A frase acima eu a encontrei na
timeline da escritora Márcia Denser, no Facebook, que afirma tê-la visto num
muro da rua Vergueiro, em São Paulo.
À primeira vista, parece só uma
dessas frases de impacto que encontramos por aí, sem maiores consequências.
Frases que lemos, achamos divertidas e depois esquecemos.
Porém, essa me fez pensar: quem
pode ter medo da democracia?
Pensei um pouco e cheguei a uma
conclusão: há, sim, dois tipos de pessoas que temem a democracia. Primeiro, os
que clamam por um governo ditatorial, tipo militar linha dura, do qual já nos
livramos há duas décadas. Gente saudosa das regras claras e rígidas dos
milicos, da ordem unida, do Brasil grande para os tubarões e o povo contrário
na cadeia, mesmo que fosse assim tão contrário. Bastava não concordar com
alguma coisa e já era isso motivo de preocupação. Tive um colega, professor de
geografia, no estabelecimento em que ambos lecionávamos, que disse em sala de
aula que o País não teria como patrulhar as duzentas milhas decretadas pelo
ditador de plantão. Foi parar no DOPS, para esclarecimentos. Essa gente é a
mesma que quer anular eleições livres, que quer impor a ditadura dos
perdedores, a ditadura das minorias e dos que gritam mais alto, e podem
fazê-lo, porque têm o poder das armas. Acho que essa gente não merece mais do
que o já que escrevi até aqui.
Mas, há um segundo tipo de
pessoas que teme a democracia: o verdadeiro democrata. Por motivos exatamente
opostos ao anterior. Teme porque sabe que a democracia é, primeiro, quase uma
utopia. Estou falando de um verdadeiro e absoluto estado democrático. Em que todos,
absolutamente todos, são iguais perante a lei. Em que não há quase pobreza, em
que a palavra de um lixeiro vale tanto quanto a do/a presidente/a do País. Em
que as oportunidades são exatamente iguais para todos, e não há discriminação
de cor, de sexo ou sexual, de classe ou de qualquer outra coisa. Enfim, um
regime em que as diferenças sociais tendem a zero, porque o dono de uma
indústria não precisa ter ganhos fantásticos para ter o mesmo tratamento na
escola ou no hospital que o seu faxineiro, que tem um salário tão digno quanto
o dele... Enfim, não disse que era uma quase utopia? Ou quase utopia é otimismo
demais?
Voltemos à democracia. Agora, à
democracia mais próxima de nossa realidade. O regime em que, apesar de todos os
defeitos - e são muitos! - é aquele que promete, e às vezes cumpre, uma vida
melhor para todos os cidadãos, dentro de um princípio de busca da igualdade.
Um regime em que há leis, regras,
regulamentos que devem ser cumpridos por todos, não porque haja punições aos
que não os cumprem, mas porque é a melhor forma de todos os cidadãos viverem em
harmonia uns com os outros. Ordenações que, a partir de um certo grau de
civilização e de civilidade dos cidadãos, podem tornar-se até mesmo obsoletas,
porque interiorizadas numa só palavra: respeito. E respeito implica negociar
com o próximo o meu direito, para não avançar sobre o direito dele. E isso é
uma das coisas mais difíceis do mundo.
Democracia implica desde não
fraudar o imposto de renda até recolher da calçada as fezes do cachorro que
levo a passear. Democracia implica saber que as leis valem e valem para todos,
que as regras - acordadas e aprovadas - devem ser sempre absolutamente
respeitadas. Democracia implica jogar o jogo e saber ganhar tanto quanto saber
perder.
Então, a democracia é um regime
temível. Um regime que arrepia todos os nossos pelos, porque não posso
estacionar meu carro na vaga de idosos; não posso cuspir no chão; não posso furar
a fila na porta do cinema; não posso assediar a garota de saia curta no metrô;
não posso impedir que dois rapazes se beijem; não posso quebrar o retrovisor do
carro que fechou a minha passagem de moto; não posso olhar com cara feia o
negro sentado a meu lado no banco da faculdade; não posso dar uns tapas na
minha mulher, porque ela é a parte mais fraca da relação; não posso jogar o meu
lixo no córrego ao lado de minha casa; não posso pedir a volta da ditadura; não
posso... Chega! A lista é grande. Além do mais, numa democracia eu posso fazer
tudo isso, porque afinal é uma democracia, porra!
Percebeu por que o democrata
verdadeiro tem medo da democracia?