novembro 01, 2013

UM LONGO, MAS NECESSÁRIO DESABAFO









"O que está a acontecer no Brasil é o que as pessoas, as que têm a compreensão do que é ser de esquerda, bem como entendem o processo político e econômico em andamento e colocado em prática pelo PT, chamam de esquerdismo infantil praticado por partidos de esquerda, a exemplo do PSOL, do PSTU e do PCO. Essas agremiações, apesar de serem antagônicas aos partidos direitistas, unem-se a eles em um frenesi político, que lembra a ferocidade dos tubarões ou dos leões na hora de se alimentar. É surreal ao tempo que real."



Não só concordo com o "infantilismo" desses partidos, que beira à ingenuidade, como também o debito na conta de movimentos sociais, como o MPL - Movimento Passe Livre - que pode até ter propostas sérias, mas que não entende nada de política e faz o jogo dos adversários.

Fatos: vivemos num País, livre e democrático. Não confundam, por favor, DEMOCRACIA com SISTEMA POLÍTICO. Nosso sistema político deixa a desejar, claro, mas isso só se modificará com uma reforma política séria. Mas, enquanto isso, o jogo democrático é o presidencialismo de coalizão (por causa da grande quantidade de partidos políticos - mais de 30!) e disso não se pode fugir. É ingenuidade pensar que um único parido político possa governar hegemonicamente o País.

Temos, e isso também é um fato incontestável, um governo de ESQUERDA no poder central. Depois de centenas de anos de lutas. O que não se pode fazer é as forças de esquerda, por motivos de querelas infantis, fazerem o jogo da direita hidrófoba e, em vez de negociar com o governo, confrontá-lo e tratá-lo como inimigo. O inimigo não são o PT ou o PMDB ou outros partidos da base governista, mas o PSDB, o DEM e seus agregados, além de toda a massa conservadora incrustada nas redações da grande mídia concentrada na mão de cinco "famiglias" que estão a fazer de tudo para retomar o poder e destruir as conquistas sociais inegáveis dos últimos dez anos.

Quando digo que o MPL abriu a caixa de Pandora, estou tentando passar um recado claro: enquanto derem abrigo ou se acovardarem diante da meia dúzia de fascistas a soldo da direita que tomam de assalto qualquer manifestação ou não tiverem uma estratégia clara de repúdio aos grupos minoritaríssimos e violentos a soldo da direita, os movimentos sociais não podem continuar na mesma toada de convocação de manifestações que provoquem confronto e aticem a sanha da PM e provoquem reações falsamente iradas da mídia.

Há que se repensar o que é "manifestação pacífica" que acaba em depredações e ocasiona transtorno à maioria absoluta da população, que começa a associar "vandalismo" com reivindicações legítimas, o que pode provocar um imenso retrocesso nas lutas populares.

São idiotas os que pensam que não há nada por trás das máscaras dos truculentos. E é ingenuidade total pensar que eles não estão ali a soldo de gente muito mais perigosa, que usa o niilismo desembestado desses paspalhos para promover comoção social e desestabilizar o processo eleitoral que se inicia. E mais ainda: máscara por máscara, não só os grupelhos fascistoides se aproveitam do anonimato, mas também grupos de bandidos e traficantes começam a perceber que têm um filão interessante a ser explorado para chantagear as forças repressivas e o governo. Mais uma vez, a política instrumentaliza a bandidagem comum. E a história se repete como farsa, uma farsa grotescamente articulada por gente que sabe muito bem o que quer e o que "eles" querem não é nada bom para o futuro do País, porque já o sabemos há muito o que vem no rastro de um governo de certas forças da direita que sempre esteve no poder.

Enquanto a esquerda faz reuniões e apoia os "movimentos legítimos do povo", as manifestações, sejam elas por demandas sociais ou de protesto e exalta a liberdade de expressão e de manifestação, a direita se articula e bota na rua o bloco dos mascarados - pagos e devidamente instruídos - para, depois, nas redes midiáticas esbravejar contra a destruição do patrimônio público e, especialmente, particular.
Esses aprendizes de feiticeiro se esquecem, no entanto, que, quando se soltam os demônios, ninguém mais os detém. E o controle começa a ser perdido, quando agridem covardemente - ou seria de caso pensado? - um comandante da PM, em São Paulo, desafiando quem os contratou.

Passo a acreditar que tudo é de caso pensado, pois a repercussão foi imediata: pesquisas de institutos da direita logo trataram de publicar que 95% da população repudiam a ação dos mascarados (e a associação entre eles e os movimentos sociais começa a ganhar força), enquanto a PM promete reação. Qual pode ser o resultado dessa "reação"? Não é difícil de imaginar: os "profissionais" da provocação fazem o seu "trabalho" de sempre e sabem muito bem fugir no momento certo, deixando pessoas inocentes (ponha "inocentes" nisso) na mira de armas, agora não mais de balas de borracha, mas de balas reais. E teremos, então, os mártires que a esquerda idiota deseja e a direita esperta só espera para pedir o retorno da "ordem" e da "linha dura", com o velho discurso de que "antes, não havia disso"!

Qual é esse "antes"? Imaginem: os mesmos grupos oligárquicos do passado a cometer as mesmas sacanagens, com leis mais duras contra o povo, com privatizações e entreguismo desenfreado, com concentração de renda, com desemprego e retrocesso total de todas as conquistas sociais rumo, quem sabe?, a um utópico paraíso.


Ou seja (para usar a velha metáfora deísta): voltaremos ao inferno, depois de já termos percorrido quase todo o purgatório.

setembro 10, 2013

QUANDO UM GAROTO DE TREZE ANOS MATA A FAMÍLIA...




(Keun Chul Jang)



Um crime cujos motivos jamais entenderemos completamente: um garoto de 13 anos mata os pais, ambos policiais, a tia e a avó e, em seguida se mata. Os detalhes estão em todos os jornais e não é necessário repeti-los.

Por quê?

Eu tenho uma teoria, apenas uma teoria, algo que me vem ao observar o comportamento humano, principalmente o familiar. Sempre digo que a "família" - essa instituição tão antiga quanto o próprio homem - tornou-se, em si mesma, a maior armadilha da humanidade e, pior, se desfeita, não há nenhuma outra forma de associação e proteção ao ser humano para se colocar no lugar. Somos reféns e prisioneiros das nossas relações familiares, sejam elas constituídas de um núcleo ligado pela genética ou por quaisquer outras formas de associação através de adoção, de instituições particulares ou governamentais, de grupos informais etc. etc. etc.

Na "família" crescemos e formamos nossa visão de mundo. É quase impossível a sobrevivência humana fora de um grupo familiar de proteção.

O nosso foco, no entanto, não são os grupos "diferentes" ou de exceção, mas a família "tradicional": dois indivíduos adultos (não importa se do mesmo sexo) e uma ou mais crianças. 

Um ou ambos os adultos dessa família têm uma profissão, óbvio. Fechemos o foco um pouco mais para a profissão desses "protetores". Todas as profissões são respeitáveis, já que exercidas em função de aptidões, de condicionadores ambientais e de necessidades desses indivíduos. Quando as pessoas estão trabalhando, elas estão dentro de um determinado "papel": executores de uma tarefa, seja ela qual for, e dentro dela se relacionam e criam vínculos. Quando deixam o emprego, elas se despem desse papel e assumem outros papéis sociais, como "vizinhos", "amigos", "pais", "mães", "consumidores", "torcedores de um time de futebol", "sócios do clube" etc. etc. etc. No entanto, alguns indivíduos - e não são poucos - fazem dessa profissão, muitas vezes, o motivo de sua existência. Principalmente se essa profissão exerce um poderoso atrativo social, como aquelas que levam o indivíduo a ter poder e a constituir a massa dos poucos que são considerados "formadores de opinião" ou a ser invejados e admirados por alguma expertise.

Um exemplo apenas, para tentar tornar mais claro o que eu quero dizer: uma família de músicos. Mais ou menos comum, na sociedade, que um pai ou uma mãe ou ambos, quando são musicistas de certa expressão, carreguem esse "estigma" para dentro de sua própria casa. Ou seja, não se despem do papel, exercem-no durante vinte e quatro horas, influenciando, nesse caso podemos dizer positivamente, os "filhos" (de sangue ou não), levando-os quase sempre a seguirem os passos dos pais e tornarem-se eles mesmos músicos.

No caso do garoto de 13 anos que matou os pais, na minha opinião, aconteceu algo semelhante. Ambos os pais eram policiais. E vestiam esse papel vinte e quatro horas. Tanto é que a mãe ensinou o filho a dirigir e o pai, a atirar. Consumiam jogos eletrônicos violentos. As conversas diárias deviam girar sempre em torno de prisões, de ações policiais. Deviam assistir a programas de televisão em que o crime é o assunto primordial. Ou seja, a profissão dos pais do garoto devia ser o centro de todas as atenções do menino, desde tenra idade. Ele, o garoto, dizia aos amigos - com quem formava uma espécie de grupo, em que ele era o líder - que queria ser matador profissional. E mais, em bravatas comuns a esse tipo de pré-adolescente, pregava a morte dos pais, como indicador de valentia e poder. A violência - que a profissão dos pais exigia e que devia ser mantida fora das paredes do lar - era corriqueira para o garoto. 

Não, não foi a violência vivida e compartilhada da profissão dos pais ou a violência de jogos eletrônicos que levaram o garoto ao crime de matá-los, mas a violência banalizada contribuiu para que uma mente confusa e ainda em formação e, talvez, com alguns resquícios demenciais genéticos, quase sempre controláveis pelo ambiente, começasse a confundir realidade e imaginação em sua cabeça. A fantasia prevaleceu, num determinado momento. É o que talvez possa ser chamado de "surto". Já que os crimes ocorreram todos em sequência, por volta de meia noite, e só mais de doze horas depois - tempo em que o garoto dirigiu o carro da mãe (onde dormiu) e o estacionou perto de sua escola, assistiu às aulas do período da manhã e voltou para casa - é que ele se matou, diante do cadáver dos pais, isso nos leva a pressupor que a realidade pouco a pouco voltou à mente conturbada do menino. E ele se arrependeu do que fizera.

Tudo isso são suposições, claro, que desenham, para mim, um cenário possível e provável. No entanto, nunca poderemos saber as reais motivações dessa criança para fazer o que fez. Infelizmente. Seria um estudo para desvendar um pouco mais a mente humana. Só o que podemos tirar como conclusão desse fato lamentável é que ainda estamos muito distantes de nos entender a nós mesmos, de entender como funcionam os mecanismos evolucionários que nos levaram a ser o que somos, seres humanos, mas não muito distantes de nossos instintos primitivos, de nossos medos primordiais, de nossas origens, afinal. 





agosto 28, 2013

NOSSAS ILUSÕES PERDIDAS NA GRANDE MÍDIA








Quando Balzac escreveu "As ilusões perdidas", deixou-nos explicitamente como legado o nascimento da grande imprensa como algo que servia aos interesses dos poderosos, manipulada por gente que se tornava capacho desses poderosos, a troco de posição, dinheiro e, principalmente, das migalhas de poder que displicentemente eram lançadas para baixo das mesas do grande banquete. Não havia escrúpulos em criar ou destruir reputações de figuras públicas. Ética parecia ser uma palavra totalmente desconhecida. Descobria-se que a mentira muitas vezes repetida torna-se verdade.

Mais de cem anos se passaram. O mundo parece que mudou. Novas tecnologias foram incorporadas ao dia a dia. E mais: a explosão demográfica do final do século XX aliada à rapidez da informação transformou o mundo - que era restrito - numa grande aldeia. Se, no século de Balzac, a mentira tinha o tamanho da cidade, no caso, Paris, hoje a mentira tem o tamanho do mundo. A cara de pau e o mau caratismo não se restringem ao entorno das redações de jornais, mas correm com a velocidade da luz pela internet, algo inimaginável até há poucas décadas.

Há pessoas de retidão de caráter entre jornalistas e comentaristas das grandes empresas de comunicação dos nossos dias, mas nem a mais potente das lupas será capaz de identificá-los, pois não podem ou não querem ser identificados, presos que estão às ideologias de seus patrões. A maioria desses profissionais, no entanto, não têm mesmo nenhum escrúpulo, professam à larga a ideologia de seus donos, com o prazer sarcástico de que, com suas diatribes, ganham notoriedade e tentam, com isso, interferir nas mentes e corações de seus leitores, para conduzir o País aos desígnios das forças conservadoras que lhes pagam o salário.

Muitos são mais realistas que os reis a quem obedecem cegamente. Obscurecidos pela notoriedade, criam monstros, fabricam factoides, inventam teorias e as oferecem como verdades absolutas a leitores desprevenidos ou desprovidos de senso crítico.

Lembro as manchetes de certo jornal popular - que poucos liam, mas que todos comentavam, o "Notícias Populares". Ficou famosa a primeira página em que noticiou em letras garrafais: "Cachorro faz mal a moça". Tudo dúbio e, espertamente, a palavra "cachorro" entre mínimas aspas, já que se tratava de um mal fadado "cachorro quente" estragado. De outra vez, a criatividade foi longe, ao noticiarem que um jovem cantor (Geraldo Vandré) havia quebrado e jogado seu violão na plateia, ao ser vaiado pelo auditório: "Violada em pleno auditório"!

Lembro essas manchetes, porque, nas grandes cidades, o povo não lê jornais, mas lê todos os dias as manchetes dos jornais, a primeira página, nas bancas, onde são expostos para chamar a atenção. Assim, a primeira página, a manchete, os títulos explosivos ajudam a formar opinião, a estabelecer polêmicas que nem sempre se resolvem, porque a maioria fica mesmo com a informação primária e primeira da primeira página. E a irresponsabilidade jornalística ilimitada se exerce aí, nessa primeira página.

No jornalismo radiofônico e televisivo, a influência está toda na inflexão de voz, na postura, na superficialidade da notícia. Um comentarista econômico, por exemplo, não precisa entender de economia (aliás, quem entende de economia?): basta ganhar as simpatias do público, manipular gráficos modernosos que nunca funcionam e informam precariamente e, por isso, podem conter não exatamente mentiras, mas pequenas distorções na apresentação de tamanho e cores, apresentar dados inconsistentes e, sempre, ser extremamente crítico ao governo, adotando, muitas vezes, o tom professoral e apocalíptico dos burros que nada sabem, mas zurram mais alto.

Há monstros que se criam e que eles, os jornalistas, não sabem, depois, como se livrar deles e, por isso, alimentam-nos permanentemente. Busco o exemplo no futebol.

Criou-se o mito da torcida do Corinthians, a partir de alguns dados reais: quando o time ficou infinitos anos sem ganhar um campeonato e quando "invadiu" o Maracanã, num jogo contra uma equipe carioca. Esses dois fatos alimentaram a noção de que a torcida corintiana era "fiel", aumentava na diversidade e até ganhava jogos com sua força. Hoje, essa torcida, organizada e feroz, transformou-se (e serviu de exemplo para outras) num monstro violento e assassino, que convoca e provoca conflitos com outras torcidas em estádios e nas proximidades de estádios ou onde quer que vá jogar o seu time. Usam os torcedores a camisa do clube, o distintivo do clube, o nome do clube e até mesmo as dependências do clube para dar vazão a seus instintos inferiores. Matam e morrem. Podem até ser constituídos de pacatos filhos, irmãos e pais fora da malta a que pertencem, mas, quando se juntam, transformam-se em loucos sedentos de sangue, com seus sinalizadores (que já até mataram um menino num jogo na Bolívia), seus gritos de guerra, suas bordunas e até armas de fogo. Foram criados e alimentados pela mídia, que sempre viu no Corinthians grande potencial de venda de jornais e de notícias. Agora, alguns poucos jornalistas mais conscientes reclamam da violência por eles mesmos criada e alimentada. Não deixam, no entanto, de dar voz aos violentos, quando esses mesmos rapazes têm a audácia de cobrar da diretoria do clube ou dos jogadores, em conversas públicas ou reservadas, aquilo que eles consideram sua "religião": ganhar jogos e dar a vida pelo clube.

Esses são até exemplos menores da tentativa - muitas vezes bem sucedida - de influenciar a opinião pública através de factoides e invencionices. Há casos piores. Quando o jogo é na política, as regras são claras: aos amigos, todos os elogios e, principalmente, o conveniente silêncio; aos inimigos, o achincalhe devidamente mascarado em notícias, em fatos distorcidos ou mal contados, em manchetes de duplo sentido, em insinuações e em até mesmo mentiras deslavadas em grandes títulos ou reportagens que, quando desmentidos, são jogados para rodapés de páginas secundárias. Vale a caixa-alta, o colorido de fotos manipuladas ou devidamente escolhidas por seus ângulos mais inusitados. Com isso, já até elegeram um presidente da República, Collor de Mello, devidamente defenestrado depois, por sua roubalheira e pela voz do povo nas ruas. Não se emendam, no entanto, pois continuam em suas campanhas para eleger os queridinhos dos patrões, aqueles que seguem a cartilha ideológica da direita, porque, por mais óbvio que possa parecer, é preciso que se esclareça que não há um só grande conglomerado de mídia de esquerda no mundo, que possa fazer contraponto àquilo que Washington ou Wall Street consideram ser a verdade.

Agora, é a vinda dos médicos estrangeiro para trabalhar no Brasil e ocupar os postos avançados que nossos profissionais não quiseram, por não fazer parte de seu objetivo de vida atender populações carentes em rincões distantes (preferem trabalhar em grandes hospitais, onde a infraestrutura lhes permite diagnosticar sem tocar o paciente, apenas com pedidos de exames complexos e caros ou, ainda, abrir consultórios em bairros elegantes, para atender a demanda de cirurgias plásticas de madames e seus cachorrinhos): primeiro, a grande mídia demonizou-os, principalmente aos cubanos, chamando-os de incompetentes; depois, lançaram dúvidas sob o sistema de remuneração, para tachá-los de escravos. Por fim, abriram guerra contra o programa do governo como um todo, com a desculpa de que é necessário infraestrutura de atendimento, sem perceber, os imbecis, que se tenta justamente quebrar um círculo vicioso - não há médico, porque não há infraestrutura e não há infraestrutura porque não há médico. Com isso, atiçaram o preconceito e, depois, o rancor e o ranço corporativista de médicos e suas associações ricas e distantes da população. Motivo do ódio? Político, meramente jogo político, pois a grande mídia atual tem um único objetivo: desmoralizar os governos de esquerda democraticamente eleitos, para tentarem, mais uma vez, jogar o País nos braços e na roubalheira dos que sempre mandaram e alimentaram, com verbas públicas diretas ou indiretas, as redações de jornais, revistas, rádios e televisões.


Não sei se Balzac, se vivesse hoje, com sua ojeriza ao mau jornalismo que, se era praticado em seu tempo, hoje, está elevado a potências inimagináveis no século XIX, em termos de mau caratismo, de falta de ética e, sobretudo, de capacidade de espalhar o vírus da mentira pelo mundo todo, estaria vomitando todos os dias. Eu estou!

junho 22, 2013

A GRANDE FESTA DO FASCISMO






Até hoje, há muita gente que acredita que o golpe de 1964 foi contra o comunismo. Que houve financiamento do exterior, dos Estados Unidos. Que o povo é quem derrubou o governo constitucional. Que as Forças Armadas eram democráticas etc. etc. etc.

Primeiro, o golpe de 64 não foi contra o comunismo, mas contra um governo que pretendia fazer reformas e a principal era a reforma agrária. Ora, o Brasil era (ainda é, de forma diferente, talvez, mas ainda é) um país de latifundiários. De grandes fazendeiros. E foi dos profundos rincões das grandes propriedades é que veio a grana, a força necessária, o grande incentivo para que houvesse as manifestações da direita, com as marchas fascistas da família, com deus, pela liberdade e outras coisas mais. Essas marchas faziam parte da democracia e, por isso, o governo João Goulart titubeou em reprimi-las ou não pôde fazê-lo, em nome da democracia. Era o nascedouro do movimento contra ele, e ele só podia contar com as forças populares, por isso o comício da Central do Brasil.

As Forças Armadas brasileiras nunca foram fascistas ou ferrenhamente anticomunistas. Eram democráticas. Mas havia, em seu bojo, num núcleo duro, um núcleo de oficiais que foram devidamente cooptados pelos lobby dos grandes fazendeiros, pois eram comandantes e oficiais que serviram em inúmeros postos pelos interiores a fora, como é normal, principalmente no Exército. E foi esse núcleo que assumiu o comando do Exército e, por extensão, das outras Forças, para dar o golpe, cuja senha foi o levante de Minas Gerais, o estado mais conservador e mais antigoverno, com as tropas do General Mourão. A grande imprensa aplaudiu entusiasticamente e o povo, mais uma vez manipulado, apoiou, com reservas, mas apoiou. O golpe era apenas para remover Goulart e os reformistas e convocar imediatamente eleições diretas. Mas não foi o que se viu... E a História está aí para contar os desdobramentos.

Embora tenham flertado com o fascismo, na década de trinta e quarenta, os oficiais brasileiros que assaltaram o poder em 1964 eram acima de tudo anticomunistas. Os laivos fascistas dos golpistas ficaram no ódio aos políticos e aos partidos políticos, dissolvidos e recriados artificialmente, e em medidas de grande repercussão nacionalista, que pautaram todos os governos dos ditadores, a partir daí. Ou seja, os "camisas-verdes" também não tiveram muita voz ativa, ficaram na moita, espreitando, como sempre.

O processo de redemocratização passou por percalços, com a morte de Tancredo Neves e teve um histórico confuso, de lutas ideológicas que nunca afloraram totalmente, porque as esquerdas haviam sido devidamente esquartejadas e salgadas pelos militares e a direita estava desacreditada, depois dos fracassos dos governos militares, com sua política ultranacionalista, que isolou o País do resto do mundo, e trouxe como consequência a perda de competitividade internacional, de que ainda não nos recuperamos. Assim, a ideologia só voltou à tona com a criação do Partido dos Trabalhadores.

O PT foi a novidade. E lutou muito para crescer, para convencer, para vencer. E sua vitória, com um operário - um tremendo absurdo, na visão da direita -, tinha tudo para dar errado. E era o que os fascistas esperavam: o fracasso total e absoluto do Presidente Lula, para ser o mote de um golpe espetacular. Voltariam com todas as forças ao poder. E de lá não sairiam mais. Espaldados pelo voto dos conservadores e com o povo devidamente domado com mentiras repetidas à exaustão, para se tornarem verdades. Mas... Lula não fracassou. Pelo contrário, fez um governo sensato, apesar de toda a perseguição política durante o primeiro mandato, e ainda se reelegeu! Foi um golpe duro demais na cabeça da cobra fascista que se retorcia de ódio à ascensão da classe trabalhadora aos meios até então reservados à classe média conservadora, como benesse dos mais ricos e poderosos.

E Lula fez mais: elegeu Dilma Rousseff, uma ex-guerrilheira. A primeira mulher a governar o País. Um golpe de mestre. Porque ainda agora a direita hidrófoba ainda titubeia em atacar diretamente a presidenta, por medo de ser tachada de machista e de perder a pouca credibilidade que tem. Então, é preciso achar pretextos para inculcar seu ódio à classe trabalhadora e ao Partido dos Trabalhadores.

Acharam o meio ideal para inocular seu veneno: as redes sociais. Onde tudo pode ser aquilo que não é na realidade. Um universo de faz de conta, de palavras de ordem melífluas ou diretas, mas tudo muito bem embalado pela tecnologia, com a qual cooptam os incautos, os descontentes - afinal, há em todos os lugares do mundo, sempre, alguns descontentes com alguma coisa - e é fácil ampliar o descontentamento, é só publicar fatos distorcidos, falsas notícias, comentários jocosos, trocadilhos infames que parecem inocentes, slogans como "muda Brasil", "hospitais padrão FIFA" e coisas afins - o disfarce é perfeito. Enfim, eles sabem usar e manipular muito bem a "redecracia": veja-se o caso do boato da interrupção do programa Bolsa Família, que assombrou estados no Norte e Nordeste do país, há pouco tempo, como um exemplo de teste dessa ferramenta poderosa, que são as redes sociais.

Quando o Movimento Passe Livre, ingenuamente, obteve repercussão com sua luta contra o aumento das passagens urbanas, os fascistas acharam o veículo ainda mais perfeito para a sua ação, agora nas ruas. E os inocentes do MPL, achando-se poderosos, por encontrarem enfim repercussão de sua luta, demoraram a perceber o quanto estavam sendo manipulados pelos espertalhões fascistoides que tomaram de assalto o seu movimento, promovendo deliberadamente atos de quebradeira e incentivando os inocentes úteis mais exaltados a destilarem ódio e preconceito contra todos os partidos políticos, mas principalmente contra os partidos de esquerda e, especialmente, contra o PT, e contra tudo o que representasse ou simbolizasse poder, como palácios de governo e câmaras legislativas, sem poupar, claro, no meio da bagunça promovida, nada que estivesse em seu caminho, como forma de mostrar um País à beira do caos.

Não nos esqueçamos que a base de toda a ideologia fascista consiste em pregar e inculcar nas mentes das pessoas um forte senso nacionalismo, travestido, muitas vezes, de patriotismo. Apropriam-se de símbolos como a Bandeira e o Hino, para despertar nos incautos o orgulho de ser brasileiro, de lutar por um País melhor. E os slogans caminham sempre no sentido da necessidade de mudar, de melhorar, de construir um país livre e outros tipos de engodo, facilmente assimiláveis por pessoas comuns, como se um movimento apartidário, falsamente apartidário, possa realmente construir um mundo melhor; como se fosse possível ao povo chegar ao poder e, num passe de mágica, resolver todos os imensos problemas de uma nação complexa e múltipla. O apelo é muito forte: saúde, educação, segurança são calcanhares de aquiles de qualquer governo, pela dificuldade de solução de seus imensos desafios e não, necessariamente, por falta de verbas. Atrair o povo para esses problemas é como tirar doce da mão de criancinhas. E é como crianças, como massa de manobra, que os fascistas manipulam a vontade do povo: mentiras repetidas viram verdades, não nos esqueçamos nunca.

Portanto, muito longe de comemorarmos as grandes manifestações como atos de democracia, de participação popular, de festa, devemos lamentar, e lamentar muito, como acontecimentos que celebram uma grande festa do renascimento do fascismo e dos fascistas, que encontram o meio adequado para, através da manipulação da verdade, mais uma vez tentar tomar o poder neste País.






junho 21, 2013

O OVO DA SERPENTE?




 (São Paulo, Largo da Batata)



No famoso filme de George Romero, "A volta dos mortos-vivos", um bando de zumbis percorre a cidade matando e comendo cérebros, e gritando: "brain, brain, brain".

Foi essa a imagem que me veio, ao ver as imensas passeatas e manifestações em todo o País, exaltadas e elogiadas por todos os meios de comunicação como um fato histórico, como algo realmente extraordinário. Aos poucos, porém, as belas imagens de cantos e slogans, de cartazes contra tudo e contra todos, começaram a ceder às imagens da massa amorfa a destruir tudo o que encontrava pela frente, tendo como alvos (listei alguns, pelo Brasil afora): prefeituras municipais (e muitas, como a do Rio, ocupam prédios históricos, tombados); palácios de governos (em São Paulo, o Bandeirantes; em Brasília, o Palácio do Itamarati, obra considerada patrimônio da humanidade, do gênio de Niemayer); câmaras municipais; assembleias legislativas; campos de futebol; sedes do poder judiciário (como em Vitória, ES); espaços públicos de lazer e artes (o Terreirão do Samba, no Rio; o Teatro Municipal, em São Paulo); veículos de transmissão de tevê; ônibus de transporte público; veículos particulares; bancas de jornais; equipamentos urbanos, como semáforos, radares etc.; lojas em geral e de eletroeletrônicos, principalmente; agências bancárias...

Brain, brain, brain...

Não há desculpa para esse tipo de atitude. Os líderes dos movimentos que convocam a população para se manifestar em atos públicos têm de ter a exata noção do que querem. Ou seja: devem ter clareza no objetivo da manifestação; indicar o local e o trajeto que deverá percorrer; indicar os objetivos a serem alcançados; instruir seus seguidores no modo como agir em relação a quaisquer provocações, sejam da polícia, sejam de outros grupos; orientar os participantes a não permitir ações de indivíduos mais exaltados, que iniciem qualquer tipo de baderna; orientar seus seguidores a manifestar opinião sobre tais e tais assuntos, para que não se torne algo sem uma ideia central; indicar a hora de iniciar e, principalmente, a hora de terminar, para que as pessoas voltem para suas casas e não haja desculpa para grupos de assaltantes, bandidos e saqueadores se aproveitarem do movimento para agir. Enfim, devem tomar atitudes de líderes. E não foi o que eu vi, até agora. Convocam o povo e, depois de reunida a multidão, grupos isolam-se e agem sem comando.

Brain, brain, brain...

Um movimento social se inicia com a perspectiva de que algo pode ser mudado na sociedade. Mesmo que seja um motivo simples, como diminuir o valor do transporte público em vinte centavos, como foi a origem do movimento, em São Paulo. Alcançado esse objetivo, não há motivo para continuar a realizar o mesmo tipo de manifestação, como se aquilo fosse apenas a primeira de uma série de reivindicações. Porque isso é enganar, é não dizer toda a verdade, seja à população, seja às autoridades constituídas. Isso é engodo. É aproveitar-se de um objetivo alcançado para tentar chantagear os governos, como a dizer, irresponsavelmente, "isso o que conseguimos foi só uma brincadeirinha, agora é que vai começar para valer". Tal atitude indica falta de maturidade e leva à perda da credibilidade do movimento.

Brain, brain, brain...

"Vamos mudar o País"; "somos contra a corrupção"; "mais verbas para saúde e educação"; "mais hospitais e menos estádios"; "contra a PEC-37"... E mil outras pequenas e importantes reivindicações apareceram nos cartazes. Mas, qual o objetivo de tudo isso? Por que tudo isso? De que modo se pode conquistar tudo isso? Vamos analisar algumas dessas demandas.

"Mudar o País". Mudar em quê e para quê, exatamente? Se estamos num Estado democrático de pleno direito, com todas as instituições funcionando; se não há nenhuma ameaça à liberdade de expressão; se os governantes são eleitos a cada quatro anos, em eleições livres e justas; se a inflação, embora ainda possa assustar um pouco, está sob controle; se o custo de vida, ainda que oscile, tem sido o que se espera num momento econômico internacional complicado; se os partidos políticos abrangem todos os naipes das ideologias e, se não são ideais, há a possibilidade de se discutir e encaminhar propostas de reformas que visem à melhoria dessas instituições; se o País está crescendo, em ritmo lento, mas consistente; se não há desemprego nem falta de perspectivas para os jovens no mercado de trabalho; se os problemas estruturais relacionados a estradas, portos, aeroportos etc. estão sendo discutidos e soluções - que não são baratas nem imediatas - estão sendo encaminhadas; se a educação - que é realmente ruim e tem sido assim há décadas - tem sido contemplada com verbas suficientes e com propostas que visam a ampliá-las, num futuro não muito distante, como, por exemplo, que a extração do petróleo do pré-sal e seus dividendos sejam dirigidos para a educação; se não há nenhum grande esquema de corrupção dentro do Estado, em qualquer de seus níveis - municipal, estadual e federal - e os que aparecem são pontuais e devidamente investigados e punidos; se há, sim, verba para a saúde, e o que vivemos é uma crise de gestão de órgãos da saúde cuja responsabilidade está vinculada muito mais a gestores municipais, que precisam, sim, ser cobrados para que a situação melhore e isso não tem relação direta com quaisquer outros investimentos públicos, como a construção de estádios para a Copa do Mundo; se a discussão sobre o ordenamento jurídico do Estado, como a responsabilidade de investigação entre Ministério Público e Polícia Federal, é apenas uma discussão de limites de poder, que não vai, absolutamente, interferir em nada na vida dos cidadãos, como querem fazer parecer as partes envolvidas na contenda, e isso é só uma discussão jurídica e nada mais, sobre a qual os cidadãos podem e devem dar sua opinião, mas não justifica nenhum tipo de gritaria de que a aprovação da tal PEC-37 vá ocasionar perda de garantias e de direitos dos cidadãos deste País; enfim, se todas essas demandas são legítimas e cabem em qualquer fórum de discussão de melhorias para o povo, por que fazer disso, exatamente, um motivo para "mudar o País?"

Brain, brain, brain...

Muito bem, concordemos que tudo isso é muito bom, que tudo isso está bem, que o povo precisa achar um canal de comunicação, de mobilização, de pressão às autoridades, para que as coisas melhorem. Concordemos que é importante e necessária uma manifestação pacífica, uma boa passeata, com as pessoas sabendo exatamente o seu papel de cidadãos, com palavras de ordem devidamente discutidas e repassadas, seguindo o ritual (odeio os rituais, mas não há como fugir deles, se não tudo desanda) dos processos democráticos de objetivo, clareza, começo, meio e fim da manifestação e, principalmente, controle da massa. Para isso, é preciso que haja líderes. Para isso, é preciso que haja uma ideologia concreta, clara, sem subterfúgios.

E onde estão os líderes? Onde estão os responsáveis diretos por todas essas manifestações? Não há palanques, não há discursos (mesmo que breves, que, afinal, os tempos são outros), não há compromisso dos líderes com seus liderados nem com os demais entes da sociedade. Afinal, uma manifestação de rua interfere na vida de muita, muita gente, e isso precisa ser planejado, combinado, avisado de forma clara e transparente. A mesma clareza e transparência que os manifestantes estão a exigir dos governantes. Se a liderança é difusa, a ideologia também é difusa. E pode ser perigosa.

Brain, brain, brain...

E aí entramos no terreno mais complexo de tudo isso: o da ideologia.

Não existe movimento humano que não seja político, ou seja, que não esteja dentro de um contexto que envolva outros seres humanos. Porque, como todos sabem e alardeiam, nenhum homem é uma ilha. Tudo bem, nem toda política é partidária, mas toda ação política tem um motivo, uma motivação, um "ovo" do qual brotam e se desenvolvem todas as demais ações que poderão ou não mudar a vida de uma comunidade, de uma cidade, de um país, do mundo. E enquanto não temos clara a ideologia de uma ação, não podemos julgá-la em termos de consequência. Principalmente, é impossível julgá-la no seu nascedouro, quanto a seus méritos morais, se não a conhecemos, se ela permanece oculta por seus pretensos líderes ou iniciadores. É o que acontece, agora. O que pensam, realmente, os líderes dessas manifestações todas, já que eles mal aparecem, ou não se deixam conhecer?

Sabemos que, primeiro, são apartidários. Mais precisamente: parece que não são apenas apartidários, mas contrários a todos os partidos. Mussolini também era contra todos os partidos. Por isso fundou o seu. Ser contra partidos políticos pode parecer, portanto, algo muito generoso e bom, mas é extremamente perigoso. Porque os partidos políticos abrigam ideologias, ou, pelo menos, deveriam abrigá-las. E dizer-se sem nenhuma ideologia é, sem sombra de dúvida, flertar com forças muito negras da história da humanidade.

Segundo, parece que defendem um tipo de democracia direta. Claro, se não há partidos, que o povo decida nas ruas o que se deve ou não se deve fazer. Alguns veem nisso o que chamam de anarquia. Não, anarquia não é isso. O anarquismo é uma doutrina séria, que prega um tipo de utopia de sociedade sem governo, porque não precisa de governo, já que seria constituída de homens e mulheres de tal grau de civilidade, que não precisariam de leis ou de regras ou de regulamentos para conviver entre si. O que esses indivíduos que se dizem "anarquistas" pregam é a destruição de um sistema, sem nada para colocar no lugar. É apenas a bagunça. E esses "bagunceiros", "arruaceiros" ou seja lá o nome que se queira dar a eles, estão, sim, no âmago de qualquer movimento que não tenha uma ideologia definida, porque eles se aproveitam disso para impor suas ideias e, mais, impor pela força aquilo que eles não conseguem pela lógica.

Brain, brain, brain...

Democracia direta só funciona em pequenas, em mínimas comunidades e, assim mesmo, quando os indivíduos que a compõem têm um compromisso muito claro com certos princípios de respeito ao outro, a si mesmos e ao meio em que vivem, para não serem cooptados por uma minoria atuante que acaba por envolver a maioria em suas ideias e propostas, muitas vezes contrárias ao grupo e de acordo com os seus interesses. E aí, chegamos a um ponto crucial: as minorias. Esses indivíduos acham-se maioria, mas não o são. Porque se impõem, porque mobilizam, porque gritam mais alto, parecem maioria e, por algum tempo, obtêm a adesão de uma grande quantidade de pessoas, que se iludem com as palavras de ordem devidamente edulcoradas. Mas é tudo falso: impõem, na verdade, a ditadura da minoria, porque, aos poucos, os cidadãos que aparentemente aplaudem suas atitudes começam a se sentir incomodados com seus gritos, com seus rompantes e, principalmente, com suas atitudes de arrogância e de interferência na ordem pública. Porque a maioria absoluta do povo gosta da ordem, de sua zona de conforto. Que as revoluções sejam feitas,  a maioria do povo até aprova, de vez em quando. Mas que tudo volte ao normal, em seguida, que a vida siga o seu curso. E não é o que está acontecendo. Os mortos-vivos insistem e insistem e insistem...

Brain, brain, brain...

Temerosos por seus funcionários e, mais ainda, por seu patrimônio, está claro que as redes de comunicação social - televisões e rádios, em primeiro, lugar e imprensa em segundo - aplaudem e tratam com a máxima cautela o que está acontecendo. Um certo comentarista até se retratou vinte e quatro horas depois de ter dito barbaridades contra as manifestações. Com cara de poucos amigos, mas se retratou. E os apresentadores de televisão são tão caras de pau, que conseguem ver seus veículos de transmissão pegando fogo e ainda elogiar! Conseguem maquiar tão bem suas opiniões, que colocam as imagens de quebra-quebra, de destruição, ao som de ícones musicais, como "Alegria, alegria", de Caetano Veloso. Referências à tomada da Bastilha passam, como vinhetas arranhadas, de vez em quando, pelos comentaristas escrotos. E só falta associarem a destruição da sede da Prefeitura do Rio à voz de Geraldo Vandré cantando "Para não dizer que não falei de flores", um dos hinos da resistência à ditadura. Enfim, o circo está armado e, debaixo dessa lona, está o ovo, um ovo que me parece conter negros presságios.

Os zumbis de George Romero comiam cérebros. Os mortos-vivos das marchas pela mudança do País parece que só querem, mesmo, provar que a força da "redecracia" que eles comandam pode substituir um sistema de governo democrático, baseado no princípio da representação - que pode não ser perfeito e não o é, aliás bem ao contrário, mas não há outro melhor que o suceda.

Só nos resta torcer para que muitos desses mortos-vivos não se transformem em mortos de verdade.


Brain, brain, brain...



junho 14, 2013

PREFEITO HADDAD, VAMOS DAR UM PÉ NA BUNDA DA MÁFIA DOS TRANSPORTES DE SÃO PAULO?








Sair às ruas e apanhar da polícia por causa de vinte centavos no aumento da passagem de ônibus é pouco, muito pouco. Não vale a pena. Mas se é para lutar por gratuidade do sistema de transportes, aí, sim, temos uma causa.

Vou tentar resumir o que eu penso de tudo o que vem ocorrendo, principalmente em São Paulo, em relação às manifestações do chamado MPL (Movimento Passe Livre).

Primeiro, sou absolutamente contra qualquer tipo de violência, claro. E sou totalmente contra qualquer ato que implique destruição. Vou tentar não usar a palavra "vandalismo", por muitos acharem que sua carga histórica é pesada demais. Bobagem. Porque a palavra é apenas uma palavra. Porque sou contra atos de destruição? Porque - e é inevitável não recorrer à História - todos os atos de destruição trouxeram prejuízos incalculáveis à humanidade. Um exemplo: cristãos destruíram a arte pagã greco-romana e a arte pré-colombiana. Tesouros irrecuperáveis. Porque, quando inicia um ato de destruição, a multidão não tem medida, não tem controle. Outro exemplo: quando o MST (Movimento Sem Terra) invade fazendas de grandes empresas, isso é um ato político de grande importância; mas quando destroem essa fazenda e seu maquinário, é um ato de burrice: melhor seria expropriar e apropriar-se dos bens dos burgueses e capitalistas, e usá-los em seu proveito. A revolução queimaria etapas importantes de reconstrução.

Segundo, num movimento popular, as lideranças precisam ter controle da massa para evitar confrontos sérios. E o MPL não parece ter claras essas lideranças, e o movimento - legítimo - tem sido apropriado por políticos e politiqueiros de sempre e por baderneiros de plantão, aqueles que, sem qualquer ideologia, utilizam indevidamente o símbolo do anarquismo para promover a destruição e a pancadaria. Esse controle pelas lideranças é importante para manter o foco do movimento e para evitar grandes conflitos. É claro que, numa massa de dois ou cinco mil pessoas, há sempre aquelas que se descontrolam e fazem bobagens. Mas elas têm que ser a exceção, não a regra, nem terem força suficiente para desestabilizar o movimento ou para tomar suas rédeas e praticamente destituir as lideranças com palavras de ordem que podem ter mais apelo, mas que levam a confrontos mais violentos.

Terceiro, se as pessoas se descontrolam, o mesmo não pode ocorrer com a tropa policial. Os policiais deveriam ser homens e mulheres preparados para o controle da situação em qualquer momento, com ou sem conflito. Não para atiçar a multidão ou tentar contê-la à base da pancadaria. Polícia que bate é polícia despreparada. E a PM de São Paulo está despreparada há décadas, porque traz em sua formação as noções do militarismo que pregava a ideia de inimigo interno. As pessoas, numa multidão, por mais besteiras que façam, não podem ser tratadas como inimigas a serem abatidas a qualquer preço. Isso é um total absurdo. E é isso o que vemos na Polícia Militar de São Paulo, sob o comando dos senhor governador, que não se preocupou, nesses anos todos em que seu partido está no governo, em mudar a formação dos policiais, em dar-lhes pelo menos um verniz humanista. Eles agem assim na periferia, contra os mais pobres; eles agem assim nas favelas, contras os desfavorecidos; eles agem assim em todas as ruas, contra os negros; eles agem assim em todos os momentos, porque para eles não há conceitos claros de cidadania e todos os cidadãos são bandidos, até prova em contrário. Portanto, eles têm as armas, eles têm a força, eles têm a formação de guerreiros e agem com toda a violência, quando deviam evitar o tumulto, controlar os ânimos, convencer os manifestantes a se comportarem usando métodos civilizados. Há polícias no mundo que fazem isso.

Quarto: permitir que manifestantes desafiem a PM é cutucar uma onça perigosa sem vara nenhuma. É querer que haja feridos, para aparecer na mídia. E mais perigoso ainda: é querer buscar um cadáver para ser erguido como bandeira para agitações muito mais perigosas. E eu acho que nada vale o sacrifício de uma vida humana. Os líderes do MPL precisam urgentemente reciclar seus métodos, para evitar a todo custo a sanha sanguinária da PM.

Dito isso, vamos ao que interessa: transporte público.

E aqui faço um apelo ao prefeito Fernando Haddad: que tal fazer história e não ser levado a reboque por ela?

Prefeito: chame as lideranças do MPL, chame as lideranças políticas e sociais da cidade, chame o Ministério Público, chame representantes da PM, da Câmara dos Vereadores, da Assembleia, dos movimentos comunitários e faça um grande debate com todos. E tenha um gesto de grandeza: se não quer suspender o aumento das passagens, nem é preciso fazer isso, basta que se comprometa com todos, com a população de São Paulo, a buscar uma alternativa para o transporte público, e essa alternativa é a gratuidade dos serviços. Já um houve um projeto nesse sentido - da gestão da Luísa Erundina. Vamos retomá-lo, vamos aperfeiçoá-lo, vamos discuti-lo com a população.

E o grande ato de grandeza de Vossa Excelência, senhor prefeito: será evitar mais confusão na nossa cidade e, principalmente, dar um bom chute na bunda da máfia dos transportes que domina São Paulo. Vai ser uma briga dura, mas você poderá contar com o toda a força da população, essa mesma que sai às ruas para defender seu ponto de vista, e você verá que, realmente, o povo pode, sim, fazer revoluções pacíficas e duradouras.

Porque a reformulação total dos transportes públicos de São Paulo, com sua gratuidade, para fornecer um serviço que atenda aos interesses da população e não aos interesses de "empresários" que já se locupletaram do dinheiro do povo e que só pensam em ganhar ainda mais, será um ato de grande, de extrema coragem, para exemplo do Brasil e, provavelmente, do mundo, diante do tamanho da nossa cidade e do desafio que isso representa.



abril 17, 2013

UMA SOCIEDADE QUE MATA, UMA SOCIEDADE QUE NÃO PUNE




(Daniel Carranza - viagem ao amanhecer)




O assunto é complexo. Não pode ser levado para o lado da política partidária. Tem que ser discutido como política pública. Tem que ser discutido em bases de ética e sociedade. Sem vieses religiosos ou político-partidários.


Somos uma sociedade que mata. Mata-se por qualquer motivo ou por nenhum motivo. Jovens matam. E morrem. Bandidos matam e morrem. Policiais matam muito e morrem muitos também. A barbárie parece não ter fim.


Por que damos tão pouco valor à vida humana?


Eu tenho as minhas explicações - que podem não ser as verdadeiras. E cada um pode encontrar mil outras, para defender mil pontos de vista diferentes. Faz parte da discussão, faz parte do processo democrático e civilizatório.


Mas há um ponto para o qual todos convergem: é preciso deter a matança. De alguma forma. E, nesse caso, não sejamos hipócritas: por mais que isso arrepie as mentes mais "evoluídas" e prestigie o mais rançoso conservadorismo, não podemos negar que os fins podem, sim, justificar os meios.
Nossas leis são pusilânimes e nosso sistema penal parece dizer que o crime compensa. Ou melhor, o crime de morte compensa, já que, às vezes, penalizamos com rigor pequenos delitos, numa desproporção entre o ato cometido e a pena imposta, e somos complacentes com o crime de morte, mesmo quando as penas são duras, através de mecanismos que levam à soltura do assassino depois de cumprir parte da pena e não a pena toda, como se o total apenado fosse injusto, o que leva a uma sensação de impunidade, esvaziando o sentido do próprio julgamento. Mas tudo isso é questão para ser resolvida por nossos legisladores, e implica muita discussão. O que importa é que precisamos tirar dessa discussão o imediatismo. Porque, quando acontece um crime hediondo, logo milhares de pessoas literalmente berram por punições mais enérgicas, o que parece não estarmos preocupados com o crime, mas com o criminoso. A função da lei é estabelecer com o máximo de justiça a quantidade de punição em função do tamanho do delito, conforme seja consenso da sociedade. A individualização do criminoso só ganha importância no ato do julgamento, para efeito de caracterização de elementos atenuantes ou agravantes da pena. Não se pode elaborar leis com o pensamento num determinado criminoso ou num determinado ato criminoso.


Há um outro aspecto perverso em nossa sociedade, o que aprofunda outra perversidade: o criminoso, para a sociedade conservadora e atemorizada por quaisquer crimes mais hediondos ou de maior repercussão, passa a ser visto como "monstro", contra o qual todas as misérias e sofrimentos humanos devem se abater. Então, não cuidamos de nossas prisões, pois achamos que elas devem ser uma espécie de "inferno", ou, no máximo, um "purgatório": lugar de sofrimento. Desumanizamos a imagem do detento, entregue aos "demônios" (carcereiros), que ganham o direito de dispor até da vida dessas pessoas, mantendo-as sob condições totalmente degradantes. As condições prisionais são a punição, e não a privação da liberdade. E isso é um absurdo que está no inconsciente coletivo de nosso povo (e de muitos outros povos), que veem o encarceramento como vingança e não como punição, esquecendo-se de que o objetivo do encarceramento é afastar por um tempo ou definitivamente do convívio da sociedade os indivíduos que não podem com ela conviver, por terem delinquido ou por serem um perigo para as demais pessoas. A pena é a reclusão, não as condições carcerárias. O fato de um indivíduo ser um criminoso - não importando seu crime - não nos dá o direito de torturá-lo, de tratá-lo de forma desumana, de querer que ele morra à míngua ou viva em condições degradantes dentro de uma prisão.


Assim como sou totalmente contrário à pena de morte, porque depois de executada não há como revertê-la, em caso de erro de julgamento, e porque não é função do Estado matar ou vingar-se, além de outros argumentos mais profundos e de conteúdo ético e humanitário, sou também totalmente contrário a que mantenhamos nossos detentos em condições degradantes, em prisões onde o indivíduo seja tratado como "coisa" descartável, ou lixo que não se recicla. Condição carcerária degradante é, na minha opinião, um crime tão hediondo quanto a tortura.


Isso está muito claro na posição da sociedade, em relação ao famoso "massacre do Carandiru", quando a polícia militar de São Paulo invadiu o presídio, rebelado por disputas entre gangues internas, e matou a sangue frio 111 presos, numa das mais horrendas ações de que se tem notícia na história policial do País. Principalmente quando se sabe que os detentos não estavam armados, pelo menos não com armas de fogo, e que a maioria foi morta no próprio ato de rendição. Enquanto a mídia nacional e internacional e os humanistas todos praticamente condenaram unanimemente a ação da PM de São Paulo, a população manteve um olhar de até certa simpatia ao fuzilamento dos presos, como se isso fosse um favor à sociedade, ao livrá-la desse "lixo".


Também é sintomática dessas ideias "higienistas" de uma grande parcela da população a notícia - falsa, muito falsa - que corre nas redes sociais de que os presos ganham dinheiro do governo, enquanto estão presos, numa espécie de "bolsa-detenção", o que leva muitas pessoas a expressar sentimentos de revolta não só contra isso, mas contra a população carcerária em geral.


É preciso que a sociedade entenda - e isso é um processo civilizatório - que os criminosos que ela gera, os marginais e os marginalizados, os pobres e os miseráveis são todos seres humanos como qualquer outra pessoa e são fruto das condições dessa mesma sociedade, o que a torna tão responsável por eles quanto é responsável por todos os cidadãos, não tendo o direito, portanto, de condená-los à degradação quando alguns desses indivíduos cometem delitos. Se a sociedade produz seres inadequados à convivência com outros indivíduos, é sua, sim, responsabilidade de cuidar deles da mesma forma como cuida de todos os demais, mesmo quando condenados por sejam lá quais crimes. O assassino não perde sua condição de ser humano, ao matar.


Então, temos aí dois problemas: uma visão distorcida do problema da delinquência, com leis inadequadas e complacentes, e uma visão revanchista, de vingança, de ódio, à população carcerária.


Cadeia tem duas funções: punir e recuperar. Nosso sistema carcerário só pune. E o faz da maneira mais desumana possível. Claro, há os indivíduos irrecuperáveis, mas esses são exceção e mesmo eles não podem ser tratados desumanamente, porque, como disse e reafirmo, eles continuam sendo cidadãos e, principalmente, seres humanos, e o Estado ou quem o representa não são vingadores, não têm e não podem ter o direito de torturar ou tratar a quem quer que seja de forma degradante, contra todos os princípios humanitários.


Talvez por isso, o Estatuto do Menor e do Adolescente tenha uma visão extremamente protecionista, até em relação ao menor infrator. A desconfiança absoluta no sistema penal produziu a proteção absoluta ao inimputável. Então, a discussão que se abre a cada crime hediondo cometido por menor ganha foro de revolta popular contra uma lei que é justa nas intenções, mas falha na sua aplicação. E a discussão que toma o público não se calca em argumentos racionais, diante de fatos que comovem, como um assassínio frio de um jovem por outro, este menor e, portanto, provavelmente não passível de punição mais rigorosa: quer-se, simplesmente, diminuir a maioridade penal, para tratar adolescentes como adultos e aplicar-lhes as mesmas penas que ao criminoso comum, como se isso fosse resolver o problema da delinquência de menores.


Não sou e não poderia ser a favor de tal insanidade, porque diminuímos hoje a maioridade para 16 anos e, daqui a alguns anos, para 14 e não sabemos nunca onde isso vai parar. Daqui a pouco, estaremos pedindo a prisão de recém-nascidos, por terem provocado, com seu nascimento, a morte da mãe.


Mas, por outro lado, não podemos deixar a sociedade sob risco, ao não punirmos adequadamente e  não recuperarmos de forma convincente os menores que cometem crimes considerados hediondos. Assim como colocamos de castigo nossos filhos pequenos, quando "saem da linha", ou seja, quando não se comportam, e procuramos ser o mais justos possível, sem que lancemos mão de métodos físicos, absolutamente contrários a qualquer metodologia educacional, também a sociedade precisa ter regulamentos mais severos - e justos - para punição de menores que não sejam apenas "infratores", mas que cometeram crimes mais graves.


Sem dúvida, liberdade com "ficha limpa" aos 21 anos, como se nada houvesse acontecido, parece-me um tanto absurdo e até mesmo não condizente com a realidade tanto social quanto psicológica desses menores. Não estamos fazendo nenhum bem nem à sociedade nem a eles mesmos, porque fica claro que a ideia de que a punição também deve servir de exemplo desmancha-se por completo, sinalizando aos demais menores - e aos adultos que os induzem ao crime ou que comandam suas ações - que a vida humana realmente não tem nenhum valor. Portanto, um sistema mais duro de punição precisa ser imposto, sem que se altere a atual maioridade penal. E também deve ser agravante, e bem agravante, a indução de menores ao crime por adultos.


Qual seria esse sistema? Muitas são as possibilidades e é direito da sociedade e seus representantes discutir a melhor forma. E a hora é agora. Adiar tal discussão é irresponsabilidade, diante do clamor popular por medidas mais drásticas e de alcance duvidoso ou que provoquem danos irreparáveis que podem ser tomadas no calor de fatos de grande comoção social.


Quaisquer que sejam as medidas que provoquem aumento de penas para menos que cometem crimes hediondos - e não para menores "infratores" - há que se resolver um problema sério: melhorar as condições de recolhimento desses menores. Separá-los por delitos não seria má ideia. Mas, principalmente, não jogá-los em minipenitenciárias onde cabem centenas de jovens e, geralmente, com superpopulação, em que as condições de vida são degradantes, sob as vistas de "monitores" que só têm como única forma de manutenção da ordem a imposição de disciplina férrea, muitas vezes com o uso de força física. Isso não educa ninguém. Isso não recupera ninguém. Há que se pensar em pequenas unidades, para um número razoável de jovens, sempre poucos e nunca muitos, com supervisão de educadores, psicólogos, médicos, ou seja, lugares que recuperem a identidade e autoestima desses jovens, e não sejam escolas de revolta e de crime. Isso eu já disse em artigo anterior e volto a reforçar, aqui. E ainda mais: dizer que não há dinheiro para isso é estupidez. Porque dinheiro há, sim, e, se não houver, arruma-se. Basta vontade política. Dos governantes e da sociedade. Porque é muito mais barato investir na recuperação e educação dos jovens "infratores" do que em complexas medidas de segurança.


E mais, ainda: eles não são tantos assim, que possam custar tanto dinheiro. Consultem-se as estatísticas. O número dos que matam não é exatamente aquele que nos faz crer a repercussão de seus crimes. São poucos. Muito poucos. E eles mais morrem do que matam. Matam-se eles mesmos, em lutas de gangue. Matam-nos os chefes de tráfico, por dívidas e outros delitos contra a lei do tráfico. Matam-nos carniceiros e justiceiros contratados por comunidades ou pequenos comerciantes cansados de furtos em suas lojas. Mata-os a polícia, por qualquer motivo e por nenhum motivo. Mas, matam-nos principalmente a miséria, a injustiça social, a falta de perspectiva de vida, o olhar de nojo e de medo de todos nós, trancados em nossos automóveis, em nossas casas gradeadas, em nossos apartamentos com segurança eletrônica e guardas armados.


Enfim, precisamos quebrar o paradigma de uma sociedade que mata e de uma sociedade que não pune. E só uma discussão séria, sem os arroubos de retórica e de demagogia, sem ranços de visão de mundo revanchista ou complacente, sem preconceito, é que poderá nos tirar desse impasse.



abril 14, 2013

MAIORIDADE PENAL AOS 16 ANOS, OU: OLHO POR OLHO, DENTE POR DENTE






(Brueghel - detalhe)



Todas as vezes que ocorre um crime bárbaro (todo crime de morte é bárbaro, não?), a discussão sobre maioridade penal aos 16 anos toma conta da sociedade. Muito papel e tinta são gastos. Horas de rádio e televisão são dedicados ao assunto. Políticos propõem projetos de alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente. Especialistas dão palpites. E o povo se divide entre aqueles são "a favor" e os que são "contra".

O assunto é espinhoso. Envolve emoção. Porque se trata de jovens, quase crianças, considerados até agora "inimputáveis", por nossas leis. E quando o assunto refere-se a essa faixa etária entre a total inocência e a idade adulta, nós não sabemos bem o que fazer: oscilamos entre o olhar cândido da proteção total e o olhar rancoroso de quem só vê o crime e a necessidade de puni-lo da forma mais rigorosa possível.

Entre esses extremos, imobilizamo-nos. E não discutimos seriamente o assunto. Não sei se terei, eu também, condições de fazê-lo de forma racional ou, pelo menos, sem as paixões dos extremos. Vou tentar. E começo, não sei se de forma certa ou errada, com uma croniqueta publicada no facebook por meu amigo Luiz Cláudio Lins:



"Pena que ainda tenhamos tanta influência católica no grau de escrúpulo social. Mas imaginemos tal cenário:

Como o o rapaz que assassinou outro rapaz em SP o fez antes de completar 18 anos, ele apenas terá uma medida punitiva sócio- educativa de, no máximo, 3 anos e depois será colocado em liberdade sem ônus com a justiça; Essa é a lei que vale para todos os jovens brasileiros,no momento, de qualquer origem social.

Mas é uma lei que não agrada grande parte da população brasileira. Que não pode ser consultada de forma plebiscitária pois este é um direito previsto constitucionalmente.

Então, já que o criminoso não será objeto de uma pena mais "severa" nem nesse curto período de tempo em que estará privado de liberdade será alvo de qualquer ação de reinserção social (ele sairá igual ou pior que entrou), poderíamos usá-lo como uma cobaia.

Seria convocada a população da capital para, em determinada hora e local, apedrejá-lo. Simplesmente assim. Ele, ao centro de um espaço, e ao seu redor as pessoas munidas de pedras.

Provavelmente, caso a afluência de público fosse alta, ele morreria ao final. Da mesma forma que morreu sua vítima (só que um tanto mais lentamente e talvez merecidamente segundo a opinião de alguns).

E pronto. Televisões e câmeras de segurança gravariam a cena e, por tecnologia já existente, impediria a identificação dos justiceiros.

Ao final, todos voltariam para suas casas satisfeitos e triunfantes diante da 1ª vez que o Bem aplacou o Mal. Que a justiça, de fato, foi feita.

O episódio serviria como alerta para outros jovens que ousassem agir da mesma forma; E se algo ocorresse parecido mais um seria escolhido para novo apedrejamento.

E isso se incorporaria aos nosso hábitos como ir ao cinema, ir ao shopping, ir ao estádio de futebol, na igreja ou na academia.

Toda semana um apedrejamento de alguém "incorrigível" que deixará, definitivamente, de ser cruel e maléfico.

E assim nossa alma, aquela parte mais pura e elevada e que muitos acreditam que exista, seria lavada e deixada em paz."



Lavar a alma. A alma que muitos acreditam ser a nossa parte que deve ser salva, no conceito deísta e cristão. Essa a frase que me marcou mais na crônica, porque toca um ponto sensível para mim, as crenças da humanidade, nesses últimos dois mil anos, os dois mil anos de vitória do cristianismo, no Ocidente.

O cristianismo é a seita das contradições absolutas: porque você pode ser um nazista de carteirinha dentro dos princípios cristãos (como muitos o foram, e nem vou citar nomes, para não despertar protestos) ou ser um santo, no mais profundo sentido franciscano que essa palavra possa conter no contexto cristão (já que Francisco voltou ao noticiário como nome de papa, podemos usá-lo como exemplo de todos conhecido).

O mártir e fundador do cristianismo prescrevia o amor total, até aos inimigos; e mandava oferecer "a outra face", em caso de agressão. Mas não teve - segundo os registros - nenhum pudor em fustigar os vendilhões do templo. Ao mesmo tempo que a doutrina cristã renova conceitos de convivência e ética, assimila e considera como "verdades" e "doutrina" os velhos chavões da receita judaica do chamado "velho testamento", onde pontifica o deus da carnificina, o deus do "olho por olho, dente por dente".

Assim, não nos espantemos com as oscilações extremas de nossa sociedade e de nossas leis: há vezes em que prevalece, como no Brasil, a visão franciscana, a complacência para com marginais e assassinos (penas suaves para crimes de morte; prescrição de penas em tempos menores; progressão de penas para crimes hediondos etc, etc, etc); há vezes em que prevalece, como em muitos estados dos Estados Unidos, a lei de talião, a lei "antiga", com o rigor do Estado a satisfazer os desejos sádicos da sociedade (prisão perpétua; punições exemplares para pequenos delitos; pena de morte etc, etc, etc).

Poucos são os estados em que se chegou a uma visão menos "cristã" e mais objetiva, baseada na ética e nos costumes e visões mais saudáveis de um processo, longo processo, muitas vezes, que privilegie a ideia de "civilização" (no seu sentido mais profundo de respeito a certos princípios básicos, como à vida e à natureza) e de civilidade, ou de convivência pacífica entre humanos.

Assim, a ideia de punição a jovens infratores coloca-se numa espécie de "limbo ideológico" dos mais complexos. Os defensores do rigor extremo não escondem suas posições ideológicas fundamentalistas (e o governador de São Paulo dá bem o exemplo do que eu quero dizer), enquanto os defensores da visão "educacional", de proteção e de amparo ao menor, seja ele apenas "infrator" ou "assassino" desfilam argumentos ideológicos que parecem pertencer a uma sociedade ideal e imaginária, e não ao mundo real.

Ficam ambas as partes de digladiando diante de casos e exemplos - que servem a ambos os argumentos, é só saber escolhê-los a dedo para o debate - sem entrarem fundo numa discussão muito mais importante: o que a sociedade deve fazer com aqueles que não seguem as suas regras, ou seja, como assimilar o "transgressor".

Porque é isso o que uma sociedade dita civilizada deve fazer. Nem ser complacente nem ser "vingadora" em relação àqueles que a desafiam. Aceitar que há sempre uma porcentagem de "marginais" ou "marginalizados" (no sentido estrito do termo, aqueles que vivem à margem da sociedade, não necessariamente contra a sociedade, mas que não encontraram o seu espaço dentro dela). São eles frutos das distorções de sempre, quando essas distorções - desde distribuição de renda até preconceitos e racismo - são evidentes, ou da simples ideia de que há, sim, mesmo nas sociedades mais justas, os desajustados, e que isso é algo com que se tem de conviver.

No caso dos nossos jovens, a sociedade constituída não pode adotar o discurso paternalista e complacente do idealismo que justifica o delito como resultado das injustiças sociais e, portanto, deve-se dar o máximo de proteção possível mesmo ao delinquente, nem adotar o revanchismo raivoso dos fundamentalistas que querem "lavar a alma", na crônica de meu amigo. Há que se buscar um senso justo na relação com os jovens que delínquem: diferenciar o jovem infrator do jovem que comete crimes de morte.

E mais: ao primeiro, dar tratamento decente em instituições que não sejam meros depósitos de gente, onde possam ser realmente educados no sentido mais amplo do termo, sem passar por constrangimentos (que, diga-se de passagem, são ilegais mas que continuam sendo diuturnamente praticados). Todas, praticamente todas as instituições de recolhimento de menores infratores no Brasil não passam de presídios disfarçados. Dirigidos por pessoas que, diante de um batalhão de menores, não encontram outra saída senão a disciplina férrea, conseguida através de maus tratos e imposição física. E não se pode dizer que não há dinheiro para melhorar esse tipo de instituição. Há, sim. O que falta é vontade política, é a conscientização de toda a sociedade para o fato de que o investimento em recuperação de jovens é mais barato e mais "lucrativo" do que o investimento na contratação de seguranças particulares ou na instalação de engenhocas de vigilância ou, mesmo, na instalação de grades em jardins e janelas de suas mansões. Instituições de recolhimento de menores infratores não podem ser imensos complexos para isolar num só espaço centenas de jovens (e ainda lutar contra a superpolução desses "presídios"), mas pequenas unidades dirigidas por educadores, mesmo que sejam essas muito mais caras. Porque, repito, dinheiro há e, se não houver, que as forças políticas e econômicas se unam para arrumá-lo, porque vale a pena. Podem ter absoluta certeza disso.

Quanto ao menor que pratica crimes de morte, não há que jogá-lo na vala comum dos presídios, mesmo depois de completados os dezoito anos, nem diminuir a idade penal, como querem muitos, mas buscar alternativas de reeducação em prazos mais longos, que envolvam a capacidade de avaliação de pessoal especializado, com controle do Estado e da sociedade, para que esse jovem sinta que está sendo, sim, punido, como toda criança ou jovem são punidos pelos pais, não como "revanche" ou "vingança", mas com o objetivo de recuperá-lo para uma vida saudável dentro da sociedade e para uma visão ética de respeito à vida. Isso implica buscar condições para um tempo maior (quanto? - só uma discussão séria e sem rancores poderá determinar), resolvida por uma junta de especialistas que deverão acompanhar sua recuperação e reavaliar de forma séria e competente as condições para sua soltura.

Enfim, se não for essa a saída, que se busquem outras, que se discuta o problema com objetividade, sem os ranços cristãos do amor e do perdão absoluto ou do deus vingador. Ao Estado cabe buscar recursos que a sociedade determinar para resolver o problema com competência, e não se imiscuir na discussão de forma autoritária, sem a devida cautela que devem ter os governantes ao tratar de assuntos complexos da sociedade. Porque o risco de cairmos em soluções degradantes existe e, se adotadas, só servirão mesmo para "lavar a alma" dos fundamentalistas de plantão, como muito bem descreveu o meu amigo Luiz Cláudio em sua crônica.