(Brueghel - detalhe)
Todas as vezes que ocorre um crime bárbaro (todo crime de
morte é bárbaro, não?), a discussão sobre maioridade penal aos 16 anos toma
conta da sociedade. Muito papel e tinta são gastos. Horas de rádio e televisão
são dedicados ao assunto. Políticos propõem projetos de alteração do Estatuto
da Criança e do Adolescente. Especialistas dão palpites. E o povo se divide
entre aqueles são "a favor" e os que são "contra".
O assunto é espinhoso. Envolve emoção. Porque se trata de
jovens, quase crianças, considerados até agora "inimputáveis", por nossas
leis. E quando o assunto refere-se a essa faixa etária entre a total inocência
e a idade adulta, nós não sabemos bem o que fazer: oscilamos entre o olhar
cândido da proteção total e o olhar rancoroso de quem só vê o crime e a
necessidade de puni-lo da forma mais rigorosa possível.
Entre esses extremos, imobilizamo-nos. E não discutimos
seriamente o assunto. Não sei se terei, eu também, condições de fazê-lo de
forma racional ou, pelo menos, sem as paixões dos extremos. Vou tentar. E
começo, não sei se de forma certa ou errada, com uma croniqueta publicada no
facebook por meu amigo Luiz Cláudio Lins:
"Pena que ainda
tenhamos tanta influência católica no grau de escrúpulo social. Mas imaginemos
tal cenário:
Como o o rapaz que assassinou outro rapaz em SP o fez antes de completar 18 anos, ele apenas terá uma medida punitiva sócio- educativa de, no máximo, 3 anos e depois será colocado em liberdade sem ônus com a justiça; Essa é a lei que vale para todos os jovens brasileiros,no momento, de qualquer origem social.
Mas é uma lei que não agrada grande parte da população brasileira. Que não pode ser consultada de forma plebiscitária pois este é um direito previsto constitucionalmente.
Então, já que o criminoso não será objeto de uma pena mais "severa" nem nesse curto período de tempo em que estará privado de liberdade será alvo de qualquer ação de reinserção social (ele sairá igual ou pior que entrou), poderíamos usá-lo como uma cobaia.
Seria convocada a população da capital para, em determinada hora e local, apedrejá-lo. Simplesmente assim. Ele, ao centro de um espaço, e ao seu redor as pessoas munidas de pedras.
Provavelmente, caso a afluência de público fosse alta, ele morreria ao final. Da mesma forma que morreu sua vítima (só que um tanto mais lentamente e talvez merecidamente segundo a opinião de alguns).
E pronto. Televisões e câmeras de segurança gravariam a cena e, por tecnologia já existente, impediria a identificação dos justiceiros.
Ao final, todos voltariam para suas casas satisfeitos e triunfantes diante da 1ª vez que o Bem aplacou o Mal. Que a justiça, de fato, foi feita.
O episódio serviria como alerta para outros jovens que ousassem agir da mesma forma; E se algo ocorresse parecido mais um seria escolhido para novo apedrejamento.
E isso se incorporaria aos nosso hábitos como ir ao cinema, ir ao shopping, ir ao estádio de futebol, na igreja ou na academia.
Toda semana um apedrejamento de alguém "incorrigível" que deixará, definitivamente, de ser cruel e maléfico.
E assim nossa alma, aquela parte mais pura e elevada e que muitos acreditam que exista, seria lavada e deixada em paz."
Como o o rapaz que assassinou outro rapaz em SP o fez antes de completar 18 anos, ele apenas terá uma medida punitiva sócio- educativa de, no máximo, 3 anos e depois será colocado em liberdade sem ônus com a justiça; Essa é a lei que vale para todos os jovens brasileiros,no momento, de qualquer origem social.
Mas é uma lei que não agrada grande parte da população brasileira. Que não pode ser consultada de forma plebiscitária pois este é um direito previsto constitucionalmente.
Então, já que o criminoso não será objeto de uma pena mais "severa" nem nesse curto período de tempo em que estará privado de liberdade será alvo de qualquer ação de reinserção social (ele sairá igual ou pior que entrou), poderíamos usá-lo como uma cobaia.
Seria convocada a população da capital para, em determinada hora e local, apedrejá-lo. Simplesmente assim. Ele, ao centro de um espaço, e ao seu redor as pessoas munidas de pedras.
Provavelmente, caso a afluência de público fosse alta, ele morreria ao final. Da mesma forma que morreu sua vítima (só que um tanto mais lentamente e talvez merecidamente segundo a opinião de alguns).
E pronto. Televisões e câmeras de segurança gravariam a cena e, por tecnologia já existente, impediria a identificação dos justiceiros.
Ao final, todos voltariam para suas casas satisfeitos e triunfantes diante da 1ª vez que o Bem aplacou o Mal. Que a justiça, de fato, foi feita.
O episódio serviria como alerta para outros jovens que ousassem agir da mesma forma; E se algo ocorresse parecido mais um seria escolhido para novo apedrejamento.
E isso se incorporaria aos nosso hábitos como ir ao cinema, ir ao shopping, ir ao estádio de futebol, na igreja ou na academia.
Toda semana um apedrejamento de alguém "incorrigível" que deixará, definitivamente, de ser cruel e maléfico.
E assim nossa alma, aquela parte mais pura e elevada e que muitos acreditam que exista, seria lavada e deixada em paz."
Lavar a alma. A alma que muitos acreditam ser a nossa parte
que deve ser salva, no conceito deísta e cristão. Essa a frase que me marcou
mais na crônica, porque toca um ponto sensível para mim, as crenças da
humanidade, nesses últimos dois mil anos, os dois mil anos de vitória do
cristianismo, no Ocidente.
O cristianismo é a seita das contradições absolutas: porque
você pode ser um nazista de carteirinha dentro dos princípios cristãos (como
muitos o foram, e nem vou citar nomes, para não despertar protestos) ou ser um
santo, no mais profundo sentido franciscano que essa palavra possa conter no
contexto cristão (já que Francisco voltou ao noticiário como nome de papa,
podemos usá-lo como exemplo de todos conhecido).
O mártir e fundador do cristianismo prescrevia o amor total,
até aos inimigos; e mandava oferecer "a outra face", em caso de
agressão. Mas não teve - segundo os registros - nenhum pudor em fustigar os
vendilhões do templo. Ao mesmo tempo que a doutrina cristã renova conceitos de
convivência e ética, assimila e considera como "verdades" e
"doutrina" os velhos chavões da receita judaica do chamado
"velho testamento", onde pontifica o deus da carnificina, o deus do
"olho por olho, dente por dente".
Assim, não nos espantemos com as oscilações extremas de
nossa sociedade e de nossas leis: há vezes em que prevalece, como no Brasil, a
visão franciscana, a complacência para com marginais e assassinos (penas suaves
para crimes de morte; prescrição de penas em tempos menores; progressão de
penas para crimes hediondos etc, etc, etc); há vezes em que prevalece, como em
muitos estados dos Estados Unidos, a lei de talião, a lei "antiga",
com o rigor do Estado a satisfazer os desejos sádicos da sociedade (prisão
perpétua; punições exemplares para pequenos delitos; pena de morte etc, etc,
etc).
Poucos são os estados em que se chegou a uma visão menos
"cristã" e mais objetiva, baseada na ética e nos costumes e visões
mais saudáveis de um processo, longo processo, muitas vezes, que privilegie a
ideia de "civilização" (no seu sentido mais profundo de respeito a
certos princípios básicos, como à vida e à natureza) e de civilidade, ou de
convivência pacífica entre humanos.
Assim, a ideia de punição a jovens infratores coloca-se numa
espécie de "limbo ideológico" dos mais complexos. Os defensores do
rigor extremo não escondem suas posições ideológicas fundamentalistas (e o
governador de São Paulo dá bem o exemplo do que eu quero dizer), enquanto os
defensores da visão "educacional", de proteção e de amparo ao menor,
seja ele apenas "infrator" ou "assassino" desfilam
argumentos ideológicos que parecem pertencer a uma sociedade ideal e imaginária,
e não ao mundo real.
Ficam ambas as partes de digladiando diante de casos e
exemplos - que servem a ambos os argumentos, é só saber escolhê-los a dedo para
o debate - sem entrarem fundo numa discussão muito mais importante: o que a
sociedade deve fazer com aqueles que não seguem as suas regras, ou seja, como
assimilar o "transgressor".
Porque é isso o que uma sociedade dita civilizada deve
fazer. Nem ser complacente nem ser "vingadora" em relação àqueles que
a desafiam. Aceitar que há sempre uma porcentagem de "marginais" ou
"marginalizados" (no sentido estrito do termo, aqueles que vivem à
margem da sociedade, não necessariamente contra a sociedade, mas que não
encontraram o seu espaço dentro dela). São eles frutos das distorções de
sempre, quando essas distorções - desde distribuição de renda até preconceitos
e racismo - são evidentes, ou da simples ideia de que há, sim, mesmo nas
sociedades mais justas, os desajustados, e que isso é algo com que se tem de
conviver.
No caso dos nossos jovens, a sociedade constituída não pode
adotar o discurso paternalista e complacente do idealismo que justifica o
delito como resultado das injustiças sociais e, portanto, deve-se dar o máximo
de proteção possível mesmo ao delinquente, nem adotar o revanchismo raivoso dos
fundamentalistas que querem "lavar a alma", na crônica de meu amigo.
Há que se buscar um senso justo na relação com os jovens que delínquem:
diferenciar o jovem infrator do jovem que comete crimes de morte.
E mais: ao primeiro, dar tratamento decente em instituições
que não sejam meros depósitos de gente, onde possam ser realmente educados no
sentido mais amplo do termo, sem passar por constrangimentos (que, diga-se de
passagem, são ilegais mas que continuam sendo diuturnamente praticados). Todas,
praticamente todas as instituições de recolhimento de menores infratores no
Brasil não passam de presídios disfarçados. Dirigidos por pessoas que, diante
de um batalhão de menores, não encontram outra saída senão a disciplina férrea,
conseguida através de maus tratos e imposição física. E não se pode dizer que
não há dinheiro para melhorar esse tipo de instituição. Há, sim. O que falta é
vontade política, é a conscientização de toda a sociedade para o fato de que o
investimento em recuperação de jovens é mais barato e mais "lucrativo"
do que o investimento na contratação de seguranças particulares ou na
instalação de engenhocas de vigilância ou, mesmo, na instalação de grades em
jardins e janelas de suas mansões. Instituições de recolhimento de menores
infratores não podem ser imensos complexos para isolar num só espaço centenas
de jovens (e ainda lutar contra a superpolução desses "presídios"),
mas pequenas unidades dirigidas por educadores, mesmo que sejam essas muito
mais caras. Porque, repito, dinheiro há e, se não houver, que as forças
políticas e econômicas se unam para arrumá-lo, porque vale a pena. Podem ter
absoluta certeza disso.
Quanto ao menor que pratica crimes de morte, não há que
jogá-lo na vala comum dos presídios, mesmo depois de completados os dezoito
anos, nem diminuir a idade penal, como querem muitos, mas buscar alternativas
de reeducação em prazos mais longos, que envolvam a capacidade de avaliação de
pessoal especializado, com controle do Estado e da sociedade, para que esse
jovem sinta que está sendo, sim, punido, como toda criança ou jovem são punidos
pelos pais, não como "revanche" ou "vingança", mas com o
objetivo de recuperá-lo para uma vida saudável dentro da sociedade e para uma
visão ética de respeito à vida. Isso implica buscar condições para um tempo
maior (quanto? - só uma discussão séria e sem rancores poderá determinar),
resolvida por uma junta de especialistas que deverão acompanhar sua recuperação
e reavaliar de forma séria e competente as condições para sua soltura.
Enfim, se não for essa a saída, que se busquem outras, que
se discuta o problema com objetividade, sem os ranços cristãos do amor e do
perdão absoluto ou do deus vingador. Ao Estado cabe buscar recursos que a
sociedade determinar para resolver o problema com competência, e não se
imiscuir na discussão de forma autoritária, sem a devida cautela que devem ter
os governantes ao tratar de assuntos complexos da sociedade. Porque o risco de
cairmos em soluções degradantes existe e, se adotadas, só servirão mesmo para
"lavar a alma" dos fundamentalistas de plantão, como muito bem descreveu
o meu amigo Luiz Cláudio em sua crônica.
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