agosto 08, 2015

PAROU POR QUÊ? POR QUE PAROU?





Ao que parece, grandes órgãos da mídia - Globo e Veja - e empresas - Bradesco -, além de associações empresariais - FIERJ e FIESP - desistiram de patrocinar o pedido de impeachment da presidenta Dilma. Ou seja, estão a defender moderação e negociação, condenando o golpismo de setores do Congresso e da mídia.

Por que será que eles mudaram de opinião?

Bem, não é exatamente uma mudança de opinião. Creio que, se você leu o texto anterior, sobre Jânio e Collor, ficará mais fácil de entender esse imbroglio todo. Pelo menos, para mim, tudo fica muito claro com a perspectiva nada promissora para as forças da direita (estou me referindo à direita empresarial, endinheirada, que sabe o que quer) de que novas eleições (se o impeachment fosse aprovado ainda na primeira metade do mandato) poderiam levar o povo a escolher entre Aécio e Cunha.

A minha tese é de que a direita, nesses últimos setenta anos, só conseguiu eleger dois presidentes: Jânio e Collor. Os militares não foram eleitos e fizeram o jogo que eles queriam. Na fase pós-golpe, os presidentes não foram uma escolha da direita, exceto a aposta furada em Collor, que deu no que deu, embora tenham governado defendendo os seus interesses. Mesmo os governos petistas, com sua pauta mais avançada em termos sociais e de redistribuição de renda, não ofereceram perigo iminente aos empresários e a seus negócios, porque ficaram presos a uma agenda de conciliação e de resgate da miséria de uma boa parcela da sociedade, sabendo que só poderiam fazer isso, se não cometessem delírios econômicos. Portanto, apoiar gente como Aécio e Cunha pode ser um novo tiro no pé. Vejamos.

Aécio Neves. Não herdou do avô, Tancredo Neves, a capacidade política de articular, de se entender com os contrários e driblar as dificuldades. Tem-se mostrado intolerante, sem jogo de cintura, e até mesmo "um menino chorão" diante da derrota. Esconde um gênio irascível ou temerário, capaz de fazer um governo tipo Jânio ou Collor, de trágicas consequências para a direita, que deseja um presidente que estabilize o País, acomode as forças políticas e conduza uma política econômica ortodoxa, sem grandes surpresas. Se tivesse mantido a serenidade depois da derrota, buscando conduzir seu partido para águas menos revoltas do que o rancor pessoal, mais estilo Alckmin que, se não é um líder carismático, mas pelo menos tem demonstrado sensatez política e por isso tem sido o queridinho da elite paulista, poderia até obter um certo voto de confiança dos empresários. Mas, suas declarações e atitudes revelam um homem não confiável, e principalmente não muito inteligente quanto à condução da política, num momento de transição e de necessidade de serenidade e conciliação. Perdeu, pois, totalmente a confiança dos setores produtivos. E perdeu porque, se poderia até ser um mal menor, diante do outro possível candidato, tem demonstrado não ter fôlego para vencer uma disputa eleitoral com uma raposa como Eduardo Cunha.

Eduardo Cunha. Se Aécio não inspira confiança, Cunha inspira terror. É uma reencarnação de Jânio Quadros, com fortes tintas "colloridas", se me permitem o trocadilho. Como candidato, no atual momento, apoiado por forças retrógradas do fundamentalismo evangélico, poderia incendiar o eleitorado. E pleitear um lugar no panteão dos piores estilos messiânicos de salvador da pátria. Empoderado pelo fanatismo, se eleito poderá ser um vendaval, uma força incontrolável, capaz dos maiores desatinos, sejam políticos ou econômicos. Tem todas as características que o levariam a assumir um nacionalismo de direita que, absolutamente, não se coaduna com os interesses econômicos e liberais da classe empresarial, que não espera e não deseja nenhum tipo de governo destrambelhado e passível de aventuras que levem a um desastre semelhante aos governos de Jãnio ou Collor.


Esse o futuro possivelmente vislumbrado pelas classes empresariais, diante de um possível e agora improvável impeachment da presidenta. Se está ruim com a Dilma, devem pensar eles, pior será sem ela. Pelo menos, eles sabem e conhecem o tipo de política econômica que está sendo implementado, e até concordam com os princípios dessa economia. É preferível, portanto, esquecer as desavenças políticas e apoiar um plano sério e confiável que possa tirar o País do atoleiro que eles mesmos o colocaram. E se foram eles os maiores culpados pela atual situação, não vão querer agravar o quadro com aventuras políticas que não possam controlar depois e passar pelos mesmos vexames por que já passaram anteriormente. Assim, salvam-se as cabeças e as fortunas, salva-se a presidenta Dilma e aguarda-se que as eleições de 2018 possam lhes trazer ventos mais favoráveis. E se não trouxerem, afinal Lula já provou não ser nenhum louco, muito ao contrário: é mais confiável do que certos líderes da própria direita.

agosto 07, 2015

1960 - 2000: EM QUARENTA ANOS, DOIS PRESIDENTES DA DIREITA DEFENESTRADOS






Tomemos o período histórico recente entre 1960 e 2000. Quarenta anos. Durante esse tempo, três presidentes da República foram defenestrados. Um deles, João Goulart, era de esquerda e foi afastado do poder por um golpe militar da direita mais hidrófoba desse País. Os outros dois - Jânio e Collor - eram de direita e saíram por motivos diferentes, em situações diferentes, mas eram ambos muito parecidos, como vamos ver nesta tentativa de entender um pouco mais a política brasileira.

Jânio Quadros. Como político, "nasceu" da oligarquia paulista. Venceu as eleições presidenciais com o mote da vassoura, que ia varrer a corrupção e limpar o País. E venceu contra um candidato moderado, da centroesquerda, Marechal Lott. Nem sei se posso colocar o Marechal um pouco mais à esquerda do que no centro. Em todo caso, não era o homem do empresariado, dos que tinham dinheiro e pretendiam continuar fazendo a festa, depois do surto de desenvolvimento promovido por JK.

Por que Jânio renunciou, sete meses depois?

Bem, ele já morreu e nunca explicou direito o que o levou ao gesto estúpido. Por um motivo, para mim, muito simples: não podia explicar, sem comprometer muita gente graúda. Porque, na verdade, a renúncia foi uma tentativa de golpe. Pensava que voltaria nos braços do povo - que nunca foi bobo, e não compactuou com as idiotices que ele cometeu no seu breve governo - ou por obra e graça de militares apoiados pelo dinheiro do capital - coisa que ainda não estava madura, naquele momento. Ou seja, as Forças Armadas - que já possuíam um núcleo político de direita - ainda não tinham o necessário motivo e o necessário apoio político, institucional e financeiro para dar o golpe, e muito menos apoiar um civil. Os empresários que devem ter-se comprometido com Jãnio compreenderam bem isso, e devem tê-lo traído, uma traição com a promessa de recompensas futuras, principalmente financeiras. Porque, em termos políticos, Jânio teve apenas uma recompensa: a prefeitura de São Paulo, em 1985 (o que prova que a "elite" paulistana é mesmo muito burra). E há também um outro fator: os empresários comprometidos com Jânio eram ainda uma classe em formação, não tinham tanto poder político (o golpe de 64 foi gestado e financiado pelos fazendeiros e latifundiários e teve, claro, o apoio da classe empresarial, principalmente na manutenção dos militares por vinte anos, quando eles, os empresários se empoderaram, não só de dinheiro).

Por que Jânio perdeu a confiança da direita endinheirada?  Porque era louco. E, sendo louco, era inteligente. Fazia coisas de sua própria cabeça. Pensava um País à sua imagem e semelhança. Proibia rinhas de galo e biquínis, coisas absolutamente absurdas, na visão das velhas raposas. Mas que davam claros sinais de que seria ele, Jânio, indomável. E não confiável. Sua renúncia deve ter sido articulada com a promessa de uma escada que lhe foi retirada em seguida, deixando-o a ver navios. Como não podia falar nada, atribuiu-a a "forças ocultas", expressão que, na verdade, foi cunhada pela imprensa, ele usou "forças terríveis", para justificar seu gesto. Outra hipótese para a renúncia pode ter sido um delírio messiânico, depois de se recusar a dar o rumo ao governo que pretendiam as forças que o apoiaram. Suas políticas - principalmente a externa e a econômica - não vinham agradando aos setores conservadores. Enfim, Jânio tinha de ser descartado, mesmo com o risco Jango, risco esse amenizado pela ausência do vice-presidente, que estava na China e demorou para voltar, o que possibilitou articulações que, por um lado, permitiram sua posse, por outro tentou limitar seus poderes, com a adoção desastrada do parlamentarismo. O que veio a seguir todos sabem: os anos de chumbo, após a deposição de Jango, um governo de esquerda.

Fernando Collor de Mello foi a aposta da direita endinheirada, após o perído da restauração democrática, depois do fracasso das políticas econômicas de José Sarney, um vice que devia ter sido um vice de luxo de Tancredo Neves, morto antes da posse.

Seu governo durou mais do que o do Jânio. Embora também seja louco. E porque é louco, é inteligente. Por isso, também se recusou a fazer a "lição de casa", quando presidente. Adotou políticas econômicas heterodoxas e extremamente instáveis e impopulares. Tentou - e até obteve algum sucesso - uma segunda "abertura dos portos", provocando a ira do empresariado que se acostumara a uma economia fechada e a reservas de mercado para seus produtos. Tocou, então, numa velha ferida: a falta de competitividade da indústria nacional frente aos estrangeiros, uma marca do atraso e da burrice de nossas elites empresariais até então (e, em parte, até hoje). Além disso, tinha um projeto próprio de poder, o que levou ao governo um grupo paralelo de arrecadação, chefiado por seu irmão, num processo de corrupção e pagamento de propinas nunca antes tão escancarado. O ódio do povo - por causa de sua economia e da corrupção - e do empresariado, por sua traição aos princípios de abertura econômica lenta e gradual (como fora o processo de redemocratização), levaram-no à renúncia, para não sofrer impeachment pelo Congresso Nacional.

Jânio e Collor. Ambos tiveram por marca de suas campanhas políticas o combate à corrupção. Ambos eram tribunos enlouquecidos e conseguiam mobilizar multidões, com uma retórica conservadora e moralista. O primeiro não teve tempo para corromper-se, embora os sete meses de governo lhe tenham propiciado um botim considerável, provavelmente advindo dos empresários que o apoiaram e o traíram. O segundo já levava a corrupção em seu DNA. Ambos tiveram projetos políticos ousados, para dizer o mínimo. Ambos eram forças indomáveis, loucas e sem destino. Quase levaram o País ao desastre total. Ambos irritaram a direita com seus projetos e suas políticas. Ambos foram levados à renúncia. São os projetos frustrados da nossa velha e boa direita calhorda, nesses quarenta anos.


Todos os demais presidentes da república desse período, com exceção óbvia de João Goulart, incluindo os militares, executaram ou tentaram executar políticas econômicas de favorecimento das classes empresariais, sejam da indústria, do comércio ou do agronegócio. Foram coniventes com o status quo de país de pouca abertura econômica para o mundo, de proteção ao capital nacional, de incentivo a um crescimento econômico capitalista e selvagem, com pouca ou nenhuma preocupação social. O desenvolvimento era custeado por poucos e visava a poucos, principalmente durante o regime militar. As desigualdades sociais eram tratadas como algo contingencial e até necessário, para que o País crescesse e só depois o "bolo seria distribuído", o que nunca acontecia, porque os que ganhavam dinheiro com o crescimento não só embolsavam os lucros, como ainda queriam cada vez mais. Então, o processo de distribuição de rendas caía no velho e costumeiro círculo vicioso: só ganhava dinheiro quem tivesse dinheiro. E o povo que se virasse, com as poucas oportunidades que lhe eram atribuídas, como migalhas do banquete dos ricos, para usar a velha metáfora, tão velha quanto a desigualdade aprofundada por todos esses governos, desde 1960 até o ano 2000 e tendo mais dois anos, até 2002, como um rabicho desse tempo de desigualdades. Quando, a partir desse ano, tudo começou a mudar. Mas, aí é outra história.