Não sou economista, não sou
jornalista. Apenas observo e acompanho os fatos. E busco tirar conclusões,
dentro de uma lógica possível. Não é preciso muito esforço para isso, todas as
indicações do que descrevo abaixo estão aí, para qualquer pessoa que tenha um
mínimo de julgamento racional tirar suas conclusões. Não há fatos: estes
deveriam ser levantados por quem possa e saiba investigar, os repórteres
especializados. Não há dados econômicos: estes podem e devem ser trazidos à
baila pelos especialistas do mercado, geralmente tão pródigos em análises e
previsões. Há apenas a logicidade por trás do que aconteceu a partir de seis
meses antes das eleições presidenciais de 2014. Então, prenda a respiração e
vamos em frente.
Até seis meses antes das eleições
presidenciais, o País passava por aquilo que os economistas chamam de círculo
virtuoso, ou quase isso. A inflação estava controlada, a economia crescia de
forma constante e sustentada, embora com índices que até poderíamos dizer
medíocres, para as necessidades futuras do País. Mas crescia. A crise econômica
lá de fora – um tsunami – não dava mostras de fazer grandes estragos por aqui,
já que havia provisões suficientes do Tesouro, para os dias de tempestade. Ou
seja, o grande navio conseguiria navegar com solavancos, mas sem sobressaltos
que impedissem um novo governo da presidenta Dilma.
Dilma não foi, não era e nunca
será a preferida do mercado, ou dos empresários, ou de quem realmente manda no
dinheiro e na economia do Brasil, os capitalistas. Mas também não era e nunca
foi a ameaça. Não fez um governo brilhante, não incomodou muito e não seria
incomodada, no segundo mandato, se... Esse o nó da questão: o se... E após o
se... vêm as eleições de 2018, com – esse, sim, o inimigo a ser vencido – uma quase
certa vitória de... Lula!
Mais oito anos de PT, com Lula à
frente do governo. Isso era o pior dos pesadelos do tal mercado, controlado
pelos capitalistas, pelos capitães de indústria, pelos empresários de todos os
naipes e setores. Lula, o que poderia continuar com a política de distribuição
de rendas e, até mesmo, aprofundá-la, para instituir de forma permanente uma
nova – e perigosa – democracia econômica.
Estúpidos, esses empresários.
Muito estúpidos. Não percebem que Lula estaria evitando uma possível jaquerie(*),
não uma jaquerie de camponeses, mas de operários urbanos, a cercar suas
fábricas e palácios para exigir direitos cada vez mais certos e inalienáveis,
direitos que compõem uma verdadeira cesta básica de cidadania, como educação,
saúde, terra, qualidade de vida. A nova classe operária já havia ido ao portão
do paraíso e espera nele entrar. Um retrocesso poderia e pode desencadear uma
revolta de proporções inauditas, que começaria com o cerco cada vez mais
constante das propriedades gradeadas e vigiadas vinte e quatro horas dos ricos,
dos milionários, dos donos do dinheiro. Teriam que passar a se deslocar de
helicópteros e ficariam acuados em bunkers, para fugirem à ameaça do populacho.
Enfim, isso não lhes passa pela cabeça. O que eles querem é ter de volta o
velho e bom poder político.
Então... é preciso derrotar a
Dilma, a qualquer custo. A campanha presidencial está às portas e urge
desmontar os sucessos – relativos - do
governo federal. Para isso, articulados e regidos pela associação mais atuante
de empresários do País, pela poderosa FIESP, engendram, com os meios de comunicação
facilmente manipuláveis, nas mãos das seis “famiglie”, uma grande operação de
desmonte do País e, por conseguinte, do governo Dilma. Põem o pé no freio dos
investimentos, começam a dispensar funcionários (desemprego sempre pega mal a
governos de esquerda), acionam uma operação de caça à corrupção, com um certo
juiz de direito do Paraná (a operação Lava Jato, que já estava em curso e que
pensavam poder controlar, mas que saiu um pouco do controle, ao atingir grandes
empresários; paciência, depois tudo se ajeitaria, num futuro governo do PSDB),
e com a mídia devidamente azeitada para começar uma campanha nunca vista antes
de desprestígio ao governo, com notícias diárias da crise e da operação Lava
Jato.
O candidato da oposição não era o
que se poderia esperar, em termos de carisma, popularidade e competência. Mas
isso também não era importante. Ele poderia vencer, com uma grande campanha de
marketing, se chegasse ao segundo turno. Aécio Neves era até certo ponto um
Collor de Mello melhorado em alguns aspectos, apagado em outros. Nada que não
se pudesse dar um jeito.
Porém, ai, porém.... Surgiu um
entreve: a candidatura de Eduardo Campos ameaçava impedir que Aécio chegasse ao
segundo turno. Pânico. A solução - todos sabem: um acidente inexplicável, a
morte, a unção do defunto a herói nacional, como forma de aplacar os ânimos e
esconder as verdadeiras intenções e... vida que segue. Se Marina Silva
incomodava, não teria – como não teve – cacife para impedir que, a essa altura,
depois de milhões e milhões de investimento na sua imagem, o queridinho das
elites chegasse pelo menos ao segundo turno. E ele chegou.
E foi quase presidente. Aos
quarenta e cinco minutos do segundo tempo, quando tudo parecia correr às mil
maravilhas para o candidato já “eleito” pela mídia, pela elite, pelos
empresários... o Nordeste vira o jogo e dá a vitória a Dilma.
A consternação durou pouco. Era
preciso rearticular a oposição e buscar uma forma de mudar o jogo. O “tapetão”
seria o último recurso. Utilizado no futebol, o expediente de puxar o tapete do
adversário teria que ser muito bem pensado e articulado. E novamente a mídia
foi convocada. E novamente as reuniões frenéticas foram marcadas. E novamente
saiu a campo o incansável presidente da FIESP. Convoquem-se especialistas.
Convoquem-se os universitários. No caso, os juristas. Quem tivesse qualquer
ideia.
E como sempre, numa situação
dessas, quando está em jogo o poder e quando o jogo do poder envolve muito
dinheiro, logo aparece alguém com uma boa ideia. Ou uma ideia que, a princípio,
parece loucura, mas pode ser promissora. E surgiu a ideia do “impeachment”,
previsto na Constituição. Bastava um motivo. Se não houvesse um motivo, que se
inventasse um. Ou que se criasse um. E apareceram, então, as tais “pedaladas
fiscais”. A mídia não se fez de rogada e, muito bem paga, logo começou a falar
sobre isso, a desinformar a população, a incentivar o ódio ao Partido dos
Trabalhadores, aproveitando-se de uma série de circunstâncias e da famigerada
tática de repetir mentiras até que se tornem verdades incontestáveis, fez
despencar os índices de aprovação da presidenta eleita, enquanto o
empresariado, mais do nunca empenhado na demonização e destruição do governo,
comprava a peso de ouro os votos parlamentares suficientes para o processo de impeachment
da presidenta, contando com a conivência e o total apoio de um dos políticos
mais corruptos e canalhas desse País, o presidente da Câmara dos Deputados.
Armou-se o circo. A peso de ouro.
Com apoio, com certeza, de governos estrangeiros (leia-se: apoio dos Estados
Unidos da América, não nos iludamos). E a classe empresarial é que vai ao
paraíso. Ou pensa que vai, ao entregar o governo a um ser absolutamente
despreparado e sem estatura para governar, além de assumir acompanhado de um
staff rigorosamente incompetente e preso pelo rabo a todo tipo de falcatrua.
Onde acaba essa história?
Se alguns Senadores que votaram
pela admissibilidade do julgamento da presidenta criarem vergonha na cara e
votarem contra o impeachment, Dilma volta e a crise tomará rumos um tanto
controláveis. Ou não. As articulações serão complexas, mas teremos, pelo menos,
uma presidenta eleita constitucionalmente, com possibilidade de retomar as
rédeas da governabilidade e reverter sua imagem desgastada pela mídia. Bastará
ter pulso firme. E um bom articulador político...
Mas, se o “golpe constitucional”
prevalecer, haverá choro e ranger de dentes... e a crise se aprofundará, com um
possível afastamento, também “constitucional”, do governo provisório e uma
série de “golpes”, para cuja solução será a convocação de eleições
presidenciais ainda este ano. O grande coringa será a possibilidade ou não de
Lula poder sair candidato. E isso será o grande nó de uma possível convocação
de eleições, porque “pode-se enganar todo o povo por algum tempo, pode-se
enganar uma parte do povo todo o tempo, mas não se pode enganar todo o povo
todo o tempo”.
(*) A Jacquerie, ou revolta dos Jacques, foi
uma insurreição camponesa que teve lugar no Norte de França, entre 28 de maio e
9 de julho de 1358, durante a Guerra dos Cem Anos. A palavra
"Jacquerie" passou a ser sinônimo de rebelião camponesa e, por
séculos, a nobreza viveu sob o temor de uma repetição do episódio. Na memória
popular, a "Jacquerie" é vista como uma série de massacres feitos
pelos camponeses contra a nobreza. Na realidade, porém, os servos rebeldes
estavam mais preocupados com a pilhagem, a comida e a bebida dos castelos do
que com o assassinato de seus ocupantes. Frequentemente, se esquece que padres,
artesãos e pequenos mercadores ocasionalmente se juntaram aos camponeses
durante estas rebeliões.
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