setembro 16, 2011

ESSA MISTURA DE PÚBLICO E PRIVADO






Há certas coisas que eu não entendo e não vou entender nunca.


Está rolando na internet um abaixo-assinado contra o Ricardo Teixeira, presidente da CBF. Eis aí uma coisa bastante idiota de se fazer: abaixo-assinado contra o Ricardo Teixeira.


Por quê?


Bem, vou tentar explicar.


Primeiro, deixe-me esclarecer uma coisa: não tenho absolutamente nada contra nem a favor do senhor Ricardo Teixeira. Também não lhe tenho nenhuma simpatia, e isso é apenas uma coisa pessoal. Como pessoa pública que ele é, posso até reclamar de suas palavras e atitudes. Posso criticá-lo ou elogiá-lo. E, se ele me fizer algo, posso até processá-lo. E só. Mais nada.


Agora, acompanhe meu raciocínio.


Sou torcedor do Santos Futebol Clube. Como tal, desejo que meu time jogue bem, que os jogadores se esforcem pela vitória, que o treinador escolha o melhor esquema de jogo e coloque em campo os melhores. Tenho consciência, no entanto, de que aquilo que eles – os jogadores, o técnico, a diretoria e demais pessoas ligadas ao clube – fazem é o trabalho deles. Ou seja, essas pessoas ganham e, às vezes, ganham muito bem, para isso.


Ora, se a diretoria do Santos for incompetente, o que eu posso fazer? Nada. Não sou sócio do clube, apenas torcedor.


Se o técnico não sabe treinar o time, o que eu posso fazer? Nada. Não sou da diretoria, apenas torcedor.


Se o time não joga direito, se os jogadores fizerem corpo mole, ou se começarem a perder jogos seguidos, o que ou posso fazer? Nada. Apenas ficarei triste e, até, posso deixar de torcer pelo Santos. Com muita pena, claro. Mas não posso fazer nada. Absolutamente nada.


Afinal, se o meu time estiver mal, eu posso sofrer (e, mesmo assim, relativizemos o máximo possível esse “sofrer”, porque a minha vida não muda nada com as vitórias e derrotas de meu time), mas o azar maior será dos próprios jogadores, que se desvalorizarão no mercado; do técnico, que vai perder o emprego; da diretoria, que vai perder sócios; dos sócios, que vão ter seu patrimônio desvalorizado... E assim por diante.


Como torcedor, não posso, não devo e não vou fazer absolutamente nada.


Por quê?


Ora, um time de futebol pertence a um clube que é uma entidade privada. Embora me proporcione momentos de lazer (raiva ou prazer, neste caso), fazer campanha para tirar, por exemplo, o seu presidente é o mesmo que eu fizesse campanha pública para tirar o presidente da Rede Globo de Televisão ou o presidente do Banco Itaú.


Se o presidente da Rede Globo ou do Bando Itaú forem corruptos, inescrupulosos, sacanas, o problema é com a polícia, com a justiça, com os sócios da emissora e do banco. O que eu posso fazer é não mais assistir à Rede Globo e não colocar mais o meu dinheiro no Banco Itaú. Isso eu posso fazer. E, se me sentir prejudicado por um dos dois, recorrer à justiça. Isso também eu posso fazer.


Com um clube de futebol, do qual eu sou apenas torcedor, é a mesma coisa: o que eu posso fazer, se não estiver satisfeito, é deixar de torcer por esse time e não mais ver os seus jogos. Se me sentir prejudicado, como consumidor (por exemplo: me venderem ingresso e não haver o jogo), posso até recorrer à justiça pelos meus direitos


Com a Confederação Brasileira de Desportos, a CBF, na minha opinião, o caso é o mesmo: se o senhor Ricardo Teixeira é incompetente ou corrupto, o problema é dos sócios dessa empresa. Ou da polícia, se houver denúncia de roubo. E da justiça, se houver inquérito.


Acho tão estúpido a torcida de um grande time de São Paulo, de vez em quando, insatisfeita com os jogadores, ir lá na sede do clube cobrar deles “sangue, suor e lágrimas”, quanto fazer campanha para tirar da presidência de uma entidade privada o seu presidente ou quem quer que seja. Se os jogadores desse grande clube não estão correspondendo àquilo que deles se espera, é problema da diretoria, dos sócios, de quem trabalha para esse clube e está perdendo dinheiro, não dos torcedores.


E o pior: tanto a torcida desse clube quanto os abaixo-assinados para tirar o presidente da CBF têm o respaldo de uma certa mídia, que acaba encampando essas teses absurdas, como se isso fosse uma coisa absolutamente comum.


Ou seja: eles dão aval à mistura de público e privado, sem pensar que isso é uma grande estupidez. E depois, ficam querendo que os políticos não façam também essa geleia geral de misturar o que é do Estado com o que é particular.


É tão errado o político meter a mão no dinheiro e nas coisas públicas, como se fossem particulares, quanto querermos interferir nos negócios privados seja de quem for.


Está certo: a CBF é a detentora da marca e das realizações da seleção brasileira de futebol. E daí?


Por mais que a seleção brasileira de futebol ganhe as manchetes de jornais; por mais que mexa com o imaginário dos torcedores de futebol; por mais que digam que ela é “a Pátria de chuteiras” (uma grande frase do Nelson Rodrigues, mas uma grande bobagem também), não temos nada com os desmandos do senhor Ricardo Teixeira no comando da CBF.


Se os governantes de meu país derem dinheiro público para a CBF, isso me diz respeito. E contra isso, podemos, devemos e vamos todos protestar, se esse dinheiro não tiver respaldo legal ou se não for por uma causa absolutamente justa.


Mas, se alguma empresa privada der dinheiro ou propina ao presidente da CBF, isso é problema dessa empresa e de quem deu o dinheiro ou propina. Pode ser caso de polícia e da justiça, mas eu, como cidadão, não tenho absolutamente nada com isso.


Assim, não me venham com essas campanhas idiotas de “Fora Ricardo Teixeira”, ou com abaixo-assinados contra o presidente da CBF. Que ele pode até ser um refinado escroque, ou um idiota completo, ou um corrupto de carteirinha, não tenho nada com isso. Não posso, não devo e não vou fazer absolutamente nada.


Torço pela seleção. Fico chateado e critico o seu futebol, quando não joga bem. Como torcedor, tenho até o direito de achar que fulano ou beltrano não deviam ser convocados ou que o técnico devia ser substituído. Mas é a minha opinião e nada além de dar a minha opinião eu posso fazer de concreto. A única coisa que posso fazer é torcer para que as coisas deem certo. Por isso é que sou e somos todos “torcedores”.


Não vou nunca me compactuar com qualquer mistura de público e privado. Nem no futebol, nem na política... Não vou nunca me compactuar com falcatruas, sejam públicas ou privadas. Mas as falcatruas privadas só me dizem respeito quando me prejudicam (vejam o meu blog “Comida sem cocô”, por exemplo: http://comidasemcoco.blogspot.com/).