novembro 07, 2016

EU TENHO INTOLERÂNCIA RELIGIOSA







O tema de redação do ENEM deste ano, de 2016, – Caminhos para o combate à intolerância religiosa – foi amplamente elogiada por setores... religiosos, claro. Cúpulas de igrejas – não importa o credo – adoram fazer proselitismo de suas crenças, em cima de algo que lhe dê motivo para pregarem algo que eles sabem muito bem pregar na teoria, mas que, na prática, segue sendo um buraco negro na história das religiões: a tolerância.

Não há casos registrados de ateus, por exemplo, terem desacatado ou perseguido ou, o cúmulo dos cúmulos, mandado para a fogueira ou para forca pessoas religiosas por causa de sua crença. Sempre que uma religião é perseguida, essa perseguição é realizada por outra religião, muitas vezes de forma oficial. A igreja católica apostólica romana, por ser a seita mais antiga ainda em atividade, tem um longo e tenebroso passado de perseguições, prisões, tortura e morte de seus adversários ou pretensos adversários, tachados todos como infiéis, estigmatizados por seu deus, desde as bruxas (que nada mais eram do que mulheres que seguiam outra tradição religiosa, ligada a seus ancestrais) até judeus, pelo simples fato de serem não apenas anticristãos, mas principalmente por serem ricos e poderem ter suas fortunas devidamente apropriadas pela ICAR, depois de queimados, claro.

Na atualidade, sabemos o quanto inúmeros cultos evangélicos demonizam os praticantes de candomblé, com seus pastores fazendo verdadeiras homilias contra o demônio que habita os terreiros, insuflando seus seguidores a atitudes de hostilidade contra negros principalmente, contra uma cultura milenar oriunda de países africanos, simplesmente por ódio ao diferente, por ódio àquilo que eles não entendem e não desejam compreender. O amor cristão passa longe de quem chuta imagens do catolicismo, por puro exibicionismo na televisão, como se a destruição de um ícone não tivesse consequências outras que não o insuflar do ódio de seus seguidores aos católicos e dos católicos ofendidos aos seus seguidores.

Portanto, a intolerância religiosa passa longe, muito longe do espírito cristão dessas seitas. Isso para ficarmos apenas no terreno do cristianismo. Não vamos tocar nem de leve nas diferenças e nos ódios que separam cristãos e judeus, judeus e muçulmanos, muçulmanos e cristãos, numa ciranda de violência e dor que vem tingindo de sangue o caminho da humanidade.

Por que tudo isso?

Porque fiquei com dó, com muita pena, dos garotos e das garotas que tiveram que discorrer sobre esse tema absurdo, sem cair em armadilhas do preconceito latente em sua formação, seja ela de católico, de crente, de espírita, de umbandista ou de praticante de qualquer outra seita. Uma verdadeira casca de banana no caminho desses jovens, esse tema que só deve interessar, na realidade, aos chamados homens de boa vontade – que são poucos, infelizmente muito poucos – que estejam à frente de suas seitas. Eles é quem deve buscar caminhos para evitar essa intolerância recíproca, através de uma formação mais humanista e tolerante de seus pregadores, principalmente, eivados de preconceitos, e não apenas religiosos, mas culturais, étnicos, e até de preconceitos machistas contra as mulheres, sexistas contra quaisquer pessoas que tenham práticas alternativas, como gays, lésbicas etc. Tudo isso é um cadinho fervente a borbulhar intolerância, que é servido diariamente por pregadores cristãos de todas as seitas. São, portanto, - e isso é preciso repetir – os líderes dessa gente toda que devem buscar caminhos contra a intolerância. Jogar numa redação, numa simples redação de uma prova que vale pontos para classificação a uma faculdade a discussão de tal tema é jogar nas costas do jovem a solução de um problema do qual a maioria é simplesmente vítima, pela criação, pela educação equivocada de religiões preconceituosas e intolerantes, o que vai provocar, quase com certeza, uma enxurrada de lugares comuns e de mal alinhavadas linhas que não conseguirão esconder o que eles trazem dessa verdadeira lavagem cerebral que é a educação religiosa.

Eu, por mim, como ateu praticante, declaro que sou absolutamente intolerante a qualquer religião. Combato todas elas e suas ideias absurdas na crença de deus ou deuses criados pelo ser humano para subordiná-lo à dominação de castas de líderes religiosos inescrupulosos, imorais, aéticos e criminosos. Nem por isso, jamais perseguiria quem quer que fosse por suas crenças, por seus ritos, por sua filiação a qualquer seita. Combato o bom combate das ideias. As ideias precisam ser mortas, assassinadas, jogadas no lixo da história, não os homens ou seus seguidores, como o fazem aqueles que se dizem religiosos e pregam nos seus púlpitos, de forma contumaz e sub-reptícia, a intolerância contra todos os outros seres humanos que não seguem o seu deus, o seu livro sagrado, os seus ritos e celebrações.

Sem dúvida nenhuma, a despeito de tudo o que se diz por aí, esse tema – caminhos para o combate à intolerância religiosa – é um presente de grego para os estudantes, um verdadeiro absurdo.


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