A resenha crítica de Luiz Zanin
Oricchio, no Estadão de hoje, me inspirou escrever este artigo. Que será um
tanto amargo, mas necessário. Pelo menos para eu colocar para fora tudo o que
penso sobre a imprensa. A crônica versa sobre o livro de Umberto Ecco, Número Zero,
recém-lançado no Brasil. Quero lê-lo, embora saiba que sua leitura só me trará
mais sangue nos olhos. Pois o livro trata das falcatruas da imprensa
contemporânea, dos truques e das sacanagens que armam os donos dos impérios
jornalísticos para achacar e ganhar dinheiro e poder. Com poder, ganham mais
dinheiro e assim roda a roda da fortuna, para desespero dos que amam a verdade
e gostariam de vê-la estampada em manchetes de jornal. Pura ilusão: uma
manchete de jornal representa o que há de mais cruel, mentiroso, insano e
irresponsável que possa produzir o "gênio" humano para o mal.
A grande imprensa, como a
conhecemos hoje, nasceu no século XIX. E não são, infelizmente, os historiadores
os seus melhores cronistas. São os ficcionistas que, sem o compromisso das
provas e das ideologias, escrevem melhor sobre o modo como surgiram esses
"impérios de maldade", essas "fábricas de falsidades", que
se chamam "jornais impressos", hoje, transportados também para a fala e
para a imagem das rádios e das televisões. E quem melhor narrou a sujeira por
trás de cada notícia foi o genial Balzac, no livro As Ilusões Perdidas. Ali
está toda a miséria do jornalismo, a descoberta do poder da palavra impressa e
o seu uso para sacanear (não acho termo melhor, perdoe-me algum eventual leitor
mais sensível) quem eles, os jornalistas de então, achavam que lhes podia
render algum dinheiro: publico ou não publico, depende do senhor. Ou publico
como o senhor quiser. Ou como acha que deve ser publicado o meu dono e senhor,
o senhor do jornal. E assim reputações eram criadas ou destruídas num piscar de
olhos, ou melhor, numa penada só. Tornavam-se temidos os críticos pelos donos
de teatro; tornavam-se temidos os articulistas pelos políticos da época e pelos
capitalistas que podiam, de uma hora para outra, ver devassados seus impérios
ou, pior, sua vida particular cheia de amantes e falcatruas. Ninguém, claro,
era inocente.
E admiramos muitos desses
"jornalistas". E elegemos como íntegros e dignos de confiança órgãos
de imprensa que têm na sua trajetória fatos escabrosos e inúmeras sacanagens
que jogariam seus perpetradores no pior dos círculos do inferno de Dante. E
achamos que são pecadilhos. A máxima nunca dita por Maquiavel, de que os fins
justificam os meios, é a menor das desculpas para que os inocentemos. Querem
alguns exemplos? Pois, aí estão.
Assis Chateaubriand. E só um
fato: alguém se lembra dos meios que ele usou para obter os recursos e as obras de
arte necessários para fundar o MASP (o fim), o decantado Museu de Arte de São
Paulo? Refresquemos a memória: com chantagem. Simplesmente assim: capitalistas
e grandes empresários de grande poder e fortuna foram colocados contra a
parede. Conheço tais e tais fatos de sua vida, de seus negócios. Quanto vale a
informação? Talvez o Rembrandt que você tem na parede. Ou o Picasso. Ou uma
contribuição em dinheiro para a construção do museu... E nós achamos que valeu
a pena. Temos hoje um prédio maravilhoso na principal avenida de São Paulo, um
museu com obras espetaculares e que realiza exposições fantásticas. Porque tudo
vale a pena, diremos todos, se há um bem maior a ser construído, preservado e
elevado à condição de obra prima. E nos calamos.
Outro exemplo. A Folha de São
Paulo. Seus donos emprestavam viaturas do jornal para transporte de presos
políticos que iam ser torturados ou tinham sido torturados para serem levados
de um presídio a outro. Para despistar os outros órgãos de imprensa e a própria
população. Portanto, não contentes de contribuir com dinheiro e apoio
jornalístico, ainda emprestavam sua logística para os generais da ditadura
imporem sua ideologia e sua força sobre a indefesa e totalmente enganada
população. Enganada pelos órgãos de imprensa, em especial pela Folha de São
Paulo. E achamos, hoje, que tudo isso é história, que tudo passou, que houve uma
lei da anistia e, enfim, o tempo a tudo justifica. E nos calamos.
Quanto à resenha do jornal de
hoje, (17.7.2017), sobre o livro do Ecco, o que podemos observar é a cara de
pau do Estadão. O articulista é bem sincero: diz exatamente a que veio o livro
do italiano, ao dizer que ele "revela-se um sarcástico anticompêndio
jornalístico, descrevendo práticas que bem podem servir de carapuça para parte
da imprensa contemporânea". Ou seja, tudo o que o autor diz sobre a
imprensa, a grande imprensa, todas as falcatruas que ele descreve, todos os
truques imundos para iludir, enganar, achacar, mentir, criar ou destruir
reputações, divulgar ideias falsas ou transformar verdades em mentiras e
mentiras em verdades, tudo isso serve a uma "parte" da imprensa de
hoje. Mas nós não somos assim! É a frase que subjaz ao contexto do artigo. Ecco
fala de uma cartilha jornalística cuja prática não é a nossa prática! Mas eu
digo: ELES SÃO ASSIM, SIM. Basta ler com cuidado qualquer número de qualquer jornal
de hoje - inclusive e principalmente o Estadão - que encontraremos todos os
truques descritos por Ecco para mentir ou ocultar a verdade, para levar seus
leitores a aceitar a ideologia que os donos dos jornais professam, para criar e alimentar crises, para destruir ou construir reputações, para bajular ou tentar eleger a quem lhes interessa, para influir na economia ou no voto do eleitor!
Enfim, não há bundas limpas no
meio jornalístico. Porque, simplesmente, por mais bem lavadas que sejam, as
bundas servem para isto: acolher e localizar o duto excretor do organismo. E a
imprensa, a grande imprensa, nasceu como bunda, para acolher e localizar o duto
excretor de gente que deseja o poder para ganhar dinheiro e, tendo dinheiro,
acumula mais poder ainda, à custa do sacrifício da verdade e da ética. Ética
que passa longe, muito longe, das folhas de qualquer jornal do mundo. Ou das
falas de qualquer jornalista do rádio ou da televisão.
Ah, sim, o título da resenha do
articulista do Estadão é: "Um jornal feito para intimidar e difamar".
Uma ótima resenha, por sinal.