Volto ao PIB. Mas, desta vez, não
para falar de sua decepcionante performance. Aliás, temo-lo tratado como um ser
que devia ser robusto, frequentar academias, tomar isotônicos e outras drogas,
para ficar com peitoral de nadador, barriga de tanquinho, coxas de Roberto
Carlos (o jogador, não o cantor!). Mas, como ser tudo isso, se insistem em
mantê-lo sob os grilhões da corrupção, chicoteado, pisoteado, miserável?
E quem o deixa assim? O governo?
Bem, uma certa culpa cabe, sim,
ao governo. E quando falo "governo" quero dizer o conjunto de forças
políticas que governa o País: os representantes do povo que estão nas
prefeituras, nos governos estaduais, nas presidência da república e, claro, nas
correspondentes casas legislativas. E talvez devêssemos incluir juízes, promotores
e quejandos de todos os níveis judiciais, já que eles, de uma forma ou de outra,
sempre acham um jeito de punir ou deixar de punir os corruptos e ladrões do
dinheiro público, contribuindo também para que o nosso caro PIB fique mais
forte ou mais fraco.
Mas, acho que os maiores
responsáveis pelo PIB são mesmo as chamadas "forças produtivas", os
empresários de todos os setores da economia. E já vimos, no artigo anterior (se
não o leu, queira fazê-lo, por favor, para entender o que vamos escrever a
partir de agora) que seus representantes não são flor que se cheire, em se
tratando de jogo político. Açoitam e jogam no buraco o nosso PIB porque não
querem esse ou aquele partido no poder, porque querem eleger os seus
queridinhos, contrariando a vontade do povo. E sabem muito bem o que fazer para
ferrar todos nós, em nome da sua (quase) soberana vontade.
Mas não é só isso o que eles fazem,
os nossos caros e patriotas empresários de todos os setores da nossa economia:
sua esperteza vai além de toda a nossa imaginação. Em nome de seus valores -
mercado livre, sem intervenção do estado, mas a favor deles, porque adoram uma
reserva de mercado para seus produtos - são capazes de coisas de que até o
diabo duvida.
Primeiro, vamos refrescar a
memória: apoiaram de forma descarada a ditadura, porque essa lhes prometeu, e
cumpriu em parte, manter os princípios econômicos que os favoreciam. Todos
sabem o que aconteceu. Nem vou perder mais tempo com isso.
Segundo, são sempre grandes e
honestos empreendedores. Criam empregos, milhões de empregos, claro, e ainda
posam de grandes beneméritos da sociedade, com obras sociais e apoio às artes.
Bem, se você, leitor, percebeu alguma ironia no que acabei de escrever, pode tirar
seu cavalinho da chuva, que não é ironia, não, é sarcasmo, mesmo. Explico: criar
empregos é a primeira e a mais importante função social de uma empresa. A
segunda função social é - e esse é um ponto fundamental do meu raciocínio -
pagar bem a seus funcionários. Não é fazer benemerência nem apoiar as artes. É
pagar salários dignos. É pagar bem. Porque benemerência rende dividendos muito
mais para quem faz do que para quem recebe: porque é marketing, puro marketing!
E apoio às artes é descontado no imposto de renda, sai a grana - ao fim e ao
cabo - do bolso do contribuinte, do nosso bolso. Aliás, benemerência também, se
você investigar bem. Tudo o que uma empresa gasta fora da linha de produção (construção
e manutenção, compra de bens e serviços e de matéria prima, aumento do capital,
folha salarial etc.) faz parte do plano de marketing ou tem incentivo fiscal. E
ambos têm um único objetivo: aumentar o capital intangível da empresa,
valorizar sua marca, ou reverter em lucro para seus cofres, ou ambas as coisas.
Se nossos empresários tivessem um pouco do capitalismo do Ford - o empresário
da grande fábrica de automóveis estadunidense - raciocinariam como ele:
pagariam bem a seus funcionários, para que eles consumissem os produtos que
fabricam. E o nosso capitalismo seria um pouco menos selvagem. Portanto, caros
amigos, fecho esse parágrafo com a pérola capitalista, para você parar e pensar
um pouco: não há almoço grátis!
Vamos, agora, ao terceiro e
último ponto dessa breve - e meio tresloucada - análise de nossos
empreendedores: pagamento de impostos. Como se incomodam nossos valorosos
empresários com os impostos! Têm até mesmo uma das coisas mais idiotas e
cretinas que existem - e que toda a mídia louva e endeusa e em que (quase) todo
mundo acredita: uma bobagem chamada "impostômetro", aqui, em São
Paulo, na fachada de uma de suas entidades representativas e defensoras de seus
interesses. Esse "impostômetro" tem a pretensão de registrar o que
todos pagamos de impostos para o governo. O interessante é que ele não
discrimina se os valores registrados (que impressionam) são pagos ao governo
federal ou se aos demais governos, estaduais e municipais, e fica parecendo que
vão todos para o governo central. Segundo, que é uma falácia imaginar que
todos, absolutamente todos, pagam impostos. E mais falacioso ainda o argumento
de que todos pagam de forma justa. Porque nem todos pagam e nem todos pagam o
que realmente deviam pagar. Você, meu caro leitor, que não deve ser um
empresário (ou, se o for, espero que não esteja no rol dos que vão ser
referidos a seguir), não paga o mesmo imposto que nossos empresários: proporcionalmente
você ganha, você paga muito, muito mais! Primeiro, porque, como pessoa física
(ou jurídica de pequeno porte), você não tem as manhas de conhecer com detalhes
os meandros das leis e formas de se aproveitar delas para diminuir os valores a
pagar, e mesmo que as conheça, não tem como se aproveitar disso, porque sua
contabilidade é muito simples: você recebe "x", gasta "y" e
lucra "z". Ao passo que as grandes empresas têm milhares de detalhes
de recebimentos e despesas que estão sujeitas a tributações especiais de
milhares de leis que permitem isso ou aquilo, que diminuem o imposto ou
isentam-no, dependendo de dezenas de situações; e têm mais: conhecem como
ninguém o caminho das pedras da sonegação! Duvida? Então, leia os jornais,
aprofunde um pouco o conhecimento da atual operação da Polícia Federal chamada
"Zelotes". Com um tantinho de desconfiômetro (que não precisa ter nem
uma zilionésima parte do "impostômetro"), você perceberá que isso é
um escândalo muito, muito, mas muito maior do que a da decantada operação
"Lava jato" (que é, ao fim e ao cabo, uma quadrilha de empresários
assaltando a Petrobrás, com a ajuda de funcionários e políticos corrompidos, já
que eu acho que corrupto é quem corrompe e ganha com isso!). E com mais um
outro tantinho de desconfiômetro, você vai chegar à mesma conclusão que eu:
será que são somente esses que estão na lista que sonegaram ou ela é bem mais
ampla, justificando a velha afirmativa do povo de que só ele é que paga
impostos neste País? Ou, pelo menos, é só ele - o povo - que paga realmente o
que deve?
Bem, milhões e milhões de reais
desviados, sob a forma de propina, da maior estatal brasileira. Milhões e milhões
de reais que voltam aos empresários em forma de subsídios. Milhões e milhões de
reais que deviam ser pagos ao imposto de renda convertidos em propinas -
mínimas - em julgamentos corrompidos. E eles ainda têm a cara de pau de, ao
frear a economia para tentar interferir na vontade do povo, dizerem que querem
pagar menos impostos! Assim, não há PIB que aguente: vai continuar fraquinho,
até que tomem vergonha, não os políticos (que esses, por mais que roubassem,
não teriam bala na agulha para interferir no PIB), mas os nossos impolutos
empresários. Que precisam reclamar menos, investir mais, agir com mais honradez
nas licitações públicas e pagar os impostos honestamente, como todo mundo.
"Todos os animais são iguais,
mas alguns são" - mesmo - "mais iguais que os outros" (George
Orwell).