novembro 21, 2014

"EU TENHO MEDO DA DEMOCRACIA"






A frase acima eu a encontrei na timeline da escritora Márcia Denser, no Facebook, que afirma tê-la visto num muro da rua Vergueiro, em São Paulo.

À primeira vista, parece só uma dessas frases de impacto que encontramos por aí, sem maiores consequências. Frases que lemos, achamos divertidas e depois esquecemos.

Porém, essa me fez pensar: quem pode ter medo da democracia?

Pensei um pouco e cheguei a uma conclusão: há, sim, dois tipos de pessoas que temem a democracia. Primeiro, os que clamam por um governo ditatorial, tipo militar linha dura, do qual já nos livramos há duas décadas. Gente saudosa das regras claras e rígidas dos milicos, da ordem unida, do Brasil grande para os tubarões e o povo contrário na cadeia, mesmo que fosse assim tão contrário. Bastava não concordar com alguma coisa e já era isso motivo de preocupação. Tive um colega, professor de geografia, no estabelecimento em que ambos lecionávamos, que disse em sala de aula que o País não teria como patrulhar as duzentas milhas decretadas pelo ditador de plantão. Foi parar no DOPS, para esclarecimentos. Essa gente é a mesma que quer anular eleições livres, que quer impor a ditadura dos perdedores, a ditadura das minorias e dos que gritam mais alto, e podem fazê-lo, porque têm o poder das armas. Acho que essa gente não merece mais do que o já que escrevi até aqui.

Mas, há um segundo tipo de pessoas que teme a democracia: o verdadeiro democrata. Por motivos exatamente opostos ao anterior. Teme porque sabe que a democracia é, primeiro, quase uma utopia. Estou falando de um verdadeiro e absoluto estado democrático. Em que todos, absolutamente todos, são iguais perante a lei. Em que não há quase pobreza, em que a palavra de um lixeiro vale tanto quanto a do/a presidente/a do País. Em que as oportunidades são exatamente iguais para todos, e não há discriminação de cor, de sexo ou sexual, de classe ou de qualquer outra coisa. Enfim, um regime em que as diferenças sociais tendem a zero, porque o dono de uma indústria não precisa ter ganhos fantásticos para ter o mesmo tratamento na escola ou no hospital que o seu faxineiro, que tem um salário tão digno quanto o dele... Enfim, não disse que era uma quase utopia? Ou quase utopia é otimismo demais?

Voltemos à democracia. Agora, à democracia mais próxima de nossa realidade. O regime em que, apesar de todos os defeitos - e são muitos! - é aquele que promete, e às vezes cumpre, uma vida melhor para todos os cidadãos, dentro de um princípio de busca da igualdade. Um  regime em que há leis, regras, regulamentos que devem ser cumpridos por todos, não porque haja punições aos que não os cumprem, mas porque é a melhor forma de todos os cidadãos viverem em harmonia uns com os outros. Ordenações que, a partir de um certo grau de civilização e de civilidade dos cidadãos, podem tornar-se até mesmo obsoletas, porque interiorizadas numa só palavra: respeito. E respeito implica negociar com o próximo o meu direito, para não avançar sobre o direito dele. E isso é uma das coisas mais difíceis do mundo.

Democracia implica desde não fraudar o imposto de renda até recolher da calçada as fezes do cachorro que levo a passear. Democracia implica saber que as leis valem e valem para todos, que as regras - acordadas e aprovadas - devem ser sempre absolutamente respeitadas. Democracia implica jogar o jogo e saber ganhar tanto quanto saber perder.

Então, a democracia é um regime temível. Um regime que arrepia todos os nossos pelos, porque não posso estacionar meu carro na vaga de idosos; não posso cuspir no chão; não posso furar a fila na porta do cinema; não posso assediar a garota de saia curta no metrô; não posso impedir que dois rapazes se beijem; não posso quebrar o retrovisor do carro que fechou a minha passagem de moto; não posso olhar com cara feia o negro sentado a meu lado no banco da faculdade; não posso dar uns tapas na minha mulher, porque ela é a parte mais fraca da relação; não posso jogar o meu lixo no córrego ao lado de minha casa; não posso pedir a volta da ditadura; não posso... Chega! A lista é grande. Além do mais, numa democracia eu posso fazer tudo isso, porque afinal é uma democracia, porra!


Percebeu por que o democrata verdadeiro tem medo da democracia?

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