novembro 18, 2016

MANIPULAÇÃO, ESSE FOI SEMPRE O NEGÓCIO DA MÍDIA





A grande mídia, como a conhecemos hoje, teve o seu ovo da serpente gestado no século XIX, quando surgiram os primeiros grandes jornais e os primeiros jornalistas influentes. Sua história nada tem de grandioso ou de nobre, como nos conta Balzac em seu formidável “Ilusões perdidas”: o achaque de jornalistas fazia e desfazia reputações em troca de favores ou por um bom cheque na conta bancária.

O século XX trouxe a tecnologia e o desenvolvimento das mídias alternativas, muito além dos jornalões: primeiro, as revistas; depois, o rádio; em seguida, a televisão e, finalmente, a internet. Trouxe também o fortalecimento das grandes empresas de mídia, concentradas, mundialmente, nas mãos de poucos, de muito poucos, gerando fortunas, as fortunas gerando poder e as fortunas mais o poder gerando a grande manipulação que hoje vivemos.

A mídia capitalista defende valores capitalistas. E não há ninguém inocente nesse métier. O objetivo é um só: seduzir as mentes, moldá-las, conduzi-las para um convencionalismo de rebanho, num pensamento único de conservadorismo, de conformismo ao mundo de injustiças que se ergue de forma absoluta em torno da humanidade, em todo o mundo ocidental. Não há saída.

Somos todos criados e educados e devidamente doutrinados desde o berço pela grande mídia. Desde os “inocentes” desenhos animados e as “inocentes” revistinhas de Walt Disney, até as grandes publicações voltadas até mesmo para a “intelectualidade”, se estão inseridas no grande cadinho da mídia, se provêm dos mesmos donos, são todas publicações destinadas a um só objetivo: moldar o nosso pensamento e conformá-lo aos padrões vigentes. Poucas são as publicações que escapam desse esquema. E, se são muitos os que escapam a essa dominação, ainda são, infelizmente, a minoria.

O grande reforço disso tudo veio com o rádio, que ainda tem sua força, e com a televisão, a grande pá de cal na possibilidade de qualquer gesto libertador por parte das massas, já que as grandes redes televisivas estão nas mãos de grupos poderosos, graças a um movimento esperto desses grupos, que viram e previram sua força. Além disso, a televisão ainda é uma mídia dispendiosa, com tecnologia que depende de grandes investimentos, o que praticamente inviabiliza seu alcance a grupos menos preparados financeiramente, como sindicatos e associações operárias, que não têm meios para manter, por exemplo, um canal de televisão, mesmo que restrito a uma pequena cidade ou região.

Com todo esse poderio nas mãos, o capitalismo selvagem sabe manipular seus meios para manter o populacho em suas garras, como um grande polvo abraça com seus tentáculos as suas vítimas e as devora. Nas redações, nada se publica ou vai ao ar que não seja de interesse direto ou indireto do dono: a sua voz, a sua vontade, o seu pensamento é refletido em cada linha escrita ou falada, de forma total e absoluta.

O processo é bastante simples e, ao mesmo tempo, sofisticado. Vejamos alguns de seus procedimentos.

Tudo começa com a escolha do que vai ser publicado. Imagine que chegam às redações milhares e milhares de notícias. Claro que há aquelas notícias de repercussão mundial ou regional, de que não se pode escapar, como grandes tragédias, crimes, eleições, declarações bombásticas, notícias de celebridades etc. Mesmo essas grandes notícias, se alguma ou algumas têm implicações políticas e ideológicas, é necessário todo o cuidado para veiculá-las e elas receberão o tratamento devido. Por exemplo: um terremoto no Japão terá um tratamento devidamente “neutro”, mas de solidariedade às vítimas, com sutil ênfase à capacidade governamental de enfrentar a tragédia. Tudo muito bem cuidado, para não virar propaganda, mas devidamente embalado para levar o cidadão a sentir que o país haverá de superar esse momento. Se, no entanto, o terremoto ocorre num país comunista, como China ou Coreia do Norte, a cobertura também será de solidariedade às vítimas etc., mas com um sutil viés de crítica ao governo, através, por exemplo, da ênfase às dificuldades das autoridades de chegarem aos lugares onde a tragédia ocorreu. Tudo com bastante profissionalismo, claro, mas de forma a evidenciar sempre que há diferenças entre um país “livre” e outro “comunista”. É evidente que há sempre a mídia radical, que chuta o balde e faz duras e claras críticas a qualquer momento, em quaisquer ocasiões, mas esses casos são a exceção e não constituem  a melhor forma, a forma ideal como a grande mídia manipula.

Dissemos que a manipulação começa na escolha do que vai ser publicado, dentre milhares de notícias. E aqui a sutileza e a esperteza andam juntas. Por exemplo: nesta semana o Jornal Nacional da poderosa Rede Globo, no meio de centenas de notícias, muitas delas de grande interesse, como os passos do novo governo estadunidense e as prisões da Lava Jato, dedicaram extensos cinco minutos à seca no rio Negro, especialmente na região da Usina Belo Monte. Ora, seca no Nordeste atinge milhões de pessoas, mata gente e gado, provoca fome e miséria. Seca no rio Negro implica diminuição – pode até ser um pouco drástica – da vazão do rio, e atinge milhares, não milhões, de pescadores e outras pessoas, mas não provoca a mesma tragédia de sua congênere nordestina. Por que esse interesse todo da Rede Globo? Deixarei que o leitor conclua por si mesmo: ao final da reportagem, de forma sutil, indireta, no depoimento de uma ecologista, a emissora deixa nas entrelinhas que a culpa da seca é a barragem da Usina Belo Monte. Que foi construída no governo Dilma, que tem suas empreiteiras sob suspeita.... Enfim, pode ser também um ataque como forma de defesa.

Dissemos que a escolha da notícia ou das notícias a serem divulgadas, dentre as milhares que chegam às redações, constitui um fator de manipulação de grande poder. Isso é fácil de constatar, mesmo diante de tragédias que atingem outros países. No verão europeu do ano passado, por exemplo, Portugal queimava: quase oitenta por cento de seu território estava sob incêndios ou ameaça de incêndios, numa das maiores secas de sua história. Disso não saiu uma só linha aqui, no Brasil. Estava toda a mídia devidamente ocupada com outros assuntos de interesse imediato, como a desconstrução do governo recém-eleito. E também aí, a escolha criteriosa do fato passa por crivos rigorosos nas redações: se o número de assassinatos aumenta no Estado de São Paulo, onde a mídia adora e protege o governador, a notícia vem devidamente “amortecida” com dados estatísticos profusos que informam que outras formas de criminalidade têm diminuído, graças, claro, à ação da polícia etc. etc. Graças à mídia que, de forma sutil e competente, soube contornar a seca por que passou o Estado e, principalmente, a cidade de São Paulo, com matérias que,  se não ocultavam uma realidade impossível de ser ocultada, por outro lado mostravam ações otimistas e declarações bombásticas das autoridades que, por incompetência, haviam deixado a situação chegar aonde chegou, o senhor governador e seu governo saíram ilesos, politicamente, do que se chamou “crise hídrica” (um eufemismo para a incompetência).

Incensar os poderosos. Também essa uma forma de manipulação da mídia, sempre esperta, sempre pronta a servir, como forma de manter também o seu próprio poder. E os cães amestrados das redações são obrigados, pelo simples fato de que foram amestrados, ou porque, embora conscientes de seu papel, aceitam o fato de se tornarem capachos dos patrões, por emprego, por prestígio, por uma pequena parcela de poder e grana, a abanar o rabo para o patrão, o grande empresário que tudo controla e não perdoa qualquer deslize nas orientações e no posicionamento de seu jornal, de sua revista, de sua rede de televisão, cumprindo, assim, o papel de quinta coluna, de guardiões do status quo, de defensores da “moral”,  dos “bons costumes” e  do grande capital que seduz, controla e escraviza as mentes.

Ou você acha que o Brasil é um país conservador por quê?


Finalizando, pode-se dizer, talvez, que a salvação esteja nas mídias sociais, na internet. Talvez. E a minha dúvida reside no fato de que há três grandes problemas com a socialização da comunicação: primeiro, o lixo que ainda se publica é muito extenso, quase impedindo que se consiga separar de forma clara e precisa o que presta do que devia continuar no lixo; segundo, as mídias sociais são um território livre para psicopatas, para fascistas e nazistas de toda espécie, para indivíduos que não têm nenhum escrúpulo, por falta de formação ou por deformação de seu meio, de sua educação e da sua mente manipulada, e eles têm tomado de assalto esse meio, sufocando, muitas vezes, qualquer possibilidade de racionalidade; terceiro, as pessoas realmente preparadas para enfrentar a irracionalidade e com consciência para debater de forma coerente, com bons textos e reflexões profundas os grandes problemas não são muitas e acabam, muitas vezes, sufocadas pelo volume de asneiras que se publicam. Enfim, como tudo na vida depende de maturação e depuração, espera-se que as redes sociais se tornem mais republicanas, menos agressivas, menos raivosas; que aos poucos a racionalidade predomine e que, enfim, as pessoas percebam que esse é um meio de libertação e não de replicação das mesmas ideias, das mesmas ideologias, dos mesmos processos de escravização da grande mídia. Isso, se a grande mídia não conseguir fazer chegar seus tentáculos de polvo e dominar também esse meio de comunicação.


novembro 13, 2016

DYLAN, PRÊMIO NOBEL







O prêmio Nobel outorgado ao cantor pop Bo Dylan despertou a discussão “sexo dos anjos” se letra de música é literatura. Tentemos algumas explicações básicas.

Literatura, latu sensu, é tudo o que se escreve, desde o bilhete se deixa na porta da geladeira até a Odisseia, de Homero.

Literatura, strictu sensu, traz algumas complexidades em sua conceituação e algumas discussões quanto aos seus limites e abrangências.

Considera-se, no entanto, Literatura tudo aquilo que se escreve com valor artístico e no terreno da ficção. Vê-se que, nesse conceito, ficariam de fora, por exemplo, peças memorialísticas, muitas delas de grande valor literário; discursos e missivas, também muitos de indiscutível valor literário, aos quais – tanto a memórias quanto a discursos e missivas – a maioria dos críticos lhes dão o devido incenso e inclusão como obra literária.

Assim, conceituar Literatura, a grande arte do gênio humano, não se constitui uma tarefa muito fácil. E muitos ideólogos e estudiosos têm-se debruçado nessa difícil tarefa. É consenso, no entanto, que se incluem entre os gêneros literários as cantigas medievais, divididas em subgêneros como, cantigas de amor, de amigo, de escárnio e de maldizer. Todas eram letras de canções que os trovadores medievais divulgavam pelas feiras e castelos e festas da época, acompanhadas de instrumentos típicos.

Portanto, letra de música pertence, sim, à Literatura. É Literatura. Se são boas ou ruins, se contêm ou não poesia, é outra discussão, que adentra o terreno movediço da estética. Não são exatamente “poemas”, são cantigas, que só existem e só ganham dimensão, quando cantadas. Das cantigas medievais, infelizmente, não nos chegaram as partituras, as músicas que as complementariam e as lançariam na dimensão estética apropriada ao seu gênero ou subgênero.

Ao outorgar o prêmio ao cantor estadunidense, os velhinhos da Academia do Nobel arrostaram apenas o perigo, relativo, de se verem achincalhados pela escolha, não pelo fato de não ser ele um literato, um escritor e, portanto, elegível ao prêmio.

E quanto a isso, afirmo que, numa lista de cem escritores internacionais, acessíveis ou elegíveis ao Nobel, com certeza Bob Dylan não estaria entre eles.


Os velhinhos da Academia Sueca gostam de surpreender ou já estão mesmo um tanto provectos, para não dizer gagás.

novembro 07, 2016

EU TENHO INTOLERÂNCIA RELIGIOSA







O tema de redação do ENEM deste ano, de 2016, – Caminhos para o combate à intolerância religiosa – foi amplamente elogiada por setores... religiosos, claro. Cúpulas de igrejas – não importa o credo – adoram fazer proselitismo de suas crenças, em cima de algo que lhe dê motivo para pregarem algo que eles sabem muito bem pregar na teoria, mas que, na prática, segue sendo um buraco negro na história das religiões: a tolerância.

Não há casos registrados de ateus, por exemplo, terem desacatado ou perseguido ou, o cúmulo dos cúmulos, mandado para a fogueira ou para forca pessoas religiosas por causa de sua crença. Sempre que uma religião é perseguida, essa perseguição é realizada por outra religião, muitas vezes de forma oficial. A igreja católica apostólica romana, por ser a seita mais antiga ainda em atividade, tem um longo e tenebroso passado de perseguições, prisões, tortura e morte de seus adversários ou pretensos adversários, tachados todos como infiéis, estigmatizados por seu deus, desde as bruxas (que nada mais eram do que mulheres que seguiam outra tradição religiosa, ligada a seus ancestrais) até judeus, pelo simples fato de serem não apenas anticristãos, mas principalmente por serem ricos e poderem ter suas fortunas devidamente apropriadas pela ICAR, depois de queimados, claro.

Na atualidade, sabemos o quanto inúmeros cultos evangélicos demonizam os praticantes de candomblé, com seus pastores fazendo verdadeiras homilias contra o demônio que habita os terreiros, insuflando seus seguidores a atitudes de hostilidade contra negros principalmente, contra uma cultura milenar oriunda de países africanos, simplesmente por ódio ao diferente, por ódio àquilo que eles não entendem e não desejam compreender. O amor cristão passa longe de quem chuta imagens do catolicismo, por puro exibicionismo na televisão, como se a destruição de um ícone não tivesse consequências outras que não o insuflar do ódio de seus seguidores aos católicos e dos católicos ofendidos aos seus seguidores.

Portanto, a intolerância religiosa passa longe, muito longe do espírito cristão dessas seitas. Isso para ficarmos apenas no terreno do cristianismo. Não vamos tocar nem de leve nas diferenças e nos ódios que separam cristãos e judeus, judeus e muçulmanos, muçulmanos e cristãos, numa ciranda de violência e dor que vem tingindo de sangue o caminho da humanidade.

Por que tudo isso?

Porque fiquei com dó, com muita pena, dos garotos e das garotas que tiveram que discorrer sobre esse tema absurdo, sem cair em armadilhas do preconceito latente em sua formação, seja ela de católico, de crente, de espírita, de umbandista ou de praticante de qualquer outra seita. Uma verdadeira casca de banana no caminho desses jovens, esse tema que só deve interessar, na realidade, aos chamados homens de boa vontade – que são poucos, infelizmente muito poucos – que estejam à frente de suas seitas. Eles é quem deve buscar caminhos para evitar essa intolerância recíproca, através de uma formação mais humanista e tolerante de seus pregadores, principalmente, eivados de preconceitos, e não apenas religiosos, mas culturais, étnicos, e até de preconceitos machistas contra as mulheres, sexistas contra quaisquer pessoas que tenham práticas alternativas, como gays, lésbicas etc. Tudo isso é um cadinho fervente a borbulhar intolerância, que é servido diariamente por pregadores cristãos de todas as seitas. São, portanto, - e isso é preciso repetir – os líderes dessa gente toda que devem buscar caminhos contra a intolerância. Jogar numa redação, numa simples redação de uma prova que vale pontos para classificação a uma faculdade a discussão de tal tema é jogar nas costas do jovem a solução de um problema do qual a maioria é simplesmente vítima, pela criação, pela educação equivocada de religiões preconceituosas e intolerantes, o que vai provocar, quase com certeza, uma enxurrada de lugares comuns e de mal alinhavadas linhas que não conseguirão esconder o que eles trazem dessa verdadeira lavagem cerebral que é a educação religiosa.

Eu, por mim, como ateu praticante, declaro que sou absolutamente intolerante a qualquer religião. Combato todas elas e suas ideias absurdas na crença de deus ou deuses criados pelo ser humano para subordiná-lo à dominação de castas de líderes religiosos inescrupulosos, imorais, aéticos e criminosos. Nem por isso, jamais perseguiria quem quer que fosse por suas crenças, por seus ritos, por sua filiação a qualquer seita. Combato o bom combate das ideias. As ideias precisam ser mortas, assassinadas, jogadas no lixo da história, não os homens ou seus seguidores, como o fazem aqueles que se dizem religiosos e pregam nos seus púlpitos, de forma contumaz e sub-reptícia, a intolerância contra todos os outros seres humanos que não seguem o seu deus, o seu livro sagrado, os seus ritos e celebrações.

Sem dúvida nenhuma, a despeito de tudo o que se diz por aí, esse tema – caminhos para o combate à intolerância religiosa – é um presente de grego para os estudantes, um verdadeiro absurdo.