março 25, 2011

QUEM TRAIU A “FICHA LIMPA”?

(Alyssa Monks)


É óbvio que sinto alguma frustração, em relação à lei denominada “ficha limpa”. Mas não posso me calar diante do problema, que não está no STF, e sim na origem e readação da própria lei.

Ladrões e corruptos existem em todos os lugares, não apenas na política. E para eles, existem leis a que todos os cidadãos, e não apenas os políticos, estão sujeitos. E o império da lei está garantido pela lei máxima de uma nação, que é sua Constituição. Ou seja, nenhuma regra, preceito, portaria, exigência ou, mesmo, nenhuma, absolutamente nenhuma outra lei pode contrariar a Constituição.

A chamada lei da “ficha limpa” é inconstitucional. Em vários pontos, e não apenas no que concerne à sua aplicação no mesmo ano das eleições, coisa proibida pela Constituição: não pode haver mudança de regras enquanto o jogo está rolando, para usar uma expressão de fácil compreensão.

Essa lei pode até ser moralmente correta, ter boas intenções. Mas isso não basta. Uma lei, para ser aprovada pelo Congresso, sancionada pelo Presidente da República e acatada pelo Supremo Tribunal Federal precisa, além de legítima e eticamente correta, ser legal. Ou seja, estar de acordo com os preceitos constitucionais.

E legal a “lei da ficha limpa” não é. Vários de seus artigos contrariam claramente a Constituição Federal. Basta uma leitura atenta e a comparação de seu significado com o que diz a lei máxima da República.

Isso é profundamente lamentável. Por dois motivos.

Primeiro, porque foi uma lei elaborada por alguns “notáveis” advogados, que podem entender de redação de leis, mas não de sua compreensão mais profunda, em termos constitucionais. Não podiam ter elaborado um texto tão falho.

Segundo, porque foi vendido ao povo como uma lei de origem popular, com a arrecadação de milhões de assinaturas. E, agora, a sua não aplicação às eleições passadas deixa o povo desiludido com as instituições.

Além disso, vejo ainda alguns problemas.

A tal lei é moralista. E tudo o que está baseado na moral e não na ética pode conter julgamentos profundamente errôneos. O macartismo estabeleceu, nos Estados Unidos, um regime de terror e perseguição exatamente por estar baseado em princípios morais e não éticos. A moral da época exigia o expurgo de “esquerdistas”, de “comunistas”. Não a ética política, que diz que todos devem ter voz e ninguém pode ser punido por ter opinião divergente. A lei é moralista porque estabelece pré-julgamentos, ou seja, réus ainda não condenados definitivamente (não sou jurista, portanto não vou usar o “juridiquês) são considerados inelegíveis, ou seja, culpados. E isso é julgamento moral, de uma sociedade em busca de bodes expiatórios para sua incompetência em escolher bem seus representantes.

Há, também, o problema da especificidade da lei: se formos criar leis específicas para cada categoria de cidadãos, teríamos de ter uma lei para os crimes dos taxistas, outra para os médicos, outra para os advogados, outra para... Ou ainda: uma lei para os pobres, outra para os milionários, outra para os miseráveis... Enfim, isso é absurdo. Há uma lei geral, que penaliza os crimes cometidos por quaisquer cidadãos, não apenas por políticos ou por qualquer outro estamento social ou categoria profissional.

Assim é que matar é crime. Não importa se cometido pelo namorado ciumento ou pelo médico no exercício da profissão. A lei geral diz o que é crime de morte e quais são os casos em que esse crime tem atenuantes ou agravantes. Ponto.

Não se pode, portanto, na minha opinião, criar uma lei específica para políticos. Por isso é que a chamada “lei de imprensa” foi considerada inconstucional. Lembram-se?

Outro problema dessa “lei da ficha limpa”: foi enfiada goela abaixo da sociedade pela mídia como uma espécie de panaceia para todos os males morais dessa mesma sociedade, como se fosse resolver todos os problemas de corrupção que existem neste país. E mais: colocaram nas costas dos políticos – classe pela qual nutro pouco ou quase nenhum respeito, porque acho que nem devia existir (mas isso é outro papo) – a responsabilidade de toda a corrupção, quando basta ter olhos para ver que, quando há corrupção é porque há um corrupto (que pode ser um político ou um funcionário público) e um corruptor, ou seja, alguém que tem interesses eoconômicos (empresários, empreiteiros etc).

Enfim, a moralização da política em termos éticos e não moralistas (de perseguição às bruxas e aos que não concordam com a maioria, por exemplo) não passa, necessariamente, pela criação de mais leis, mas pela aplicação ou modificação ou atualização das já existentes e da criação de mecanismos que impeçam a impunidade, como o excessivo número de recursos e de tribunais para julgar um só crime. Precisamos deixar de ser um país de firulas jurídicas – campo fértil para os espertinhos – para ser um país que tenha mais cuidado na elaboração das suas leis. E mais do que cuidado na elaboração, precisão e rigor na sua aplicaç


Portanto, quem traiu a “lei da ficha limpa” não foi o Supremo Tribunal Federal, mas as pessoas que não souberam elaborar com precisão um texto legal e as pessoas que venderam esse texto ao povo como a salvação dos cofres públicos.

Esqueceram-se, no entanto, essas pessoas todas de avisar o povo para não continuar votando em políticos não confiáveis.

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