fevereiro 22, 2013

NÃO, NÃO HÁ FATALIDADE QUANDO SE MORRE NUM CAMPO DE FUTEBOL









O Corinthians, campeão da Taça Libertadores da América, vai jogar nas alturas da Bolívia, em Oruro, a 3700 m acima do nível do mar. Um jogo de risco e de expectativas, pela estreia.

Duzentos torcedores corintianos acompanham o time na jornada épica. Nada de mais que esses chamados "loucos pelo time" tenham enfrentado as agruras da longa viagem para prestigiar aqueles que eles consideram heróis, depois de uma vitória quase quixotesca, em campos do Japão, pelo título mundial interclubes.

Apenas um detalhe: entre esse duzentos "loucos", há alguns que levam a sério o epíteto da torcida, além de serem acabados imbecis frequentadores de campos de futebol. E são esses idiotas que roubam a protagonia do jogo que devia se limitar às quatro linhas do campo: para comemorar o gol de seu time, aos cinco minutos do primeiro tempo, soltam rojões e sinalizadores (que são proibidos) e mais: dirigem um desses sinalizadores para a torcida adversária. Um moleque de quatorze anos, que ali fora para acompanhar, talvez pela primeira vez, o seu time; um moleque boliviano, morador distante quase duzentos quilômetros, que para ali viajara em busca da emoção de uma partida de futebol, é atingido no olho direito pela estupidez do "louco" que estava na torcida adversária. E morre.

Não. Não se pode falar de fatalidade. Fatalidade é terremoto, enchente, tufão... Fatalidade é estar onde não se devia estar. Mas, um campo de futebol não é lugar onde não devia estar, quando o seu time do coração está em campo. E campo de futebol não é lugar para se morrer, principalmente se você é apenas um jovem torcedor. Falar de fatalidade diante de tal estupidez é aceitar como normal que uma banda de música solte rojões dentro de uma boate fechada com mais de mil pessoas e provoque um incêndio que faz mais de 340 vítimas. Falar de fatalidade é pensar que não há responsáveis por atitudes absurdas, improváveis e estúpidas. Porque há, sim, culpados tanto na tragédia de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, quanto na morte desse garoto boliviano. Se há desproporção de vítimas, a dor é a mesma quando se perdem vidas, não importa quantas, por motivos que poderiam ser evitados.

Então, quem são os culpados nesse episódio do sinalizador?

Vamos ter que fazer um histórico de eventos e situações e criações humanas que beiram o absurdo e a insensatez, ao longo de muitos, muitos anos. Comecemos pelos culpados mais amplos, para chegarmos aos culpados específicos:

Primeiro, a mídia. Sim, meus amigos, a mídia. Sempre ela, a poderosa mídia, que interfere na nossa vida em aspectos que ela mesma não tem controle, ou finge não ter controle, porque há todo um jogo de cena, de esconde-esconde, de gritinhos histéricos de liberdade de opinião e outras cretinices que obstruem o verdadeiro significado das palavras.

Por que a mídia é culpada, num incidente desse tipo? Vejamos.

É sim, criação da mídia, a ideia da mítica torcida fanática, "sofredora" por anos e anos sem um título, da torcida "fiel" que se transforma em "nação corintiana", como se torcer para um clube estivesse no mesmo nível de emoção ou de pertencimento a um País ou a um grupo étnico. Tudo bobagem, para vender jornal, para produzir notícia, para ganhar dinheiro. Nenhum time de futebol devia poder provocar o mesmo tipo de paixão que se tem por causas muito, muito mais nobres. Um time de futebol é só um time de futebol. Que perde e ganha, como todas as equipes de qualquer esporte coletivo.

E por que se criou essa "mística", esse fanatismo? Porque a torcida corintiana começou a crescer, a dar espetáculo, a atrair a atenção. E houve aquela famosa "invasão" corintiana ao Maracanã, há alguns anos, quando a torcida tomou conta do então maior estádio de futebol do mundo, atrás de uma vitória de seu time. O monstro - que já estava aí - foi retroalimentado pela mídia, que incensou e incentivou sempre esse tipo de comportamento, porque descobriu que escrever sobre o Corinthians, falar sobre o Corinthians, produzir filmes ou material para a televisão sobre o Corinthians atrai público, atrai leitores, atrai, consequentemente, fama e dinheiro. E a mídia vive de seguidores, de patrocinadores, de dinheiro, enfim. E o monstro, incentivado pela mídia, tem crescido e ganhado epítetos, desde o termo "fiel", que remete ao fanatismo religioso, até o mais recente, "loucos". E os "loucos" fazem esse tipo de coisa, que é lançar um mortífero sinalizador contra adversários anônimos e completamente desconhecidos, já que a torcida do time adversário - o San José - não tem, nunca teve e provavelmente nunca terá qualquer motivo de desavença ou de hostilidade em relação à torcida ou ao time de futebol chamado Sport Club Corinthians Paulista.

Segundos culpados: a diretoria do clube. Ou melhor, as diretorias de todos os clubes e, por extensão, todos os dirigentes de futebol, desde as Federações estaduais até as poderosas CBF e FIFA.

Sempre condenei a existência, por absurda, das chamadas "torcidas organizadas". São um bando de baderneiros que se unem não exatamente para torcer para um clube, mas para provocar o adversário, para realizar enfrentamentos com outras torcidas, para tomar lugares nos estádios de pessoas que querem torcer com tranquilidade. E mais: usam o nome do clube - que é um patrimônio privado e valioso - para se estabelecer como pretensas sociedades que não têm nenhuma base jurídica, mas se apropriam também dos símbolos

acha dona desses bens e que só provocam - como todos sobejamente  o sabem - o temor por onde passam, em suas investidas contra adversários, contra os bens públicos, provocando ferimentos e até mortes, muitas mortes. E os clubes - no caso, o Corinthians - são culpados, sim, por terem sido inicialmente omissos em relação ao surgimento dessas torcidas e, depois, por até mesmo incentivar sua existência, dando-lhes voz em decisões internas e patrocinando-as com dinheiro, ingressos e privilégios nos estádios. São responsáveis, sim, pela alimentação e pelo crescimento dos monstros, sob os olhos complacentes dos dirigentes máximos do futebol, que poderiam, sim, baixar normas que levassem a que os dirigentes dos clubes coibissem a existência das torcidas organizadas ou que, pelo menos, não as incentivassem.

Terceiros culpados: o poder público. Principalmente o Ministério Público e os órgãos de Segurança Pública.

O Ministério Público já fez várias denúncias contra a existência dessas hordas bárbaras, mas não teve peito de levar adiante medidas que as pusessem totalmente fora da lei ou, melhor, que reconhecessem que seu funcionamento não tem respaldo legal. Quando chega a hora de realmente criminalizar o comportamento dessas torcidas, sempre se faz uma conta de chegar, o famoso "termo de ajustamento" e tudo continua igual. Os vândalos seguem sua sina de vândalos, sob o olhar às vezes conivente, às vezes furibundo dos órgãos de Segurança Pública, ambas as atitudes condenáveis, porque ou não reprimem de forma civilizada aquilo que não respeita a civilização ou o fazem de forma incivilizada, ou seja, descendo o cacete, como se a violência das hordas justificasse a violência policial. E o monstro, tocado em seus brios guerreiros, alimenta-se da violência, para, através do desafio aos órgãos repressores, arrebanhar mais indivíduos violentos para as suas fileiras.

Há, agora, os responsáveis específicos do evento: primeiro, a polícia boliviana. Sim, não vou aliviar a responsabilidade policial, que devia ter revistado com mais rigor - se é que houve revista - a todos os torcedores, para impedir que entrassem no estádio com objetos perigosos, como os tais sinalizadores. E finalmente, os próprios indivíduos que entraram com esse tipo de petardo em campo, quando sabem - e não podem se fazer de inocentes, porque nada têm de inocentes - que esse tipo de material se constitui, na verdade, numa arma de ataque, muito mais do que um objeto de uso em comemorações de alegria. Tinham, sim, segundas intenções. Entraram no estádio com a ideia de que iriam não para uma partida de futebol, mas para uma batalha com a torcida adversária, em muito maior número e, portanto, muito mais perigosa, num tipo de raciocínio ilógico de que todo adversário é inimigo. E inimigo merece... morrer!

Portanto, já que não se podem punir os responsáveis longínquos, porque não há como definir atos específicos, devem ser os torcedores severamente penalizados, para que não se repitam atos como esses. E também ao clube, ao Corinthians, de acordo com as normas da Federação Latino-americana de Futebol, devem ser impostas sanções severas, já que os clubes são corresponsáveis pelas atitudes de seus torcedores.

E o que mais?

Ah, sim, há muito o que fazer: buscar formas de amenizar o fervor místico de torcedores imbecilizados pelo fanatismo, através de campanhas educativas, em todos os meios de comunicação, coisa que se devia impor à mídia, como forma de cobrar dela a parte de responsabilidade que lhe cabe, aos educadores, aos formadores de opinião. E também, principalmente, acabar de uma vez por todas com a existência dessa praga chamada "torcida organizada". Processar seus dirigentes, por danos à imagem dos clubes, ao patrimônio público e ao consumidor em geral, por impedi-lo de assistir com tranquilidade aos jogos de futebol; fechar e lacrar suas sedes e impedir que se reúnam e que voltem a existir. E os que praticam ou praticaram violência em estádios de futebol ou por causa do futebol sejam banidos, banidos para sempre, dos campos, com a obrigação de se apresentarem numa delegacia de polícia sempre que houver um jogo de seu time.

Enfim, há muito o que fazer, para que volte a paz ao futebol. Medidas, medidas práticas, efetivas, não apenas promessas ou passeatas em favor da paz ou coisas do gênero. Chega de paliativos, chega de conivência.

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