagre. Fundamentalistas em termos doutrinários (pelo menos, para uso diante dos fiéis) e poderosos economicamente, tornaram-se sedentos do poder político. Mas, não podem eles mesmos, os líderes máximos, se lançarem à sanha de uma campanha política, que exponha, no calor das discussões e debates, suas fraquezas e suas fortunas reais. Pelo mecanismo de não pagarem impostos, as igrejas que eles comandam possibilita que escondam em paraísos fiscais ou em nome de “laranjas” os ganhos reais das coletas em nome de deus. Então, precisam “terceirizar” a conquista do poder político, através de bancadas de deputados e senadores e até mesmo juízes do Supremo “terrivelmente evangélicos”, isto é, fiéis a suas demandas.

Então, chegamos ao ponto crucial de nosso raciocínio: misture o meme cristão do salvacionismo sebastianista com a crença em taumaturgos milagreiros; acrescente a fúria pregacionista e reacionária dos pastores evangélicos a brandir suas bíblias e suas diatribes contra o perigo do diabo e do comunismo, sedentos não só dinheiro mas também de poder político que lhes traga segurança e ainda mais dinheiro; junte a isso o surgimento de um político medíocre, inescrupuloso, mas “profundamente evangélico” (pelo menos, na aparência) e teremos, no cadinho político de desânimo e de perseguição das forças progressistas alojadas no PT, pela chamada operação lava jato, que abriu fogo cerrado contra uma pretensa escandalosa onda, um tsunami, de corrupção, teremos no meio disso tudo o “taumaturgo”, o “incorruptível”, o “dom sebastião” devidamente forjado em mentiras e tornado “mito” – Jair Messias Bolsonaro.

Claro que o anticomunismo exacerbado do “estado novo” getulista, ainda hoje arraigado no povo brasileiro, desde a década de 30 e 40, teve seu quinhão na pregação dos pastores e no espectro de cores nazi-fascistas assumidas pelo político, coisa de que, possivelmente, nem o próprio candidato tem noção muito clara, já que sua capacidade mental é limitada. Também contribuíram, como já ressaltei, a “onda de fake news” desencadeada nas redes sociais pelos seguidores de Bolsonaro. Com um ingrediente de altíssima voltagem midiática: a facada que ele levou em plena campanha, o que o impossibilitou de participar de debates com os demais candidatos, blindando, assim, a falta de argumentação e a estupidez de suas ideias absurdas, do eleitor que não queria o PT de volta, o que gerou um fenômeno no segundo turno das eleições: um candidato que se elege com uma quantidade inferior ao de votos brancos, nulos e dados a seu oponente. A tal da facada pode ter sido falsa, como eu e muitas pessoas acreditamos, mas o seu poder midiático e de blindagem do candidato foi bem real.

Bolsonaro, do alto de sua estupidez, está destruindo todas as conquistas sociais, políticas, econômicas que as forças progressistas haviam logrado obter. E não se pode dizer que ele escamoteou dos eleitores suas intenções, já que seus seguidores – aqueles 20 a 25% do eleitorado que ainda o apoiam – estavam conscientes do que desejavam: acabar com tudo que tivesse um leve perfume de “esquerdismo”, de comunismo, mesmo que fossem territórios indígenas, direitos das mulheres, gays, transexuais etc., mesmo que se relacionassem à defesa do meio ambiente, à política externa, à economia e mais uma série imensa de etcéteras. E pior: mesmo que tivesse “cara” de fascismo, “jeito” de fascismo, “cheiro” de fascismo, eles apoiariam jurando que não é fascismo. No entanto, abriram as portas para todos os extremismos de direita, que jaziam em suas tocas, e agora, vitaminados pela tecnologia das redes sociais, ousam colocar suas garras de fora, aproveitando-se da ingenuidade ou, mais provavelmente, da necessidade de não descartar apoios da “comunidade anticomunista” dos bolsonaristas, num balaio de gatos pardos, dos quais, no entanto, cada grupo sabe muito bem a cor real de cada um, mas finge não saber.

Os “pastores” que levaram seus “rebanhos” – melhor, talvez, se disséssemos “seu gado” – para formar as hordas bolsonaristas souberam muito bem explorar o vácuo deixado há mais de 50 anos pela ICAR. A igreja e seus papas, depois de Pio XII, principalmente a partir de João XXIII, modernizou seu discurso tradicional, abrandou seus ritos conservadores, deixou que muitos de seus bispos e padres desenvolvessem um discurso socializante e de defesa dos mais desprotegidos, e tem abandonado pouco a pouco algumas de suas práticas medievais. Isso assustou e afastou seguidores mais tradicionalistas, os mais “medievais”, em cuja mentalidade não cabiam essas “modernidades”. Órfãos, acabaram nos braços fundamentalistas, ou falsamente fundamentalistas, da pregação “evangélica” que, se não tinha o conservadorismo dos ritos, tinha o “ouro dos tolos” da ligação direta do cristão com seu deus, embora passando essa mediação direta pela bolsa escancarada e faminta dos pastores. A esse discurso salvacionista e fundamentalista, acrescente o conservadorismo, o medo do “inferno comunista”, a promessa tácita e indiscutível de que deus está, não exatamente no céu, mas ao lado de cada um deles, conduzindo suas vidas e prometendo melhores condições sociais, desde que acolham a “palavra”, nada mais do que a “palavra”, com as mãos erguidas para doar a deus o seu rico dinheirinho em troca de emprego, de casa, de carro, de mais dinheiro, temos uma multidão que chamamos de “gado”, porque segue de olhos fechados o chefe da manada e faz o que eles, os pastores, querem, inclusive votar no Bolsonaro e apoiar seu governo. Ou seja, o governo de Bolsonaro, o “taumaturgo” estúpido e destruidor, significa o povo de deus no poder. E mesmo que eles não acreditem nos milagres do taumaturgo, precisam, no entanto, devidamente guiados por seus pastores, acreditar que um milagre precisa acontecer.

Creio ter retratado de alguma forma – e o mais realisticamente possível – essa figura quase enigmática e quase inexplicável que é o atual presidente da república do Brasil. Não é o único no mundo atual. Passamos por um momento de crise de lideranças e em muitos países outros seres fora da curva têm obtido sucesso eleitoral e estão conduzindo seus países e seus povos para destinos que só podemos considerar como trágicos. As forças progressistas têm procurado reagir, o que nos dá alguma esperança.

No entanto, creio não ser necessário, para concluir, alertar o quanto de perigo há no bolsonarismo e na continuidade de seu desgoverno. E no quanto as forças progressistas terão que investir em termos de persuasão e de luta para que esse indivíduo seja vencido nas próximas eleições, para que a destruição do país chegue a um ponto de total irreversibilidade.

“There is still time, brothers”!!!

março 09, 2022

OS ABSURDOS DE UMA GUERRA ABSURDA

 

(Al Margen)



Acusam o presidente da Ucrânia de fascista. Não creio que ele seja exatamente um fascista, mas faz o jogo dos fascistas, manipulado, como um títere (sem ironia) por forças muito poderosas, ligadas a interesses estadunidenses.

Essa é uma guerra suja, em que só há bandidos:

1. Putin, que não quer mais mísseis apontados para a Rússia, pela OTAN (essa milícia que vende proteção à Europa, por obra e graça dos EE.UU.);

2. Biden e os presidentes europeus, que nada fizeram para impedir a guerra (uma "diplomacia" de mentirinha, só para "inglês ver")

3. e, finalmente, o idiota que preside a Ucrãnia (sabe que não tem chance de vencer um exército dez vezes mais poderoso do que o dele e ainda assim pede aos ucranianos que resistam com coquetéis molotov - isso, sim, um crime a mais nessa guerra criminosa).

Em vez de mandar o povo para o inútil sacrifício, que buscasse armistício com a Rússia, concordasse com seus termos, evitasse a destruição do seu país e a consequente matança e fuga de seus cidadãos. A história nos tempos atuais é líquida: como saber o que vai acontecer daqui a dois, três anos? A situação mundial pode mudar. A situação interna na Rússia pode mudar. Salvar a Ucrânia, salvar vidas, mesmo à custa de uma aparente humilhação, deveria ser o fim e o escopo de um governo que se diga realmente preocupado com seu povo e não preocupado em posar de super-herói para agradar uma plateia - a Europa e os Estados Unidos - que só esperam uma brecha para assaltar seu país e tornar seu povo "escravo feliz" do mercado predador.

Nessa guerra de equívocos, Zelenski erra e mente. Também mentem os líderes europeus e o presidente dos Estados Unidos. E Putin, do alto de sua arrogância e insensibilidade, mente tanto quanto todos os outros.

A desinformação, principalmente a desinformação histórica; a arrogância de todos em achar que cada um tem razão, quando ninguém a tem; a falta de visão humanitária, que joga no fogo do sacrifício toda uma nação, todo um povo; uma diplomacia cega, surda e que apenas grita desaforos e ameaças contra os “inimigos”, quando sabemos que, para a verdadeira diplomacia, não existem inimigos, mas adversários, com quem se busca o entendimento e não a discórdia; a falta de apetite de todas demais nações do mundo em tentar mediar para valer um conflito que evitasse derramamento de sangue; tudo isso me faz pensar que não há mais líderes confiáveis no mundo, que não há mais na cabeça de nossos políticos algo que é simples e necessário: bom senso.

E o bom senso falta principalmente quando os países da Europa se curvam à chantagem dos Estados Unidos, ao manter esse obsoleto, absurdo, desnecessário e totalmente escandaloso tratado chamado de OTAN / NATO, que não passa de um bando de milicianos com tropas acantonadas em pontos estratégicos, vendendo à Europa uma pseudoproteção contra um inimigo que não existe mais: a União Soviética comunista que, não se sabe bem por quê, foi marcada como destinada a ser o inimigo eterno do “capitalismo”, numa guerra ideológica que só não levou o mundo à terceira guerra porque as forças atômicas de ataque e defesa se mantiveram num equilíbrio de destruição mútua.

Pergunto-me: por que o capitalismo teme as ideias socialistas e comunistas, a ponto de se armar até os dentes para uma guerra que não terá vencedores? E eu respondo: não é exatamente o “capitalismo”, essa entidade abstrata e predadora, que teme o “comunismo”: são os interesses de imensas companhias e oligopólios que não desejam perder o domínio do “mercado” ou dos “mercados”, ou seja, da exploração de bilhões de seres humanos que lhes proporcionam lucros tão estratosféricos, que lhes permitem dominar mentes e corações não só de consumidores emburrecidos pelo consumismo, mas também a mente e os corações de governantes regiamente pagos para defender seus interesses, ou inocentemente a serviço de políticas expansionistas imperialistas dos Estados Unidos da América, esse, sim, o país inimigo de todos os demais, na sua sanha de manter sob controle todos os governos da terra. E, quando não obtêm esse controle de forma pacífica ou convencional, lança mão de todos os artifícios para obter seus intentos, desde as revoluções internas de desestabilização dos governos (as chamadas “revoluções coloridas” incentivadas pelas mídias devidamente azeitadas com milhões de dólares e financiadas por organizações não governamentais a soldo de seus intentos), até a invasão e destruição do país, como já o fizeram diversas vezes (desde 1890 até os dias de hoje, sendo o Iraque a mais recente “obra” de destruição total).

A Ucrânia era a “bola da vez” da sanha estadunidense, com um presidente fraco e devidamente azeitado pela máquina propagandística do capitalismo selvagem, pronto para deitar suas garras em mais um povo e torná-lo “escravo feliz” do consumismo. O passo decisivo seria fazer desse país mais um membro do “privilegiadíssimo” clube da OTAN/NATO, o guarda-chuva protetor de todos os interesses do mercado consumidor na Europa, para onde seriam enviados mais alguns mísseis e tropas de “proteção” contra a “inimiga” Rússia, que deveria se calar ao “determinismo” e à “vontade” do povo ucraniano, devidamente manipulado pela propaganda sutilmente (e, às vezes, escancaradamente) veiculada pela mídia mais uma vez azeitada pelos dólares de um oligarca (ironicamente) russo, a soldo dos interesses estadunidenses. Zelensky, o agora proclamado “super-herói”, é só um “detalhe” emblemático dessa máquina de fazer malucos, para tornar todos os malucos da terra simples robôs consumistas das grandes empresas que detêm quase todo o poder econômico do mundo capitalista.

E por que a Rússia concordaria com mais esse passo engendrado pela criatividade do mundo capitalista? Porque, simplesmente, pensaram os estrategistas, a Rússia também é capitalista e seus interesses econômicos estão devidamente entranhados com os interesses capitalistas do mundo ocidental. No entanto, falharam ao bater de frente com Putin, que não “engoliu” a possibilidade real de que mais um país desentranhado da antiga União Soviética passasse de mão beijada para o “outro lado”, ou seja, se associasse à OTAN/NATO, com a possibilidade de ter bem “sob suas barbas” mais uma bateria de mísseis apontados para seu país, tratado ao mesmo tempo, paradoxalmente, como amigo e inimigo.

Em nenhum momento, os países Europeus cogitaram colocar na mesa de negociações com a Rússia, para evitar a guerra, a dissolução desse tratado absurdo, obsoleto, desnecessário e totalmente escandaloso chamado de OTAN / NATO, que devia ter sido extinto logo que a União Soviética se desmanchou e a Rússia se tornou tão capitalista quanto todos os demais países capitalistas. A Europa continua, portanto, de joelhos, sendo chantageada pelos Estados Unidos, com seus milicianos armados de mísseis e sua propaganda massiva de que existe um “inimigo” a ser combatido, a Rússia.

Conclusão: Putin invade a Ucrânia e desencadeia uma guerra tão absurda, desnecessária e escandalosa quanto a própria OTAN/NATO, que não pode fazer nada, porque esse país ainda não está ligado ao compromisso de “todos por um e um por todos” (na verdade, é todos pelos Estados Unidos). Uma guerra em que, se a primeira vítima é a verdade, como dizem os historiadores, a maior vítima é o povo ucraniano, levado ao matadouro por falsas promessas de uma resistência impossível, com meros coquetéis molotov, diante dos tanques de um dos mais poderosos exércitos da terra.

Pobre povo ucraniano, pobre povo de todos os demais países iludidos pela sanha muito mais destruidora e expansionista dos Estados Unidos, do que dizem que sonha o frio, calculista e insensível Putin, atrás de seus exércitos invasores!


março 01, 2022

NÃO CHOREMOS PELA UCRÂNIA, CHOREMOS PELOS UCRANIANOS





Se você está imbuído do fervor patriótico do povo ucraniano e pelas palavras de incentivo de quase todo o mundo a esse fervor patriótico, por favor, não leia este artigo. Você não vai encontrar, aqui, nenhum louvor a qualquer tipo de patriotismo, a primeira trincheira dos estúpidos e dos adoradores do genocídio.

Então, vamos lá.

Primeiro, quando Putin ameaçou a Ucrânia, nenhum país, nenhum governo, absolutamente ninguém ouviu suas razões. A reação foi sempre de contra ameaça. Se fizer isso, faremos aquilo. Se continuar assim, vai se arrepender. E por aí a fora. Talvez Putin tivesse razão. Talvez Putin não tivesse. Isso não importa. Importava ouvir, conversar, dialogar, buscar soluções, extrapolar a ideia de que se evita uma guerra fazendo guerra, que é a segunda trincheira dos estúpidos, principalmente dos adoradores do genocídio.

Ao contrário de qualquer lógica, os governos e a mídia jogavam, a cada palavra, a cada pronunciamento, mais lenha na fogueira, mais gasolina no incêndio. Talvez um único governo, o da França, tenha tentado ouvir, mas foi a voz solitária. Acho até que todos os demais governos, instigados pelos Estados Unidos, sob o manto da famigerada e belicosa OTAN / NATO, escarneceram de suas tentativas. Se Putin também escarneceu do presidente francês, foi porque percebeu que era realmente a voz que pregava no deserto, para usar a batida metáfora bíblica. Estavam todos imbuídos de seus pressupostos, agarrados à arrogância da ameaça, do falar e gritar mais alto, de que somos os mais fortes, e essa é a terceira trincheira dos estúpidos e dos adoradores do genocídio.

Iniciada a invasão, o que fazem a mídia, os governos europeus e estadunidense e o próprio governo da Ucrânia? Apoiam a resistência entusiasticamente. A mídia, com a repercussão e a cobertura espetaculosa da guerra, como vampiros sedentos de sangue. Os governos europeus e estadunidense com sanções e ameaças contra a Rússia. E mais: com o envio de armas de defesa para a Ucrânia. E mais, ainda: com o incentivo absolutamente insensato do governo ucraniano de que cidadãos comuns, sem preparo militar, resistissem com armas caseiras (e mesmo se fosse com armas sofisticadas, quem saberia usá-las corretamente?) e com coquetéis molotovs a um dos mais poderosos exércitos do mundo. E todos, absolutamente todos, de pessoas comuns a governantes poderosos, de estudantes a pensadores e historiadores famosos, todos a incensar, a encorajar, a enaltecer a resistência do povo ucraniano e a levá-lo ao paroxismo do amor à terra, à pátria. E aqui voltamos à primeira trincheira dos estúpidos adoradores do genocídio que é, como você deve se lembrar, meu caro leitor, o patriotismo.

Porque é de genocídio que estamos falando. Genocídio de um povo, o ucraniano, por um exército poderoso, cujas razões ou não razões para fazer o que está fazendo extrapolam todo e qualquer possibilidade de lógica, porque desencadeada a violência, não há como detê-la, não há como saber como vai terminar, ou melhor, sabemos sim: em hecatombe, em mais uma das inumeráveis carnificinas que os seres humanos cometem contra seres humanos ao longo dessa nossa triste história de guerras, de arrogância estúpida em acreditar que o militarismo possa ser solução de algum problema humano. E essa crença no militarismo, no poder das armas, na entrega de nossas vidas a seres treinados para matar, é talvez a última trincheira da estupidez humana.

Encerrarei minhas diatribes com a seguinte provocação (e que cada um a receba do jeito que quiser):

Se eu fosse o presidente da Ucrânia, não moveria um dedo sequer contra o exército russo, não deixaria que nem cidadãos nem os soldados disparassem um só tiro. Aguardaria os tanques em meu gabinete. E assim que meu país estivesse ocupado, procuraria o Putin e lhe diria: “Senhor Putin, agora que senhor já conseguiu o que queria, vamos conversar. O que o senhor quer para não matar nossos cidadãos e nos deixar em paz?”

Covarde! Poderiam gritar todos os estúpidos adoradores do genocídio. Mas, pelo menos eu teria poupado a vida de meu povo. Porque nenhuma vida vale mais do que qualquer bem material, vale mais do que um pedaço de chão, vale mais do que um país!