outubro 12, 2011

AINDA ESSA HISTÓRIA DE PÚBLICO E PRIVADO





Digo, repito e repetirei mil vezes, se preciso for: futebol pode ser paixão. Mas o clube de futebol, sua diretoria, seus funcionários e seus jogadores são propriedade particular.


Como torcedor, só posso mesmo exercer o nome, o título de torcedor, ou seja, aquele que torce, que gosta do time e deseja (e apenas deseja) que o time jogue bem e vença seus jogos. Nada mais.


Se um time vai mal, se os jogadores fazem corpo mole, se o técnico não sabe armar o time, se perdem jogos, o azar é deles, somente deles. O time perde público e patrocínio, fontes de receita; os sócios perdem dinheiro e, principalmente, o patrimônio do clube se desvaloriza e os jogadores perdem valor no mercado e também perdem dinheiro, juntamente com seu empresário e com o staff que o acampanha. E o técnico perde o emprego.


E o torcedor, o que perde? Nada. Talvez umas horas de sono. Nada mais.


No entanto...


Há alguns elementos nessa paixão, nessa mistura de público e privado que trazem consequências funestas, para pessoas, para clubes e para torcedores.


Vejamos.


Primeiro: torcidas organizadas. Foi a invenção mais estúpida de toda a história dos esportes. Criada de forma talvez inocente, para a união de torcedores de um mesmo time, transformaram-se em pesadelo de preconceito, violência e mortes. E pior: os clubes, talvez um tanto inocentemente, talvez vendo nessas hordas de vândalos a possibilidade de aumentar arrecadação, enchendo estádios, acabaram apoiando essas torcidas. Um grande equívoco. Elas usam os símbolos e a camisa do clube – que são patrimônio e motivo de ganho em ações de marketing, para insultar outras torcidas, destruir patrimônio público, brigar e matar em nome... de quem? Do clube, claro. Apropriam-se de um bem particular – a imagem do clube – para prejudicar o prejudicar esse mesmo clube, pois acabam espantando dos estádios o torcedor comum, que teme a violência e as brigas constantes.


Segundo: a equivocada cobertura das mídias. Repórteres e comentaristas esportivos, até mesmo gente bastante inteligente e decente, não percebem que, falando asneiras, criticando de forma apaixonada e, até mesmo, violenta, dirigentes, jogadores, técnicos, incentivam o lado irracional do torcedor, que se acha no direito de também fazer cobranças, de também exigir o que ele não tem direito de exigir: que o seu time jogue aquilo que ele pensa que deve jogar; que os jogadores são seus apadrinhados ou que ele é dono ou o empregador dos jogadores, o que o leva a cobrar, às vezes de forma violenta, que esses jogadores deem o sangue, mostrem “raça”, seja lá o que isso queira dizer, na defesa de uma camisa que, no fundo, é apenas uma forma de ganhar a vida, de fazer um trabalho. Jogador de futebol, salvo raríssimas exceções, não joga mal porque quer, mas porque está atravessando uma má fase, porque não está bem fisicamente. E se ele prefere ir para a balada e beber até cair em detrimento de sua performance, o azar é todo dele: desvalorizado como atleta, perderá a confiança de seu empregador (o clube) e poderá até mesmo encerrar sua carreira.




Terceiro: o torcedor. Se um jogador tem problemas – sejam particulares ou não – o clube é que deverá buscar soluções para resolvê-los, não o torcedor. Mas, incentivado pela mídia, o torcedor vira um cobrador furioso, um agressor, a exigir, até com sopapos, resultados que o time não obtém não porque não queira, mas porque há sempre muita coisa em jogo num time de futebol, muita coisa além das quatro linhas do campo. E isso é problema do clube. Ele é que deve resolver. Não o torcedor.


Um clube de futebol – quantas vezes será preciso repetir? – é uma instituição privada, não pública, que depende do dinheiro, sim, do torcedor, através da bilheteria, o que não é algo compulsório: a decisão de ir ao campo e toda dele e de ninguém mais. Torcemos por um time, como torcemos por qualquer outra coisa em nossa vida, pelo sucesso de nossos filhos, pela vitória de um atleta, pela melhoria das condições de vida do povo, pelo progresso da Nação.


Apenas com um detalhe fundamental: muitas de nossas torcidas, na vida, podem depender do nosso trabalho, da nossa conduta ética, dos nossos esforços por viver bem em sociedade. Mas, a torcida por um time de futebol – se não somos sócios e, portanto, “donos” ou acionistas desse clube – só pode, mesmo, ficar na torcida: festejar nas vitórias, chorar nas derrotas e ignorar as provocações de outros torcedores, porque, afinal, um jogo termina no apito do juiz e seu resultado não modificará a vida de ninguém, nem o mundo em que vivemos.


Torcedor não tem o direito de bater em jogador (como aconteceu esta semana com um dos jogadores do Esporte Clube Palmeiras, de São Paulo, quando foi agredido na porta do clube por um bando de estúpidos e idiotas); não tem o direito de exigir que fulano ou beltrano não jogue ou se esforce mais; não tem o direito de nada além do torcer... e até criticar, vaiar, deixar de ir aos jogos. Nada além disso. Nada!

setembro 16, 2011

ESSA MISTURA DE PÚBLICO E PRIVADO






Há certas coisas que eu não entendo e não vou entender nunca.


Está rolando na internet um abaixo-assinado contra o Ricardo Teixeira, presidente da CBF. Eis aí uma coisa bastante idiota de se fazer: abaixo-assinado contra o Ricardo Teixeira.


Por quê?


Bem, vou tentar explicar.


Primeiro, deixe-me esclarecer uma coisa: não tenho absolutamente nada contra nem a favor do senhor Ricardo Teixeira. Também não lhe tenho nenhuma simpatia, e isso é apenas uma coisa pessoal. Como pessoa pública que ele é, posso até reclamar de suas palavras e atitudes. Posso criticá-lo ou elogiá-lo. E, se ele me fizer algo, posso até processá-lo. E só. Mais nada.


Agora, acompanhe meu raciocínio.


Sou torcedor do Santos Futebol Clube. Como tal, desejo que meu time jogue bem, que os jogadores se esforcem pela vitória, que o treinador escolha o melhor esquema de jogo e coloque em campo os melhores. Tenho consciência, no entanto, de que aquilo que eles – os jogadores, o técnico, a diretoria e demais pessoas ligadas ao clube – fazem é o trabalho deles. Ou seja, essas pessoas ganham e, às vezes, ganham muito bem, para isso.


Ora, se a diretoria do Santos for incompetente, o que eu posso fazer? Nada. Não sou sócio do clube, apenas torcedor.


Se o técnico não sabe treinar o time, o que eu posso fazer? Nada. Não sou da diretoria, apenas torcedor.


Se o time não joga direito, se os jogadores fizerem corpo mole, ou se começarem a perder jogos seguidos, o que ou posso fazer? Nada. Apenas ficarei triste e, até, posso deixar de torcer pelo Santos. Com muita pena, claro. Mas não posso fazer nada. Absolutamente nada.


Afinal, se o meu time estiver mal, eu posso sofrer (e, mesmo assim, relativizemos o máximo possível esse “sofrer”, porque a minha vida não muda nada com as vitórias e derrotas de meu time), mas o azar maior será dos próprios jogadores, que se desvalorizarão no mercado; do técnico, que vai perder o emprego; da diretoria, que vai perder sócios; dos sócios, que vão ter seu patrimônio desvalorizado... E assim por diante.


Como torcedor, não posso, não devo e não vou fazer absolutamente nada.


Por quê?


Ora, um time de futebol pertence a um clube que é uma entidade privada. Embora me proporcione momentos de lazer (raiva ou prazer, neste caso), fazer campanha para tirar, por exemplo, o seu presidente é o mesmo que eu fizesse campanha pública para tirar o presidente da Rede Globo de Televisão ou o presidente do Banco Itaú.


Se o presidente da Rede Globo ou do Bando Itaú forem corruptos, inescrupulosos, sacanas, o problema é com a polícia, com a justiça, com os sócios da emissora e do banco. O que eu posso fazer é não mais assistir à Rede Globo e não colocar mais o meu dinheiro no Banco Itaú. Isso eu posso fazer. E, se me sentir prejudicado por um dos dois, recorrer à justiça. Isso também eu posso fazer.


Com um clube de futebol, do qual eu sou apenas torcedor, é a mesma coisa: o que eu posso fazer, se não estiver satisfeito, é deixar de torcer por esse time e não mais ver os seus jogos. Se me sentir prejudicado, como consumidor (por exemplo: me venderem ingresso e não haver o jogo), posso até recorrer à justiça pelos meus direitos


Com a Confederação Brasileira de Desportos, a CBF, na minha opinião, o caso é o mesmo: se o senhor Ricardo Teixeira é incompetente ou corrupto, o problema é dos sócios dessa empresa. Ou da polícia, se houver denúncia de roubo. E da justiça, se houver inquérito.


Acho tão estúpido a torcida de um grande time de São Paulo, de vez em quando, insatisfeita com os jogadores, ir lá na sede do clube cobrar deles “sangue, suor e lágrimas”, quanto fazer campanha para tirar da presidência de uma entidade privada o seu presidente ou quem quer que seja. Se os jogadores desse grande clube não estão correspondendo àquilo que deles se espera, é problema da diretoria, dos sócios, de quem trabalha para esse clube e está perdendo dinheiro, não dos torcedores.


E o pior: tanto a torcida desse clube quanto os abaixo-assinados para tirar o presidente da CBF têm o respaldo de uma certa mídia, que acaba encampando essas teses absurdas, como se isso fosse uma coisa absolutamente comum.


Ou seja: eles dão aval à mistura de público e privado, sem pensar que isso é uma grande estupidez. E depois, ficam querendo que os políticos não façam também essa geleia geral de misturar o que é do Estado com o que é particular.


É tão errado o político meter a mão no dinheiro e nas coisas públicas, como se fossem particulares, quanto querermos interferir nos negócios privados seja de quem for.


Está certo: a CBF é a detentora da marca e das realizações da seleção brasileira de futebol. E daí?


Por mais que a seleção brasileira de futebol ganhe as manchetes de jornais; por mais que mexa com o imaginário dos torcedores de futebol; por mais que digam que ela é “a Pátria de chuteiras” (uma grande frase do Nelson Rodrigues, mas uma grande bobagem também), não temos nada com os desmandos do senhor Ricardo Teixeira no comando da CBF.


Se os governantes de meu país derem dinheiro público para a CBF, isso me diz respeito. E contra isso, podemos, devemos e vamos todos protestar, se esse dinheiro não tiver respaldo legal ou se não for por uma causa absolutamente justa.


Mas, se alguma empresa privada der dinheiro ou propina ao presidente da CBF, isso é problema dessa empresa e de quem deu o dinheiro ou propina. Pode ser caso de polícia e da justiça, mas eu, como cidadão, não tenho absolutamente nada com isso.


Assim, não me venham com essas campanhas idiotas de “Fora Ricardo Teixeira”, ou com abaixo-assinados contra o presidente da CBF. Que ele pode até ser um refinado escroque, ou um idiota completo, ou um corrupto de carteirinha, não tenho nada com isso. Não posso, não devo e não vou fazer absolutamente nada.


Torço pela seleção. Fico chateado e critico o seu futebol, quando não joga bem. Como torcedor, tenho até o direito de achar que fulano ou beltrano não deviam ser convocados ou que o técnico devia ser substituído. Mas é a minha opinião e nada além de dar a minha opinião eu posso fazer de concreto. A única coisa que posso fazer é torcer para que as coisas deem certo. Por isso é que sou e somos todos “torcedores”.


Não vou nunca me compactuar com qualquer mistura de público e privado. Nem no futebol, nem na política... Não vou nunca me compactuar com falcatruas, sejam públicas ou privadas. Mas as falcatruas privadas só me dizem respeito quando me prejudicam (vejam o meu blog “Comida sem cocô”, por exemplo: http://comidasemcoco.blogspot.com/).

agosto 09, 2011

ÉTICA E EMPRESAS DE COMUNICAÇÃO







Jornalista, pessoa física, o sujeito que estuda e termina uma faculdade “de jornalismo” ou abraça a carreira de jornalista, ou seja, trabalha numa empresa de comunicação, esse, sim, pode, deve ter ética. E, geralmente, a tem. Ou não.


Se tem ética, princípios morais, respeito ao público, busca cultivar a verdade, mesmo que, às vezes, como todo ser humano cometa erros. Erros de avaliação ou de julgamento. Erros que podem ser sanados com a famosa “retratação”.


Se não tem princípios sólidos, vai, com certeza, produzir matérias de acordo com interesses escusos e fazer de sua profissão uma forma de enriquecimento ilícito, como qualquer outro cidadão que não tenha princípios e exerça qualquer outra atividade.


Mas jornalista tem nome, endereço, RG, paga impostos, tem amigos e inimigos, família etc. Ou seja, é um ser palpável, concreto, encontrável. Mesmo se foragido.


Já as empresas de comunicação, as grandes empresas de comunicação, também têm nome, registro nos órgãos competentes, endereço, pagam impostos, e têm funcionários, muitos funcionários. No entanto, não são seres palpáveis, concretos, encontráveis. Escondem-se sob uma montanha de palavras escritas por outros, mas insufladas por donos, presidentes, diretores poderosos que comandam suas empresas de acordo com interesses sempre escusos.


Um jornalista, qualquer jornalista, se pessoa física pode incomodar muita gente. Mas pode também levar um processo, um pé na bunda ou, até mesmo, uma surra de seus desafetos.


Mas uma empresa de comunicação é intocável. Pode, quando muito, levar um processo que fica rolando de juiz em juiz, de tribunal em tribunal, até as calendas gregas.


Um jornalista pode tentar influenciar seu público. Com suas opiniões, com seus conceitos e pontos de vista. Mas o publico de um jornalista é apenas o público de um jornalista. Por mais seguidores que tenha.


Já uma empresa de comunicação não apenas tenta influenciar o seu público: ela usa de toda a sua força, de toda a sua capacidade de mobilização – e nisso inclui toda a mão de obra formada por seus empregados jornalistas – para determinar rumos para o povo, de acordo com seus interesses. Que são sempre escusos.


Sim, escusos. São sempre escusos os interesses das empresas de comunicação. Das grandes empresas de comunicação.


Porque, por princípio republicano e democrático, nenhuma empresa de comunicação devia poder ter o direito de influenciar a quem quer que seja.


Mais ainda: se republicanos e democráticos forem os princípios de uma sociedade, de um país, não devia nunca haver grandes empresas de comunicação nesse país.


Uma grande empresa de comunicação é tudo. Menos republicana e democrática. Porque uma grande empresa de comunicação tem sempre interesses, e esses interesses nunca, absolutamente nunca, são os interesses do povo. São os interesses de seus donos. Que querem dinheiro. Que querem mais do que dinheiro: querem poder.


E uma grande e poderosa empresa de comunicação ilude o povo. Engana uma nação. E elege aqueles que a apóiam, aqueles que defendem os seus interesses. Sejam eles políticos, econômicos ou filosóficos.


Um jornalista pessoa física a sociedade repudia. Ou não.


Já uma grande, poderosa e influente empresa de comunicação é um quisto, um câncer, uma doença que cresce e se avoluma. E não há repúdio ou remédio contra ela. Porque ela tem nas suas mãos os poderosos. Que a temem e fazem aquilo que ela deseja.


Não há esperança para a democracia enquanto houver grandes, poderosas e influentes empresas de comunicação num país ou, mesmo, no mundo.


Ou, dizendo o mesmo de outra maneira: nenhuma nação é realmente democrática enquanto estiver nas garras de grandes, poderosas e influentes empresas de comunicação.


Porque elas, as poderosas e influentes empresas de comunicação, se julgam acima do bem e do mal. E escondem suas falcatruas sob a égide da “liberdade de imprensa”. Que todos nós compramos como um bem inalienável. Enquanto seus poderosos chefões escarnecem de nossa ingenuidade.


Porque as empresas de comunicação – com seu poder e sua influência – estão pouco ligando para nós e para a tal “liberdade de imprensa”. O que elas querem, de fato, é a liberdade de fazerem o que fazem: mentir e influenciar.


E comprar – com suas mentiras, com seu poder corruptor – mentes e corações. Para se tornarem cada vez mais poderosas.


Jornalista pessoa física tem ética. Ou não.


Empresas de comunicação, jamais. Ética e empresas de comunicação são como o óleo e a água: não se misturam. São incompatíveis.


Mesmo que apregoem a quatro ventos suas cartilhas, códigos, receituários ou seja lá o que quiserem chamar seus tratados de princípios, normas... e ética!


Servem apenas para enganar trouxas.


(Ilustração: Giger)

julho 25, 2011

A OUTRA DROGA DA HUMANIDADE: O DESRESPEITO À VIDA


(Honoré Daumier - Don Quixote)


Não somos anjos decaídos, mas animais em evolução. Temos em nossa memória genética e em nosso inconsciente a luta pela sobrevivência, ao longo de milhões de anos. Nossa civilização, no entanto, tem uns poucos milhares de anos, que mal chegam a uma ínfima porcentagem da trajetória do homem, do estado de ameba ao de ser pensante.


Desenvolvemos, nesses poucos milhares de anos de consciência, de pensamento dito racional, crenças e valores que nos levaram para caminhos tortuosos, ainda mais tortuosos do que a evolução genética nos conduziu.


Criamos a metafísica e, com ela, as crenças absurdas em vidas além da vida, em deuses criadores ou fundadores, em seres inexistentes e, dentro de uma espiral de ignorância misturada com arrogância, construímos para nós mesmos a armadilha da falsa imortalidade.


Como seres razoavelmente inteligentes, temos construído, nesses últimos séculos, uma civilização tecnológica que nos dá a falsa impressão de seres superiores. Destruímos a natureza, em prol de valores consumistas e de total conforto. E, com isso, colocamos em risco o equilíbrio do próprio planeta onde vivemos, sem pensar na sobrevivência da raça humana.


Mais grave ainda: juntamos o ânimo guerreiro da luta pela sobrevivência a crenças em divindades que privilegiam a morte ao invés da vida. Construímos, com isso, uma verdadeira orgia de entidades metafísicas totalmente absurdas para justificar os atos de guerra, de matança, de assassínio, de submissão do outro e de covardia em relação a qualquer ser que julguemos inferior a nós.


Deuses e religiões se unem na mente do homem para justificar todos os atos de barbárie que se cometem em nome de valores não-humanos, de valores que trazem em seu bojo o sangue de ancestrais unido ao total desrespeito à vida. Porque adoramos deuses da morte e não deuses da vida.


Todos os livros ditos sagrados – que são a base do pensamento deísta do homem atual, de todas as partes da Terra – são livros que pregam a exclusão do outro baseada no princípio básico de que só os “irmãos em fé” podem agradar ao tal criador carniceiro. Todos os demais são relegados ao fogo do inferno, como castigo máximo, ou à não permanência junto ao deus ou a seus profetas.


Matar o outro, porque é diferente, está no DNA do homem pio, do homem que crê que seu deus é melhor do que o deus da outra tribo. Porque ainda somos divididos, por obra e graça do deísmo e suas religiões, em tribos que, no fundo, se odeiam e desejam a destruição da tribo inimiga. O deus de cada uma dessas tribos exige o domínio total e absoluto do mundo, mesmo que para isso seja necessário destruir todos os demais.


Não percebemos que o fundo de toda e qualquer guerra consiste em eliminar o diferente, por motivos tribais, mais até do que econômicos, como somos levados a crer, por teorias que buscam ofuscar o verdadeiro motivo de agirmos assim.


Os pensadores de todas as tribos, sejam do ocidente ou do oriente, estão definitivamente contaminados pelos conceitos deístas, pelas crenças absurdas em sobrevivência espiritual da humanidade, como se a vida que vivemos fosse apenas um estágio para uma vida melhor após a morte. E isso é arrogância, pura arrogância instilada pelas falsas crenças de tal modo, que ficamos cegos à vida e à natureza, ao mundo que nos cerca, que são a única coisa real que existe.


Perdemos tempo em pensar na “essência” das coisas, na perenidade do mundo, quando tudo ao nosso redor muda, transforma-se, evolui, dentro de leis naturais precisas e fundamentais, cujos princípios nos afetam de forma concreta e não inventada, como na crença em milagres ou em deuses.


Enquanto a humanidade persistir na interpretação de palavras toscas de livros sagrados; enquanto a humanidade ignorar as leis claras da natureza; enquanto a humanidade não se livrar das metafísicas idiotas, proclamadas por profetas ou falsos filósofos; enquanto a humanidade não substituir o culto da morte pelo culto da vida e passar a respeitar a vida como o único e insubstituível bem que possuímos, continuaremos a ter guerras, massacres, carnificinas, assassínios e ataques terroristas praticados por imbecis em nome de causas as mais absurdas possíveis, mas transformadas em formas de justiça por esse processo destruidor da racionalidade que se chama deísmo.


Até quando permitiremos que os deuses carniceiros e prepotentes dominem a mente do homem? Até quando?

junho 03, 2011

A DITADURA DO INDIVIDUALISMO, OU: POR QUE CONSUMIMOS DROGAS


(Bosh - seven sins)


Introdução




Esta é uma longa reflexão sobre o homo sapiens e seu desassossego existencial que leva ao consumo das drogas. Não é fruto de experiência, mas de busca filosófica, de tentativa de explicar o inexplicável, talvez. Mas vale como uma contribuição – estritamente individual – sobre o que representa o consumo de drogas para o homem e por que ele aprecia tanto escapar da realidade através de meios químicos.




O público e o pessoal


Entre o que é essencialmente pessoal e o que é público, há abismos insondáveis. Difíceis de transpor e impossíveis de se conciliarem. Há indivíduos absolutamente lúcidos e inteligentes que propõem, por exemplo, a descriminalização das drogas, porque defendem que o indivíduo tem o direito de se estragar, de fazer de si o que acha melhor, sem que o poder público tenha nada com isso. 

Cada um tem o direito de se entupir, por exemplo, de comidas gordurosas tanto quanto de fumar maconha ou cheirar cocaína até uma overdose fatal. É o direito individual levado ao extremo, como o de se destruir através de todas as loucuras, desde que o fato de se drogar ou de se entupir de colesterol ou de usar uma arma de fogo não ocasione prejuízos a terceiros, no que, então, seria punido pelas leis existentes. 

Abre-se, aí, um universo novo de total liberdade, em que a responsabilidade individual parece ganhar ares de absolutismo, numa fórmula que condiciona a sociedade a existir e insistir no respeito às individualidades, num mundo que ganharia, afinal, os moldes de um idealismo de liberdade total. Liberdade que faria com que o indivíduo percebesse que ele pode tudo até o limite do outro, ou seja, aquele ponto em que suas ações e atitudes ofendam ou coloquem em risco o outro. As leis só existiriam como estatuto de proteção e conciliação ente os interesses individuais e a sociedade, não importando se milhões de zumbis alcoolizados, drogados e obesos andassem pelas ruas, porque, afinal, ninguém teria nada com isso. 

Um novo socialismo utópico se construiria, com uma sociedade não mais voltada para os valores de consumo de massa, mas para o consumo das drogas, como forma de inanição diante dos problemas comezinhos do dia a dia e de fuga da vida burguesa ou capitalista a que somos todos condenados a viver, há muito tempo. Parece lógico para essas pessoas que as doenças advindas do consumo das drogas não deveriam, então, ser tratadas. Se alguém estiver morrendo de overdose, na rua, que morra em paz. Se os obesos consumidores fanáticos de picanha se estrebucham num ataque cardíaco ou num derrame cerebral, que se contorçam sozinhos, sem que o sistema assistencial pago também com o dinheiro dos que se cuidam tenha o dever de interferir e de salvar as suas vidas. Ou, então, que os que se arvoram o direito de se suicidarem lentamente tenham os seus próprios sistemas assistenciais, pagos com seu trabalho e seu suor, seja como for que o façam, sem que venham a onerar o sistema de saúde dos outros, daqueles que não se drogam, não se estragam, não se suicidam lentamente. 

Então, numa sociedade assim, teríamos dois sistemas econômicos, não importando que se viva sob regime capitalista ou socialista. O direito a consumir-se não pode onerar o sistema dos que não defendem tais direitos, porque, afinal, espera-se, se a droga e o direito de estragar-se se tornarem consuetudinários, que se respeitem aqueles que não querem e não desejam estragar-se e consumir-se do mesmo modo. 

Talvez se proponham, até mesmo, dois governos: um para os cidadãos que não se consomem e outro para os que se arvoram o direito de estragar-se. Seria bastante curioso, por algum tempo, perceber como os que se consomem iriam administrar o sistema produtivo, se é que conseguirão constituir algum, que possa sustentar o outro sistema, o de produção e consumo das drogas. 

Também seria necessário que houvesse regras e leis precisas de abdução de um sistema para outro. Alguém que se droga e quer deixar de fazê-lo: de quem seria o ônus pela mudança? Ou vice-versa: alguém que não se droga e resolve apenas experimentar, por haver facilidade de aquisição, como seria o impasse resolvido? Passaria automaticamente para o outro lado ou haveria um tempo de tolerância, para ver se o indivíduo quer isso mesmo? 

Como estamos num mundo extremamente voltado para os valores individuais, é claro que um tempo de tolerância seria o ideal, restando apenas saber a quem caberia o ônus econômico de tal decisão. Não há dúvida de que muitos impasses podem ser resolvidos. Outros, nem tanto. De qualquer modo, o direito individual seria a lei suprema, o norteador de todas as ações sociais e políticas. 


Drogas e sociedade


E então, eu pergunto: é esse o caminho do homem, na sua trajetória sobre a face da terra? O que viria de uma sociedade em que as drogas, todas as drogas, fossem livres? Não seria essa uma forma eugênica de escolher os melhores para continuar o processo evolutivo, depois de uma fase de caos absoluto? O destino do homem estaria definitivamente associado e atrelado aos interesses individuais, ou seja, toda a sociedade construída, e muitíssimas vezes muito mal construída, até agora foi apenas um arremedo do verdadeiro destino humano? Estão nas drogas que amortecem o pensamento o futuro e o nascimento de um novo homem que se consumirá até desaparecer, dando lugar a uma outra espécie geneticamente imune ao seu uso? 

São questões que me assolam, quando penso que muitas pessoas defendem a total descriminalização das drogas, como forma de resolver os seus problemas pessoais, a sua inabilidade para tratar as coisas comuns da vida, a sua inadaptação orgânica à própria existência ou as suas crises existenciais e o desconforto perante o mundo que as ameaça com cobranças, com regras e leis às quais não conseguem se conformar. 

O ser humano é, mesmo, o mais complexo elemento da natureza e a convivência com desigualdades tem sido o grande salto de humanização do próprio homem, mas levantamos dúvidas cruéis quando está em jogo o absolutismo do direito individual contra o absolutismo do direito social.

Qualquer julgamento que se faça a esse respeito resvala no moralismo absurdo da defesa de um dos dois extremos. Porque julgo moralista tanto a condenação de um lado quanto a condenação do outro lado. Defender o direito de contrariar a sociedade de forma total e absoluta é assumir uma posição moralista de condenação do outro tipo de vida, da mesma forma que condenar de forma absoluta os que se arvoram o direito de fazer o que quiserem com o próprio corpo e com a própria vida também se constitui numa posição moralista. 

O equilíbrio entre as duas posições torna-se quase impossível. 

Como não há o que se condenar, a visão de quem observa os contendores nessa luta parece indicar que, primeiro, embora sejam muitos os que pregam a liberdade absoluta, não são a maioria; segundo, a sociedade constituída, não importa em que tipo de regime, tem o fôlego de milhares de anos de imposição de valores e não vai abrir mão deles; terceiro, e talvez o mais importante a favor da sociedade, há o fator econômico, aquele que pesa mais do que qualquer ideologia religiosa ou filosófica: as drogas, ao mesmo tempo em que movimentam um lado economicamente ativo da sociedade, enriquecendo a uns tantos, não pode se tornar bem comum, simplesmente porque não interessa a quem aufere esses lucros que eles se coletivizem e, além disso, a própria sociedade economicamente produtiva, que se utiliza das drogas em suas festas e nos seus momentos de revolução individualista, não tem nenhum interesse em se desestabilizar em prol de uma causa de futuro incerto, preferindo manter tudo como está, sem o ônus de permitir o descontrole que pode levar ao caos o sistema produtivo. 

Porque liberar significa democratizar, e democratizar significa a possibilidade de perder o controle sobre a mão de obra que sustenta, com seu trabalho de formigas mal pagas, todo o sistema construído de forma sistemática por gerações e gerações de umas poucas famílias que dominam a economia em cada uma das nações da Terra.

Portanto, continuarão a ganir ao longo dos caminhos os que a sociedade vê como cães desgarrados a defender a liberalização total das drogas como solução que essa mesma sociedade vê, com olhos às vezes condescendentes, às vezes com olhos condenadores, como uma ilusão, como um sonho ou pesadelo que a mão pesada da repressão e da polícia irá, com certeza, no seu devido tempo, coibir. Porque, numa visão extremamente pragmática, aquilo que não tem solução solucionado está.


Por que gostamos de drogas


A posição moral oficial é condenar e criminalizar definitivamente o uso das drogas, ou ainda, numa posição mais radical, demonizar consumidores, traficantes e dependentes. Tal posição torna-se extremamente confortável, porque, a partir dela, todas as objeções caem por terra: não há discussão, não há racionalidade.

Fiquei, então, preocupado: se condeno o uso de drogas, assumo um moralismo com o qual não concordo. 

Um beco sem saída? 

Devo buscar uma razão que não esteja ligada à metafísica, ao moralismo platônico, ou mudo de lado. Apelo para a ciência: se tenho pensamento científico, se a ciência condena o uso de drogas, logo, não devo estar errado ao assumir uma posição também contrária. Mas isso é ir a reboque de informações que me passam e que eu não posso conferir se estão certas ou erradas. 

Penso, então, no indivíduo, apenas no indivíduo. Por que razão alguém há de se drogar? Que prazer é esse? 

Como nunca me droguei, também aí o terreno é movediço, pois não tenho nem experiência nem conhecimento suficiente para dizer em que estado fica o indivíduo que se droga. 

Tudo é, portanto, muito nebuloso para mim. Passar pela experiência de uma viagem para a qual não estou preparado, isto é, experimentar alguma droga para ver como é, isso, definitivamente está fora de meus propósitos. Portanto, tudo o que vou escrever a partir de agora situa-se no terreno da especulação, do ouvir dizer, do haver lido e pesquisado, enfim, da experiência tomada emprestada.

Posso passar longe da verdade, ao tentar explicar o que eu penso do uso de drogas e, até mesmo, passar por moralista sem causa. Um risco menor do que ficar no lusco-fusco das idéias mal resolvidas e não tomar uma posição clara a respeito. 

Volto ao indivíduo.

Nele pode estar o motivo de minha recusa às drogas e por ele começo a investigar a minha própria ojeriza ao ato de drogar-se. 

Ao nascer, trazemos em nossos corpos imperfeitos uma grande carga genética de que não sabemos a origem, ou sabemos muito, muitíssimo pouco. Há em nossas células, a conformar nossa índole, milhares de influências de inúmeras gerações, desde que o homem se descobriu a pensar ou até mesmo antes, quando ainda rastejávamos nos pântanos como organismos primitivos. Nesses milhões de atos evolucionistas que nos transformaram em seres pensantes e comunicativos, nossos antepassados caminharam por sendas inimagináveis, na luta pela vida e pela sobrevivência em ambientes hostis. Experimentaram de tudo. Comeram de tudo. Mataram e morreram milhares e milhares de vezes, para chegarem a um organismo que hoje atende por homem e mulher, num cadinho misterioso de influências, de heranças das quais ainda não temos a mínima idéia. E mais: nessa trajetória intrincada, cada organismo humano é único, apesar da quase total semelhança. Impossível quantificar o quanto somos iguais e o quanto somos diferentes. Talvez, numa tentativa de aproximação, sejamos muito semelhantes numa percentagem que se aproxima em muitas casas decimais dos cem. Mas, a milésima da milionésima parte de diferença que temos de uns para com os outros já nos torna únicos e completamente diferentes. E todos, desde que nascemos até a nossa morte, lutamos para nos adaptar. Ou seja, viver é tentar adaptar-se ao mundo. De milhões de formas diferentes, procuramos nos adaptar ao meio em que vivemos. Isolados ou gregários. Em pequenas ou grandes comunidades, felizes ou infelizes, loucos ou sadios, todos temos um só objetivo: adaptarmo-nos. 

Então, as dificuldades começam aí: na luta para nos tornarmos coerentes com o mundo que nos cerca, para não sermos levados pela maré, para não sermos surpreendidos na contramão da vida. Uns mais, outros menos, todos buscam viver o máximo possível. E como temos consciência de que vivemos e morremos, e como temos consciência de que o corpo em que habitamos é nossa única ligação com o mundo, com a vida, podemos, em função das milhares e milhares de heranças genéticas que carregamos, não obter um nível desejável de adaptação, não só ao meio em que vivemos, mas também ao corpo que nos dá vida. 

Por menor que seja essa inadaptação, há sofrimento. Em graus tão variados, que não nos permitimos quantificá-lo. Sofrimento que gera tanto os gênios quanto os idiotas. Se, na natureza, o animal que não se adapta é morto pelos seus ou é abandonado para morrer, entre os homens não há essa possibilidade, porque o nosso grau de consciência de nossa humanidade não nos permite que assassinemos friamente um filho que nasça com algum tipo de inadaptação, embora haja registros históricos de povos que o fizeram (ou ainda o fazem?). 

Além disso, não há apenas as inadaptações físicas: muitas dessas inadaptações são fruto de nossa química cerebral, que nos faz pensar diferente do comum dos mortais, que nos faz ver o mundo de forma enviesada em relação aos outros, ou que nos faz agir de forma diferente, configurando desvios de comportamento mais ou menos inaceitáveis pela sociedade. Dentre os milhões de seres humanos com algum tipo de desvio do que se chama normalidade, uma categoria arbitrária, muitos e muitos só vislumbram saída em algum tipo de fuga através de fármacos que lhes entorpeçam o pensamento diferenciado ou lhes permitam agarrar-se a algum tipo de lucidez possível na luta pela adaptação à sociedade, ao mundo e, principalmente, a si mesmos. 

As drogas, não importa quais sejam, agem na química cerebral e modificam as sinapses mentais, alterando a percepção que as pessoas têm do mundo, enquanto estão agindo. Não há nenhuma porta metafísica de percepção de outras realidades, mas apenas a exacerbação de uma visão que já existe no cérebro e que a droga, ao estabelecer ligações esquecidas ou obliteradas pela realidade, ativa ou reativa como fuga dessa mesma realidade. Como são elementos químicos, viciam e, ao viciarem, a droga faz de seu usuário um escravo de estados alterados da consciência como forma de adaptação a um mundo que, agora, não é mais o real, mas o mundo criado e transfigurado pela capacidade inaudita do cérebro de inventar e imaginar, a partir da realidade, outras realidades mais agradáveis ao indivíduo. 

Alguns mitos se formam a partir daí, mitos que a ciência nunca comprovou. Por exemplo, um indivíduo criativo não tem essa qualidade exacerbada pela droga e, às vezes, pelo contrário, tem-na diminuída, mas o cérebro engana o pensamento lógico e faz que ele acredite estar tendo visões fantásticas e ideias ainda mais incríveis do que em estado normal. O vício químico obriga, por outro lado, a que o indivíduo tome doses cada vez maiores ou que as tome sempre, ligando-o definitivamente a um estado de imaginação a que os drogados chamam de viagem. 

Não há viagem, há apenas estados enganosos de falsa felicidade ou de falso bem estar do cérebro, para exigir que o indivíduo se drogue. Portanto, a droga não faz do indivíduo um ser mais adaptado do que outro, apenas leva-o a acreditar que o mundo a seu redor tornou-se menos agressivo para ele, ou que o seu corpo deixou de ser motivo de sofrimento ou, ainda, que as barreiras morais impostas pela sociedade desapareceram e o indivíduo pode tudo, inclusive matar ou matar-se. Assim, a tendência é buscar sempre o estado de distanciamento da realidade provocado pela droga, como forma de driblar as angústias da inadaptação. 

O artificialismo da situação leva-me, portanto, a concluir que a tal fuga pelas drogas é uma rota sem saída, porque o individuo perde aquilo que é um dos bens mais preciosos da vida, além da própria vida: o domínio de seu pensamento, o domínio de si mesmo, a sua capacidade de sonhar os seus próprios sonhos, de imaginar os seus próprios caminhos e viver a sua própria vida. Perde o direito de decidir sobre si mesmo. O efeito das drogas deve ser, guardadas todas as devidas proporções, como contemplar um pôr do sol tirado por uma foto ou visto na tela do cinema e o verdadeiro ocaso. Por mais belo que seja o do filme, não terá comparação com a realidade, por mais simples que ela seja. Perder a consciência, perder a lucidez da visão do mundo, por mais dolorida que seja essa visão, por mais difícil que seja a realidade a ser enfrentada, não vale o prazer ou até mesmo o desprazer de enfrentar o mundo como ele é. Essa visão é uma experiência milhares de vezes mais rica do que fugir através de um estado alterado de consciência provocado seja por que droga for. 

Por isso, a minha ojeriza em relação às drogas: funcionam tanto como entorpecimento e desfiguramento da realidade, quanto qualquer fuga dessa mesma realidade através da metafísica ou da religião. Pode-se explicar, portanto, o uso e abuso de drogas, mas não se pode justificar.

Há, sob a minha condenação, uma visão estritamente humana, muito humana. A depuração de todos esses desvios (que constituem uma trajetória necessária), segundo a minha concepção, se dará de forma lenta e gradual, para a formação de uma humanidade livre da necessidade de usar muletas para enfrentar a realidade e com ela conviver de forma lúcida e racional. 


Conclusão


O homo sapiens – ou melhor, muitos de sua espécie – ainda vai levar muitas gerações para se livrar da necessidade do consumo de drogas, sejam elas químicas ou metafísicas. Enquanto isso, precisamos aprender a controlar tal vício (entendendo-se como vício toda necessidade de fuga da realidade, por inadaptação ao mundo em que vivemos). Se a repressão total não funciona e se a liberalização total poderá ser um caminho sem volta para a destruição do organismo social através da corrosão dos valores individuais e sua imposição à sociedade, teremos que buscar, com toda a nossa capacidade de imaginar e de criar (principalmente através da ciência) um caminho que seja menos doloroso e menos desastroso para o indivíduo e para a humanidade. Qual será esse caminho? Não sei. Só sei que ele precisa ser – e será – encontrado.

maio 31, 2011

GESTÃO EM CHOQUE



Durante todas as campanhas do PSDB/DEM, o bordão inevitável: o Brasil precisa de um choque de gestão.


Nunca entendi exatamente o que isso queria dizer, mas me parece que os demotucanos pretendiam, com a frase, dizer que são ótimos gestores, ou seja, sabem administrar. Acho que é isso, mas cada vez tenho menos certeza de que seja isso mesmo.


Veja-se o caso de São Paulo. Há dezesseis anos sofre o Estado o tal choque de gestão, com as administrações demotucanas que se sucedem. A tucanalha tomou conta do governo e, com a ajuda de bicadas precisas da mídia paulistana (que também tem bico grande e língua comprida) tem-se mantido no poder. Até a Prefeitura da capital eles conseguiram arrastar para debaixo de suas asas.


Estado. Bem, as duas únicas grandes obras desses dezesseis anos, executadas pela tucanalha, foram justamente na capital: o Rodoanel e o metrô.


O Rodoanel é uma rodovia circular que pretende contornar a cidade de São Paulo, interligando todas as rodovias que chegam à cidade, com o objetivo de desafogar o tráfego de caminhões, principalmente, que passam por dentro da capital para acessar outras rodovias.


É uma obra importantíssima e extraordinária: já tem pouco mais de 80 quilômetros e está sendo construída há 16 anos! Pela gestão da tucanalha.


Metropolitano da cidade de São Paulo: uma obra que se iniciou há mais de 30 anos. Durante a gestão da tucanalha, muito foi prometido, pouco foi realizado: houve até a queda de um túnel, matando várias pessoas e quase engolindo um bairro inteiro. No mais, só promessa.


Se alguém souber de alguma outra grande obra da tucanalha nesses dezesseis anos, favor apontar, já que os aspectos básicos exigidos pela população, como saúde, educação, saneamento etc., está tudo, absolutamente tudo uma droga ou só na promessa.


Cidade de São Paulo. Há nove anos no poder, conseguiram os demotucanos (o atual prefeito, eleito pelo DEM, praticamente abandonou a administração para fundar um novo partido) deixar a cidade num total e absoluto caos: na educação, na saúde, no transporte público... O único projeto de sucesso do inefável prefeito foi a lei Cidade Limpa, que aboliu todos os cartazes de lojas comerciais e de propaganda. Mas, ironicamente, a cidade, em termos de limpeza pública, está um lixo.


Toda semana, a mídia de bico grande e língua comprida da capital anuncia que o inefável prefeito está lançando mais um megaprojeto: ou é um grande parque na Zona Sul, com um imenso túnel por baixo, ou é um novo e imenso centro de convenções na Zona Norte. Tudo para ganhar manchetes de jornal e comentários por vários dias da mídia. Está tudo no papel, no entanto, porque nada, absolutamente nada acontece.


Agora, a Copa do Mundo. Tanto o tucano de carteirinha do palácio dos Bandeirantes quanto o inefável ex-demotucano da prefeitura não moveram uma só palha para preparar a cidade para a Copa do Mundo. E a chamada iniciativa privada – os grandes empresários do Estado que era chamado locomotiva do Brasil – parece que também tomaram chá de pena de tucano e ficaram apáticos, catatônicos, perdidos, de tal forma que é possível que nós, paulistanos, se quisermos assistir a algum jogo ao vivo teremos de viajar para Brasília, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte.


É esse o choque de gestão da administração demotucana no Estado de São Paulo. Na verdade, é muito mais uma gestão em choque com todos os princípios da boa administração, que deixa todos em volta em estado de choque, absolutamente paralisados.


Um choque de gestão modelo caranguejo: só faz a locomotiva do Brasil andar para o lado ou para trás e perder o bonde da história. Aliás, nem bonde existe mais em São Paulo: o último saiu de circulação há mais de trinta anos e nele embarcaram todas as boas intenções da tucanalha paulista.


Agora, estão lá, empoleirados no alto do Morumbi, os tucanos com seus bicos grandes suas línguas compridas, que só servem, mesmo, para fazer promessas arrogantes que nunca são cumpridas.

maio 30, 2011

LIBERAÇÃO DA MACONHA: COMO É ISSO, COMPANHEIRO?



De novo ao velho e, ao mesmo tempo, sempre atual assunto das drogas. Agora, por conta de dois fatos: primeiro, a marcha da maconha, em São Paulo, há poucos dias, violentamente reprimida pela polícia; segundo, pela entrada em cena, com todo o seu prestígio, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a defender a chamada “descriminalização” das drogas, que é uma maneira disfarçada de legalização.

Discutir o problema do uso de drogas não é um direito da cidadania, mas um dever. Não dá para ignorar o problema que é o tráfico, não dá para ignorar que a dependência química já se tornou uma epidemia (diria até uma pandemia), não dá para ignorar que há, sim, uma cultura das drogas a assolar a sociedade, pondo em risco o futuro de grande parte de nossa juventude. Portanto, simplesmente proibir uma manifestação pública a favor da maconha, por exemplo, não é o melhor caminho de uma sociedade democrática. Há o outro lado, no entanto, o lado dos manifestantes, que não são nenhuns anjos a defender a democracia ou o direito à liberdade, mas tão somente um grupo de usuários da droga despreocupados com quaisquer outros aspectos que não sejam os de seu interesse. De qualquer modo, falta diálogo, falta espírito democrático, falta bom senso, tanto da polícia quanto dos manifestantes. Isso, no entanto, é o menor dos males, nesse assunto espinhoso.

Já o caso de nosso ex-presidente, é preciso um pouco mais de cuidado ao analisar suas opiniões, embasadas em discussões internacionais, levadas a cabo por muitos políticos e administradores de todo o mundo. Ele tem, sim, razão em dizer que a guerra ao tráfico, levada a efeito nos últimos quarenta anos, não obteve resultado algum e que essa política repressiva deve, sim, ser modificada. Isso, no entanto, não quer dizer que o melhor caminho seja a descriminalização das drogas. Há exemplos claros de que, em alguns países, tal fato obteve melhores resultados do que a simples e pura repressão. Mas são exemplos localizados e aplicados em situações específicas, como na Holanda, onde o controle do uso é extremamente rígido. Além do fato de que é um país de longa tradição ordeira, com uma população e uma extensão territorial que não se compara a muitos outros países, como Brasil, Estados Unidos ou Argentina.

O tráfico é hoje uma das maiores indústrias do mundo. Movimenta bilhões de dólares. As apreensões de drogas efetuadas pelo aparelho policial em todo o mundo não têm conseguido abalar esse império, porque seus lucros são tão absurdos, que as perdas se tornam insignificantes diante de sua capacidade de recuperação. Isso graças aos consumidores, claro, de todos os países, principalmente dos mais desenvolvidos, cuja capacidade de compra e consumo parece inesgotável. E não creio que essa máquina extremamente poderosa possa ser desarticulada com qualquer tentativa de controle de sua produção pelo Estado. Eles trabalham na sombra, sem pagar impostos, com mão de obra semiescrava, e não quererão se legalizar e, ao mesmo tempo, se vulnerabilizar diante da sociedade. São proscritos e continuarão a ser, porque não lhes interessa ser legais, em termos de leis, porque sabem que não serão nunca “legais”, ou seja, nunca serão aceitos por uma parcela muito influente de todas as sociedades, de todos os países.

Se legalizada a produção, a comercialização e o consumo das drogas (ou mesmo que seja só da maconha) exigirão um esquema de fiscalização e controle tão absurdo, que consumirá a maior parte dos impostos pagos pelos produtores, comerciantes e usuários. E então teremos campanhas e mais campanhas – como já temos em relação a outros produtos – para baixar os impostos. Quem sabe, até, um “impostômetro da maconha”, na Associação Comercial dos Produtores de Maconha, com executivos engravatados a deitar falação nos meios de comunicação sobre a carga abusiva de impostos que os “coitados” são obrigados a levar aos cofres do governo, onerando os consumidores, para deleite, aplauso e repercussão de certa mídia.

Além disso, deixo no ar a pergunta: quanto de área agricultável caberá ao plantio da cannabis (e de outras “plantinhas inocentes”?) Se já temos problemas de abastecimento de alimentos, com o agronegócio digladiando com os ambientalistas para aumentar o desmatamento, a fim de ampliar seus lucros, como resolver a equação com a entrada de mais um jogador nesse imbróglio de cartas marcadas? Não nos esqueçamos que o cultivo da maconha e de outras plantas que dão origem às drogas exige grandes extensões de terra, já que toneladas de folhas são necessárias para a extração comercial de seus princípios ativos. Ah, sim, pode-se sempre recorrer à indústria farmacêutica e produzir a droga sintética. E então químicos e cientistas formados a peso de ouro poderão dedicar sua inteligência â pesquisa de drogas cada vez mais “interessantes” em termos comerciais.

E como já discuti em outros artigos, há o problema da saúde pública. Como um sistema já por si mesmo sobrecarregado irá cuidar da saúde dos drogados? Ou alguém ainda acha, inocentemente, que as drogas (e entre elas a maconha, sim, senhores!) não são prejudiciais ao organismo humano? Quem não for usuário também vai pagar a conta? E se só os “consumidores” é que vão custear o seu sistema de saúde, então teremos empresas a responsabilizar-se por “planos de saúde especiais”, com uma agência controladora do governo, com mais gente e mais despesa? Enfim, como equacionar economicamente a situação da saúde dos drogados?

São tantos os aspectos e tanta a complexidade envolvendo a ideia de uma sociedade a conviver pacificamente com drogas e drogados, que, enfim, acho uma temeridade pessoas como ex-presidentes (e não falo apenas de nosso ex-presidente) virem a público e defenderem pura e simplesmente a tal “descriminalização” ou a “legalização” da maconha, sem que isso seja amplamente discutido pela sociedade como um todo. E essa discussão tem que ser muito, muito profunda, porque abarca uma amplidão de problemas que afetam diretamente a vida de todo o planeta, praticamente.

Além disso, quando as sociedades modernas caminham em direção à difusão de práticas de vida saudáveis, com, por exemplo, o cerco à indústria do tabaco, discriminando os fumantes e obrigando-os a ficar em verdadeiros guetos e, em breve, eu acredito que esse mesmo tipo de campanha se voltará contra a indústria de bebidas alcoólicas, será caminhar na contramão de tudo isso a ideia de que drogas como a maconha podem ser toleradas e, até, permitidas e controladas pela sociedade, como se fosse possível controlar esse tipo de coisa, como já dissemos acima.

Para finalizar, esse assunto não se esgota aqui, nem se esgotará tão cedo. Já escrevi várias vezes sobre isso (basta verificar na tag “drogas”, para encontrar os demais artigos) e continuo a achar que a discussão deve ser levada a termos civilizados, sem os slogans idiotas de pessoas que levantam a bandeira do “legalize já” porque veem o mundo por entre a fumacinha de seu cigarro, sem perceber que são massa de manobra – ou inocentes úteis – de uma poderosa indústria, como também o fazem os produtores de fumo. E discutir civilizadamente o problema das drogas envolve colocar na mesa todos os jogadores, ou pelo menos, todas as consequências de ações tomadas a favor da liberalização ou da continuidade de uma política até agora inútil de repressão total. Talvez haja um caminho do meio. Ou melhor, haja vários outros caminhos. E é isso que devemos descobrir. Com respeito, imaginação e muita, muita discussão.

maio 20, 2011

BOBAGENS SOBRE LINGUÍSTICA E GRAMÁTICA QUE SE OUVEM POR AÍ, OU: A GENI DA VEZ





A imprensa noticia, com grande destaque, que o Ministério da Educação aceita livro de Português que defende erros gramaticais.

Então, muita gente corre atrás da matéria. Especialistas são ouvidos. Todo mundo dá palpite.

Só falatório idiota, na maioria absoluta dos casos.

Não entenderam nada, como sempre. Porque não querem entender. Querem apenas confundir, criticar, bagunçar. Lembram o Chacrinha: não vim para explicar, mas para complicar.

Há mais de trinta anos, quando ainda lecionava Gramática Portuguesa – portanto, era um extremado defensor da norma culta – diante de estudos linguísticos sérios, de gente que entende do que está falando, já defendia o aspecto comunicador do falar do povo, ou melhor, do registro linguistico da fala, que é diferente da norma culta.

Quem não se lembra da música de Chico Buarque, RODA VIVA, para citar um “poeta popular” que tem os dois pés na erudição da norma culta?

Começa assim:

“Tem dias que a gente se sente...”

Ora, experimente corrigir a letra do Chico: “HÁ dias que a gente se sente...”

Quando falamos, principalmente, em ambiente informal, entre iguais, sem preocupações outras que não conviver, jogar conversa fora, comunicar-se, afinal, não nos preocupamos com as regras gramaticais. Então, é comum que muitos de nós eliminemos, por exemplo, alguns “s”; que alguns de nós não critiquemos construções até mais “erradas” do que isso, em nossos amigos e companheiros.

Porque, em termos linguísticos, é assim que acontece: há a norma culta, falada em ambientes formais e usada na escrita; e há a fala, o discurso que usamos informalmente, que está perfeitamente adquado ao sistema da língua, mas não às normas rígidas da gramática.

Em termos linguísticos, não existe o conceito de “erro”. Existe apenas a tentativa de comunicação, que falantes diversos – individuais ou de uma determinada coletividade - exercem de maneiras diferentes, dentro de um sistema maior, que é o idioma. Isso é o que importa.

Portanto, não há nenhum motivo de grita, de protesto, quanto à advertência dos autores ou autoras do livro em questão. Que não se deve, por exemplo, escrever: “os livro”. Que esse registro também não é adequado a todos os ambientes, em termos de fala.

Vou ser redundante: alertam, apenas e tão somente, que existe, sim, um outro registro que, não contrariando o sistema do idioma, é considerado inadequado em certos ambientes mais formais e “cultos” e que pode provocar – e realmente provoca – preconceito contra quem assim fala.

Tudo o mais é bobagem. Tudo o mais é falatório inútil. Tudo o mais é gasto desnecessário de tempo e tinta de jornais e revistas, por quem não sabe o que diz, porque não tem conhecimento linguístico, ou por quem quer apenas jogar pedra na Geni.

E a Geni da vez foi o livro do MEC. Ou terá sido o Ministro?


(Ilustração: Olavo Bilac, na pena de Toni D'Agostinho)

maio 03, 2011

NÃO CHORAREI POR TI, OSAMA...






Neste dia 2 de maio de 2011, os Estados Unidos da América, a nação mais poderosa da Terra, atualmente, amanheceu comemorando o assassinato de seu mais temível inimigo: Osama Bin Laden, o terrorista chefe da organização chamada Al-Qaeda.

Milhares de pessoas nas ruas, cantando, dançando e mostrando a bandeira estadunidense.

Não, não chorarei pelo terrorista que comandou a morte de milhares de pessoas pelo mundo afora, inclusive a famosa destruição das Torres Gêmeas de Nova Iorque, em setembro de 2001, no mais audacioso ataque sofrido pela nação que agora dança e canta seu assassínio.

Também não vou cantar, nem dançar, nem comemorar a morte desse homem.

Osama Bin Laden comandou uma orquestra da morte e do terror, que vai continuar tocando sua música fúnebre por muitos e muitos anos, a despeito de tudo.

Porque o ódio está na raiz do pensamento humano, tanto daquele que vinga quanto daquele que é vingado.

Há tanta barbárie nas ações terroristas da Al-Qaeda de Bin Laden ou de quaisquer outras de mesma ideologia quanto há barbárie no seu assassinato puro e simples por tropas estadunidenses altamente treinadas, numa cidade distante do Paquistão. E mais barbárie ainda se manifesta na comemoração das ruas da grande nação, porque, por mais que tenham sofrido na carne os atentados de Bin Laden, comemoraram tão somente um ato, não de justiça, mas de vingança.

O ciclo vicioso está instalado: vingou-se a ação do assassino mais procurado do mundo, mas sua morte será devidamente cobrada por seus seguidores e estes, por sua vez, serão caçados em todos os cantos da Terra. Assim se cumprirá até à exaustão o rito de sangue, barbárie e dor a que o homem dito civilizado, do século XXI, prossegue executando como seus mais remotos ascendentes.

E tudo pontificado e devidamente desculpado pelos deuses de um e outro lado. Porque, enquanto esses deuses – travestidos num só – existirem no pensamento humano, tudo se permite, tudo se justifica.

E o homem – que não é o anjo decaído, mas o animal ainda pouco evoluído – continuará a cultivar a morte, a destruição, o assassínio, a guerra, o genocídio e todas as demais formas de barbárie, porque tem na boca o gosto ancestral de sangue que nenhum verniz de civilização consegue eliminar.

Por isso, não chorarei por Bin Laden, o outro lado da mesma moeda sanguinária dos instintos mais baixos do homem, mas continuarei lamentando sempre a continuidade da barbárie praticada por homens que se dizem civilizados.




(Ilustração: Giger)

abril 09, 2011

O DIA EM QUE PERDEMOS A INOCÊNCIA





“D., nesta fotografia
reviajo vinte e cinco anos:
regresso a tua mãe menina
em Barcelona, aos dois anos.

Reviajo à mesma pessoa
que nasceu pra dizer não,
que embora tenha vivido
pra ser desafirmação,
reencontrou na filha um sim
a que condicionou a vida
(não o Sim convencional:
o possível Sim da vida):
que ela não é o sistema
mas coisa de sim e não vestida,
e vejo como te veste,
no limpo em que estás vestida.”


O poemeto acima é de João Cabral de Melo Neto. Escreveu-o o poeta diante de uma fotografia da neta. Saiu no jornal O Estado de São Paulo de 8 de abril de 2011, no mesmo dia em que o massacre das crianças de uma escola de Realengo, bairro do Rio de Janeiro, tomava as manchetes de todos os órgãos de comunicação e estarrecia todos os brasileiros.

Um jovem de 23 anos, Wellingotn Menezes de Oliveira, inscreve seu nome no pavoroso painel dos assassinos em massa e insere o Brasil no circuito dos assassinatos de jovens escolares inocentes por loucos que têm nas mãos armas de fogo e na mente palavras da bíblia ou de outro livro dito sagrado.

Treze crianças, dois meninos e dez meninas, com idades ente 12 e 15 anos perderam a vida estupidamente.

Não dá mais para esconder fatos que saltam à lógica mais comezinha. Mas, vamos com calma, para analisar possíveis causas e consequências de ato tão monstruoso, mais ou menos recorrente em outros países, como os Estados Unidos.

O homem não é o anjo decaído que o deísmo apregoa, já o disse várias vezes. Temos em nossos genes, misturados no cadinho da experiência natural de milhares de anos, vestígios da evolução lenta e penosa que nos trouxe ao estágio atual de evolução. Temos ainda na boca o sangue das caçadas e das lutas pela sobrevivência, agravado esse sangue por heranças de desvios ocultos e ainda não devidamente estudados da sanidade. Trazemos todos o traço indelével de nossos antepassados, remotos e recentes.

O jovem atirador, diz-se, teve uma mãe esquizofrênica. E psicótica é sua mente, a deduzir-se de toda a sua trajetória de vida. Filho adotivo, sempre calado e introvertido, deve, com certeza, ter sido alvo de chacotas – e isso é mais do que comum, infelizmente – na escola em que estudou, a mesma que ele escolheu para vingar-se.

Porque seu ato é, no fundo, um ato de vingança.

Mas, continuemos. Adolescente, viu na televisão os aviões de Bin Laden derrubarem as torres gêmeas, nos Estados Unidos, outro ato de vingança. E acumulou em sua mente já doentia a vontade de também praticar algo semelhante. Faltava a motivação, ou melhor, o fogo que o levasse a agir.

E esse combustível, esse fogo, nasceu, cresceu e alimentou a mente esquizofrênica do jovem através da religiosidade exacerbada a com leitura e interpretação literal de histórias bárbaras contadas pelos antigos profetas da bíblia dos cristãos.

Não nos enganemos mais: está tudo lá, nos livros sagrados de todas as religiões, a condenação tácita dos ímpios, dos impuros, dos que não seguem a palavra do deus furibundo que passa a habitar o coração dos crentes. E esse deus exige vingança. Mesmo que essa vingança tenha por motivação apenas fatos comezinhos como o deboche de colegas de escola, a morte prematura ou não dos pais adotivos, a extrema timidez diante da vida, o horror aos prazeres sexuais – sempre condenados pelo deus furibundo de todas as religiões –, a ideia da necessidade de se manter puro para ganhar o beneplácito da vida eterna, a condenação implícita da mulher como origem da tentação carnal dos homens e da condenação da humanidade...

A mente esquizofrênica parte o mundo em duas metades, e essas duas metades são conformadas pelo combustível que encontrar: para a interiorização e o sofrimento íntimos ou para formular teorias malucas de perseguição ou de ódio a todos os que são diferentes. E a religião, com seus conceitos excludentes, traz a desculpa ou o grande mote para dividir o mundo entre bons e maus, entre aqueles que seguem as leis – de um deus, claro – e os que a ignoram e se tornam impuros.

Estão lá, na carta do atirador, as palavras que definem bem sua personalidade psicótica alimentada pelo desejo de vingança e de purificação de conteúdo e origem religiosa: “... os impuros não poderão me tocar sem usar luvas, somente os castos ou os que perderam suas castidades após o casamento e não se envolveram em adultério poderão me tocar sem usar luvas, ou seja, nenhum fornicador ou adúltero poderá ter contato direto comigo (...) preciso da visita de um fiel seguidor de Deus em minha sepultura pelo menos uma vez, preciso que ele ore diante de minha sepultura pedindo o perdão de Deus pelo o que eu fiz rogando para que na sua vinda Jesus me desperte do sono da morte para a vida eterna”.

De tão imbuído da leitura dos textos ditos sagrados está o vingador, que até seu estilo, seu jeito de escrever, repete canhestramente o estilo dos escrevinhadores da bíblia. E mais: a certeza de que, diante do exorcismo da prece, o ato de matar jovens inocentes será devidamente perdoado, já que, de acordo com as doutrinas deístas em voga nas grandes religiões, os fins justificam plenamente os meios. Vale tudo para alcançar o reino eterno, desde perseguir os ímpios em cruzadas, em guerras santas ou em instituições inquisitoriais que julgem, condenem e queimem os diferentes, até simplesmente matar os impuros, seja a bala ou explodindo bombas no próprio corpo ou jogando aviões em edifícios. Vale tudo para obter a graça do deus e viver a vida eterna ou para fornicar, depois, no céu, com não sei quantas mil virgens prometidas aos que matam e morrem pela fé.

Os deuses antigos eram humanos ou humanizados, porque eram muitos e lutavam entre si pela preferência de culto. O deus único das religiões modernas perdeu a humanidade e ganhou foros de ser absoluto, dono da verdade e exigente em seus mandamentos. Também se masculinizou e desenvolveu na mente do macho o ódio à fêmea, que passou a carregar o estigma do pecado, como se, para o sexo, não fossem necessários dois seres. Do ódio à fêmea – culpada ou pelo pecado original ou pelas tentações do macho – passou esse deus único e excludentes (na verdade, deuses, porque cada uma das grandes religiões modernas tem, na verdade, um único deus exclusivo e excludente), a odiar o próprio sexo como fonte de prazer. Em que momento as religiões passaram a odiar o sexo não se sabe exatamente, nem mesmo exatamente por quê. Pode-se especular, apenas, mas o certo é que a perseguição à bruxa, ou seja, à mulher, passou a fazer parte do imaginário machista, o que justifica todos os atos de covardia contra o sexo feminino, desde o estupro até o assassínio pelos mais absurdos motivos.

Por isso, o jovem louco do ataque às crianças da Escola Municipal Tasso da Silveira perseguiu e matou principalmente garotas, meninas que se tornariam mulheres e, portanto, motivo de desejo e de pecado da mente criminosa imbuída de conceitos misóginos provenientes da pregação religiosa.

Não, não é a religião o mal absoluto. Porque o mal absoluto implica a existência de um bem absoluto. E bem e mal são categorias absurdas da metafísica, origem de todas as besteiras teológicas que se espalham por aí. Não existem nem o bem nem o mal absolutos, portanto. Existem pessoas, seres humanos, que praticam atos condenáveis, atos contra a humanidade e contra a vida. E o fazem imbuídos da crença no perdão divino e na estúpida certeza de que esta vida tem continução numa possível vida além-túmulo. Assim, cultivam mais a morte do que a própria vida. Assim, não dão o valor devido à vida, que é unica e insubstituível, o mais precioso bem do homem.

Não, não é a religião a culpada absoluta da existência de bestas-feras como Wellington e tantos outros vingadores da fé. Mas, não nos deixemos contaminar pelo discurso inocentador dos que minimizam os efeitos da pregação de padres, pastores, rabinos, aiatolás e tantos outros imbecis que, imbuídos das falsas verdades de seus livros sagrados, vociferam doutrinas estúpidas de seus púlpitos e incendeiam com suas interpretações absurdas de discursos antigos as mentes pertubadas de gente como Wellington. Poucos chegam à loucura que ele chegou, mas esses poucos são suficientes para causar a matança e o sofrimento que ele protagonizou e outros têm protagonizado mundo afora. E a existência de um, apenas um, assassino desse tipo já é suficiente para condenar não exatamente os princípios equivocados das religiões, mas principalmente os seus intérpretes insanos que lucram, e lucram muito, com a venda requentada e mal interpretada desses princípios.

Quando um conceito cultural como o das religiões passa a ser explorado por mentes interesseiras – como o são todos os que constituem a hierarquia dos profissionais da fé – e passa a ser motivo de crimes históricos, é porque, de há muito, muito tempo, deixou de ser cultura e elemento civilizacional para se tornar pretexto para a barbárie humana. E quando isso acontece, não se pode deixar de, hipocritamente, condenar toda a estupidez metafísica e deísta que dá origem a atos bárbaros, existente nos conceitos da fé religiosa.

Enquanto nos comovemos pela beleza do canto à vida emanado dos versos de João Cabral de Melo Neto à neta ainda menina, lamentamos e nos desesperamos com o ato covarde de uma mente esquizofrência e assassina, alimentada pelos conceitos exatamente contrários ao “possível Sim da vida”, dos versos do poeta, este sim, um humanista, não os pregadores do eterno que ponteiam as inúmeras seitas deístas que proliferam por aí a vender a eternidade por trinta dinheiros, ou menos.

Há muito que perdemos a inocência para com as religiões e seus asseclas. Só não nos tínhamos dado conta disso. Porque a barbárie por ela provocada só nos chegava de longe, vinda do Norte, vinda de outros povos e outras culturas. Achávamos que nós, brasileiros, conservaríamos nossa estúpida inocência, apesar de todo o lixo religioso despejado diariamente sobre nós. Wellington Menezes de Oliveira tirou a vida de 13 jovens e, definitivamente, a nossa inocência.



(Ilustração: Stargträger, de Felix Nussbaum)

março 25, 2011

QUEM TRAIU A “FICHA LIMPA”?

(Alyssa Monks)


É óbvio que sinto alguma frustração, em relação à lei denominada “ficha limpa”. Mas não posso me calar diante do problema, que não está no STF, e sim na origem e readação da própria lei.

Ladrões e corruptos existem em todos os lugares, não apenas na política. E para eles, existem leis a que todos os cidadãos, e não apenas os políticos, estão sujeitos. E o império da lei está garantido pela lei máxima de uma nação, que é sua Constituição. Ou seja, nenhuma regra, preceito, portaria, exigência ou, mesmo, nenhuma, absolutamente nenhuma outra lei pode contrariar a Constituição.

A chamada lei da “ficha limpa” é inconstitucional. Em vários pontos, e não apenas no que concerne à sua aplicação no mesmo ano das eleições, coisa proibida pela Constituição: não pode haver mudança de regras enquanto o jogo está rolando, para usar uma expressão de fácil compreensão.

Essa lei pode até ser moralmente correta, ter boas intenções. Mas isso não basta. Uma lei, para ser aprovada pelo Congresso, sancionada pelo Presidente da República e acatada pelo Supremo Tribunal Federal precisa, além de legítima e eticamente correta, ser legal. Ou seja, estar de acordo com os preceitos constitucionais.

E legal a “lei da ficha limpa” não é. Vários de seus artigos contrariam claramente a Constituição Federal. Basta uma leitura atenta e a comparação de seu significado com o que diz a lei máxima da República.

Isso é profundamente lamentável. Por dois motivos.

Primeiro, porque foi uma lei elaborada por alguns “notáveis” advogados, que podem entender de redação de leis, mas não de sua compreensão mais profunda, em termos constitucionais. Não podiam ter elaborado um texto tão falho.

Segundo, porque foi vendido ao povo como uma lei de origem popular, com a arrecadação de milhões de assinaturas. E, agora, a sua não aplicação às eleições passadas deixa o povo desiludido com as instituições.

Além disso, vejo ainda alguns problemas.

A tal lei é moralista. E tudo o que está baseado na moral e não na ética pode conter julgamentos profundamente errôneos. O macartismo estabeleceu, nos Estados Unidos, um regime de terror e perseguição exatamente por estar baseado em princípios morais e não éticos. A moral da época exigia o expurgo de “esquerdistas”, de “comunistas”. Não a ética política, que diz que todos devem ter voz e ninguém pode ser punido por ter opinião divergente. A lei é moralista porque estabelece pré-julgamentos, ou seja, réus ainda não condenados definitivamente (não sou jurista, portanto não vou usar o “juridiquês) são considerados inelegíveis, ou seja, culpados. E isso é julgamento moral, de uma sociedade em busca de bodes expiatórios para sua incompetência em escolher bem seus representantes.

Há, também, o problema da especificidade da lei: se formos criar leis específicas para cada categoria de cidadãos, teríamos de ter uma lei para os crimes dos taxistas, outra para os médicos, outra para os advogados, outra para... Ou ainda: uma lei para os pobres, outra para os milionários, outra para os miseráveis... Enfim, isso é absurdo. Há uma lei geral, que penaliza os crimes cometidos por quaisquer cidadãos, não apenas por políticos ou por qualquer outro estamento social ou categoria profissional.

Assim é que matar é crime. Não importa se cometido pelo namorado ciumento ou pelo médico no exercício da profissão. A lei geral diz o que é crime de morte e quais são os casos em que esse crime tem atenuantes ou agravantes. Ponto.

Não se pode, portanto, na minha opinião, criar uma lei específica para políticos. Por isso é que a chamada “lei de imprensa” foi considerada inconstucional. Lembram-se?

Outro problema dessa “lei da ficha limpa”: foi enfiada goela abaixo da sociedade pela mídia como uma espécie de panaceia para todos os males morais dessa mesma sociedade, como se fosse resolver todos os problemas de corrupção que existem neste país. E mais: colocaram nas costas dos políticos – classe pela qual nutro pouco ou quase nenhum respeito, porque acho que nem devia existir (mas isso é outro papo) – a responsabilidade de toda a corrupção, quando basta ter olhos para ver que, quando há corrupção é porque há um corrupto (que pode ser um político ou um funcionário público) e um corruptor, ou seja, alguém que tem interesses eoconômicos (empresários, empreiteiros etc).

Enfim, a moralização da política em termos éticos e não moralistas (de perseguição às bruxas e aos que não concordam com a maioria, por exemplo) não passa, necessariamente, pela criação de mais leis, mas pela aplicação ou modificação ou atualização das já existentes e da criação de mecanismos que impeçam a impunidade, como o excessivo número de recursos e de tribunais para julgar um só crime. Precisamos deixar de ser um país de firulas jurídicas – campo fértil para os espertinhos – para ser um país que tenha mais cuidado na elaboração das suas leis. E mais do que cuidado na elaboração, precisão e rigor na sua aplicaç


Portanto, quem traiu a “lei da ficha limpa” não foi o Supremo Tribunal Federal, mas as pessoas que não souberam elaborar com precisão um texto legal e as pessoas que venderam esse texto ao povo como a salvação dos cofres públicos.

Esqueceram-se, no entanto, essas pessoas todas de avisar o povo para não continuar votando em políticos não confiáveis.

março 19, 2011

DUAS OU TRÊS COISAS IRRITANTES

(Franz von Stuck - Judith und Holofernes)



Primeira, o chororô descabido contra a Maria Bethânia.

Pois, é: porque o Ministério da Cultura aprovou captação de recursos – e nem importa quanto – para a cantora fazer um blog de poemas declamados por ela e gravados em vídeo, uma onda de protestos varreu os meios intelectuais do País.

Por quê?

Acho até que sei o motivo, mas é irrelevante. O que vale mesmo é verificar o quanto é burra, invejosa e canalha a chamada classe intelectual brasileira. O sujeito se diz intelectual, porque é escritor, jornalista ou sei lá o quê, mas só detém as plumas do pavão. É toda uma gentalha ignorante que não pode ver o sucesso do outro que se morde de inveja. Uma ciumeira geral. Por que cada um não cuida do seu curral e deixa de ver, em tudo, o dedo podre da corrupção, da vilania, quando há apenas o sucesso de alguém que nem obscurece o sucesso de ninguém? Que saco, essa gentalha que se diz intelectual!

Segunda, a invasão da Líbia pelas forças do Ocidente.

Se estivesse havendo massacre de inocentes num dos países periféricos, digamos, da África lá de baixo, da África pobre e empobrecida pelo longo histórico de pilhagem colonialista, com a morte de centenas ou de milhares de crianças, mulheres e homens negros – negros e pobres – não mandariam os países ricos tropas para a defesa dessa população.

Mas, como é a Líbia, recheada de petróleo, então a preocupação com os inocentes é de trazer lágrimas aos olhos. Que cambada de – ia dizer de filhos da puta, mas como esse blog é meio familiar, fico com a palavra hipócrita... Que cambada de hipócritas sãos esses países ocidentais e ricos, como França, Itália e Estados Unidos! Não estão protegendo o povo Líbio, como dizem, mas apenas seus interesses estratégicos, por causa do petróleo, e nada mais.

Terceira, a depredação do acampamento de uma empreiteira no Norte do País, por empregados ensandecidos.

Enquanto os japoneses dão uma lição de civilidade ao mundo, enfrentando com fidalguia os transtornos de um terremoto e de um tsunami que destruíram boa parte de seu país, sem distúrbios e sem saques a estabelecimentos comerciais, mesmo com a falta crescente de bens de primeira necessidade, um bando de funcionários vandalizam, numa barbárie sem justificativa, o acampamento de uma empreiteira de obras de uma usina no Norte do País.

Motivos? Mesmo que os houvesse, nada, absolutamente nada, justifica atos de vandalismo. Isso é barbárie pura. Isso apenas expõe o grau de incivilidade de um grupo humano – operários insanos – em oposição ao grau de civilidade de um povo, os japoneses.


São todos fatos irritantes, muito irritantes, de exemplos de estupidez humana e de barbárie que temos todos o dever de combater: o linchamento de uma cantora ou a invasão de um país ou a depredação de um acampamento são todos atos bárbaros, de exemplos de extrema desumanização humana, não importa se executados por intelectuais, chefes de governos ou operários.

janeiro 22, 2011

AES ELETROPAULO, A FILHA EXEMPLAR DO PRIVATISMO TUCANO





Uma das crias da privataria de Mário Covas (o ilustre tucano-mor de que se enchem os papos para dele falarem os demais tucanos), a AES ELETROPAULO distribui energia elétrica para a região metropolitana de São Paulo, cobrando tarifas assustadoras.

Apesar disso, oferece ao povo refém de seus preços abusivos um dos piores serviços de distribuição de energia elétrica e de assistência a seus clientes compulsórios.

Nesses quase onze anos, nada fez para modernizar uma rede que parece ter sido tecida por artesãos de dedos grossos do século XIX, uma rede obsoleta e perigosa, que deixa os paulistanos no escuro a qualquer ameaça de chuva.


Nesses tempos de tempestade, então, qualquer raio desliga dezenas de ruas e residências e deixa os desprotegidos paulistanos sem luz por horas a fio, jogando-os nas trevas da idade média, quando o escuro da noite escondia apenas malfeitores e delinquentes, o que parece ser o ambiente adequado para a incompetência e má vontade da AES ELETROPAULO.


Uma historinha exemplar: ontem, sexta-feira, 21 de janeiro de 2011 (século XXI, portanto), uma chuva forte assolou São Paulo. A luz logo seguiu os ventos da tempestade e deixou várias casas de minha rua no escuro, às 15h30. Até aí, nada demais: chuva e vento, casa no escuro.

No entanto, a luz só voltou vinte e duas horas depois! Às 13h30 de sábado! E assim mesmo, depois de dezenas, talvez centenas de pedidos e de avisos à impassibilidade estúpida dos funcionários da AES ELETROPAULO.

A cada telefonema, uma desculpa e uma promessa: árvore caída na rede e volta da energia às 18 horas; problema desconhecido e volta da energia às 22 horas... às 23 horas... às 8 horas de sábado... às 11 horas de sábado... e assim, até que...

Apareceu, finalmente, uma equipe de funcionários da famigerada distribuidora e, num trabalho que não durou nem 5 minutos, religou uma chave de um poste, a poucos metros de nossas casas, que se desligara com a sobrecarga de, talvez, um raio.

Uma simples chave desligada!

E demoraram quase VINTE E QUATRO HORAS para atender nossos desesperados pedidos!

Isso, numa cidade, a maior da América do Sul, e não no interior do Amazonas; isso, numa rua de um bairro de classe média, na boca do metrô Jabaquara, na Zona Sul!

Incompetência, má vontade, estupidez e mau caratismo!

Da AES ELETROPAULO?

Sem dúvida.

Mas, pensemos bem: uma empresa não é um ente abstrato, existente em algum limbo, flutuando no espaço. Uma empresa é formada de gente, de pessoas.

Quando consideramos uma empresa competente ou incompetente não estamos falando de nenhum anjo ou demônio que desce dos céus ou sobe dos infernos para nos abençoar com suas benesses ou nos amaldiçoar com seus garfos pontudos. Estamos falando dos funcionários dessa empresa: dos diretores (ou donos), dos gerentes, dos técnicos, dos burocratas, dos atendentes, dos operários e demais “colaboradores” dessa empresa.

Quando um operário veste o macacão da AES ELETROPAULO e vem à nossa rua ou à nossa casa a serviço da empresa, ele, o operário, nesse momento, é a própria empresa, pois a ela representa. Se temos reclamações, esse operário tem de ouvir e levar as reclamações a seus superiores ou a quem direito e não dizer, como disseram os operários com quem reclamamos a demora (e põe demora nisso!) do atendimento de um problema tão simples que fôssemos reclamar com seus patrões!

Nessa hora, não há patrões, não há diretores, não há gerentes: há apenas os representantes visíveis e devidamente autorizados da empresa à nossa frente. Portanto, além de mau atendimento, de manter sucateada por cupidez a rede elétrica da cidade, seus funcionários ainda são mal treinados para lidar com a população.

Maldita AES ELETROPAULO, fruto da privataria tucana, da venda arbitrária e a preço de banana dos bens públicos do senhor Mário Covas (se eu acreditasse em inferno, desejaria que lá estivesse o ex-governador!)!

É essa camarilha que governa o Estado de São Paulo há dezesseis anos e tem mais quatro para nos atormentar a vida com sua incompetência em vender a incompetentes o patrimônio público, cujo exemplo mais exemplar é a AES ELETROPAULO, a poderosa, arrogante e incompetente AES ELETROPAULO.