junho 22, 2013

A GRANDE FESTA DO FASCISMO






Até hoje, há muita gente que acredita que o golpe de 1964 foi contra o comunismo. Que houve financiamento do exterior, dos Estados Unidos. Que o povo é quem derrubou o governo constitucional. Que as Forças Armadas eram democráticas etc. etc. etc.

Primeiro, o golpe de 64 não foi contra o comunismo, mas contra um governo que pretendia fazer reformas e a principal era a reforma agrária. Ora, o Brasil era (ainda é, de forma diferente, talvez, mas ainda é) um país de latifundiários. De grandes fazendeiros. E foi dos profundos rincões das grandes propriedades é que veio a grana, a força necessária, o grande incentivo para que houvesse as manifestações da direita, com as marchas fascistas da família, com deus, pela liberdade e outras coisas mais. Essas marchas faziam parte da democracia e, por isso, o governo João Goulart titubeou em reprimi-las ou não pôde fazê-lo, em nome da democracia. Era o nascedouro do movimento contra ele, e ele só podia contar com as forças populares, por isso o comício da Central do Brasil.

As Forças Armadas brasileiras nunca foram fascistas ou ferrenhamente anticomunistas. Eram democráticas. Mas havia, em seu bojo, num núcleo duro, um núcleo de oficiais que foram devidamente cooptados pelos lobby dos grandes fazendeiros, pois eram comandantes e oficiais que serviram em inúmeros postos pelos interiores a fora, como é normal, principalmente no Exército. E foi esse núcleo que assumiu o comando do Exército e, por extensão, das outras Forças, para dar o golpe, cuja senha foi o levante de Minas Gerais, o estado mais conservador e mais antigoverno, com as tropas do General Mourão. A grande imprensa aplaudiu entusiasticamente e o povo, mais uma vez manipulado, apoiou, com reservas, mas apoiou. O golpe era apenas para remover Goulart e os reformistas e convocar imediatamente eleições diretas. Mas não foi o que se viu... E a História está aí para contar os desdobramentos.

Embora tenham flertado com o fascismo, na década de trinta e quarenta, os oficiais brasileiros que assaltaram o poder em 1964 eram acima de tudo anticomunistas. Os laivos fascistas dos golpistas ficaram no ódio aos políticos e aos partidos políticos, dissolvidos e recriados artificialmente, e em medidas de grande repercussão nacionalista, que pautaram todos os governos dos ditadores, a partir daí. Ou seja, os "camisas-verdes" também não tiveram muita voz ativa, ficaram na moita, espreitando, como sempre.

O processo de redemocratização passou por percalços, com a morte de Tancredo Neves e teve um histórico confuso, de lutas ideológicas que nunca afloraram totalmente, porque as esquerdas haviam sido devidamente esquartejadas e salgadas pelos militares e a direita estava desacreditada, depois dos fracassos dos governos militares, com sua política ultranacionalista, que isolou o País do resto do mundo, e trouxe como consequência a perda de competitividade internacional, de que ainda não nos recuperamos. Assim, a ideologia só voltou à tona com a criação do Partido dos Trabalhadores.

O PT foi a novidade. E lutou muito para crescer, para convencer, para vencer. E sua vitória, com um operário - um tremendo absurdo, na visão da direita -, tinha tudo para dar errado. E era o que os fascistas esperavam: o fracasso total e absoluto do Presidente Lula, para ser o mote de um golpe espetacular. Voltariam com todas as forças ao poder. E de lá não sairiam mais. Espaldados pelo voto dos conservadores e com o povo devidamente domado com mentiras repetidas à exaustão, para se tornarem verdades. Mas... Lula não fracassou. Pelo contrário, fez um governo sensato, apesar de toda a perseguição política durante o primeiro mandato, e ainda se reelegeu! Foi um golpe duro demais na cabeça da cobra fascista que se retorcia de ódio à ascensão da classe trabalhadora aos meios até então reservados à classe média conservadora, como benesse dos mais ricos e poderosos.

E Lula fez mais: elegeu Dilma Rousseff, uma ex-guerrilheira. A primeira mulher a governar o País. Um golpe de mestre. Porque ainda agora a direita hidrófoba ainda titubeia em atacar diretamente a presidenta, por medo de ser tachada de machista e de perder a pouca credibilidade que tem. Então, é preciso achar pretextos para inculcar seu ódio à classe trabalhadora e ao Partido dos Trabalhadores.

Acharam o meio ideal para inocular seu veneno: as redes sociais. Onde tudo pode ser aquilo que não é na realidade. Um universo de faz de conta, de palavras de ordem melífluas ou diretas, mas tudo muito bem embalado pela tecnologia, com a qual cooptam os incautos, os descontentes - afinal, há em todos os lugares do mundo, sempre, alguns descontentes com alguma coisa - e é fácil ampliar o descontentamento, é só publicar fatos distorcidos, falsas notícias, comentários jocosos, trocadilhos infames que parecem inocentes, slogans como "muda Brasil", "hospitais padrão FIFA" e coisas afins - o disfarce é perfeito. Enfim, eles sabem usar e manipular muito bem a "redecracia": veja-se o caso do boato da interrupção do programa Bolsa Família, que assombrou estados no Norte e Nordeste do país, há pouco tempo, como um exemplo de teste dessa ferramenta poderosa, que são as redes sociais.

Quando o Movimento Passe Livre, ingenuamente, obteve repercussão com sua luta contra o aumento das passagens urbanas, os fascistas acharam o veículo ainda mais perfeito para a sua ação, agora nas ruas. E os inocentes do MPL, achando-se poderosos, por encontrarem enfim repercussão de sua luta, demoraram a perceber o quanto estavam sendo manipulados pelos espertalhões fascistoides que tomaram de assalto o seu movimento, promovendo deliberadamente atos de quebradeira e incentivando os inocentes úteis mais exaltados a destilarem ódio e preconceito contra todos os partidos políticos, mas principalmente contra os partidos de esquerda e, especialmente, contra o PT, e contra tudo o que representasse ou simbolizasse poder, como palácios de governo e câmaras legislativas, sem poupar, claro, no meio da bagunça promovida, nada que estivesse em seu caminho, como forma de mostrar um País à beira do caos.

Não nos esqueçamos que a base de toda a ideologia fascista consiste em pregar e inculcar nas mentes das pessoas um forte senso nacionalismo, travestido, muitas vezes, de patriotismo. Apropriam-se de símbolos como a Bandeira e o Hino, para despertar nos incautos o orgulho de ser brasileiro, de lutar por um País melhor. E os slogans caminham sempre no sentido da necessidade de mudar, de melhorar, de construir um país livre e outros tipos de engodo, facilmente assimiláveis por pessoas comuns, como se um movimento apartidário, falsamente apartidário, possa realmente construir um mundo melhor; como se fosse possível ao povo chegar ao poder e, num passe de mágica, resolver todos os imensos problemas de uma nação complexa e múltipla. O apelo é muito forte: saúde, educação, segurança são calcanhares de aquiles de qualquer governo, pela dificuldade de solução de seus imensos desafios e não, necessariamente, por falta de verbas. Atrair o povo para esses problemas é como tirar doce da mão de criancinhas. E é como crianças, como massa de manobra, que os fascistas manipulam a vontade do povo: mentiras repetidas viram verdades, não nos esqueçamos nunca.

Portanto, muito longe de comemorarmos as grandes manifestações como atos de democracia, de participação popular, de festa, devemos lamentar, e lamentar muito, como acontecimentos que celebram uma grande festa do renascimento do fascismo e dos fascistas, que encontram o meio adequado para, através da manipulação da verdade, mais uma vez tentar tomar o poder neste País.






junho 21, 2013

O OVO DA SERPENTE?




 (São Paulo, Largo da Batata)



No famoso filme de George Romero, "A volta dos mortos-vivos", um bando de zumbis percorre a cidade matando e comendo cérebros, e gritando: "brain, brain, brain".

Foi essa a imagem que me veio, ao ver as imensas passeatas e manifestações em todo o País, exaltadas e elogiadas por todos os meios de comunicação como um fato histórico, como algo realmente extraordinário. Aos poucos, porém, as belas imagens de cantos e slogans, de cartazes contra tudo e contra todos, começaram a ceder às imagens da massa amorfa a destruir tudo o que encontrava pela frente, tendo como alvos (listei alguns, pelo Brasil afora): prefeituras municipais (e muitas, como a do Rio, ocupam prédios históricos, tombados); palácios de governos (em São Paulo, o Bandeirantes; em Brasília, o Palácio do Itamarati, obra considerada patrimônio da humanidade, do gênio de Niemayer); câmaras municipais; assembleias legislativas; campos de futebol; sedes do poder judiciário (como em Vitória, ES); espaços públicos de lazer e artes (o Terreirão do Samba, no Rio; o Teatro Municipal, em São Paulo); veículos de transmissão de tevê; ônibus de transporte público; veículos particulares; bancas de jornais; equipamentos urbanos, como semáforos, radares etc.; lojas em geral e de eletroeletrônicos, principalmente; agências bancárias...

Brain, brain, brain...

Não há desculpa para esse tipo de atitude. Os líderes dos movimentos que convocam a população para se manifestar em atos públicos têm de ter a exata noção do que querem. Ou seja: devem ter clareza no objetivo da manifestação; indicar o local e o trajeto que deverá percorrer; indicar os objetivos a serem alcançados; instruir seus seguidores no modo como agir em relação a quaisquer provocações, sejam da polícia, sejam de outros grupos; orientar os participantes a não permitir ações de indivíduos mais exaltados, que iniciem qualquer tipo de baderna; orientar seus seguidores a manifestar opinião sobre tais e tais assuntos, para que não se torne algo sem uma ideia central; indicar a hora de iniciar e, principalmente, a hora de terminar, para que as pessoas voltem para suas casas e não haja desculpa para grupos de assaltantes, bandidos e saqueadores se aproveitarem do movimento para agir. Enfim, devem tomar atitudes de líderes. E não foi o que eu vi, até agora. Convocam o povo e, depois de reunida a multidão, grupos isolam-se e agem sem comando.

Brain, brain, brain...

Um movimento social se inicia com a perspectiva de que algo pode ser mudado na sociedade. Mesmo que seja um motivo simples, como diminuir o valor do transporte público em vinte centavos, como foi a origem do movimento, em São Paulo. Alcançado esse objetivo, não há motivo para continuar a realizar o mesmo tipo de manifestação, como se aquilo fosse apenas a primeira de uma série de reivindicações. Porque isso é enganar, é não dizer toda a verdade, seja à população, seja às autoridades constituídas. Isso é engodo. É aproveitar-se de um objetivo alcançado para tentar chantagear os governos, como a dizer, irresponsavelmente, "isso o que conseguimos foi só uma brincadeirinha, agora é que vai começar para valer". Tal atitude indica falta de maturidade e leva à perda da credibilidade do movimento.

Brain, brain, brain...

"Vamos mudar o País"; "somos contra a corrupção"; "mais verbas para saúde e educação"; "mais hospitais e menos estádios"; "contra a PEC-37"... E mil outras pequenas e importantes reivindicações apareceram nos cartazes. Mas, qual o objetivo de tudo isso? Por que tudo isso? De que modo se pode conquistar tudo isso? Vamos analisar algumas dessas demandas.

"Mudar o País". Mudar em quê e para quê, exatamente? Se estamos num Estado democrático de pleno direito, com todas as instituições funcionando; se não há nenhuma ameaça à liberdade de expressão; se os governantes são eleitos a cada quatro anos, em eleições livres e justas; se a inflação, embora ainda possa assustar um pouco, está sob controle; se o custo de vida, ainda que oscile, tem sido o que se espera num momento econômico internacional complicado; se os partidos políticos abrangem todos os naipes das ideologias e, se não são ideais, há a possibilidade de se discutir e encaminhar propostas de reformas que visem à melhoria dessas instituições; se o País está crescendo, em ritmo lento, mas consistente; se não há desemprego nem falta de perspectivas para os jovens no mercado de trabalho; se os problemas estruturais relacionados a estradas, portos, aeroportos etc. estão sendo discutidos e soluções - que não são baratas nem imediatas - estão sendo encaminhadas; se a educação - que é realmente ruim e tem sido assim há décadas - tem sido contemplada com verbas suficientes e com propostas que visam a ampliá-las, num futuro não muito distante, como, por exemplo, que a extração do petróleo do pré-sal e seus dividendos sejam dirigidos para a educação; se não há nenhum grande esquema de corrupção dentro do Estado, em qualquer de seus níveis - municipal, estadual e federal - e os que aparecem são pontuais e devidamente investigados e punidos; se há, sim, verba para a saúde, e o que vivemos é uma crise de gestão de órgãos da saúde cuja responsabilidade está vinculada muito mais a gestores municipais, que precisam, sim, ser cobrados para que a situação melhore e isso não tem relação direta com quaisquer outros investimentos públicos, como a construção de estádios para a Copa do Mundo; se a discussão sobre o ordenamento jurídico do Estado, como a responsabilidade de investigação entre Ministério Público e Polícia Federal, é apenas uma discussão de limites de poder, que não vai, absolutamente, interferir em nada na vida dos cidadãos, como querem fazer parecer as partes envolvidas na contenda, e isso é só uma discussão jurídica e nada mais, sobre a qual os cidadãos podem e devem dar sua opinião, mas não justifica nenhum tipo de gritaria de que a aprovação da tal PEC-37 vá ocasionar perda de garantias e de direitos dos cidadãos deste País; enfim, se todas essas demandas são legítimas e cabem em qualquer fórum de discussão de melhorias para o povo, por que fazer disso, exatamente, um motivo para "mudar o País?"

Brain, brain, brain...

Muito bem, concordemos que tudo isso é muito bom, que tudo isso está bem, que o povo precisa achar um canal de comunicação, de mobilização, de pressão às autoridades, para que as coisas melhorem. Concordemos que é importante e necessária uma manifestação pacífica, uma boa passeata, com as pessoas sabendo exatamente o seu papel de cidadãos, com palavras de ordem devidamente discutidas e repassadas, seguindo o ritual (odeio os rituais, mas não há como fugir deles, se não tudo desanda) dos processos democráticos de objetivo, clareza, começo, meio e fim da manifestação e, principalmente, controle da massa. Para isso, é preciso que haja líderes. Para isso, é preciso que haja uma ideologia concreta, clara, sem subterfúgios.

E onde estão os líderes? Onde estão os responsáveis diretos por todas essas manifestações? Não há palanques, não há discursos (mesmo que breves, que, afinal, os tempos são outros), não há compromisso dos líderes com seus liderados nem com os demais entes da sociedade. Afinal, uma manifestação de rua interfere na vida de muita, muita gente, e isso precisa ser planejado, combinado, avisado de forma clara e transparente. A mesma clareza e transparência que os manifestantes estão a exigir dos governantes. Se a liderança é difusa, a ideologia também é difusa. E pode ser perigosa.

Brain, brain, brain...

E aí entramos no terreno mais complexo de tudo isso: o da ideologia.

Não existe movimento humano que não seja político, ou seja, que não esteja dentro de um contexto que envolva outros seres humanos. Porque, como todos sabem e alardeiam, nenhum homem é uma ilha. Tudo bem, nem toda política é partidária, mas toda ação política tem um motivo, uma motivação, um "ovo" do qual brotam e se desenvolvem todas as demais ações que poderão ou não mudar a vida de uma comunidade, de uma cidade, de um país, do mundo. E enquanto não temos clara a ideologia de uma ação, não podemos julgá-la em termos de consequência. Principalmente, é impossível julgá-la no seu nascedouro, quanto a seus méritos morais, se não a conhecemos, se ela permanece oculta por seus pretensos líderes ou iniciadores. É o que acontece, agora. O que pensam, realmente, os líderes dessas manifestações todas, já que eles mal aparecem, ou não se deixam conhecer?

Sabemos que, primeiro, são apartidários. Mais precisamente: parece que não são apenas apartidários, mas contrários a todos os partidos. Mussolini também era contra todos os partidos. Por isso fundou o seu. Ser contra partidos políticos pode parecer, portanto, algo muito generoso e bom, mas é extremamente perigoso. Porque os partidos políticos abrigam ideologias, ou, pelo menos, deveriam abrigá-las. E dizer-se sem nenhuma ideologia é, sem sombra de dúvida, flertar com forças muito negras da história da humanidade.

Segundo, parece que defendem um tipo de democracia direta. Claro, se não há partidos, que o povo decida nas ruas o que se deve ou não se deve fazer. Alguns veem nisso o que chamam de anarquia. Não, anarquia não é isso. O anarquismo é uma doutrina séria, que prega um tipo de utopia de sociedade sem governo, porque não precisa de governo, já que seria constituída de homens e mulheres de tal grau de civilidade, que não precisariam de leis ou de regras ou de regulamentos para conviver entre si. O que esses indivíduos que se dizem "anarquistas" pregam é a destruição de um sistema, sem nada para colocar no lugar. É apenas a bagunça. E esses "bagunceiros", "arruaceiros" ou seja lá o nome que se queira dar a eles, estão, sim, no âmago de qualquer movimento que não tenha uma ideologia definida, porque eles se aproveitam disso para impor suas ideias e, mais, impor pela força aquilo que eles não conseguem pela lógica.

Brain, brain, brain...

Democracia direta só funciona em pequenas, em mínimas comunidades e, assim mesmo, quando os indivíduos que a compõem têm um compromisso muito claro com certos princípios de respeito ao outro, a si mesmos e ao meio em que vivem, para não serem cooptados por uma minoria atuante que acaba por envolver a maioria em suas ideias e propostas, muitas vezes contrárias ao grupo e de acordo com os seus interesses. E aí, chegamos a um ponto crucial: as minorias. Esses indivíduos acham-se maioria, mas não o são. Porque se impõem, porque mobilizam, porque gritam mais alto, parecem maioria e, por algum tempo, obtêm a adesão de uma grande quantidade de pessoas, que se iludem com as palavras de ordem devidamente edulcoradas. Mas é tudo falso: impõem, na verdade, a ditadura da minoria, porque, aos poucos, os cidadãos que aparentemente aplaudem suas atitudes começam a se sentir incomodados com seus gritos, com seus rompantes e, principalmente, com suas atitudes de arrogância e de interferência na ordem pública. Porque a maioria absoluta do povo gosta da ordem, de sua zona de conforto. Que as revoluções sejam feitas,  a maioria do povo até aprova, de vez em quando. Mas que tudo volte ao normal, em seguida, que a vida siga o seu curso. E não é o que está acontecendo. Os mortos-vivos insistem e insistem e insistem...

Brain, brain, brain...

Temerosos por seus funcionários e, mais ainda, por seu patrimônio, está claro que as redes de comunicação social - televisões e rádios, em primeiro, lugar e imprensa em segundo - aplaudem e tratam com a máxima cautela o que está acontecendo. Um certo comentarista até se retratou vinte e quatro horas depois de ter dito barbaridades contra as manifestações. Com cara de poucos amigos, mas se retratou. E os apresentadores de televisão são tão caras de pau, que conseguem ver seus veículos de transmissão pegando fogo e ainda elogiar! Conseguem maquiar tão bem suas opiniões, que colocam as imagens de quebra-quebra, de destruição, ao som de ícones musicais, como "Alegria, alegria", de Caetano Veloso. Referências à tomada da Bastilha passam, como vinhetas arranhadas, de vez em quando, pelos comentaristas escrotos. E só falta associarem a destruição da sede da Prefeitura do Rio à voz de Geraldo Vandré cantando "Para não dizer que não falei de flores", um dos hinos da resistência à ditadura. Enfim, o circo está armado e, debaixo dessa lona, está o ovo, um ovo que me parece conter negros presságios.

Os zumbis de George Romero comiam cérebros. Os mortos-vivos das marchas pela mudança do País parece que só querem, mesmo, provar que a força da "redecracia" que eles comandam pode substituir um sistema de governo democrático, baseado no princípio da representação - que pode não ser perfeito e não o é, aliás bem ao contrário, mas não há outro melhor que o suceda.

Só nos resta torcer para que muitos desses mortos-vivos não se transformem em mortos de verdade.


Brain, brain, brain...



junho 14, 2013

PREFEITO HADDAD, VAMOS DAR UM PÉ NA BUNDA DA MÁFIA DOS TRANSPORTES DE SÃO PAULO?








Sair às ruas e apanhar da polícia por causa de vinte centavos no aumento da passagem de ônibus é pouco, muito pouco. Não vale a pena. Mas se é para lutar por gratuidade do sistema de transportes, aí, sim, temos uma causa.

Vou tentar resumir o que eu penso de tudo o que vem ocorrendo, principalmente em São Paulo, em relação às manifestações do chamado MPL (Movimento Passe Livre).

Primeiro, sou absolutamente contra qualquer tipo de violência, claro. E sou totalmente contra qualquer ato que implique destruição. Vou tentar não usar a palavra "vandalismo", por muitos acharem que sua carga histórica é pesada demais. Bobagem. Porque a palavra é apenas uma palavra. Porque sou contra atos de destruição? Porque - e é inevitável não recorrer à História - todos os atos de destruição trouxeram prejuízos incalculáveis à humanidade. Um exemplo: cristãos destruíram a arte pagã greco-romana e a arte pré-colombiana. Tesouros irrecuperáveis. Porque, quando inicia um ato de destruição, a multidão não tem medida, não tem controle. Outro exemplo: quando o MST (Movimento Sem Terra) invade fazendas de grandes empresas, isso é um ato político de grande importância; mas quando destroem essa fazenda e seu maquinário, é um ato de burrice: melhor seria expropriar e apropriar-se dos bens dos burgueses e capitalistas, e usá-los em seu proveito. A revolução queimaria etapas importantes de reconstrução.

Segundo, num movimento popular, as lideranças precisam ter controle da massa para evitar confrontos sérios. E o MPL não parece ter claras essas lideranças, e o movimento - legítimo - tem sido apropriado por políticos e politiqueiros de sempre e por baderneiros de plantão, aqueles que, sem qualquer ideologia, utilizam indevidamente o símbolo do anarquismo para promover a destruição e a pancadaria. Esse controle pelas lideranças é importante para manter o foco do movimento e para evitar grandes conflitos. É claro que, numa massa de dois ou cinco mil pessoas, há sempre aquelas que se descontrolam e fazem bobagens. Mas elas têm que ser a exceção, não a regra, nem terem força suficiente para desestabilizar o movimento ou para tomar suas rédeas e praticamente destituir as lideranças com palavras de ordem que podem ter mais apelo, mas que levam a confrontos mais violentos.

Terceiro, se as pessoas se descontrolam, o mesmo não pode ocorrer com a tropa policial. Os policiais deveriam ser homens e mulheres preparados para o controle da situação em qualquer momento, com ou sem conflito. Não para atiçar a multidão ou tentar contê-la à base da pancadaria. Polícia que bate é polícia despreparada. E a PM de São Paulo está despreparada há décadas, porque traz em sua formação as noções do militarismo que pregava a ideia de inimigo interno. As pessoas, numa multidão, por mais besteiras que façam, não podem ser tratadas como inimigas a serem abatidas a qualquer preço. Isso é um total absurdo. E é isso o que vemos na Polícia Militar de São Paulo, sob o comando dos senhor governador, que não se preocupou, nesses anos todos em que seu partido está no governo, em mudar a formação dos policiais, em dar-lhes pelo menos um verniz humanista. Eles agem assim na periferia, contra os mais pobres; eles agem assim nas favelas, contras os desfavorecidos; eles agem assim em todas as ruas, contra os negros; eles agem assim em todos os momentos, porque para eles não há conceitos claros de cidadania e todos os cidadãos são bandidos, até prova em contrário. Portanto, eles têm as armas, eles têm a força, eles têm a formação de guerreiros e agem com toda a violência, quando deviam evitar o tumulto, controlar os ânimos, convencer os manifestantes a se comportarem usando métodos civilizados. Há polícias no mundo que fazem isso.

Quarto: permitir que manifestantes desafiem a PM é cutucar uma onça perigosa sem vara nenhuma. É querer que haja feridos, para aparecer na mídia. E mais perigoso ainda: é querer buscar um cadáver para ser erguido como bandeira para agitações muito mais perigosas. E eu acho que nada vale o sacrifício de uma vida humana. Os líderes do MPL precisam urgentemente reciclar seus métodos, para evitar a todo custo a sanha sanguinária da PM.

Dito isso, vamos ao que interessa: transporte público.

E aqui faço um apelo ao prefeito Fernando Haddad: que tal fazer história e não ser levado a reboque por ela?

Prefeito: chame as lideranças do MPL, chame as lideranças políticas e sociais da cidade, chame o Ministério Público, chame representantes da PM, da Câmara dos Vereadores, da Assembleia, dos movimentos comunitários e faça um grande debate com todos. E tenha um gesto de grandeza: se não quer suspender o aumento das passagens, nem é preciso fazer isso, basta que se comprometa com todos, com a população de São Paulo, a buscar uma alternativa para o transporte público, e essa alternativa é a gratuidade dos serviços. Já um houve um projeto nesse sentido - da gestão da Luísa Erundina. Vamos retomá-lo, vamos aperfeiçoá-lo, vamos discuti-lo com a população.

E o grande ato de grandeza de Vossa Excelência, senhor prefeito: será evitar mais confusão na nossa cidade e, principalmente, dar um bom chute na bunda da máfia dos transportes que domina São Paulo. Vai ser uma briga dura, mas você poderá contar com o toda a força da população, essa mesma que sai às ruas para defender seu ponto de vista, e você verá que, realmente, o povo pode, sim, fazer revoluções pacíficas e duradouras.

Porque a reformulação total dos transportes públicos de São Paulo, com sua gratuidade, para fornecer um serviço que atenda aos interesses da população e não aos interesses de "empresários" que já se locupletaram do dinheiro do povo e que só pensam em ganhar ainda mais, será um ato de grande, de extrema coragem, para exemplo do Brasil e, provavelmente, do mundo, diante do tamanho da nossa cidade e do desafio que isso representa.