maio 30, 2011

LIBERAÇÃO DA MACONHA: COMO É ISSO, COMPANHEIRO?



De novo ao velho e, ao mesmo tempo, sempre atual assunto das drogas. Agora, por conta de dois fatos: primeiro, a marcha da maconha, em São Paulo, há poucos dias, violentamente reprimida pela polícia; segundo, pela entrada em cena, com todo o seu prestígio, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a defender a chamada “descriminalização” das drogas, que é uma maneira disfarçada de legalização.

Discutir o problema do uso de drogas não é um direito da cidadania, mas um dever. Não dá para ignorar o problema que é o tráfico, não dá para ignorar que a dependência química já se tornou uma epidemia (diria até uma pandemia), não dá para ignorar que há, sim, uma cultura das drogas a assolar a sociedade, pondo em risco o futuro de grande parte de nossa juventude. Portanto, simplesmente proibir uma manifestação pública a favor da maconha, por exemplo, não é o melhor caminho de uma sociedade democrática. Há o outro lado, no entanto, o lado dos manifestantes, que não são nenhuns anjos a defender a democracia ou o direito à liberdade, mas tão somente um grupo de usuários da droga despreocupados com quaisquer outros aspectos que não sejam os de seu interesse. De qualquer modo, falta diálogo, falta espírito democrático, falta bom senso, tanto da polícia quanto dos manifestantes. Isso, no entanto, é o menor dos males, nesse assunto espinhoso.

Já o caso de nosso ex-presidente, é preciso um pouco mais de cuidado ao analisar suas opiniões, embasadas em discussões internacionais, levadas a cabo por muitos políticos e administradores de todo o mundo. Ele tem, sim, razão em dizer que a guerra ao tráfico, levada a efeito nos últimos quarenta anos, não obteve resultado algum e que essa política repressiva deve, sim, ser modificada. Isso, no entanto, não quer dizer que o melhor caminho seja a descriminalização das drogas. Há exemplos claros de que, em alguns países, tal fato obteve melhores resultados do que a simples e pura repressão. Mas são exemplos localizados e aplicados em situações específicas, como na Holanda, onde o controle do uso é extremamente rígido. Além do fato de que é um país de longa tradição ordeira, com uma população e uma extensão territorial que não se compara a muitos outros países, como Brasil, Estados Unidos ou Argentina.

O tráfico é hoje uma das maiores indústrias do mundo. Movimenta bilhões de dólares. As apreensões de drogas efetuadas pelo aparelho policial em todo o mundo não têm conseguido abalar esse império, porque seus lucros são tão absurdos, que as perdas se tornam insignificantes diante de sua capacidade de recuperação. Isso graças aos consumidores, claro, de todos os países, principalmente dos mais desenvolvidos, cuja capacidade de compra e consumo parece inesgotável. E não creio que essa máquina extremamente poderosa possa ser desarticulada com qualquer tentativa de controle de sua produção pelo Estado. Eles trabalham na sombra, sem pagar impostos, com mão de obra semiescrava, e não quererão se legalizar e, ao mesmo tempo, se vulnerabilizar diante da sociedade. São proscritos e continuarão a ser, porque não lhes interessa ser legais, em termos de leis, porque sabem que não serão nunca “legais”, ou seja, nunca serão aceitos por uma parcela muito influente de todas as sociedades, de todos os países.

Se legalizada a produção, a comercialização e o consumo das drogas (ou mesmo que seja só da maconha) exigirão um esquema de fiscalização e controle tão absurdo, que consumirá a maior parte dos impostos pagos pelos produtores, comerciantes e usuários. E então teremos campanhas e mais campanhas – como já temos em relação a outros produtos – para baixar os impostos. Quem sabe, até, um “impostômetro da maconha”, na Associação Comercial dos Produtores de Maconha, com executivos engravatados a deitar falação nos meios de comunicação sobre a carga abusiva de impostos que os “coitados” são obrigados a levar aos cofres do governo, onerando os consumidores, para deleite, aplauso e repercussão de certa mídia.

Além disso, deixo no ar a pergunta: quanto de área agricultável caberá ao plantio da cannabis (e de outras “plantinhas inocentes”?) Se já temos problemas de abastecimento de alimentos, com o agronegócio digladiando com os ambientalistas para aumentar o desmatamento, a fim de ampliar seus lucros, como resolver a equação com a entrada de mais um jogador nesse imbróglio de cartas marcadas? Não nos esqueçamos que o cultivo da maconha e de outras plantas que dão origem às drogas exige grandes extensões de terra, já que toneladas de folhas são necessárias para a extração comercial de seus princípios ativos. Ah, sim, pode-se sempre recorrer à indústria farmacêutica e produzir a droga sintética. E então químicos e cientistas formados a peso de ouro poderão dedicar sua inteligência â pesquisa de drogas cada vez mais “interessantes” em termos comerciais.

E como já discuti em outros artigos, há o problema da saúde pública. Como um sistema já por si mesmo sobrecarregado irá cuidar da saúde dos drogados? Ou alguém ainda acha, inocentemente, que as drogas (e entre elas a maconha, sim, senhores!) não são prejudiciais ao organismo humano? Quem não for usuário também vai pagar a conta? E se só os “consumidores” é que vão custear o seu sistema de saúde, então teremos empresas a responsabilizar-se por “planos de saúde especiais”, com uma agência controladora do governo, com mais gente e mais despesa? Enfim, como equacionar economicamente a situação da saúde dos drogados?

São tantos os aspectos e tanta a complexidade envolvendo a ideia de uma sociedade a conviver pacificamente com drogas e drogados, que, enfim, acho uma temeridade pessoas como ex-presidentes (e não falo apenas de nosso ex-presidente) virem a público e defenderem pura e simplesmente a tal “descriminalização” ou a “legalização” da maconha, sem que isso seja amplamente discutido pela sociedade como um todo. E essa discussão tem que ser muito, muito profunda, porque abarca uma amplidão de problemas que afetam diretamente a vida de todo o planeta, praticamente.

Além disso, quando as sociedades modernas caminham em direção à difusão de práticas de vida saudáveis, com, por exemplo, o cerco à indústria do tabaco, discriminando os fumantes e obrigando-os a ficar em verdadeiros guetos e, em breve, eu acredito que esse mesmo tipo de campanha se voltará contra a indústria de bebidas alcoólicas, será caminhar na contramão de tudo isso a ideia de que drogas como a maconha podem ser toleradas e, até, permitidas e controladas pela sociedade, como se fosse possível controlar esse tipo de coisa, como já dissemos acima.

Para finalizar, esse assunto não se esgota aqui, nem se esgotará tão cedo. Já escrevi várias vezes sobre isso (basta verificar na tag “drogas”, para encontrar os demais artigos) e continuo a achar que a discussão deve ser levada a termos civilizados, sem os slogans idiotas de pessoas que levantam a bandeira do “legalize já” porque veem o mundo por entre a fumacinha de seu cigarro, sem perceber que são massa de manobra – ou inocentes úteis – de uma poderosa indústria, como também o fazem os produtores de fumo. E discutir civilizadamente o problema das drogas envolve colocar na mesa todos os jogadores, ou pelo menos, todas as consequências de ações tomadas a favor da liberalização ou da continuidade de uma política até agora inútil de repressão total. Talvez haja um caminho do meio. Ou melhor, haja vários outros caminhos. E é isso que devemos descobrir. Com respeito, imaginação e muita, muita discussão.

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