maio 19, 2017

MORO, LAVA JATO E O PÓS-TEMER







Só não vê quem não quer: Moro é juiz completamente alucinado por uma ideia fixa, a de condenar Lula. Suas sentenças não têm pé nem cabeça, ou existe alguma lógica (porque juridicamente nem é possível determinar) que um juiz condene alguém (o doleiro Youssef) a mais de CEM ANOS DE PRISÃO e, algum tempo depois, transforme essa pena em TRÊS ANOS DE DETENÇÃO DOMICILIAR? Ele faz do ato de julgar, portanto, atos completamente discricionários, de acordo com suas CONVICÇÕES e não de acordo a lei. Além disso, é chantagista: prende pretensos acusados e pretensos criminosos e só os solta depois de meses e meses em que, através dessa prisão, "convence-os" a fazer delação premiada. Ou seja, ou fala ou mofa na cadeia. Não é, portanto, uma pessoa confiável, nesse aspecto. Além disso, tem em sua biografia antecedentes de apoio e filiação paterna ao PSDB, com cujos líderes sempre conviveu. Não é, portanto, um juiz isento. Seu curso nos E. U. A. deu-lhe não só instrumentos jurídicos de rastreamento do dinheiro desviado (a que se deve, em parte, o sucesso da operação que ele comanda), como sedimentou seu lado "de direita" moralista e justiceiro, que esconde um imenso anseio por se tornar celebridade. Se aqui houvesse uma justiça séria, já teria sido afastado há muito tempo do comando de uma operação tão importante para o País, mas que está-se desviando de seus rumos, pela ideia fixa do Moro. Tanto há desconfiança com relação a esse juiz, que as últimas delações, que envolvem agora o governo do golpista Temer e o prócer máximo do PSDB, Aécio Neves, foram realizadas diretamente para a Procuradoria Geral da República, embora ainda no âmbito da Lava Jato.


Quanto à saída para o atual imbróglio, provocado pela suspeição de toda a cúpula de um governo que nunca teve legitimidade, talvez a mais sensata pudesse ser um acordo que levasse à Presidência da República a presidenta do Supremo Tribunal Federal, com o compromisso de levar o País a uma estabilidade política e jurídica até as eleições diretas de 2018.


Esse governo teria tempo suficiente para estabilizar a economia, fazer uma minirreforma política, acalmar os ânimos, para que o processo de radicalização atual não se aprofunde e para que os ódios se transformem em bom senso. Se os atuais jogadores do tabuleiro político sobreviverem, poderão ser eles os protagonistas das eleições de 2018, e estou falando aqui, especificamente, de pessoas como Lula – que tenha um julgamento justo, sem as artimanhas de um juizeco cheio de pinimbas e não confiável – e outros que possam surgir ou já estão por aí, tentando sobreviver.


Se esta não for a saída, a segunda possibilidade é realmente aprovar uma PEC que permita eleições diretas e gerais (para presidente, Câmara e Senado) em quatro ou seis meses, posse imediata de um novo governo escolhido pelo povo, com um mandato de quatro anos (com a possibilidade de reeleição) ou de seis anos (sem reeleição, nem para o legislativo). Na atual conjuntura, o risco é o surgimento de algum aproveitador – que os há muitos por aí, só aguardando uma oportunidade – auto intitulado salvador da pátria, que jogue o País num caminho de extremismos e radicalismos ainda piores do que os que vivemos atualmente.


O que não se pode admitir é deixar o País à deriva, nas mãos dessa camarilha golpista, incompetente e corrupta.


maio 15, 2017

ARACY DE ALMEIDA









Quase fui às lágrimas ao assistir, na televisão, a um documentário sobre Aracy de Almeida. A nossa grande dama do samba. Passaram-me tantas coisas na cabeça. Quase não tenho, aqui, nestas poucas linhas, a capacidade de dizer tudo o que penso a respeito de uma mulher e cantora que teve seus dias de glória – pouca, pelo talento que era – nos anos trinta e cinquenta do século passado, um século tão distante deste mundo cheio de novidades e tecnologias.


Por que lembrar Aracy de Almeida? Por que escrever sobre Aracy de Almeida?


Nem eu mesmo sei por quê. Apenas quero dizer que ela foi uma das vozes mais fantásticas do samba brasileiro. Samba? Será que ainda há gente que goste de samba? Ou aquele tempo em que se dizia que “quem não gosta de samba / bom sujeito não é / é ruim da cabeça / ou doente do pé” já morreu, já era, é coisa de “gente antiga”, de gente como Chico Buarque de Holanda?


Pobre país o meu, o seu, o nosso! Esquecido! Nem se lembra mais de quanto houve de beleza no batuque de um samba autêntico. De um samba bem sincopado na voz negra de negros que subiam e desciam morros de favela na cadência de uma batida de um surdo, na malemolência de uma mulata. Mulata? Cadê o Sargenteli? Cadê a Elza Soares? Cadê o Martinho da Vila? E, acima de tudo, cadê Noel Rosa?


E voltamos para a Aracy. Aracy e Noel. Um não existia sem a outra. Aracy, a que deu alma àquilo que Noel escreveu nos anos trinta. Ou antes. Aracy, a voz anasalada que canta como se cantar não fosse nada mais que uma coisa que sai assim da garganta, como o canto do sabiá e do pintassilgo. 


Os argentinos dizem que Gardel canta cada dia mejor. Os estadunidenses reconhecem em Lady Day a voz do jazz. Os franceses entronizam Piaf. O mundo reconhece Callas. As vozes do século XX passam por Sinatra, Schippa, Elvis, sei lá, tantos, nomes que ecoam, que fizeram do canto a razão de viver e morrer. 



E nós? Tivemos Orlando Silva, Francisco Alves e Sílvio Caldas. Para fazer frente a Gardel. Para fazer frente a Sinatra. E tivemos Maysa e Elizete. E tivemos Aracy. Aracy de Almeida, aquela que foi palhaça do idiota do Sílvio Santos, por um punhado de dinheiro que lhe permitisse viver os seus últimos anos com um pouco da dignidade financeira que deixava nos programas de que participava.


Sempre odiei Sílvio Santos. E odiei-o mais ainda, quando o vi transformar numa ridícula palhaça de auditório uma das mais importantes vozes do samba desse país de coxinhas que não tem memória, que não sabe reconhecer os talentos que teve e tem, que não admira quem vê no espelho que lhe mostra um país de vira-latas. 


Não, não sou “nacionalista”. Sou até um tanto, um tanto não, mas muito, muito internacionalista. Não gosto de fronteiras. Mas defendo a cultura de um povo. E sei que a cultura de uma etnia, de uma “nação”, não está nos limites geográficos traçados no mapa, mas na construção lenta e gradual de suas tradições.



Aracy de Almeida, a Araca para os amigos, meus caros e poucos leitores destas linhas, foi a Billie Holliday do samba, se soubéssemos reconhecer uma voz diferente, uma voz extraordinária; se soubéssemos reconhecer que Noel Rosa e o samba, que o Pixinguinha, que Lamartine... que tantos e tantos que escreveram versos e compuseram músicas para a batida do samba são os nossos maiores patrimônios culturais e que eles – os nossos sambistas – são um traço dos mais importantes de nossa cultura e de nossa identidade, como povo, como nação, como gente.



maio 11, 2017

LULA, FASCISMOS, XENOFOBIA E CRISE HUMANITÁRIA






Comecemos pelo ex-presidente Lula. Ouço e leio por aí que Lula fez um grande governo “apenas” no aspecto econômico e social. Criou um modelo de desenvolvimento que tirou da miséria mais de 30 milhões de brasileiros, mas não fez as reformas que o Estado precisava, nas áreas da política, da administração e até mesmo da economia. Foi, nesse aspecto, um conservador. Concordo em parte. Realmente o governo Lula e, depois, o primeiro governo Dilma, não conseguiram tirar o Brasil de certos atrasos institucionais, com reformas políticas e outras que destravassem os mecanismos do desenvolvimento de uma vez por todas. Isso, porém, não pode ser debitado à vontade dos ex-presidentes: Lula, em seus dois mandatos, teve sempre um Congresso conservador, golpista e manipulado por interesses muito diferentes de qualquer reforma que se pudesse propor. Nenhuma proposta reformista foi aprovada ou sequer apreciada pelos “ilustres” deputados e senadores. E não foram poucas as tentativas. Nem reforma política, nem reforma fiscal, nem qualquer lei que modificasse estatutos rígidos do conservadorismo que marcou o Congresso. E isso se repetiu com Dilma Rousseff e, no começo do seu segundo mandato, se agravou de tal forma a ojeriza do conservadorismo a qualquer possibilidade de reforma, que – sabemos bem – acabou por prevalecer o golpismo que de implícito se tornou explícito. Portanto, dizer que Lula e Dilma não reformaram o Estado e não o prepararam para o salto necessário para o desenvolvimento é só meia verdade. Não o fizeram porque não puderam.



O eleitorado brasileiro elegeu Lula, mas não elegeu o Partido dos Trabalhadores. O PT sempre assustou a burguesia e teve contra si, desde a sua fundação, uma notável má vontade e, posteriormente, uma explícita campanha das forças conservadoras, através da mídia. Os principais órgãos da mídia brasileira estão nas mãos de poucos e esses poucos são os mais legítimos representantes da oligarquia e do conservadorismo de que se tem notícia por essas plagas. Não conseguiu essa mídia destruir a imagem de Lula, tentativa quase levada a cabo durante a campanha presidencial em que Collor de Mello só saiu vencedor, porque ocorreu uma das mais escandalosas manipulações da Rede Globo de televisão, ao editar o último debate entre os dois contendores. O azar da direita, nessas eleições, foi que o governo Collor naufragou em escândalos e em medidas que não agradaram nem ao povo que o elegeu enganado, nem a seus eleitores maiores, a oligarquia conservadora. Pôde, então, o ex-presidente Lula ressurgir mais tarde, com uma imagem agora trabalhada para ser devidamente deglutida pelo eleitorado mais conservador e, até certo ponto, aceita pela oligarquia. Ganhou a presidência, mas não ganhou maioria no Congresso, o que o levou a fazer alianças, muitas vezes criticadas, com o único partido que lhe podia garantir alguma governabilidade, o PMDB, que, na verdade, nunca foi um partido político strictu sensu, mas uma frente agregadora do que de pior há na nossa política, o adesismo, o governismo a qualquer custo e, além disso, a sua ala mais podre, a dos corruptos. Essa a razão, portanto, de não poder aprovar no Congresso nada que pudesse vir a tornar-se empecilho para a oligarquia retomar, mais tarde, o poder, o que ela soube fazer através de um golpe muito bem articulado contra a presidenta Dilma Rousseff.



No momento atual, temos um arremedo de democracia, com um governo de falsas expectativas liderado por um fantoche da burguesia e das classes oligárquicas, a FIESP e seus agregados de todos os estados à frente. Michel Temer faz aquilo que está sendo articulado nos luxuosos escritórios da Avenida Paulista, no prédio simbolicamente piramidal da FIESP. Suas propostas “salvacionistas” têm apenas o objetivo de pagar a conta do golpe, através de reformas que prejudiquem os trabalhadores brasileiros e, consequentemente, fortaleçam a posição das oligarquias, que querem retomar as rédeas do poder e tirar o atraso dos tempos dos governos petistas, quando a única opção para manter-se foi através da corrupção de altos funcionários públicos, algo obtido, no entanto, principalmente por um grupo de empreiteiras, o que não redundou exatamente em benefício das indústrias e do agronegócio, os que mandam hoje no País e efetivamente o governam.



Para se sustentar, esse arremedo de governo conta com uma campanha – que se iniciou na preparação do golpe – muito bem articulada de setores produtivos com a mídia – sempre ela! – que impõe padrões de pensamento e de convencimento que eu chamo de métodos fascistas. 



É preciso ficar bem claro o que eu chamo de fascismo nesse momento delicado em que vivemos. O fascismo não é um partido político, nem mesmo um movimento ou uma ideologia bem estruturada e estabelecida em compêndios e teses. Fascismo, como eu o percebo, é um estado de espírito de uma oligarquia que vê o povo como escravo de um pensamento único que o mantém sob o jugo dessa classe, devidamente doutrinado por igrejas, associações, mídia, partidos políticos, escolas, academias, livros e tudo o mais que se possa utilizar para levar essa doutrinação às pessoas, de tal modo que as levem a aceitar a escravidão como uma benesse e a obediência ao estado – não necessariamente totalitário, mas totalitarista – como única forma de obter uma vida melhor.



Neste momento, o que vemos é a exata afirmação dessas ideias fascistas: a reforma da previdência, por exemplo, é servida ao povo como uma benesse, como uma salvação das futuras aposentadorias, quando, na verdade, é só uma forma de obrigar o povo a trabalhar mais, por mais tempo, sem a devida contrapartida de contribuição dos empregadores e do Estado, que formam a base da previdência no Brasil. E assim são e serão com todas as demais reformas, projetos e programas que vierem a ser implantados por esses fascistas disfarçados em salvadores da pátria. Criam-se novas lideranças – com ideias mais velhas que a origem das oligarquias – como o atual prefeito de São Paulo, um dos mais evidentes defensores desse fascismo disfarçado: sua cultura não ultrapassa a leitura de meia dúzia de livros de autoajuda, mas a biografia elaborada por seus marqueteiros para sua campanha política só faltou dizer que ele, um empresário de sucesso, nasceu na Zona Leste de São Paulo e veio para o centro num pau de arara, para construir com suor de seu rosto a fortuna que hoje o sustenta, e depois migrar para a rica Zona Sul, símbolo de homem honesto e trabalhador, o “João trabalhador”, do refrão repetido nas propagandas eleitorais. Um embuste que custou milhões de reais e vai custar ao povo paulistano e, por decorrência, ao povo brasileiro, mais uma centena de direitos jogados no ralo pela classe que esse indivíduo representa.



Há fascismo quando um Estado de direito é atropelado por firulas jurídicas que tiram da presidência uma líder legitimamente eleita, para colocar em seu lugar um preposto do atraso e do conservadorismo, sob as barbas devidamente aparadas por sabe-se lá quantos milhões de dólares de um Congresso corrupto e de um Supremo Tribunal Federal conservador, nitidamente predisposto a representar a Justiça que fecha os olhos para as leis constitucionais que devia defender, não se sabe exatamente se motivado por interesses escusos ou por sua formação conservadora e elitista. Há fascismo quando tribunais de justiça julgam réus em processos políticos sob o argumento de que não há provas, mas há inequívocas convicções dos julgadores e dos manipuladores de processos. Há fascismo quando prisões de suspeitos se prolongam por meses e meses a fio, sem julgamento, apenas para que esses suspeitos delatem os crimes cometidos por seus pares, numa forma de tortura quase imperceptível, mas que não deixa de ser tortura. Há fascismo quando toda uma sociedade é impelida a ideias xenófobas contra retirantes e imigrantes. Há fascismo quando se atiça em redes sociais o ódio a parcelas desassistidas da população, apenas por serem pobres ou dependentes de drogas, em campanhas higienistas e elitistas. Há fascismo quando se estabelece uma situação de quase impunidade a quem divulga ideias sexistas, machistas, homofóbicas e racistas, levando ao aumento do assassinato de mulheres, gays, negros e pobres em todas as camadas da sociedade, numa espécie de limpeza étnica e social. Há fascismo quando a política se subordina a ideias fundamentalistas de líderes religiosos eleitos como novos próceres do conservadorismo e da intolerância. Enfim, há sim, um forte cheiro de fascismo no ar, com esse governo que está aí, que não foi legitimamente eleito e que engana o povo e divulga ideias que o leva a louvar a escravidão e a aceitar como benesse aquilo que o prejudica e o torna cada vez mais estúpido e escravizado.



Um fascismo xenófobo que não é privilégio do Brasil, mas que se estende pelo mundo, através de governos conservadores ou claramente fascistas, como de Donald Trump, nos Estados Unidos. Um tipo de pensamento que se espalha como praga pelos países periféricos, chegando até mesmo a assustar a velha e escolada Europa, mergulhada em contradições entre a xenofobia de alguns países e o pan-europeíssimo e o internacionalismo de outros, na dúvida entre aceitar – sob aplausos de alguns e o ódio de tantos – levas e levas de migrantes vindos de países onde o totalitarismo ou as lutas religiosas promovem lutas fratricidas e massacres genocidas ou a expulsá-los como renegados. No Sudão, no Norte do Brasil ou na fronteira do México com os Estados Unidos, na Ásia, na Europa, em toda parte milhões de seres humanos tornam-se apátridas e miseráveis, graças à falta de humanidade de governos que se dizem democráticos, que se dizem humanistas, mas que fecham suas fronteiras e seus recursos a pessoas que só desejam um lugar para viver em paz. 



Não há saída para essa estupenda crise humanitária que se vive hoje, que não passe por uma completa e absoluta mudança de pensamento, de paradigma, que leve os países a adotarem, de forma total, o internacionalismo, abrindo sem restrições suas fronteiras para todos os seres humanos que quiserem se reestabelecer em lugares distantes de sua origem, sejam por quaisquer motivos, de perseguição, de fome, de falta de perspectiva. A readequação e aceitação de levas de migrantes possivelmente concentradas, no início, em poucos países, mas depois, ao longo do tempo, por movimentos voluntários a reassentar-se em muitos outros, será um processo doloroso, complexo, que poderá desestruturar a economia do mundo, provocando talvez uma grande confusão, uma nova babel, para usar um manjado símbolo bíblico, mas será a única saída para uma nova ordem econômica, social e humana. Os governos totalitários e perseguidores dos direitos fundamentais do ser humano se extinguirão progressivamente, por falta do oxigênio que os alimenta, os seres humanos escravizados.



Uma utopia? 



Talvez. Mas sem utopias, sem sonhos, sem esperança não há saída para o mundo, não há saída para a crise de estupidez, xenofobia, racismo, sexismo, homofobia e tantas outras “doenças” de que sofre hoje a raça humana. Talvez, com a incrível aproximação de tantas etnias, de tantos costumes diferentes, de tantos rostos e feições diferentes, depois do estranhamento, depois de se acostumarem uns com os outros, não sobrevenha um período de respeito mútuo? Quem sabe não ganhe supremacia um pensamento de que somos todos da mesma raça, e só podemos sobreviver se respeitarmos a vida como bem supremo, se nos respeitarmos uns aos outros e se respeitarmos a casa, o mundo, em que vivemos?