março 28, 2009

RATOS EMPLUMADOS

Se há indecisão, no PSDB, quanto ao candidato à Presidência em 2010, não há nenhuma indecisão sobre a formação de caixa para a campanha.

O que a Polícia Federal descobriu, ao investigar as falcatruas de diretores da Camargo Correa, deixa clara a ponta de um imenso iceberg: em conluio explícito do presidente da FIESP (o maior ninho conservador deste País) com as aves emplumadas do PSDB, mais os demos e outros partidos menores, da oposição, está-se a formar, talvez já há algum tempo, o caixa da campanha oposicionista do ano que vem.

Não há nenhuma dúvida de que o financiamento público de campanhas políticas não virá e, mesmo que venha, há sempre o recurso dos gastos por fora, patrocinados pelas empresas interessadas no próximo governo que, eles apostam alto, será formado pela galera sequiosa (e há muito na seca) de tucanos e demos, a dobradinha mais espúria da história política recente do Brasil.

Enquanto as investigações denunciam o escândalo, os impolutos deputados e senadores democratas e tucanos estarão no Congresso a esbravejar contra a politização da Polícia Federal, fazendo juras de honestidade que não passam nem no mais vergonhoso teste de veracidade que se possa fazer. São todos uns caras de pau, santinhos do pau oco, ladrões de casaca espoliados de suas boquinhas, de suas sinecuras, agora dispostos a tudo para voltar ao poder.

E a mídia, claro, vai dar uma mãozinha santa, publicando só o que interessa e, quando não for possível esconder mais a grande sacanagem que está aí, tentarão por panos quentes e desconversar. Mas a sujeira está aí, como a lavagem de dinheiro subtraído dos cofres públicos em obras superfaturadas, no que eles têm know-how há mais de cinquenta anos, desde a inauguração de Brasília. As grandes lavanderias desse País estão instaladas em redutos elegantes, como a Avenida Paulista, em São Paulo, e um dos seus maiores ratos, fantasiado de tucano ou vice-versa, é o presidente da FIESP, esse Paulo Skaf, ou PS, como aparece nos telefonemas grampeados da Camargo Correa.

Roubar é preciso, preciso como o corte cirúrgico de um médico, numa operação cardíaca. E roubar, para essa gente, é questão não apenas de sobrevivência, mas de hábito. Está no seu DNA. Todos os demais, mesmo os que se arriscaram nas bobagens do Marcos Valério, são amadores. Por isso, não acredito que o Ministério Público vá ter bala na agulha para investigar a fundo o que deve ser o verdadeiro mar de lama que invade os segmentos mais conservadores desse País.

Há caixas pretas espalhadas por aí: no Rio Grande do Sul, em São Paulo, em Minas e em muitos outros lugares. São tubarões, no verdadeiro sentido da palavra, gente muito poderosa, que não titubeia diante de juízes ou de promotores públicos, porque tem a seus pés forças de grande persuasão pública. O marketing de probidade está feito. É só enfrentar a onda com a cara de pau de sempre.

Pobre Brasil, esse que pode surgir das urnas em 2010!

março 24, 2009

ENFIM, O COMEÇO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA CULTURA

Vai haver choradeira. Vai haver ranger de dentes. Afinal, o lobby da cultura é forte. E quando falo do lobby da cultura, estou falando dos três por cento dos grandes produtores que conseguem, por meio da Lei Rouanet, captar, principalmente no eixo Rio – São Paulo, mais da metade dos recursos disponíveis.

Claro, ninguém vai querer perder essa boca. E como esses grandes produtores têm peso na mídia, a coisa pode engrossar. Então, preparemos nossos ouvidos para a chiadeira da grande mídia contra a reforma da Lei Rouanet proposta pelo Ministério da Cultura. Talvez a proposta não seja a ideal, perfeita, totalmente acabada, mas na essência ataca o problema principal, que é a desigualdade de distribuição e captação de recursos. E é isso o que importa. Pode ser aperfeiçoada? Sim, claro que pode. Mas eu disse aperfeiçoada, não deturpada. Só espero que os artistas não entrem na choradeira dos grandes produtores e se tornem inocentes úteis na defesa da permanência dos privilégios e das distorções da atual redação dessa lei, que tem méritos, sim, mas precisa ser melhorada.

Outro aspecto da proposta do Ministério da Cultura que, com certeza, será ironizado e até bombardeado por um tipo de gente que frequenta a grande mídia, é a da criação do Bolsa Cultura. A idéia é distribuir uma espécie de vale subsidiado pelo Governo e pelas empresas a todos os trabalhadores que lhes permita adquirir bens culturais, como livros, ou frequentar museus, exposições etc.

Está aí uma excelente idéia. Porque não basta que se produzam bens culturais. É preciso incentivar e educar o público a consumi-los. Por exemplo: estou cansado de ir a espetáculos teatrais, aqui em São Paulo, em que o que menos importa é o número de pessoas na plateia, já que o espetáculo está pago, mesmo que os atores e técnicos recebam uma miséria. Como a divulgação é cara e não tem o mesmo incentivo que a produção, poucos ficam sabendo e muito poucos comparecem. E o produtor, que já embolsou o seu rico dinheirinho, está-se lixando se o público é ridículo.

Então, que venha o Bolsa Cultura, ou Vale Cultura, ou que nome lhe deem. Será uma forma de incentivar a que as pessoas pouco a pouco se acostumem a consumir um bem cultural, obtendo assim aquilo que todo artista deseja: público, gente que leia o seu livro, que assista ao seu filme, à sua peça, à sua dança, compre o seu disco etc.

O valor proposto pode até ser pouco: cinquenta reais por mês, mas já é um ótimo começo. E deixem que chiem os que não querem a democratização da cultura.

março 15, 2009

AINDA O BRUXO DO COSME VELHO

Não quero aprofundar análises psicanalíticas, literárias ou filosóficas sobre Dom Casmurro, a personagem do romance homônimo de Machado de Assis. Mas continuo achando míope a crítica que vê apenas Capitu e esquece que a personagem realmente enigmática do livro é Bentinho.

Perdoem-me as mulheres, mas Capitu é uma criação da mente obscura de Bento, numa estrutura que, hoje, denominaríamos expressionista. O grande truque de Machado é falar de Capitu para nos revelar Bentinho, escondendo-o. Por isso, o nome do livro não é Capitu, mas o resultado de uma vida complexa e de taras e traumas não totalmente resolvidos, ou seja, Dom Casmurro, aquele que se esconde atrás do pessimismo e da casmurrice.

A grande dúvida do livro não é a traição de Capitu. Isso, absolutamente, não importa. Porque, afinal, traições, de parte a parte, mesmo nas sociedades conservadoras, são um mote comum, analisadas, condenadas ou exaltadas na pena de grandes escritores em todas as literaturas. Já a dúvida de ordem sexual, principalmente do homem, só aparece na literatura dita erótica ou dissoluta, geralmente com as tintas fortes do escândalo. Machado não quer escândalo: quer a alma de Bentinho, suas dúvidas e frustrações numa sociedade absolutamente conservadora, que pode até passar por cima de pequenas diabruras de rapazes em colégios internos, mas que não admitiria o relacionamento homossexual maduro, já na ordem “superior” dos grandes sentimentos do homem adulto.

Acho que se reduz a genialidade de Machado, quando se analisa o livro apenas sob a óptica de Capitu e sua pretensa traição, uma situação bastante comum na literatura (e na vida). Não creio que somente esse fato, esse único motivo, digamos, banal levaria o autor a tecer de forma tão complexa o retrato desses seres e a transformação do jovem Bento no homem amargo que encontramos em Dom Casmurro.

Bentinho tem o destino traçado desde muito jovem pelo amor de Capitu. Mas, será mesmo um amor verdadeiro ou é apenas a imposição do conservadorismo que o leva a cultivar até o casamento um sentimento que deveria ser canalizado para o amigo Escobar? Ao casar-se, deprimido e reprimido, acaba vendo nas atitudes de Capitu as pegadas de uma possível traição com esse mesmo amigo Escobar. Sua angústia se volta para a mulher, mas não será, na verdade, o grande drama de Bento o fato de pensar em ter sido traído, sim, mas não por Capitu, mas pelo amigo? E então, renega o filho, que é o fruto de uma tripla traição, pelo menos em sua imaginação conturbada por sentimentos opostos: a traição da mulher, a traição do amigo e a traição de sua própria índole.

Enfim, acho que é esse o grande mistério de Dom Casmurro, a obra genial de um autor que compreendia como ninguém os sentimentos humanos e suas relações com o ambiente em que vivia. Machado está falando de uma época, de uma época que tem ecos muito profundos de recalques, de frustrações e de medos cristalizados na forma pecados e execrações cristãs. Uma época que ainda está muito longe de terminar.

março 10, 2009

RESPEITO AO POVO QUE ANDA A PÉ

Itanhaém é uma cidade do litoral sul de São Paulo. Chega-se até lá pelo complexo viário Anchieta – Imigrantes e, depois, pela rodovia SP55, uma estrada moderna, duplicada, que divide a cidade ao meio, praticamente deixando de um lado as praias e do outro inúmeros bairros e vilas.

Eu disse estrada moderna?

Bem, de meu ponto de vista, não sei exatamente se a SP55 é uma estrada moderna. Dá, sim, conforto ao motorista. É bem sinalizada, bem policiada, com radares de controle de velocidade etc. E as duas pistas são divididas por muretas que impedem que um veículo desgovernado, por exemplo, invada o outro lado. Mas...

Bem, um dia, vindo de Itanhaém para São Paulo, por essa estrada, deparei com um fato curioso: bem embaixo de uma passarela, empoleirado sobre a mureta que divide as duas pistas, um rapaz aguardava tranquilamente o momento de aventurar-se entre os carros e alcançar o outro lado.

Isso acontece milhares de vezes, principalmente durante o verão, quando as vilas e bairros do outro lado da rodovia se enchem de turistas. Há passarelas, claro. Enormes, altas, com dezenas e dezenas de degraus, que o povo, por preguiça, por costume, por cultura, enfim, se recusa a utilizar.

É mais ou menos como as calçadas em parques, que pretendem conduzir o pedestre pelos gramados: há sempre trilhas naturais, que a população elege em detrimento dos caminhos planejados, por hábito, por motivos que nem desconfiamos, como as formigas que traçam insondáveis trilhas por onde todas passam.

Quem planeja ruas, avenidas, estradas, ou seja, os caminhos humanos, tem que respeitar também esses usos e costumes do formigueiro humano. Do povo que anda a pé. O povo, por exemplo, reclama por passarelas para atravessar avenidas e estradas, mas, não as usa depois de prontas. Por quê? Por comodismo, por que são muito altas, por que as pessoas têm preguiça ou pressa ou preferem o perigo à segurança? Por tudo isso e por motivos mais entranhados em seus cérebros, por desígnios que ainda não entendemos, mecanismos não compreendidos de nosso cérebro.

Então, o que fazer?

Pode encarecer uma obra, mas acho que a única solução para estradas como a SP55 e para avenidas em grandes cidades é que se planejem formas que permitam ao pedestre manter sua caminhada no mesmo nível, ou seja, sem subir ou descer: nada de passarelas, nada de túneis para os pedestres, ciclistas e até mesmo trânsito local. As rodovias e as avenidas bem planejadas devem passar por cima ou por baixo desses pontos de passagem do povo a pé, das formiguinhas que não gostam de mudanças em suas trajetórias.

Se o argumento for o preço da obra, que me perdoem os planejadores, porém mais vale uma obra cara que vidas perdidas pela falta de respeito aos hábitos e costumes das pessoas. É a competência humanista, ou humanitária, que quase sempre falta a nossos engenheiros e economistas: não basta ser técnico, tem que pensar no lado humano de uma obra, de qualquer obra.

Isto é ser moderno; isto é ser, talvez, pós-moderno: respeitar o povo que anda a pé.

março 03, 2009

ESSES QUE NOS GOVERNARAM, NOS ÚLIMOS ANOS

Podia começar falando dos governos militares. Cresci com eles. Com medo deles. Mas, estão mortos e enterrados. Foram o fruto podre que nossa pobre República colheu, entre tantos outros. Não vou falar deles.

Democratização. Meio estranha, é verdade. Com conchavos e conversas, muita conversa de bastidores. E lá veio Tancredo. O homem certo, no momento certo, no lugar certo... Não deu certo. Morreu na antecâmara do poder e deixou Sarney em seu lugar. Tonta a Nação. Tonto um presidente a governar com um plano que não era o seu, com uma gente que não era a sua. Aliás, inventou um plano. O cruzado. Bem no queixo da inflação. Orgulho de ter, afinal, um presidente que ia trabalhar dirigindo o próprio carro. Um presidente que ousava desafiar as leis do mercado, em nome do povo. Pobre povo: o queixo não era o da inflação, era o dele. E o knock-out foi devastador.

Aí, inventaram um cara que só sabia fazer uma coisa: caçar marajá lá nas Alagoas. Marajá, nome forte, para gente que mamava nas tetas do pobre Estado. Virou hit nacional, na televisão do senhor Roberto Marinho, que o elegeu com o voto dos idiotas. E foi a idiotice que se viu: não um golpe de boxe, mas de jiu-jítsu, um ippon, que botou no tatame de novo o povo. Que, mais esperto, reagiu e foi o que se viu: renunciou o caçador (que, na verdade era um tremendo mão-leve) e deixou o poder para um come-quieto lá de Minas. Que não era assim tão quieto, não. Aprontou das suas, com modelos sem calcinha em célebre carnaval no Rio. Não podia dar certo o senhor Itamar, mas até que deixou um rastro de esperança: um sociólogo badalado, intelectual, metido a besta (já até fora humilhado pelo Jânio, numa eleição para a prefeitura de São Paulo), mas todo falastrão.

Até tive certo orgulho de seu preparo, de seu rompante (embora nunca tenha gastado meu voto em tal indivíduo): aparentemente, pôs ordem na economia e o País parecia nos trilhos. Um plano ousado, ainda dos tempos do mineirinho come-quieto, começava a dar os seus frutos. E, afinal, um presidente feito sob medida: culto, viajado, falava inglês até com os alemães! Bem, lábia tinha o Fernandinho Segundo (que o primeiro foi o caçador de marajás, lembra?): vendeu meio País e comprou um Congresso inteirinho, com todos (ou quase todos) os senhores deputados e senadores, para obter, na marra, um segundo mandato. E deixou a maior desgraceira que podia deixar: o País quebrado, sem autoestima e sem destino. Ladeira abaixo as esperanças de desenvolvimento, de primeiro mundo.

Quanto tempo perdido! Quanto idiota a dar palpites infelizes. Restava o quê? O sapo barbudo.

E lá veio ele, com sua barba, sua voz roufenha, seu jeito desengonçado. Votei nele, sim. Que jeito? Era votar e torcer, torcer muito para que o deixassem lá, por um mandato pelo menos. Porque, embora tivesse esperança no barbudo, não confiava que terminasse dois anos de governo. Eram muitas as torcidas organizadas – contra! Piores que as de campo de futebol. Mais violentas e mais sanguinárias. Pularam com tudo a que tinham direito na jugular de Lula, o sapo que as ditas elites não conseguiam engolir. Deram paulada, deram soco e pontapé, só não deram tiro, porque aí já seria demais! E nada...

Tiveram que engolir o sapo barbudo. E deglutir. Porque, finalmente, um homem que se preocupa com o povo, porque veio do povo, estava no poder. E aos trancos e barrancos, levando trombadas e pulando obstáculos, aí está o Brasil de 2009 a enfrentar os desacertos de um mundo em ebulição econômica, numa das maiores encrencas que o capitalismo podre podia engendrar, com suas políticas selvagens. O Brasil liderado por um metalúrgico que não tem curso superior, nunca caçou marajás, não tem o pó das minas nem o visgo do café, não tem marimbondos de Academia, nem pretende ser mais do que é: aquele que conseguiu tirar o atraso e os desencontros de uma democracia recém-fundada.

Chiem e chorem, portanto, os viúvos de Sarneys, de Itamares e Fernandos, que é para frente que se anda: bons frutos só podem vir da boa árvore que os produziu. Qualquer outra solução é andar de novo para o atraso, para as políticas higienistas e antissociais de governos entreguistas que nunca se preocuparam com o povo.

Entenderam, então? Dois mil dez já começou. Esqueçam as pauladas, esqueçam as diatribes, esqueçam a mídia vendida e comprada. Não subam a serra, nem de Minas nem de São Paulo! Que o Brasil ainda tem jeito, se o povo não for enganado de novo!