Sair às ruas e apanhar da polícia por causa de vinte
centavos no aumento da passagem de ônibus é pouco, muito pouco. Não vale a
pena. Mas se é para lutar por gratuidade do sistema de transportes, aí, sim,
temos uma causa.
Vou tentar resumir o que eu penso de tudo o que vem
ocorrendo, principalmente em São Paulo, em relação às manifestações do chamado MPL
(Movimento Passe Livre).
Primeiro, sou absolutamente contra qualquer tipo de
violência, claro. E sou totalmente contra qualquer ato que implique destruição.
Vou tentar não usar a palavra "vandalismo", por muitos acharem que
sua carga histórica é pesada demais. Bobagem. Porque a palavra é apenas uma
palavra. Porque sou contra atos de destruição? Porque - e é inevitável não recorrer
à História - todos os atos de destruição trouxeram prejuízos incalculáveis à
humanidade. Um exemplo: cristãos destruíram a arte pagã greco-romana e a arte
pré-colombiana. Tesouros irrecuperáveis. Porque, quando inicia um ato de
destruição, a multidão não tem medida, não tem controle. Outro exemplo: quando
o MST (Movimento Sem Terra) invade fazendas de grandes empresas, isso é um ato
político de grande importância; mas quando destroem essa fazenda e seu
maquinário, é um ato de burrice: melhor seria expropriar e apropriar-se dos
bens dos burgueses e capitalistas, e usá-los em seu proveito. A revolução
queimaria etapas importantes de reconstrução.
Segundo, num movimento popular, as lideranças precisam ter
controle da massa para evitar confrontos sérios. E o MPL não parece ter claras
essas lideranças, e o movimento - legítimo - tem sido apropriado por políticos
e politiqueiros de sempre e por baderneiros de plantão, aqueles que, sem
qualquer ideologia, utilizam indevidamente o símbolo do anarquismo para promover
a destruição e a pancadaria. Esse controle pelas lideranças é importante para
manter o foco do movimento e para evitar grandes conflitos. É claro que, numa
massa de dois ou cinco mil pessoas, há sempre aquelas que se descontrolam e
fazem bobagens. Mas elas têm que ser a exceção, não a regra, nem terem força
suficiente para desestabilizar o movimento ou para tomar suas rédeas e
praticamente destituir as lideranças com palavras de ordem que podem ter mais
apelo, mas que levam a confrontos mais violentos.
Terceiro, se as pessoas se descontrolam, o mesmo não pode
ocorrer com a tropa policial. Os policiais deveriam ser homens e mulheres
preparados para o controle da situação em qualquer momento, com ou sem conflito.
Não para atiçar a multidão ou tentar contê-la à base da pancadaria. Polícia que
bate é polícia despreparada. E a PM de São Paulo está despreparada há décadas,
porque traz em sua formação as noções do militarismo que pregava a ideia de
inimigo interno. As pessoas, numa multidão, por mais besteiras que façam, não
podem ser tratadas como inimigas a serem abatidas a qualquer preço. Isso é um
total absurdo. E é isso o que vemos na Polícia Militar de São Paulo, sob o
comando dos senhor governador, que não se preocupou, nesses anos todos em que
seu partido está no governo, em mudar a formação dos policiais, em dar-lhes
pelo menos um verniz humanista. Eles agem assim na periferia, contra os mais pobres;
eles agem assim nas favelas, contras os desfavorecidos; eles agem assim em
todas as ruas, contra os negros; eles agem assim em todos os momentos, porque
para eles não há conceitos claros de cidadania e todos os cidadãos são
bandidos, até prova em contrário. Portanto, eles têm as armas, eles têm a
força, eles têm a formação de guerreiros e agem com toda a violência, quando
deviam evitar o tumulto, controlar os ânimos, convencer os manifestantes a se
comportarem usando métodos civilizados. Há polícias no mundo que fazem isso.
Quarto: permitir que manifestantes desafiem a PM é cutucar
uma onça perigosa sem vara nenhuma. É querer que haja feridos, para aparecer na
mídia. E mais perigoso ainda: é querer buscar um cadáver para ser erguido como
bandeira para agitações muito mais perigosas. E eu acho que nada vale o
sacrifício de uma vida humana. Os líderes do MPL precisam urgentemente reciclar
seus métodos, para evitar a todo custo a sanha sanguinária da PM.
Dito isso, vamos ao que interessa: transporte público.
E aqui faço um apelo ao prefeito Fernando Haddad: que tal
fazer história e não ser levado a reboque por ela?
Prefeito: chame as lideranças do MPL, chame as lideranças
políticas e sociais da cidade, chame o Ministério Público, chame representantes
da PM, da Câmara dos Vereadores, da Assembleia, dos movimentos comunitários e
faça um grande debate com todos. E tenha um gesto de grandeza: se não quer
suspender o aumento das passagens, nem é preciso fazer isso, basta que se
comprometa com todos, com a população de São Paulo, a buscar uma alternativa
para o transporte público, e essa alternativa é a gratuidade dos serviços. Já
um houve um projeto nesse sentido - da gestão da Luísa Erundina. Vamos retomá-lo,
vamos aperfeiçoá-lo, vamos discuti-lo com a população.
E o grande ato de grandeza de Vossa Excelência, senhor
prefeito: será evitar mais confusão na nossa cidade e, principalmente, dar um
bom chute na bunda da máfia dos transportes que domina São Paulo. Vai ser uma
briga dura, mas você poderá contar com o toda a força da população, essa mesma
que sai às ruas para defender seu ponto de vista, e você verá que, realmente, o
povo pode, sim, fazer revoluções pacíficas e duradouras.
Porque a reformulação total dos transportes públicos de São
Paulo, com sua gratuidade, para fornecer um serviço que atenda aos interesses
da população e não aos interesses de "empresários" que já se
locupletaram do dinheiro do povo e que só pensam em ganhar ainda mais, será um
ato de grande, de extrema coragem, para exemplo do Brasil e, provavelmente, do
mundo, diante do tamanho da nossa cidade e do desafio que isso representa.
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