Quando Balzac escreveu "As
ilusões perdidas", deixou-nos explicitamente como legado o nascimento da
grande imprensa como algo que servia aos interesses dos poderosos, manipulada
por gente que se tornava capacho desses poderosos, a troco de posição, dinheiro
e, principalmente, das migalhas de poder que displicentemente eram lançadas
para baixo das mesas do grande banquete. Não havia escrúpulos em criar ou
destruir reputações de figuras públicas. Ética parecia ser uma palavra
totalmente desconhecida. Descobria-se que a mentira muitas vezes repetida
torna-se verdade.
Mais de cem anos se passaram. O
mundo parece que mudou. Novas tecnologias foram incorporadas ao dia a dia. E
mais: a explosão demográfica do final do século XX aliada à rapidez da
informação transformou o mundo - que era restrito - numa grande aldeia. Se, no
século de Balzac, a mentira tinha o tamanho da cidade, no caso, Paris, hoje a
mentira tem o tamanho do mundo. A cara de pau e o mau caratismo não se
restringem ao entorno das redações de jornais, mas correm com a velocidade da
luz pela internet, algo inimaginável até há poucas décadas.
Há pessoas de retidão de caráter
entre jornalistas e comentaristas das grandes empresas de comunicação dos
nossos dias, mas nem a mais potente das lupas será capaz de identificá-los,
pois não podem ou não querem ser identificados, presos que estão às ideologias
de seus patrões. A maioria desses profissionais, no entanto, não têm mesmo
nenhum escrúpulo, professam à larga a ideologia de seus donos, com o prazer
sarcástico de que, com suas diatribes, ganham notoriedade e tentam, com isso, interferir
nas mentes e corações de seus leitores, para conduzir o País aos desígnios das
forças conservadoras que lhes pagam o salário.
Muitos são mais realistas que os
reis a quem obedecem cegamente. Obscurecidos pela notoriedade, criam monstros,
fabricam factoides, inventam teorias e as oferecem como verdades absolutas a
leitores desprevenidos ou desprovidos de senso crítico.
Lembro as manchetes de certo
jornal popular - que poucos liam, mas que todos comentavam, o "Notícias
Populares". Ficou famosa a primeira página em que noticiou em letras
garrafais: "Cachorro faz mal a moça". Tudo dúbio e, espertamente, a
palavra "cachorro" entre mínimas aspas, já que se tratava de um mal
fadado "cachorro quente" estragado. De outra vez, a criatividade foi
longe, ao noticiarem que um jovem cantor (Geraldo Vandré) havia quebrado e
jogado seu violão na plateia, ao ser vaiado pelo auditório: "Violada em
pleno auditório"!
Lembro essas manchetes, porque,
nas grandes cidades, o povo não lê jornais, mas lê todos os dias as manchetes
dos jornais, a primeira página, nas bancas, onde são expostos para chamar a
atenção. Assim, a primeira página, a manchete, os títulos explosivos ajudam a
formar opinião, a estabelecer polêmicas que nem sempre se resolvem, porque a
maioria fica mesmo com a informação primária e primeira da primeira página. E a
irresponsabilidade jornalística ilimitada se exerce aí, nessa primeira página.
No jornalismo radiofônico e
televisivo, a influência está toda na inflexão de voz, na postura, na
superficialidade da notícia. Um comentarista econômico, por exemplo, não
precisa entender de economia (aliás, quem entende de economia?): basta ganhar
as simpatias do público, manipular gráficos modernosos que nunca funcionam e
informam precariamente e, por isso, podem conter não exatamente mentiras, mas
pequenas distorções na apresentação de tamanho e cores, apresentar dados
inconsistentes e, sempre, ser extremamente crítico ao governo, adotando, muitas
vezes, o tom professoral e apocalíptico dos burros que nada sabem, mas zurram
mais alto.
Há monstros que se criam e que
eles, os jornalistas, não sabem, depois, como se livrar deles e, por isso,
alimentam-nos permanentemente. Busco o exemplo no futebol.
Criou-se o mito da torcida do
Corinthians, a partir de alguns dados reais: quando o time ficou infinitos anos
sem ganhar um campeonato e quando "invadiu" o Maracanã, num jogo
contra uma equipe carioca. Esses dois fatos alimentaram a noção de que a
torcida corintiana era "fiel", aumentava na diversidade e até ganhava
jogos com sua força. Hoje, essa torcida, organizada e feroz, transformou-se (e
serviu de exemplo para outras) num monstro violento e assassino, que convoca e
provoca conflitos com outras torcidas em estádios e nas proximidades de
estádios ou onde quer que vá jogar o seu time. Usam os torcedores a camisa do
clube, o distintivo do clube, o nome do clube e até mesmo as dependências do
clube para dar vazão a seus instintos inferiores. Matam e morrem. Podem até ser
constituídos de pacatos filhos, irmãos e pais fora da malta a que pertencem,
mas, quando se juntam, transformam-se em loucos sedentos de sangue, com seus
sinalizadores (que já até mataram um menino num jogo na Bolívia), seus gritos
de guerra, suas bordunas e até armas de fogo. Foram criados e alimentados pela
mídia, que sempre viu no Corinthians grande potencial de venda de jornais e de
notícias. Agora, alguns poucos jornalistas mais conscientes reclamam da violência
por eles mesmos criada e alimentada. Não deixam, no entanto, de dar voz aos
violentos, quando esses mesmos rapazes têm a audácia de cobrar da diretoria do
clube ou dos jogadores, em conversas públicas ou reservadas, aquilo que eles
consideram sua "religião": ganhar jogos e dar a vida pelo clube.
Esses são até exemplos menores da
tentativa - muitas vezes bem sucedida - de influenciar a opinião pública
através de factoides e invencionices. Há casos piores. Quando o jogo é na
política, as regras são claras: aos amigos, todos os elogios e, principalmente,
o conveniente silêncio; aos inimigos, o achincalhe devidamente mascarado em
notícias, em fatos distorcidos ou mal contados, em manchetes de duplo sentido,
em insinuações e em até mesmo mentiras deslavadas em grandes títulos ou
reportagens que, quando desmentidos, são jogados para rodapés de páginas
secundárias. Vale a caixa-alta, o colorido de fotos manipuladas ou devidamente
escolhidas por seus ângulos mais inusitados. Com isso, já até elegeram um
presidente da República, Collor de Mello, devidamente defenestrado depois, por
sua roubalheira e pela voz do povo nas ruas. Não se emendam, no entanto, pois
continuam em suas campanhas para eleger os queridinhos dos patrões, aqueles que
seguem a cartilha ideológica da direita, porque, por mais óbvio que possa
parecer, é preciso que se esclareça que não há um só grande conglomerado de
mídia de esquerda no mundo, que possa fazer contraponto àquilo que Washington
ou Wall Street consideram ser a verdade.
Agora, é a vinda dos médicos estrangeiro
para trabalhar no Brasil e ocupar os postos avançados que nossos profissionais
não quiseram, por não fazer parte de seu objetivo de vida atender populações
carentes em rincões distantes (preferem trabalhar em grandes hospitais, onde a
infraestrutura lhes permite diagnosticar sem tocar o paciente, apenas com
pedidos de exames complexos e caros ou, ainda, abrir consultórios em bairros
elegantes, para atender a demanda de cirurgias plásticas de madames e seus
cachorrinhos): primeiro, a grande mídia demonizou-os, principalmente aos
cubanos, chamando-os de incompetentes; depois, lançaram dúvidas sob o sistema
de remuneração, para tachá-los de escravos. Por fim, abriram guerra contra o programa
do governo como um todo, com a desculpa de que é necessário infraestrutura de
atendimento, sem perceber, os imbecis, que se tenta justamente quebrar um círculo
vicioso - não há médico, porque não há infraestrutura e não há infraestrutura
porque não há médico. Com isso, atiçaram o preconceito e, depois, o rancor e o
ranço corporativista de médicos e suas associações ricas e distantes da
população. Motivo do ódio? Político, meramente jogo político, pois a grande
mídia atual tem um único objetivo: desmoralizar os governos de esquerda democraticamente
eleitos, para tentarem, mais uma vez, jogar o País nos braços e na roubalheira
dos que sempre mandaram e alimentaram, com verbas públicas diretas ou indiretas,
as redações de jornais, revistas, rádios e televisões.
Não sei se Balzac, se vivesse
hoje, com sua ojeriza ao mau jornalismo que, se era praticado em seu tempo,
hoje, está elevado a potências inimagináveis no século XIX, em termos de mau
caratismo, de falta de ética e, sobretudo, de capacidade de espalhar o vírus da
mentira pelo mundo todo, estaria vomitando todos os dias. Eu estou!
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