Em política, só as ditaduras são
absolutas; tudo o mais é relativo, absolutamente relativo. Nossa democracia,
por exemplo: há liberdade de expressão, de manifestação, mas há também leis que
regulam e, até certo ponto, relativizam tal liberdade, além do fato de que há
temas sobre os quais a manifestação de posição favorável pode dar até cadeia,
como racismo. Também somos livres para criticar nossa democracia, mas não pode
haver liberdade absoluta de expressão para quem queira suprimi-la. Numa
democracia, não se pode ser anti-democrático. Logo, em alguns aspectos, o
regime democrático torna-se ditatorial, por mais que essa palavra nos cause
asco. A diferença dos aspectos ditatoriais (e notem que nem usei aspas) de um
regime democrático para os mesmos aspectos num regime ditatorial é que, no
regime absolutista, a oposição a ele é tratada de forma absoluta, com prisão,
condenação, prisão e, muitas vezes, morte, quase sempre sem julgamento, ou com
julgamentos de cartas previamente marcadas. Já o regime democrático trata os
opositores de forma relativa, levando-os às barras dos tribunais, sob leis o
mais justas possível, com o mais amplo direito de defesa. E não se pode, e isso
já é uma opinião estritamente pessoal, tergiversar com a aplicação da lei, pois,
como sempre se disse, dura lex, sed lex.
Todo esse arrazoado vem a
propósito do temor - justificado - de alguns setores democráticos com relação à
convocação por um grupo de extremistas da direita de uma nova "marcha da
família, com deus, pela democracia", de cunho claramente golpista e
favorável à volta dos militares e sua ditadura. Que haja saudosistas dos tempos
ditatoriais, não nos causa estranheza: muitos foram os apoiadores efetivos, com
recursos e prestígio, aos militares da ditadura. Que sonhem com sua volta, para
continuarem tendo os privilégios que tiveram, também é um direito deles, e um
direito democrático. Já o fato de pregarem abertamente tal proposta ponho em
sérias dúvidas se um regime realmente democrático deva permitir uma campanha
contra os seus princípios. E conspirar, então - e conspiração parece existir
nessa campanha -, merece com certeza que seus inspiradores e líderes respondam
por seus atos e palavras nas barras dos tribunais, democraticamente, com
direito claro à defesa, mas com um julgamento que não deixe dúvidas de que não
se pode - pelo bem da democracia - ser conivente ou calar diante de ameaças ao
sistema democrático que adotamos.
Querem se manifestar? Que se
manifestem. Querem marchar com deus ou com o diabo? Que o façam. Porém,
respondam, depois, pelos seus atos e palavras. Porque a tolerância democrática
tem o limite de sua relatividade: não pode permitir-se a omissão diante de
quem, de forma absoluta e absolutista, queira impor, de novo, um regime
contrário aos princípios básicos e axiomáticos de um sistema democrático. Que
se manifestem, portanto, os representantes da lei, com a justa dureza e
isenção que exige o caso.
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