março 04, 2012

OS BASTIDORES DO CIRCO ELEITORAL PAULISTANO






No picadeiro do PSDB paulistano, o circo armado para as prévias ruiu diante da entrada na disputa de mais um palhaço, José Serra. Dois dos contendores, devidamente instruídos pelo governador Geraldo Alkmin, desistiram; outros dois espernearam e dizem que vão continuar com a disputa, certos, porém, de que o aplauso final acabará ficando para o palhaço cara de pau que atropelou a tudo e a todos, com sua decisão tardia.


Como nesse circo há mais palhaçada do que imagina nossa mais inocente avaliação, vamos tentar deslindar o que está por trás dessa falseta, dessa pantomima que tem por único objetivo transformar o eleitor em escada para mais um golpe eleitoral.


Primeiro degrau para o picadeiro é entender a relação José Serra e Gilberto Kassab. O prefeito, um obscuro político cujo futuro seria mofar em alguns cargos secundários ou, quando muito, obter mandatos para a Assembleia Legislativa, foi guindado à direção da maior cidade da América Latina, à frente de um orçamento de fazer inveja a inúmeros países, graças à confiança nele depositada pelo Serra. Os dois são assim como o Mickey e o Pateta: tem o Kassab uma fidelidade canina em relação a seu criador e líder. De administrador medíocre da cidade de São Paulo, tornou-se um político esperto nas artes e estratégias do jogo do poder.


O que fez Kassab em favor de seu amo e senhor?


Detonou o DEM, aliado incômodo de José Serra, com sua excessiva influência e minguados votos, ao criar um novo partido - o PSD, que não tem ideologia e está na praça para servir unicamente a interesses políticos que passam, necessariamente, pela vontade de José Serra: tudo o que meu mestre mandar. Mas, não ficou só nisso o papel de Kassab, nessa complicada teia de interesses, como veremos mais adiante.


O segundo degrau para o picadeiro está na ambição do próprio Serra. Derrotado nas eleições presidenciais, seu futuro político parecia ser o ostracismo. No entanto, o tempo de recolha do vampiro serviu-lhe para costurar sua ambição aos interesses de uma minoria que ainda o apoia dentro do PSDB e a mídia paulistana que o tem na conta de estadista e como tal o trata.


A mídia paulistana é um caso à parte. Creio não haver algo mais podre e, ao mesmo tempo, mais pretensioso do que a mídia paulistana. Abriga e professa o pensamento conservador da chamada elite dos Jardins, o conjunto de bairros paulistanos onde se concentra a gente endinheirada, a "massa cheirosa" cuja percepção do mundo cabe nos contornos da Loja Daslu (hoje um símbolo decadente dessa elite). Os ideais dessa classe - tão zelosamente defendidos pela mídia - são os mesmos dos primeiros colonizadores, os bandeirantes, e dos primeiros barões do café dos primórdios do século XX: conquista à base do porrete (no lombo dos índios, pelos bandeirantes), poder da grana e ostentação (simbolizados pelos magníficos palacetes dos primeiros anos da avenida Paulista e, hoje, pelas mansões dos Jardins). Essa gente poderosa não gosta, no entanto, de se misturar ao povão e democraticamente disputar eleições: prefere deixar o trabalho sujo para seus apaniguados. E José Serra, por suas posições conservadoras, é um de seus queridinhos e, por isso, tem o beneplácito do apoio irrestrito da mídia paulistana. Não à toa, um dos porta-vozes serristas, a Folha de São Paulo, imediatamente após Serra anunciar que entrara na disputa, já fez uma mal ajambrada pesquisa de opinião, para publicar que o vampiro tem 30% das intenções de voto. No circo, os auxiliares de picadeiro agem rápido, para manter o público distraído com os números de prestidigitação dos palhaços.


Mais um detalhe fundamental neste tabuleiro: o PSDB nacional não suporta mais a arrogância dos seus líderes de São Paulo. Liderados por Minas, os tucanos querem uma cara nova para a disputa presidencial e o seu candidato "natural" é o ex-governador mineiro Aécio Neves. Serra seria, por isso, uma carta fora do baralho na escolha do partido para as próximas eleições.


Mas o vampiro não está morto. E precisa levantar rápido de seu túmulo, antes que seja tarde demais. Então costura com Alkmin a entrada nas eleições municipais.


Por que o governador topa avalizar sua candidatura? Primeiro, apesar de detestar o Serra e viverem às turras, tem o "rabo preso" a Serra: quando o sucedeu no governo paulista , Serra manteve intocados os esquemas de Alkmin, o que lhe possibilitou retomar com tranquilidade o governo nas eleições seguintes. E essa - dentro do jeito Serra de fazer política, com truculência e através de bem fornidos dossiês de "amigos" e adversários - é uma dívida vencida. O segundo motivo: o compromisso de Serra de não disputar novamente o governo de São Paulo, deixando o caminho livre para ele e seu grupo.


Então, a pergunta que não quer calar: como José Serra irá disputar de novo a presidência, se não tem apoio de seu partido?


Voltamos a duas coisas importantes: a ambição de Serra e Gilberto Kassab. A ambição: ele não tem nenhuma vontade ou vocação de ser prefeito. Está - me desculpem - cagando e andando para o povo de São Paulo. Mas precisa da prefeitura para fazer caixa de campanha. E aí entra mais uma vez o prefeito Kassab. E em dose dupla, para socorrer seu criador.


Primeiro, seguindo o plano de seu padrinho, Kassab fez de seu segundo mandato na Prefeitura o esteio para criar um novo partido e, por isso, tem sua avaliação como administrador despencando para índices que o nivelam ao famigerado Pitta (esse, uma criatura de Maluf). Porque, claro, não teve tempo de dedicar-se à cidade. Fez, no entanto, algo de fundamental importância para seu criador: planos. Mil planos e projetos. Se eleito, Serra terá apenas o trabalho de iniciar ou dar continuidade aos processos licitatórios para as inúmeras obras que Kassab prometeu e que não saíram do papel. E são obras bilionárias, como o túnel e o parque na região do Jabaquara ou o complexo turístico da Zona Norte, muito maior do que o Anhembi. E obras bilionárias rendem propinas milionárias, suficientes para, em dois anos, encher o caixa da campanha de José Serra à presidência.


E o problema partidário? É a segunda perna do "grande favor" de Kassab a seu padrinho: Serra sai do PSDB e candidata-se pelo partido de sua criatura. E mais: retribui-lhe o favor, deixando na prefeitura de São Paulo um vice devidamente escolhido por Kassab, mesmo que, por razões legais e de tempo na televisão, esse vice não pertença - agora - aos quadros do PSD. A continuidade da "gestão" Kassab estaria assegurada.


Está fechado, portanto, o enredo do gran-circo das eleições paulistanas, na versão da dupla José Serra - Gilberto Kassab. A banda de música da mídia já começou a bater o bumbo, todos os palhaços estão devidamente maquiados e prontos para - com fé, alegria e muita disposição - subir ao picadeiro, para nos fazer, a nós, eleitores, paulistanos, de idiotas - mais uma vez - por acreditar que marmelada só acontece nos verdadeiros e dignos circos de palhaços da periferia, esses, sim, merecedores de nosso respeito, mesmo quando se tornam políticos.


Só não nos equeçamos de uma coisa: o palhaço-mor está armado - de más intenções - e é perigoso!