outubro 27, 2023

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O CAPITALISMO

 

(Escultura de  Francesco Queirolo: desilução ou liberação da decepção)

O capitalismo é, em si mesmo, perverso. Só não diria ser o capitalismo demoníaco, porque não acredito em demônios. Nem em deuses. Portanto, o sucedâneo do capitalismo, se um dia tivermos condições de destruí-lo, não será um regime celestial, no seu sentido metafórico de bondades e de existência livre de quaisquer dificuldades. Também não será socialista ou comunista, infelizmente, porque não acredito na capacidade humana de criar um regime de tal forma igualitário, que consiga administrar os bens de produção da forma preconizada por esses regimes, numa espécie de limbo angelical ou extremamente confiável na capacidade humana de convivência harmônica, como no caso do socialismo, ou numa ditadura do proletariado que realmente funcione sem que haja o surgimento de focos de resistência, de grupos que se tornem hegemônicos e acabem criando novas formas de dominação, no caso do comunismo. Vou tentar aprofundar um pouco isso, mais adiante. Por enquanto, volto à ideia de que, destruído o capitalismo, o que deverá sucedê-lo será um regime que não seja tão perverso, mantendo alguns de seus princípios, ainda que, pessoalmente, por condenar tão profundamente o sistema capitalista, eu preferia acreditar na utopia de uma sociedade sem leis, sem deuses, sem classes, ou seja, numa sociedade anarquista, no seu sentido mais radical. Isso, porém, sabemo-lo todos, é claramente uma utopia. Precisaríamos volta ao sistema de escambo. E o ser humano atual precisaria ser destruído e reconstruído em outras bases conceituais, conservando, todavia, a expertise cerebral adquirida da atual “civilização”, sem os seus desvios consumistas, ideológicos, teístas etc. Utopia, claro.

Deixemos as utopias e vamos a algo mais real, mais palpável, embora de enormes dificuldades de consecução. Não importa. É preciso que acordemos para a estupidez do capitalismo e tentemos, mesmo com ideias aparentemente absurdas, mitigar seus efeitos mais do que nocivos. A humanidade precisa acender a primeira vela, para que um dia a escuridão despareça.

Primeiro, esqueçamos por um momento esquerdas e direitas, as ideologias que nos sufocam. Também precisamos jogar no lixo da história todas as teorias e todas as metafísicas. Inclusive as religiosas. Não precisamos enforcar o último religioso nas tripas do último militar. Mas esqueçamos também os militares. Não servem para nada. Sem eles e suas armas e suas bombas e suas fronteiras, os governos precisam estabelecer tratados pacifistas de ajuda mútua, sem ideologias, de total respeito aos povos e suas culturas, de total respeito ao ambiente que nos cerca, não para salvar o planeta, mas para salvar a própria humanidade. O fim último de todo e qualquer governo deve ser a melhoria de condições de vida da humanidade, de toda a humanidade, sem preconceitos, sem racismos, sem fronteiras.

Em concerto entre si, os governos todos devem começar a estabelecer leis extremamente duras contra as grandes corporações, a fim de eliminá-las da face da Terra. Como? Proibindo-as de terem filiais em cada país, ou melhor, cada país deve nacionalizar todas as empresas que tenham capital e administração internacionais. Limitar ao máximo o poderio dessas instituições catastróficas para a humanidade, distribuindo seus dividendos entre todos os seus funcionários, que passariam a partícipes dos lucros e não mais meros fornecedores de mão de obra barata, explorada e até mesmo escravizada. As administrações regionalizadas dessas empresas passariam a ter indivíduos devidamente eleitos pelos colaboradores e controladas pelo poder público, possivelmente através do poder judiciário. O capital deixaria de se concentrar nas mãos de uns poucos, com o limite de ganhos de todos – empresários, sócios, colaboradores etc. Não é taxar as grandes fortunas: é acabar com elas. Não é necessário igualar ganhos, embora numa sociedade igualitária isso fosse o ideal, mas limitar os ganhos de tal forma que as diferenças financeiras e econômicas entre as classes seja a menor possível. Tudo isso, claro, sob o controle dos governos, repito, de todos os governos de todos os países, concertados entre si, na mesma política determinada a acabar com a miséria e a exploração do ser humano. Sem ideologias, sem populismos de direita ou esquerda, mas de forma séria e coordenada, a fim de que terminem as lutas intestinas de poder, num sistema democrático de escolhas diretas, pelo povo, de seus dirigentes devidamente compromissados com uma carta de intenções global que tenha por princípio realmente acabar com a selvageria do capitalismo, com a ditadura – essa, sim, incrustrada nas grandes corporações – de empresários que só visam ao lucro para si e para seus acionistas. Se todos os operários forem acionistas, participarem dos lucros, e esses lucros forem limitados, as desigualdades tenderão a desaparecer, já que o excedente dos lucros obtidos pelas corporações devidamente socializadas será revertido aos cofres públicos, para a realização de políticas de melhoria das condições de vida da população, como educação, transporte, lazer, cultura etc.

Enfim, isso é o que eu penso. É o que eu desejo. Talvez seja a minha utopia, mas está mais próxima de uma realização futura, a longo prazo, do que a eliminação do capitalismo através de uma revolução popular que nunca ocorrerá. Infelizmente.