agosto 07, 2015

1960 - 2000: EM QUARENTA ANOS, DOIS PRESIDENTES DA DIREITA DEFENESTRADOS






Tomemos o período histórico recente entre 1960 e 2000. Quarenta anos. Durante esse tempo, três presidentes da República foram defenestrados. Um deles, João Goulart, era de esquerda e foi afastado do poder por um golpe militar da direita mais hidrófoba desse País. Os outros dois - Jânio e Collor - eram de direita e saíram por motivos diferentes, em situações diferentes, mas eram ambos muito parecidos, como vamos ver nesta tentativa de entender um pouco mais a política brasileira.

Jânio Quadros. Como político, "nasceu" da oligarquia paulista. Venceu as eleições presidenciais com o mote da vassoura, que ia varrer a corrupção e limpar o País. E venceu contra um candidato moderado, da centroesquerda, Marechal Lott. Nem sei se posso colocar o Marechal um pouco mais à esquerda do que no centro. Em todo caso, não era o homem do empresariado, dos que tinham dinheiro e pretendiam continuar fazendo a festa, depois do surto de desenvolvimento promovido por JK.

Por que Jânio renunciou, sete meses depois?

Bem, ele já morreu e nunca explicou direito o que o levou ao gesto estúpido. Por um motivo, para mim, muito simples: não podia explicar, sem comprometer muita gente graúda. Porque, na verdade, a renúncia foi uma tentativa de golpe. Pensava que voltaria nos braços do povo - que nunca foi bobo, e não compactuou com as idiotices que ele cometeu no seu breve governo - ou por obra e graça de militares apoiados pelo dinheiro do capital - coisa que ainda não estava madura, naquele momento. Ou seja, as Forças Armadas - que já possuíam um núcleo político de direita - ainda não tinham o necessário motivo e o necessário apoio político, institucional e financeiro para dar o golpe, e muito menos apoiar um civil. Os empresários que devem ter-se comprometido com Jãnio compreenderam bem isso, e devem tê-lo traído, uma traição com a promessa de recompensas futuras, principalmente financeiras. Porque, em termos políticos, Jânio teve apenas uma recompensa: a prefeitura de São Paulo, em 1985 (o que prova que a "elite" paulistana é mesmo muito burra). E há também um outro fator: os empresários comprometidos com Jânio eram ainda uma classe em formação, não tinham tanto poder político (o golpe de 64 foi gestado e financiado pelos fazendeiros e latifundiários e teve, claro, o apoio da classe empresarial, principalmente na manutenção dos militares por vinte anos, quando eles, os empresários se empoderaram, não só de dinheiro).

Por que Jânio perdeu a confiança da direita endinheirada?  Porque era louco. E, sendo louco, era inteligente. Fazia coisas de sua própria cabeça. Pensava um País à sua imagem e semelhança. Proibia rinhas de galo e biquínis, coisas absolutamente absurdas, na visão das velhas raposas. Mas que davam claros sinais de que seria ele, Jânio, indomável. E não confiável. Sua renúncia deve ter sido articulada com a promessa de uma escada que lhe foi retirada em seguida, deixando-o a ver navios. Como não podia falar nada, atribuiu-a a "forças ocultas", expressão que, na verdade, foi cunhada pela imprensa, ele usou "forças terríveis", para justificar seu gesto. Outra hipótese para a renúncia pode ter sido um delírio messiânico, depois de se recusar a dar o rumo ao governo que pretendiam as forças que o apoiaram. Suas políticas - principalmente a externa e a econômica - não vinham agradando aos setores conservadores. Enfim, Jânio tinha de ser descartado, mesmo com o risco Jango, risco esse amenizado pela ausência do vice-presidente, que estava na China e demorou para voltar, o que possibilitou articulações que, por um lado, permitiram sua posse, por outro tentou limitar seus poderes, com a adoção desastrada do parlamentarismo. O que veio a seguir todos sabem: os anos de chumbo, após a deposição de Jango, um governo de esquerda.

Fernando Collor de Mello foi a aposta da direita endinheirada, após o perído da restauração democrática, depois do fracasso das políticas econômicas de José Sarney, um vice que devia ter sido um vice de luxo de Tancredo Neves, morto antes da posse.

Seu governo durou mais do que o do Jânio. Embora também seja louco. E porque é louco, é inteligente. Por isso, também se recusou a fazer a "lição de casa", quando presidente. Adotou políticas econômicas heterodoxas e extremamente instáveis e impopulares. Tentou - e até obteve algum sucesso - uma segunda "abertura dos portos", provocando a ira do empresariado que se acostumara a uma economia fechada e a reservas de mercado para seus produtos. Tocou, então, numa velha ferida: a falta de competitividade da indústria nacional frente aos estrangeiros, uma marca do atraso e da burrice de nossas elites empresariais até então (e, em parte, até hoje). Além disso, tinha um projeto próprio de poder, o que levou ao governo um grupo paralelo de arrecadação, chefiado por seu irmão, num processo de corrupção e pagamento de propinas nunca antes tão escancarado. O ódio do povo - por causa de sua economia e da corrupção - e do empresariado, por sua traição aos princípios de abertura econômica lenta e gradual (como fora o processo de redemocratização), levaram-no à renúncia, para não sofrer impeachment pelo Congresso Nacional.

Jânio e Collor. Ambos tiveram por marca de suas campanhas políticas o combate à corrupção. Ambos eram tribunos enlouquecidos e conseguiam mobilizar multidões, com uma retórica conservadora e moralista. O primeiro não teve tempo para corromper-se, embora os sete meses de governo lhe tenham propiciado um botim considerável, provavelmente advindo dos empresários que o apoiaram e o traíram. O segundo já levava a corrupção em seu DNA. Ambos tiveram projetos políticos ousados, para dizer o mínimo. Ambos eram forças indomáveis, loucas e sem destino. Quase levaram o País ao desastre total. Ambos irritaram a direita com seus projetos e suas políticas. Ambos foram levados à renúncia. São os projetos frustrados da nossa velha e boa direita calhorda, nesses quarenta anos.


Todos os demais presidentes da república desse período, com exceção óbvia de João Goulart, incluindo os militares, executaram ou tentaram executar políticas econômicas de favorecimento das classes empresariais, sejam da indústria, do comércio ou do agronegócio. Foram coniventes com o status quo de país de pouca abertura econômica para o mundo, de proteção ao capital nacional, de incentivo a um crescimento econômico capitalista e selvagem, com pouca ou nenhuma preocupação social. O desenvolvimento era custeado por poucos e visava a poucos, principalmente durante o regime militar. As desigualdades sociais eram tratadas como algo contingencial e até necessário, para que o País crescesse e só depois o "bolo seria distribuído", o que nunca acontecia, porque os que ganhavam dinheiro com o crescimento não só embolsavam os lucros, como ainda queriam cada vez mais. Então, o processo de distribuição de rendas caía no velho e costumeiro círculo vicioso: só ganhava dinheiro quem tivesse dinheiro. E o povo que se virasse, com as poucas oportunidades que lhe eram atribuídas, como migalhas do banquete dos ricos, para usar a velha metáfora, tão velha quanto a desigualdade aprofundada por todos esses governos, desde 1960 até o ano 2000 e tendo mais dois anos, até 2002, como um rabicho desse tempo de desigualdades. Quando, a partir desse ano, tudo começou a mudar. Mas, aí é outra história.

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