janeiro 03, 2022

ENTENDA OS VÍRUS

 


Nestes tempos de pandemia, quando a humanidade sofre mais um ataque mortífero de vírus, dentre muitos em sua história, a desinformação parece ser o apanágio dos ignorantes, dos fundamentalistas religiosos, dos estúpidos por vocação, que negam a ciência e falam e reproduzem absurdos através das redes sociais. Sei que há muita gente despreparada não porque optaram por isso, mas porque não tiveram oportunidade de estudar, numa sociedade extremamente injusta como a nossa. No entanto, vejo e ouço e leio pessoas que têm curso superior, uma boa base de conhecimento, a divulgar informações erradas, ou por ignorância (ninguém pode saber tudo) ou por professar ideologias obscurantistas ou ainda por pura estupidez misturada com preconceitos arraigados, que não nenhum diploma universitário consegue mitigar.

Portanto, não só para os estúpidos negacionistas, mas também para todos os que não têm formação científica, mas que, bem intencionados, pretendem se informar melhor sobre ciência, publico hoje este texto (autoria e fonte ao final):



“Os vírus são um enigma que existe no limiar da vida. Eles não são apenas bactérias pequenas. Bactérias são seres unicelulares, completamente vivas. Cada uma tem um metabolismo, exige alimento, produz dejetos e se reproduz por divisão.

Os vírus não se alimentam nem queimam oxigênio para obter energia. Não participam de nenhum processo que poderia ser considerado metabólico. Não produzem dejetos. Não criam produtos colaterais por acidente ou de propósito. Não fazem sexo nem se reproduzem de forma independente. São menos do que um organismo vivo funcional, mas são mais do que apenas uma coleção inerte de substâncias químicas.

Existem diversas teorias a respeito da origem dos vírus e essas teorias não são mutuamente excludentes. Existem evidências para apoiar cada uma, e é possível que vírus diferentes tenham se desenvolvido de formas diferentes.

Uma visão minoritária sugere que eles se originaram de forma independente como as mais primitivas moléculas capazes de se reproduzir. Se isso fosse verdade, formas mais avançadas de vida poderiam ter evoluído a partir deles.

A maior parte dos virologistas pensa o contrário. Eles creem que os vírus começaram como células vivas mais complexas e evoluíram — ou talvez seja mais preciso dizer involuíram — para organismos mais simples, tais como a família “rickettsia” de patógenos. A rickettsia costumava ser considerada como vírus, mas atualmente já é observada como algo no meio do caminho entre as bactérias e os vírus. Os pesquisadores acreditam que esses organismos chegaram a ter, mas perderam as atividades necessárias para uma vida independente. O bacilo da lepra também parece ter se afastado da complexidade — a capacidade de fazer muitas coisas — rumo à simplicidade, hoje fazendo menos do que antes. Uma terceira teoria defende que os vírus eram antes parte de uma célula, uma organela, mas que se afastaram e começaram a evoluir de forma independente.

Seja qual for a origem, todo vírus tem apenas uma função: se replicar. Mas diferentemente de outras formas de vida (se considerarmos o vírus uma forma de vida), ele não faz isso sozinho. Ele invade células carregadas de energia e então, como um mestre de marionetes alienígena, as subverte, assume o controle e as obriga a produzir milhares, e em alguns casos centenas de milhares, de novos vírus. Esse poder reside em sua genética.

Na maior parte das formas de vida, os genes estão espalhados pelo comprimento de uma molécula de DNA (ácido desoxirribonucleico) em formato de um filamento. Mas muitos vírus — inclusive o influenza, o HIV e o coronavirus que provoca SARS (síndrome respiratória aguda severa) — codificam seus genes no RNA (ácido ribonucleico), uma molécula mais simples, mas menos estável.

Os genes lembram a estrutura de um software. Do mesmo modo que uma sequência de bits em um código diz ao computador o que fazer — processar um editor de texto, um jogo de computador ou fazer uma busca na internet — os genes dizem para as células o que fazer.

O código de computador é uma linguagem binária, de duas letras. Já o genético emprega uma linguagem com quatro letras, cada uma representando as substâncias químicas adenina, guanina, citosina e timidina (às vezes a uracila entra no lugar da timidina).

O DNA e o RNA são sequências dessas substâncias, bem longas. Às vezes, essas letras não formam palavras nem frases que façam algum sentido: 97% do DNA humano não contêm genes. É chamado de DNA “sem sentido” ou “lixo”, cujas funções ainda são desconhecidas.

Quando as letras compõem palavras e frases que fazem sentido, no entanto, por definição essa sequência é um gene.

Quando um gene em uma célula é ativado, ele ordena que a célula produza determinadas proteínas que, por sua vez, podem ser utilizadas como tijolos na construção de tecidos. (As proteínas que consumimos via alimentos de um modo geral têm essa função.) Mas as proteínas também desempenham um papel crucial na maior parte das reações químicas dentro do corpo, além de transportar mensagens para iniciar ou interromper diferentes processos. A adrenalina, por exemplo, é um hormônio, mas também é uma proteína. Ela acelera o ritmo cardíaco para criar o que chamamos de reação de luta ou fuga.

Quando um vírus consegue invadir uma célula, ele insere seus próprios genes na sequência humana e a carga genética viral passa a assumir o controle dos genes celulares. O mecanismo interno da célula começa a produzir aquilo que os genes virais exigem em vez daquilo que ela precisaria para si mesma.

Desse modo, a célula passa a produzir centenas de milhares de proteínas virais que, unindo-se a cópias do genoma viral, formam novos vírus. Uma vez prontos, eles são liberados. Nesse processo, quase sempre a célula hospedeira morre, em geral quando novas partículas virais irrompem a superfície celular para invadir outras células.

Embora os vírus executem apenas uma tarefa, eles não são simples. Nem primitivos. Altamente evoluídos, elegantes em seu foco, mais eficientes no que fazem do que qualquer ser inteiramente vivo, eles se tornaram organismos infecciosos quase perfeitos. E o vírus influenza está entre os mais perfeitos desses organismos perfeitos.”



JOHN M. BARRY, in A GRANDE GRIPE,
 
A HISTÓRIA DA GRIPE ESPANHOLA, 

A PANDEMIA MAIS MORTAL DE TODOS OS TEMPOS.