maio 23, 2016

COMO NASCEU O “GOLPE CONSTITUCIONAL”








Não sou economista, não sou jornalista. Apenas observo e acompanho os fatos. E busco tirar conclusões, dentro de uma lógica possível. Não é preciso muito esforço para isso, todas as indicações do que descrevo abaixo estão aí, para qualquer pessoa que tenha um mínimo de julgamento racional tirar suas conclusões. Não há fatos: estes deveriam ser levantados por quem possa e saiba investigar, os repórteres especializados. Não há dados econômicos: estes podem e devem ser trazidos à baila pelos especialistas do mercado, geralmente tão pródigos em análises e previsões. Há apenas a logicidade por trás do que aconteceu a partir de seis meses antes das eleições presidenciais de 2014. Então, prenda a respiração e vamos em frente.

Até seis meses antes das eleições presidenciais, o País passava por aquilo que os economistas chamam de círculo virtuoso, ou quase isso. A inflação estava controlada, a economia crescia de forma constante e sustentada, embora com índices que até poderíamos dizer medíocres, para as necessidades futuras do País. Mas crescia. A crise econômica lá de fora – um tsunami – não dava mostras de fazer grandes estragos por aqui, já que havia provisões suficientes do Tesouro, para os dias de tempestade. Ou seja, o grande navio conseguiria navegar com solavancos, mas sem sobressaltos que impedissem um novo governo da presidenta Dilma.

Dilma não foi, não era e nunca será a preferida do mercado, ou dos empresários, ou de quem realmente manda no dinheiro e na economia do Brasil, os capitalistas. Mas também não era e nunca foi a ameaça. Não fez um governo brilhante, não incomodou muito e não seria incomodada, no segundo mandato, se... Esse o nó da questão: o se... E após o se... vêm as eleições de 2018, com – esse, sim, o inimigo a ser vencido – uma quase certa vitória de... Lula!

Mais oito anos de PT, com Lula à frente do governo. Isso era o pior dos pesadelos do tal mercado, controlado pelos capitalistas, pelos capitães de indústria, pelos empresários de todos os naipes e setores. Lula, o que poderia continuar com a política de distribuição de rendas e, até mesmo, aprofundá-la, para instituir de forma permanente uma nova – e perigosa – democracia econômica.

Estúpidos, esses empresários. Muito estúpidos. Não percebem que Lula estaria evitando uma possível jaquerie(*), não uma jaquerie de camponeses, mas de operários urbanos, a cercar suas fábricas e palácios para exigir direitos cada vez mais certos e inalienáveis, direitos que compõem uma verdadeira cesta básica de cidadania, como educação, saúde, terra, qualidade de vida. A nova classe operária já havia ido ao portão do paraíso e espera nele entrar. Um retrocesso poderia e pode desencadear uma revolta de proporções inauditas, que começaria com o cerco cada vez mais constante das propriedades gradeadas e vigiadas vinte e quatro horas dos ricos, dos milionários, dos donos do dinheiro. Teriam que passar a se deslocar de helicópteros e ficariam acuados em bunkers, para fugirem à ameaça do populacho. Enfim, isso não lhes passa pela cabeça. O que eles querem é ter de volta o velho e bom poder político.

Então... é preciso derrotar a Dilma, a qualquer custo. A campanha presidencial está às portas e urge desmontar os sucessos – relativos -  do governo federal. Para isso, articulados e regidos pela associação mais atuante de empresários do País, pela poderosa FIESP, engendram, com os meios de comunicação facilmente manipuláveis, nas mãos das seis “famiglie”, uma grande operação de desmonte do País e, por conseguinte, do governo Dilma. Põem o pé no freio dos investimentos, começam a dispensar funcionários (desemprego sempre pega mal a governos de esquerda), acionam uma operação de caça à corrupção, com um certo juiz de direito do Paraná (a operação Lava Jato, que já estava em curso e que pensavam poder controlar, mas que saiu um pouco do controle, ao atingir grandes empresários; paciência, depois tudo se ajeitaria, num futuro governo do PSDB), e com a mídia devidamente azeitada para começar uma campanha nunca vista antes de desprestígio ao governo, com notícias diárias da crise e da operação Lava Jato.

O candidato da oposição não era o que se poderia esperar, em termos de carisma, popularidade e competência. Mas isso também não era importante. Ele poderia vencer, com uma grande campanha de marketing, se chegasse ao segundo turno. Aécio Neves era até certo ponto um Collor de Mello melhorado em alguns aspectos, apagado em outros. Nada que não se pudesse dar um jeito.

Porém, ai, porém.... Surgiu um entreve: a candidatura de Eduardo Campos ameaçava impedir que Aécio chegasse ao segundo turno. Pânico. A solução -   todos sabem: um acidente inexplicável, a morte, a unção do defunto a herói nacional, como forma de aplacar os ânimos e esconder as verdadeiras intenções e... vida que segue. Se Marina Silva incomodava, não teria – como não teve – cacife para impedir que, a essa altura, depois de milhões e milhões de investimento na sua imagem, o queridinho das elites chegasse pelo menos ao segundo turno. E ele chegou.

E foi quase presidente. Aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, quando tudo parecia correr às mil maravilhas para o candidato já “eleito” pela mídia, pela elite, pelos empresários... o Nordeste vira o jogo e dá a vitória a Dilma.

A consternação durou pouco. Era preciso rearticular a oposição e buscar uma forma de mudar o jogo. O “tapetão” seria o último recurso. Utilizado no futebol, o expediente de puxar o tapete do adversário teria que ser muito bem pensado e articulado. E novamente a mídia foi convocada. E novamente as reuniões frenéticas foram marcadas. E novamente saiu a campo o incansável presidente da FIESP. Convoquem-se especialistas. Convoquem-se os universitários. No caso, os juristas. Quem tivesse qualquer ideia.

E como sempre, numa situação dessas, quando está em jogo o poder e quando o jogo do poder envolve muito dinheiro, logo aparece alguém com uma boa ideia. Ou uma ideia que, a princípio, parece loucura, mas pode ser promissora. E surgiu a ideia do “impeachment”, previsto na Constituição. Bastava um motivo. Se não houvesse um motivo, que se inventasse um. Ou que se criasse um. E apareceram, então, as tais “pedaladas fiscais”. A mídia não se fez de rogada e, muito bem paga, logo começou a falar sobre isso, a desinformar a população, a incentivar o ódio ao Partido dos Trabalhadores, aproveitando-se de uma série de circunstâncias e da famigerada tática de repetir mentiras até que se tornem verdades incontestáveis, fez despencar os índices de aprovação da presidenta eleita, enquanto o empresariado, mais do nunca empenhado na demonização e destruição do governo, comprava a peso de ouro os votos parlamentares suficientes para o processo de impeachment da presidenta, contando com a conivência e o total apoio de um dos políticos mais corruptos e canalhas desse País, o presidente da Câmara dos Deputados.

Armou-se o circo. A peso de ouro. Com apoio, com certeza, de governos estrangeiros (leia-se: apoio dos Estados Unidos da América, não nos iludamos). E a classe empresarial é que vai ao paraíso. Ou pensa que vai, ao entregar o governo a um ser absolutamente despreparado e sem estatura para governar, além de assumir acompanhado de um staff rigorosamente incompetente e preso pelo rabo a todo tipo de falcatrua.

Onde acaba essa história?

Se alguns Senadores que votaram pela admissibilidade do julgamento da presidenta criarem vergonha na cara e votarem contra o impeachment, Dilma volta e a crise tomará rumos um tanto controláveis. Ou não. As articulações serão complexas, mas teremos, pelo menos, uma presidenta eleita constitucionalmente, com possibilidade de retomar as rédeas da governabilidade e reverter sua imagem desgastada pela mídia. Bastará ter pulso firme. E um bom articulador político...

Mas, se o “golpe constitucional” prevalecer, haverá choro e ranger de dentes... e a crise se aprofundará, com um possível afastamento, também “constitucional”, do governo provisório e uma série de “golpes”, para cuja solução será a convocação de eleições presidenciais ainda este ano. O grande coringa será a possibilidade ou não de Lula poder sair candidato. E isso será o grande nó de uma possível convocação de eleições, porque “pode-se enganar todo o povo por algum tempo, pode-se enganar uma parte do povo todo o tempo, mas não se pode enganar todo o povo todo o tempo”.



(*) A Jacquerie, ou revolta dos Jacques, foi uma insurreição camponesa que teve lugar no Norte de França, entre 28 de maio e 9 de julho de 1358, durante a Guerra dos Cem Anos. A palavra "Jacquerie" passou a ser sinônimo de rebelião camponesa e, por séculos, a nobreza viveu sob o temor de uma repetição do episódio. Na memória popular, a "Jacquerie" é vista como uma série de massacres feitos pelos camponeses contra a nobreza. Na realidade, porém, os servos rebeldes estavam mais preocupados com a pilhagem, a comida e a bebida dos castelos do que com o assassinato de seus ocupantes. Frequentemente, se esquece que padres, artesãos e pequenos mercadores ocasionalmente se juntaram aos camponeses durante estas rebeliões.