(Tánatos, deus da morte)
A história da humanidade é
pontilhada de conquistas sangrentas. O ser humano - mais besta que humano - não
tem conseguido superar a barbárie de suas origens de lobo. Nossa boca tem gosto
de sangue. E sangue que se estende desde os primeiros hominídeos até os dias de
hoje.
As nações - praticamente todas elas
- se formaram através de guerras de conquistas. Conquistas de territórios e eliminação
dos nativos. Com garras e armas - desde a mais primitiva mordida e soco na cara
até as de extermínio em massa - o ser humano tem marcado sua trajetória no
planeta Terra com a destruição e o genocídio. E sistematicamente temos tratado
esses assassinos conquistadores como heróis. Todos, absolutamente todos, foram
apenas isto: assassinos e genocidas. Não há heróis, absolutamente, quando se
trata de guerra e de conquistas.
Os Estados Unidos da América não
fugiram a essa tradição. Seu território foi conquistado, alargado, dominado por
gente feroz, vinda dos cantões do mundo velho, para erguer um "mundo
novo" exatamente nos mesmos moldes de seus antepassados, fossem eles hunos
ou outros bárbaros quaisquer. Com uma novidade: agora, depois de mais de mil e
quinhentos anos de catequese, os novos conquistadores vinham imbuídos da fé
cristã que os fortalecia na sua cruzada de ódio e destruição.
A história dos Estados Unidos da
América é uma história de sangue. Uma história de "bravuras
indômitas" construídas na porrada, no massacre, na destruição pura e
simples do outro, para impor seus valores. Os fundadores da nação estadunidense
era gente de muito má catadura, gente que não titubeava em assassinar para
impor seus valores cristãos, brancos e europeus. Gente que tinha sangue nos
olhos e uma vontade fortalecida pela fé de que estavam agindo em nome de um
deus sangrento e vingador, que exige a submissão de todos os povos a seus
desígnios.
Há uma novidade, porém, nesta nova
trilha de sangue e dor: a partir do século XIX, quando os meios de comunicação
começam a ganhar universalidade e rapidez na divulgação dos fatos e das ideias
e ideologias, há a venda sistemática do processo de conquista sangrenta como
valor maior da humanidade. A conquista do oeste é divulgada, primeiro pela
imprensa (e coloque-se sob essa rubrica tudo o que é impresso: jornais, gibis,
revistas, panfletos etc.) e, depois, pelas artes visuais, o cinema em primeiro
lugar, como uma série de atos heroicos de cowboys valentes e matadores de
índios. Uma maciça propaganda - um verdadeiro tsunami - dos valores bélicos dos
estadunidenses toma o mundo, principalmente o mundo ocidental. Os Estados
Unidos potência não se fizeram só com armas, progresso e guerras: foram
construídos no imaginário popular universal e, principalmente interno, com um
sólido, ferrenho e bem ordenado sistema publicitário, sem dúvida inédito na
história da humanidade.
Convenceram. Convenceram
principalmente a si mesmos, os estadunidenses, de que seus valores primitivos
constituem aquilo que seu deus deseja para a humanidade: que eles são os
xerifes desse deus no mundo. Esquecendo-se de que haviam construído uma
sociedade doente, doente pelas armas e doente com as armas. Uma população que
não pode viver sem um colt na cintura e um rifle debaixo do travesseiro, porque precisam estar atentos e fortes todo o
tempo, para defender-se do inimigo. E o inimigo, agora, parece estar dentro
deles mesmos.
Dessa sociedade doente e doentia -
que ama a violência, que adora as armas, que se arma cada dia mais (e defende
isso com unhas e dentes) - brotam, de vez em quando, os assassinos seriais, os
loucos que saem atirando a esmo, dentro de escolas, de supermercados, de shoppings,
de cinemas, nas ruas ou em qualquer lugar onde se reúnam multidões que se
transformem em alvo fácil de sua sanha vingadora.
E de que se vingam os assassinos
estadunidenses?
Individualmente, cada louco tem sua desculpa.
Mas não são necessárias profundas análises sociológicas, históricas e de
qualquer outra natureza para se concluir que, sim, são vingadores de uma
sociedade doente, profundamente doente, que colhe internamente o fruto de seu
rastro de sangue na conquista interna e do rastro de sangue de suas guerras
pelo mundo afora.
O verniz civilizatório estadunidense
rompe-se de vez em quando, para revelar o país profundo, o país que tem sangue
em seu DNA. E a morte de dezenas de pessoas por um idiota qualquer, em qualquer
momento de uma pacata cidadezinha do interior, é só a ponta desse imenso iceberg
de violência e de tradições de chacinas, chamado Estados Unidos da América.
Que
nenhum deus salvará!