outubro 12, 2011

AINDA ESSA HISTÓRIA DE PÚBLICO E PRIVADO





Digo, repito e repetirei mil vezes, se preciso for: futebol pode ser paixão. Mas o clube de futebol, sua diretoria, seus funcionários e seus jogadores são propriedade particular.


Como torcedor, só posso mesmo exercer o nome, o título de torcedor, ou seja, aquele que torce, que gosta do time e deseja (e apenas deseja) que o time jogue bem e vença seus jogos. Nada mais.


Se um time vai mal, se os jogadores fazem corpo mole, se o técnico não sabe armar o time, se perdem jogos, o azar é deles, somente deles. O time perde público e patrocínio, fontes de receita; os sócios perdem dinheiro e, principalmente, o patrimônio do clube se desvaloriza e os jogadores perdem valor no mercado e também perdem dinheiro, juntamente com seu empresário e com o staff que o acampanha. E o técnico perde o emprego.


E o torcedor, o que perde? Nada. Talvez umas horas de sono. Nada mais.


No entanto...


Há alguns elementos nessa paixão, nessa mistura de público e privado que trazem consequências funestas, para pessoas, para clubes e para torcedores.


Vejamos.


Primeiro: torcidas organizadas. Foi a invenção mais estúpida de toda a história dos esportes. Criada de forma talvez inocente, para a união de torcedores de um mesmo time, transformaram-se em pesadelo de preconceito, violência e mortes. E pior: os clubes, talvez um tanto inocentemente, talvez vendo nessas hordas de vândalos a possibilidade de aumentar arrecadação, enchendo estádios, acabaram apoiando essas torcidas. Um grande equívoco. Elas usam os símbolos e a camisa do clube – que são patrimônio e motivo de ganho em ações de marketing, para insultar outras torcidas, destruir patrimônio público, brigar e matar em nome... de quem? Do clube, claro. Apropriam-se de um bem particular – a imagem do clube – para prejudicar o prejudicar esse mesmo clube, pois acabam espantando dos estádios o torcedor comum, que teme a violência e as brigas constantes.


Segundo: a equivocada cobertura das mídias. Repórteres e comentaristas esportivos, até mesmo gente bastante inteligente e decente, não percebem que, falando asneiras, criticando de forma apaixonada e, até mesmo, violenta, dirigentes, jogadores, técnicos, incentivam o lado irracional do torcedor, que se acha no direito de também fazer cobranças, de também exigir o que ele não tem direito de exigir: que o seu time jogue aquilo que ele pensa que deve jogar; que os jogadores são seus apadrinhados ou que ele é dono ou o empregador dos jogadores, o que o leva a cobrar, às vezes de forma violenta, que esses jogadores deem o sangue, mostrem “raça”, seja lá o que isso queira dizer, na defesa de uma camisa que, no fundo, é apenas uma forma de ganhar a vida, de fazer um trabalho. Jogador de futebol, salvo raríssimas exceções, não joga mal porque quer, mas porque está atravessando uma má fase, porque não está bem fisicamente. E se ele prefere ir para a balada e beber até cair em detrimento de sua performance, o azar é todo dele: desvalorizado como atleta, perderá a confiança de seu empregador (o clube) e poderá até mesmo encerrar sua carreira.




Terceiro: o torcedor. Se um jogador tem problemas – sejam particulares ou não – o clube é que deverá buscar soluções para resolvê-los, não o torcedor. Mas, incentivado pela mídia, o torcedor vira um cobrador furioso, um agressor, a exigir, até com sopapos, resultados que o time não obtém não porque não queira, mas porque há sempre muita coisa em jogo num time de futebol, muita coisa além das quatro linhas do campo. E isso é problema do clube. Ele é que deve resolver. Não o torcedor.


Um clube de futebol – quantas vezes será preciso repetir? – é uma instituição privada, não pública, que depende do dinheiro, sim, do torcedor, através da bilheteria, o que não é algo compulsório: a decisão de ir ao campo e toda dele e de ninguém mais. Torcemos por um time, como torcemos por qualquer outra coisa em nossa vida, pelo sucesso de nossos filhos, pela vitória de um atleta, pela melhoria das condições de vida do povo, pelo progresso da Nação.


Apenas com um detalhe fundamental: muitas de nossas torcidas, na vida, podem depender do nosso trabalho, da nossa conduta ética, dos nossos esforços por viver bem em sociedade. Mas, a torcida por um time de futebol – se não somos sócios e, portanto, “donos” ou acionistas desse clube – só pode, mesmo, ficar na torcida: festejar nas vitórias, chorar nas derrotas e ignorar as provocações de outros torcedores, porque, afinal, um jogo termina no apito do juiz e seu resultado não modificará a vida de ninguém, nem o mundo em que vivemos.


Torcedor não tem o direito de bater em jogador (como aconteceu esta semana com um dos jogadores do Esporte Clube Palmeiras, de São Paulo, quando foi agredido na porta do clube por um bando de estúpidos e idiotas); não tem o direito de exigir que fulano ou beltrano não jogue ou se esforce mais; não tem o direito de nada além do torcer... e até criticar, vaiar, deixar de ir aos jogos. Nada além disso. Nada!