agosto 28, 2013

NOSSAS ILUSÕES PERDIDAS NA GRANDE MÍDIA








Quando Balzac escreveu "As ilusões perdidas", deixou-nos explicitamente como legado o nascimento da grande imprensa como algo que servia aos interesses dos poderosos, manipulada por gente que se tornava capacho desses poderosos, a troco de posição, dinheiro e, principalmente, das migalhas de poder que displicentemente eram lançadas para baixo das mesas do grande banquete. Não havia escrúpulos em criar ou destruir reputações de figuras públicas. Ética parecia ser uma palavra totalmente desconhecida. Descobria-se que a mentira muitas vezes repetida torna-se verdade.

Mais de cem anos se passaram. O mundo parece que mudou. Novas tecnologias foram incorporadas ao dia a dia. E mais: a explosão demográfica do final do século XX aliada à rapidez da informação transformou o mundo - que era restrito - numa grande aldeia. Se, no século de Balzac, a mentira tinha o tamanho da cidade, no caso, Paris, hoje a mentira tem o tamanho do mundo. A cara de pau e o mau caratismo não se restringem ao entorno das redações de jornais, mas correm com a velocidade da luz pela internet, algo inimaginável até há poucas décadas.

Há pessoas de retidão de caráter entre jornalistas e comentaristas das grandes empresas de comunicação dos nossos dias, mas nem a mais potente das lupas será capaz de identificá-los, pois não podem ou não querem ser identificados, presos que estão às ideologias de seus patrões. A maioria desses profissionais, no entanto, não têm mesmo nenhum escrúpulo, professam à larga a ideologia de seus donos, com o prazer sarcástico de que, com suas diatribes, ganham notoriedade e tentam, com isso, interferir nas mentes e corações de seus leitores, para conduzir o País aos desígnios das forças conservadoras que lhes pagam o salário.

Muitos são mais realistas que os reis a quem obedecem cegamente. Obscurecidos pela notoriedade, criam monstros, fabricam factoides, inventam teorias e as oferecem como verdades absolutas a leitores desprevenidos ou desprovidos de senso crítico.

Lembro as manchetes de certo jornal popular - que poucos liam, mas que todos comentavam, o "Notícias Populares". Ficou famosa a primeira página em que noticiou em letras garrafais: "Cachorro faz mal a moça". Tudo dúbio e, espertamente, a palavra "cachorro" entre mínimas aspas, já que se tratava de um mal fadado "cachorro quente" estragado. De outra vez, a criatividade foi longe, ao noticiarem que um jovem cantor (Geraldo Vandré) havia quebrado e jogado seu violão na plateia, ao ser vaiado pelo auditório: "Violada em pleno auditório"!

Lembro essas manchetes, porque, nas grandes cidades, o povo não lê jornais, mas lê todos os dias as manchetes dos jornais, a primeira página, nas bancas, onde são expostos para chamar a atenção. Assim, a primeira página, a manchete, os títulos explosivos ajudam a formar opinião, a estabelecer polêmicas que nem sempre se resolvem, porque a maioria fica mesmo com a informação primária e primeira da primeira página. E a irresponsabilidade jornalística ilimitada se exerce aí, nessa primeira página.

No jornalismo radiofônico e televisivo, a influência está toda na inflexão de voz, na postura, na superficialidade da notícia. Um comentarista econômico, por exemplo, não precisa entender de economia (aliás, quem entende de economia?): basta ganhar as simpatias do público, manipular gráficos modernosos que nunca funcionam e informam precariamente e, por isso, podem conter não exatamente mentiras, mas pequenas distorções na apresentação de tamanho e cores, apresentar dados inconsistentes e, sempre, ser extremamente crítico ao governo, adotando, muitas vezes, o tom professoral e apocalíptico dos burros que nada sabem, mas zurram mais alto.

Há monstros que se criam e que eles, os jornalistas, não sabem, depois, como se livrar deles e, por isso, alimentam-nos permanentemente. Busco o exemplo no futebol.

Criou-se o mito da torcida do Corinthians, a partir de alguns dados reais: quando o time ficou infinitos anos sem ganhar um campeonato e quando "invadiu" o Maracanã, num jogo contra uma equipe carioca. Esses dois fatos alimentaram a noção de que a torcida corintiana era "fiel", aumentava na diversidade e até ganhava jogos com sua força. Hoje, essa torcida, organizada e feroz, transformou-se (e serviu de exemplo para outras) num monstro violento e assassino, que convoca e provoca conflitos com outras torcidas em estádios e nas proximidades de estádios ou onde quer que vá jogar o seu time. Usam os torcedores a camisa do clube, o distintivo do clube, o nome do clube e até mesmo as dependências do clube para dar vazão a seus instintos inferiores. Matam e morrem. Podem até ser constituídos de pacatos filhos, irmãos e pais fora da malta a que pertencem, mas, quando se juntam, transformam-se em loucos sedentos de sangue, com seus sinalizadores (que já até mataram um menino num jogo na Bolívia), seus gritos de guerra, suas bordunas e até armas de fogo. Foram criados e alimentados pela mídia, que sempre viu no Corinthians grande potencial de venda de jornais e de notícias. Agora, alguns poucos jornalistas mais conscientes reclamam da violência por eles mesmos criada e alimentada. Não deixam, no entanto, de dar voz aos violentos, quando esses mesmos rapazes têm a audácia de cobrar da diretoria do clube ou dos jogadores, em conversas públicas ou reservadas, aquilo que eles consideram sua "religião": ganhar jogos e dar a vida pelo clube.

Esses são até exemplos menores da tentativa - muitas vezes bem sucedida - de influenciar a opinião pública através de factoides e invencionices. Há casos piores. Quando o jogo é na política, as regras são claras: aos amigos, todos os elogios e, principalmente, o conveniente silêncio; aos inimigos, o achincalhe devidamente mascarado em notícias, em fatos distorcidos ou mal contados, em manchetes de duplo sentido, em insinuações e em até mesmo mentiras deslavadas em grandes títulos ou reportagens que, quando desmentidos, são jogados para rodapés de páginas secundárias. Vale a caixa-alta, o colorido de fotos manipuladas ou devidamente escolhidas por seus ângulos mais inusitados. Com isso, já até elegeram um presidente da República, Collor de Mello, devidamente defenestrado depois, por sua roubalheira e pela voz do povo nas ruas. Não se emendam, no entanto, pois continuam em suas campanhas para eleger os queridinhos dos patrões, aqueles que seguem a cartilha ideológica da direita, porque, por mais óbvio que possa parecer, é preciso que se esclareça que não há um só grande conglomerado de mídia de esquerda no mundo, que possa fazer contraponto àquilo que Washington ou Wall Street consideram ser a verdade.

Agora, é a vinda dos médicos estrangeiro para trabalhar no Brasil e ocupar os postos avançados que nossos profissionais não quiseram, por não fazer parte de seu objetivo de vida atender populações carentes em rincões distantes (preferem trabalhar em grandes hospitais, onde a infraestrutura lhes permite diagnosticar sem tocar o paciente, apenas com pedidos de exames complexos e caros ou, ainda, abrir consultórios em bairros elegantes, para atender a demanda de cirurgias plásticas de madames e seus cachorrinhos): primeiro, a grande mídia demonizou-os, principalmente aos cubanos, chamando-os de incompetentes; depois, lançaram dúvidas sob o sistema de remuneração, para tachá-los de escravos. Por fim, abriram guerra contra o programa do governo como um todo, com a desculpa de que é necessário infraestrutura de atendimento, sem perceber, os imbecis, que se tenta justamente quebrar um círculo vicioso - não há médico, porque não há infraestrutura e não há infraestrutura porque não há médico. Com isso, atiçaram o preconceito e, depois, o rancor e o ranço corporativista de médicos e suas associações ricas e distantes da população. Motivo do ódio? Político, meramente jogo político, pois a grande mídia atual tem um único objetivo: desmoralizar os governos de esquerda democraticamente eleitos, para tentarem, mais uma vez, jogar o País nos braços e na roubalheira dos que sempre mandaram e alimentaram, com verbas públicas diretas ou indiretas, as redações de jornais, revistas, rádios e televisões.


Não sei se Balzac, se vivesse hoje, com sua ojeriza ao mau jornalismo que, se era praticado em seu tempo, hoje, está elevado a potências inimagináveis no século XIX, em termos de mau caratismo, de falta de ética e, sobretudo, de capacidade de espalhar o vírus da mentira pelo mundo todo, estaria vomitando todos os dias. Eu estou!

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