O tema de redação do ENEM deste
ano, de 2016, – Caminhos para o combate à intolerância religiosa – foi amplamente
elogiada por setores... religiosos, claro. Cúpulas de igrejas – não importa o
credo – adoram fazer proselitismo de suas crenças, em cima de algo que lhe dê
motivo para pregarem algo que eles sabem muito bem pregar na teoria, mas que,
na prática, segue sendo um buraco negro na história das religiões: a
tolerância.
Não há casos registrados de
ateus, por exemplo, terem desacatado ou perseguido ou, o cúmulo dos cúmulos,
mandado para a fogueira ou para forca pessoas religiosas por causa de sua
crença. Sempre que uma religião é perseguida, essa perseguição é realizada por
outra religião, muitas vezes de forma oficial. A igreja católica apostólica
romana, por ser a seita mais antiga ainda em atividade, tem um longo e
tenebroso passado de perseguições, prisões, tortura e morte de seus adversários
ou pretensos adversários, tachados todos como infiéis, estigmatizados por seu
deus, desde as bruxas (que nada mais eram do que mulheres que seguiam outra
tradição religiosa, ligada a seus ancestrais) até judeus, pelo simples fato de
serem não apenas anticristãos, mas principalmente por serem ricos e poderem ter
suas fortunas devidamente apropriadas pela ICAR, depois de queimados, claro.
Na atualidade, sabemos o quanto
inúmeros cultos evangélicos demonizam os praticantes de candomblé, com seus
pastores fazendo verdadeiras homilias contra o demônio que habita os terreiros,
insuflando seus seguidores a atitudes de hostilidade contra negros
principalmente, contra uma cultura milenar oriunda de países africanos, simplesmente
por ódio ao diferente, por ódio àquilo que eles não entendem e não desejam
compreender. O amor cristão passa longe de quem chuta imagens do catolicismo,
por puro exibicionismo na televisão, como se a destruição de um ícone não
tivesse consequências outras que não o insuflar do ódio de seus seguidores aos
católicos e dos católicos ofendidos aos seus seguidores.
Portanto, a intolerância
religiosa passa longe, muito longe do espírito cristão dessas seitas. Isso para
ficarmos apenas no terreno do cristianismo. Não vamos tocar nem de leve nas
diferenças e nos ódios que separam cristãos e judeus, judeus e muçulmanos,
muçulmanos e cristãos, numa ciranda de violência e dor que vem tingindo de
sangue o caminho da humanidade.
Por que tudo isso?
Porque fiquei com dó, com muita
pena, dos garotos e das garotas que tiveram que discorrer sobre esse tema
absurdo, sem cair em armadilhas do preconceito latente em sua formação, seja
ela de católico, de crente, de espírita, de umbandista ou de praticante de
qualquer outra seita. Uma verdadeira casca de banana no caminho desses jovens,
esse tema que só deve interessar, na realidade, aos chamados homens de boa
vontade – que são poucos, infelizmente muito poucos – que estejam à frente de
suas seitas. Eles é quem deve buscar caminhos para evitar essa intolerância
recíproca, através de uma formação mais humanista e tolerante de seus
pregadores, principalmente, eivados de preconceitos, e não apenas religiosos,
mas culturais, étnicos, e até de preconceitos machistas contra as mulheres,
sexistas contra quaisquer pessoas que tenham práticas alternativas, como gays,
lésbicas etc. Tudo isso é um cadinho fervente a borbulhar intolerância, que é
servido diariamente por pregadores cristãos de todas as seitas. São, portanto,
- e isso é preciso repetir – os líderes dessa gente toda que devem buscar
caminhos contra a intolerância. Jogar numa redação, numa simples redação de uma
prova que vale pontos para classificação a uma faculdade a discussão de tal
tema é jogar nas costas do jovem a solução de um problema do qual a maioria é
simplesmente vítima, pela criação, pela educação equivocada de religiões
preconceituosas e intolerantes, o que vai provocar, quase com certeza, uma
enxurrada de lugares comuns e de mal alinhavadas linhas que não conseguirão esconder
o que eles trazem dessa verdadeira lavagem cerebral que é a educação religiosa.
Eu, por mim, como ateu
praticante, declaro que sou absolutamente intolerante a qualquer religião. Combato
todas elas e suas ideias absurdas na crença de deus ou deuses criados pelo ser
humano para subordiná-lo à dominação de castas de líderes religiosos
inescrupulosos, imorais, aéticos e criminosos. Nem por isso, jamais perseguiria
quem quer que fosse por suas crenças, por seus ritos, por sua filiação a
qualquer seita. Combato o bom combate das ideias. As ideias precisam ser
mortas, assassinadas, jogadas no lixo da história, não os homens ou seus
seguidores, como o fazem aqueles que se dizem religiosos e pregam nos seus
púlpitos, de forma contumaz e sub-reptícia, a intolerância contra todos os
outros seres humanos que não seguem o seu deus, o seu livro sagrado, os seus
ritos e celebrações.
Sem dúvida nenhuma, a despeito de
tudo o que se diz por aí, esse tema – caminhos para o combate à intolerância
religiosa – é um presente de grego para os estudantes, um verdadeiro absurdo.
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