julho 21, 2012

NÃO EXISTEM HERÓIS


(Tánatos, deus da morte)


A história da humanidade é pontilhada de conquistas sangrentas. O ser humano - mais besta que humano - não tem conseguido superar a barbárie de suas origens de lobo. Nossa boca tem gosto de sangue. E sangue que se estende desde os primeiros hominídeos até os dias de hoje.

As nações - praticamente todas elas - se formaram através de guerras de conquistas. Conquistas de territórios e eliminação dos nativos. Com garras e armas - desde a mais primitiva mordida e soco na cara até as de extermínio em massa - o ser humano tem marcado sua trajetória no planeta Terra com a destruição e o genocídio. E sistematicamente temos tratado esses assassinos conquistadores como heróis. Todos, absolutamente todos, foram apenas isto: assassinos e genocidas. Não há heróis, absolutamente, quando se trata de guerra e de conquistas.

Os Estados Unidos da América não fugiram a essa tradição. Seu território foi conquistado, alargado, dominado por gente feroz, vinda dos cantões do mundo velho, para erguer um "mundo novo" exatamente nos mesmos moldes de seus antepassados, fossem eles hunos ou outros bárbaros quaisquer. Com uma novidade: agora, depois de mais de mil e quinhentos anos de catequese, os novos conquistadores vinham imbuídos da fé cristã que os fortalecia na sua cruzada de ódio e destruição.

A história dos Estados Unidos da América é uma história de sangue. Uma história de "bravuras indômitas" construídas na porrada, no massacre, na destruição pura e simples do outro, para impor seus valores. Os fundadores da nação estadunidense era gente de muito má catadura, gente que não titubeava em assassinar para impor seus valores cristãos, brancos e europeus. Gente que tinha sangue nos olhos e uma vontade fortalecida pela fé de que estavam agindo em nome de um deus sangrento e vingador, que exige a submissão de todos os povos a seus desígnios.

Há uma novidade, porém, nesta nova trilha de sangue e dor: a partir do século XIX, quando os meios de comunicação começam a ganhar universalidade e rapidez na divulgação dos fatos e das ideias e ideologias, há a venda sistemática do processo de conquista sangrenta como valor maior da humanidade. A conquista do oeste é divulgada, primeiro pela imprensa (e coloque-se sob essa rubrica tudo o que é impresso: jornais, gibis, revistas, panfletos etc.) e, depois, pelas artes visuais, o cinema em primeiro lugar, como uma série de atos heroicos de cowboys valentes e matadores de índios. Uma maciça propaganda - um verdadeiro tsunami - dos valores bélicos dos estadunidenses toma o mundo, principalmente o mundo ocidental. Os Estados Unidos potência não se fizeram só com armas, progresso e guerras: foram construídos no imaginário popular universal e, principalmente interno, com um sólido, ferrenho e bem ordenado sistema publicitário, sem dúvida inédito na história da humanidade.

Convenceram. Convenceram principalmente a si mesmos, os estadunidenses, de que seus valores primitivos constituem aquilo que seu deus deseja para a humanidade: que eles são os xerifes desse deus no mundo. Esquecendo-se de que haviam construído uma sociedade doente, doente pelas armas e doente com as armas. Uma população que não pode viver sem um colt na cintura e um rifle debaixo do travesseiro,  porque precisam estar atentos e fortes todo o tempo, para defender-se do inimigo. E o inimigo, agora, parece estar dentro deles mesmos.

Dessa sociedade doente e doentia - que ama a violência, que adora as armas, que se arma cada dia mais (e defende isso com unhas e dentes) - brotam, de vez em quando, os assassinos seriais, os loucos que saem atirando a esmo, dentro de escolas, de supermercados, de shoppings, de cinemas, nas ruas ou em qualquer lugar onde se reúnam multidões que se transformem em alvo fácil de sua sanha vingadora.

E de que se vingam os assassinos estadunidenses?

 Individualmente, cada louco tem sua desculpa. Mas não são necessárias profundas análises sociológicas, históricas e de qualquer outra natureza para se concluir que, sim, são vingadores de uma sociedade doente, profundamente doente, que colhe internamente o fruto de seu rastro de sangue na conquista interna e do rastro de sangue de suas guerras pelo mundo afora.

O verniz civilizatório estadunidense rompe-se de vez em quando, para revelar o país profundo, o país que tem sangue em seu DNA. E a morte de dezenas de pessoas por um idiota qualquer, em qualquer momento de uma pacata cidadezinha do interior, é só a ponta desse imenso iceberg de violência e de tradições de chacinas, chamado Estados Unidos da América. 

Que nenhum deus salvará!